Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B4506
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUÍS FONSECA
Descritores: PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ALEGAÇÕES
Nº do Documento: SJ200502100045062
Data do Acordão: 02/10/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3088/04
Data: 06/15/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : Mesmo em processo de jurisdição voluntária, tem aplicação o regime do art. 706º do C.P.C., quanto à junção de documentos com as alegações.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"A" propôs acção de regulação do exercício do poder paternal relativo ao seu filho menor B, contra C.
A acção seguiu os trâmites legais, sendo a final proferida a sentença de 3/4/03, onde se homologou o acordo dos pais do menor quanto ao regime da guarda e visitas e se fixou a cargo do pai a obrigação de pagamento da prestação de alimentos mensal a favor do menor no montante de 225 €, actualizada em Janeiro de cada ano, de acordo com os índices de inflação, excluindo habitação, anualmente publicados no I.N.E.

O requerido apelou e com a alegação juntou vários documentos.
Por despacho de 2/12/03 tais documentos, por extemporâneos, não foram admitidos.
O requerido agravou deste despacho.
A Relação de Lisboa, por acórdão de 15/6/04:
a) concedeu provimento ao agravo, revogando o despacho de 2/12/03; b) ordenou o desentranhamento dos autos de todos os documentos juntos pelo recorrente, referidos em II.4.b);
c) negou provimento à apelação, confirmando a sentença recorrida.
O requerido interpôs recurso de revista para este Tribunal, concluindo, assim, a sua alegação do recurso:

1- O recorrente interpôs recurso da sentença proferida nos autos de regulação de poder paternal que fixou em 225 € mensais o valor da pensão de alimentos a pagar ao menor B, sendo certo que nesse julgamento lhe foi omitida por parte do Tribunal de 1ª instância a necessidade de fazer prova nomeadamente da sua condição económica.

2- A fim de corrigir essa injustiça material que conduziu a uma inverdade formal o recorrente veio, em sede de recurso, apresentar vários documentos que foram todos entregues antes de se terem iniciado os vistos aos juízes, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 706º do C.P.C.

3- A não junção anterior dos documentos que agora se juntam deve-se ao desconhecimento por parte do recorrente da relevância que esses documentos poderiam ter para a boa decisão da causa, desconhecimento esse para o qual muito contribuiu a ausência de apoio e assessoria de natureza técnica jurídico-processual motivada pela não constituição de mandatário judicial.

4- Acresce que a necessidade da junção dos documentos em causa apenas resultou evidente para o recorrente a partir do momento em que teve conhecimento da decisão do Tribunal de 1ª instância quanto aos factos considerados provados, nomeadamente, letras C) a I) de fls., isto é, por "apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância."
Pelo que, ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, consideramos que o artigo 706º, nº 1, parte final, do C.P.C., tem no caso sub judice plena e justa aplicação.

5- A não admissibilidade dos documentos nos 1, 2, 3-A, 3-B e 8 protestados juntar que o recorrente pretendia juntar às suas alegações de recurso, além de, a nosso ver, violar o artigo 706º, nº 1, parte final, do C.P.C., viola também o artigo 1411º, nº 1 do C.P.C., segundo o qual "Nos processos de jurisdição voluntária as resoluções podem ser alteradas, com fundamento em circunstâncias supervenientes (...); dizem-se supervenientes (...) as circunstâncias que não tenham sido alegadas por ignorância", o que, tal como referido em 1, 3 e 4 destas conclusões, é manifestamente o caso do aqui recorrente.

6- Sempre se dirá que, sob pena dos direitos de defesa dos cidadãos e a verdade material dos factos, neste tipo de processos de jurisdição voluntária, serem gravemente afectados, a existência de artigos como os 151º da Lei da Organização Tutelar de Menores e 1409º, nº 4 do C.P.C., só se admitem porque, por sua vez, são compensados pela existência de um artigo com o teor do art. 1411º, nº 1 do C.P.C.

7- O Tribunal da Relação de Lisboa violou igualmente a lógica de todo o sistema com base no artigo 771º, alínea c), isto é, "Quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida", para ele próprio, em sede de recurso ordinário, negar a junção de documentos manifestamente relevantes para a descoberta da verdade e que só não foram juntos pelos motivos já supra mencionados.
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

No acórdão recorrido julgaram-se provados os seguintes factos:
1- O menor B, nascido em 4 de Junