Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B1782
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
DEVER DE VIGILÂNCIA
CULPA IN VIGILANDO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ200406030017827
Data do Acordão: 06/03/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 1974/03
Data: 01/21/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - O art.491º C.Civ. institui uma responsabilidade por facto próprio.
II - Produzido um dano por um incapaz, a lei presume - iuris tantum - que tal resultou de culpa in vigilando, com, embora se trate de presunção ilidível, a consequente inversão do ónus da prova, nos termos e com os efeitos previstos nos arts.344º, nº1º, e 350º C.Civ.
III - Como assim, demonstrado que a conduta do incapaz foi causa do dano, é aos responsáveis pela vigilância que compete provar que procederam com a diligência exigível.
IV - Ancorada esta responsabilidade (extracontratual) num dever de vigilância decorre disso mesmo impor-se, se bem que sem prejuízo da presunção aludida, uma apreciação casuística, isto é, com especial atenção às circunstâncias do caso.
V - Dano biológico flagrante, a perda da visão do olho direito constitui incapacidade fisiológica e funcional sempre de indemnizar em vista da necessariamente consequente diminuição da capacidade geral de ganho.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 5/9/89, A e mulher B, por si e em representação de sua filha menor C, intentaram, na comarca de Fafe, contra D e mulher E acção declarativa com processo comum na forma ordinária, com vista a obter a condenação dos demandados a pagar-lhes indemnização no montante de 4.062.592$00 ( € 20.264,12 ) pelos danos patrimoniais por eles sofridos e pelos não patrimoniais sofridos por aquela menor e, ainda, no mais que viesse a liquidar-se em execução de sentença.

Alegaram para tanto, em síntese, que em 20/8/86, o menor F, filho dos RR, arremessou na direcção da referida filha menor dos AA uma pedra com que a atingiu no olho direito, do que advieram os danos reclamados.

Contestando, os demandados, que litigam com benefício de apoio judiciário na modalidade da dispensa de preparos e do pagamento de custas, para além de deduzirem a excepção da prescrição do direito de indemnização arguido, negaram ter sido aquele seu filho quem arremessou a pedra que feriu a filha dos AA, alegaram ter cumprido todos os deveres de vigilância a que estavam adstritos relativamente ao mesmo, e excepcionaram ainda, em indicados termos, a falta de tratamento oportuno da lesão sofrida pela A. menor.

Houve réplica, e, em 29/1/90, audiência preparatória com seguida suspensão da instância, ambas infrutíferas (fls.30).

Já em 10/11/98, ordenou-se outra audiência, dita preliminar, a que corresponde a acta de tentativa de conciliação com data de 12/1/99, a fls.50.

A excepção de prescrição foi julgada improcedente no saneador, no mais tabelar, com data de 20/4/2001; e então também organizados especificação e questionário, veio, após julgamento, a ser proferida, nas Varas de Competência Mista de Guimarães, sentença, com data de 24/3/2003, que julgou a acção procedente e condenou os RR a pagar à A. menor a quantia pedida, com juros à taxa legal sucessivamente vigente desde a citação até integral pagamento.

Os assim condenados apelaram dessa sentença, alegando, em suma, e antes de mais, ter ilidido a presunção de culpa in vigilando estabelecida no art.491º C.Civ.

Julgados não provados danos patrimoniais, opuseram mais não justificar-se o aumento do valor pretendido a título de compensação por danos não patrimoniais, que consideraram constituir conde nação ultra petitum.

A Relação de Guimarães negou provimento a esse recurso. Considerou, em suma (pág.8 desse acórdão, a fls.196 dos autos), que o arremesso de pedras demonstra não ter o menor realmente apreendido os princípios de boa conduta e as normas de respeito pelos outros transmitidos ou ensinados pelos apelantes, nem ter-lhe sido incutida a noção e compreensão do perigo que um tal comportamento importa, e necessitar por isso de vigilância mais aturada.

Quanto à 2ª questão suscitada, louvou-se na doutrina de Ac.STJ de 2/3/83, BMJ 325/365 ( - I ).

Vem, pelos assim vencidos, pedida revista dessa decisão.

Em remate da alegação respectiva, formulam, com prejuízo manifesto da síntese imposta pelo nº 1º do art.690º CPC, 23 conclusões (menos duas que na apelação).

As questões - cfr. arts.713º, nº2º, e 726º CPC - que nelas se suscitam traduzem-se, outra vez, nas teses seguintes:

1ª - ilidiram a presunção de culpa in vigilando firmada no art.491º C.Civ. - 16 primeiras conclusões;

2ª - a condenação proferida excede injustificadamente o valor do pedido correspondente - 1ª par te da conclusão 17ª e conclusões 18ª a 20ª .

Na 2ª parte da conclusão 17ª e na 21ª adita-se uma 3ª questão - nova: segundo aí se diz, a condenação apelada "duplica os valores ao actualizar a indemnização e ao mesmo tempo condenar no pagamento de juros desde a citação".

A conclusão 22ª resume as duas últimas questões referidas: a 2ª, já apreciada na Relação, sintetizada na proposição de que "o valor fixado na decisão recorrida deve ser reduzido para o valor peticionado" (a título de compensação por danos não patrimoniais), e a 3ª, assim concretizada: "porque na fixação do mesmo já se procedeu à devida actualização, deve a condenação em juros ser alterada por forma a que só sejam devidos a partir da sentença".

Na 23ª, e última, conclusão dão-se por violadas as disposições dos arts.491º, 494º e 805º C. Civ. e 661º CPC.

Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Convenientemente ordenada (1), a matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue:

( a ) - A A. C é filha dos AA A e mulher B.

( b ) - Nasceu em 7/10/73.

( c ) - Em 31/8/86, um domingo, cerca das 18 h 30 m, a A. C encontrava-se no largo da Senhora da Ajuda, no lugar da Senhora da Ajuda, Estorãos, Fafe.

( d ) - F, filho dos RR D e E tinha então 11 anos de idade e vivia com os pais, que o tinham à sua guarda e vigilância.

(e) - Nesse momento, encontrava-se desacompanhado dos pais.

( f ) - A A. C, uma irmã, o F e mais uma meia dúzia de crianças do lugar da Senhora da Ajuda tinham ido à igreja assistir a um serviço religioso, uma vez que era domingo.

( g ) - No final do serviço religioso, todos eles saíram e seguiram juntamente na brincadeira uns com os outros.

( h ) - Detiveram-se num recinto próximo da igreja, onde continuaram a brincar.

( i ) - O menor F brincava procurando pedras no solo e arremessando-as de seguida.

( j ) - Enquanto brincava, atirou várias pedras, uma das quais, arremessada na direcção da menor A., a atingiu na vista direita.

( k ) - Dada a violência com que a pedra foi arremessada e a zona atingida, a menor gritou de dor, após o que desmaiou.

( l ) - Nas circunstâncias descritas, a A. C não se apercebeu da presença do F no local onde se encontrava.

( m ) - O "F" confessou, nessa altura, ter arremessado uma pedra.

( n ) - Alertados por aquele grito, os (demais) AA e outras pessoas deslocaram-se de imediato ao local a fim de socorrer a menor, tendo-a encontrado com a cara cheia de sangue que brotava da vista direita.

( o ) - A mesma foi transportada de imediato ao Hospital de Fafe, onde foi assistida pelo médico de serviço, o qual, dada a gravidade do ferimento, a encaminhou para o Hospital de S.João, do Porto.

( p ) - A A. C foi assistida nesse Hospital, no dia 1/9/86, e esteve lá internada até ao dia 3/9/86.

( q ) - Voltou a ser internada no Hospital de S.João, no Porto, entre 4 e 19/9/86, data em que teve alta desse Hospital mediante a assinatura de termo de responsabilidade.

( r ) - Porque entretanto terminou o tempo de férias, os AA ( pais ) e menor viram-se na necessidade de regressar a França, tendo feito a viagem de regresso de avião, dado o estado melindroso da filha.

( s ) - Aí chegados, internaram a mesma de imediato no serviço de oftalmologia do Centre Hôpitalier Regional et Universitaire d’Amiens.

( t ) - Nesse estabelecimento hospitalar, a menor C foi sujeita a várias e melindrosas operações cirúrgicas, na tentativa de lhe salvar a visão, bem como a vários tratamentos.

( u ) - Em 26/7/88, foi submetida a uma intervenção cirúrgica que consistiu na extracção do cristalino e respectiva substituição por um implante com a graduação de 23 dioptrias; com o que sofreu desgosto.

( v ) - Em virtude dos internamentos e tratamentos ambulatórios naquele estabelecimento hospitalar, a menor ficou privada, pelo menos durante o período de duração dos mesmos, de frequentar o seu estabelecimento de ensino habitual.

( w ) - Com os tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeita, sofreu dores contínuas e intensas.

( x ) - Os factos referidos em ( n ) a ( p ) e ( r ) a ( w ), supra, foram consequência directa e necessária de a A. menor ter sido atingida pela pedra.

( y ) - Os RR, pais do menor F, transmitiram-lhe sempre os princípios da boa educação e de uma boa formação religiosa e de conduta em sociedade.

( z ) - Durante o seu processo educativo, o menor foi sempre acompanhado e orientado pelos pais, que lhe ensinaram sempre os princípios e as normas do respeito pelos outros e pelas coisas alheias.

São do C.Civ. todas as disposições citadas ao diante sem outra indicação.

A) - 1ª questão: Da presunção de culpa in vigilando estabelecida no art.491º:

1. Consoante art.491º, produzido um dano por um incapaz, a lei presume - iuris tantum - que tal resultou de culpa in vigilando.

Trata-se de uma responsabilidade por facto próprio, em que, ilidível, embora, aquela presunção, ocorre, por via dela, inversão do ónus da prova, nos termos e com as consequências dos arts. 344º, nº1º, e 350º.

Como assim, demonstrado que a conduta do incapaz foi causa do dano, é aos responsáveis pela vigilância que compete provar que procederam com a diligência exigível ( ARL de 3/1/78, CJ, III, 13 ).

Os princípios a ter em conta na apreciação destes casos encontram-se, de facto, bem resumidos no sumário do Ac.STJ de 23/2/88, BMJ 374/466 (v. também Ac.STJ de 13/2/79, BMJ 284/189-4.-190 ).

Ancorada esta responsabilidade (extracontratual) num dever de vigilância, que, no caso, resulta do disposto nos arts.122º, 123º, 129º, 1877º e 1878º, nº1º, decorre disso mesmo impor-se, à luz, ainda, do disposto nos arts.483º, nº1º, e 487º, nº2º, uma apreciação casuística, isto é, com especial atenção às circunstâncias do caso - se bem que sem prejuízo, sempre, da presunção aludida (2).

A hipótese vertente é semelhante à versada em ARL de 20/2/86 com sumário no BMJ 361/597
( 3º). Mas concretizando, então:

2. Não passando tudo isso de extrapolação sem base suficiente na matéria de facto provada, não consta dela que se tenha efectivamente tratado de acto isolado; nem o contrário; e nem, também, ainda, que o filho dos recorrentes era, ou deixava de ser, o único que brincava a atirar pedras. Isto
arredado:

Consideradas as circunstâncias de tempo e lugar e os normais usos e costumes correspondentes, não se discute que, em princípio, um menor de 11 anos efectivamente pudesse ir, desacompanhado dos pais, numa tarde de domingo, à igreja, assistir a um serviço religioso, e ficar depois a brincar, com outros, no largo.

O que, no entanto, não pode aceitar-se é a tese dos recorrentes (3), na revista, a fls. 210 vº, 5º par. de que procurar pedras e arremessá-las não é uma brincadeira violenta: é-o, pelo menos, perigosa: e tanto assim que na vigência do Código Penal de 1886, o simples arremesso de pedras contra - na direcção de - alguém, p. e p. no art.363º, constituía crime público, não dependendo o competente procedimento criminal de queixa, nem admitindo perdão do ofendido ( v., a propósito, Luís Osório, "Notas ao Código Penal Português", III, 129).

Menor que assim procede não tem, em boa verdade, idoneidade para andar a brincar com outros sem ter por perto alguém que o vigie.

3. A questão vem, deste modo, a centrar-se, realmente, no condicionalismo educativo antecedente (v. Ac.STJ de 17/1/80, BMJ 293/308-I ).

Está provado que os ora recorrentes transmitiram ou ensinaram sempre ao filho os princípios de uma boa formação e duma boa conduta em sociedade, designadamente quanto ao respeito pelos outros. O arremesso de pedras em causa - v. ( j ) e ( k ), supra, que teve as graves consequências constantes de (n) a (x ), desmente, no entanto, claramente, que o menor, com, ao tempo, 11 anos de idade, tal tenha efectivamente interiorizado ou apreendido.

Não pode, nestas condições, aceitar-se que os recorrentes se desincumbiram, tanto quanto exigível, capazmente, do dever de educação que sobre eles impendia, nem, por conseguinte, julgar-se, como pretendem, ilidida a presunção estabelecida no art.491º.

B) - 2ª questão: valorização dos danos considerados:

1. No artigo 21º da petição inicial, o pedido líquido deduzido, aí expressamente referido a danos patrimoniais e não patrimoniais, mostra-se desdobrado nas parcelas indemnizatórias seguintes: a) - perda da visão da vista direita - 2.000.000$00; b) - deformação da face, lado direito - 200.000$ 00; c) - atraso de 3 anos na vida académica - 1.000.000$00; d) - dores sofridas com tratamentos e intervenções cirúrgicas, abalo psíquico, etc.- 800.000$00; e) - despesas com transportes - 62.592 $00.

Não provadas estas últimas, na sentença de Vara de Competência Mista de Guimarães a fls.148 lê-se, singelamente, isto:

"1. Danos patrimoniais

Não se apuraram.

2. Danos não patrimoniais

A este título apurou-se que, em consequência do acidente, ( ...)".

Segue-se transcrição dos factos provados referidos em ( n ) a ( w ), supra, e a valorização desses danos, com referência expressa ao art.661º, nº1º, CPC, em montante equivalente ao total do pedido líquido deduzido. Finalmente:

" 3. Danos a fixar em execução de sentença

Não se apuraram.".

2. Dano biológico flagrante, a perda da visão do olho direito constitui handicap, isto é, incapacidade fisiológica e funcional, sempre, se bem parece, de indemnizar em vista da necessariamente consequente diminuição da capacidade geral de ganho.

Tal é, enfim, o que, com referência, ainda, ao art.566º, nº3º, de claro modo se elucida em Ac. STJ de 11/2/99, BMJ 484/352 ss ( v.354. 2ª col.), e o que pode por igual firmar-se em acórdão, desta mesma secção também, de 23/5/2002, no Proc.nº1104/02 (respectiva pág.9, nº13.), e demais jurisprudência aí citada (nota 12 deste último).

Bem assim o atraso na formação académica e, por consequência, na entrada "na vida activa, no mundo do trabalho", se provados, acarretariam, necessariamente, prejuízos patrimoniais evidentes , de considerar a título de lucros cessantes futuros.

Por mais, porém, que se julgue de rejeitar a seca asserção da sentença apelada de que não se apuraram danos patrimoniais, prevalece, nestes autos, a esse respeito, o disposto no art.684º, n.º 4, CPC.

Como assim, só de danos não patrimoniais há, agora, que cuidar - incluindo os que os factos que vêm de mencionar-se, na medida em que provados, por igual, normalmente, envolvem. Então:

3. Conforme jurisprudência constante deste Tribunal, os limites da condenação estabelecidos no art.661º CPC entendem-se referidos ao pedido global, e não às parcelas em que há que desdobrar o cálculo da indemnização.

Como assim, a fixação da compensação por danos não patrimoniais em quantia superior à respectivamente adiantada no articulado inicial não infringe o disposto no art.661º, nº1º, CPC - v. Acs.STJ de 18/11/75, BMJ 251/107, e de 2/3/83, BMJ 325/365-III, que cita o de 11/6/80, BMJ 298/238-II e 239, o qual, por sua vez, refere anteriores; v., mais, Ac.STJ de 28/2/80, BMJ 294/ 283-II e 285, que invoca igualmente anteriores, e, por mais recente, Ac.STJ de 4/2/93, CJSTJ, I, 1º, 128-III.

Porque assim é, a referência, no texto da alegação dos recorrentes (a fls.211, 3º par.) ao disposto no art.668º, nº1º, al e), CPC (a última conclusão dessa alegação refere-se só ao art.661º) desmerece consideração.

4. Chega-se, deste modo, ao verdadeiro cerne desta questão, que é à valorização dos, sem qualquer dúvida, muito graves danos morais sofridos pela A. C - ao tempo, menor, com nem bem ainda, então, 13 anos de idade.

Relevante neste âmbito o preceituado no art.496º, nºs 1º e 3º, a 1ª parte deste último manda que se tomem em consideração os factores indicados no art.494º.

Não acentuado o grau de culpa atribuível aos ora recorrentes, é, por certo, modesta a respectiva situação económica, visto que litigam com benefício de apoio judiciário, tal como, por igual, se afigura ser a da lesada, filha de emigrantes em França.

De considerar ainda as demais circunstâncias do caso, e, de modo adjuvante, os comuns padrões jurisprudenciais, de que fala Antunes Varela em - Das Obrigações em Geral -, I, 9ª ed. (1998), 629 (e, citando-o, em edição anterior, Vaz Serra, RLJ, 113º/104), devidamente actualizados, logo se recorda que ainda em 1996 - cerca de 7 anos depois de iniciado este processo - se tinham neste Tribunal por compensação adequada pela perda do direito à vida montantes da ordem dos 4.000.000$00.

Sustentam agora os recorrentes, em vista do disposto no art.566º, nº2º, que a valorização da compensação dos danos morais terá sido feita com referência à data do julgamento.

Tanto mais que não pedidos juros, é, de facto, de admitir ter-se reportado a avaliação dos danos (não patrimoniais) considerados ao tempo em que veio a ser proferida a decisão, de harmonia com o disposto nos arts.566º, nº2º, C.Civ., e 663º, nº 1, CPC; e tal assim em juízo de equidade - isto é, de justiça em concreto, ou do caso concreto - imposto pela 1ª parte do nº3º do art.496º, que bem, na realidade, não se vê que sofra censura.

É-se, deste modo, conduzido à última questão, ex novo proposta neste recurso:


C) - 3ª questão - Do início da contagem dos juros de mora:

Emigrantes os demandantes e litigando os demandados com benefício de apoio judiciário, não surpreenderá que esta acção só tenha vindo a ser movida cerca de 3 anos depois dos factos a que se reporta.

São, em todo o caso, os demandados, ora recorrentes, que, em vista da acumulação de juros moratórios entretanto vencidos, salientam a confrangedora demora deste processo.

Nota-se, a este respeito, que:

- já há anos em vigor, quando proposta a acção, a 2ª parte do nº3º do art.805º, introduzida pelo DL 262/83, de 16/6, não foi deduzido ao seu abrigo o competente pedido acessório de juros de mora, sequer nos temos que o art.273º, nº2º CPC consente;

- a correspondente condenação importou violação flagrante do nº1º do art.661º e a consequente nulidade, nessa parte, da sentença proferida, nos termos da al.e) do nº1º do art.668º, ambos do CPC;

- não reclamada essa nulidade no recurso de apelação, como indispensável, consoante nº3º daquele art.668º, para que pudesse ser apreciada, essa condenação transitou em julgado - e tal como proferida, ou seja, mesmo quanto ao início da contagem desses juros;

- o que, em vista ainda do já referido art.684º, nº4º, CPC, inescapavelmente arreda ou preclude a aplicação da doutrina do acórdão para uniformização de jurisprudência nº4/2002, de 9/5/2002, publicado no DR, I Série-A, nº146, de 27/6/2002 (4).

Desta sorte: não pedidos juros, mas também não reclamada na apelação a nulidade que a sua concessão acarreta, a condenação em juros moratórios não pedidos transitou em julgado; e tal assim mesmo quanto ao início da sua contagem - questão igualmente não suscitada na apelação e de que por isso mesmo se não pode agora conhecer, sob pena de preterição de jurisdição (cfr. art.676º, nº 1, CPC).

Em consequência do deixado observado, chega-se à decisão que segue:
Nega-se a revista.

Custas pelos recorrentes (sem prejuízo do benefício que, nesse âmbito, lhes foi concedido).

Lisboa, 3 de Junho de 2004
Oliveira Barros
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
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(1) V., a propósito, Antunes Varela, RLJ, 129º/51.
(2) V. Vaz Serra, - Responsabilidade de pessoas obrigadas a vigilância, BMJ 85/381, 385, e 398 (citado por Mário de Brito, "C.Civ. Anotado", II, 176 e 177) e RLJ 111/24, Pires de Lima e Antunes Varela, "C.Civ. Anotado", I, 4ª ed., 493-4.e 5., Rodrigues Bastos, "Notas ao C.Civ.", II, 289, Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", I, 9ª ed. (1998), 611 a 613 ( nº167-A)-), e Almeida Costa, "Direito das Obrigações", 7ª ed. (1998), 509 (nº51.3.2.), com a aí menciona da jurisprudência (nota 1), designadamente Ac. STJ de 8/2/77, BMJ 264/154-III.
(3) Na alegação respectiva, na apelação, a fls.164 vº, 5º par., na revista, a fls. 210 vº, 5º par.
(4) Menos bem se compreende, por fim, a invocação do disposto no art.712º CPC feita na conclusão da alegação oferecida na apelação, a fls.170 dos autos.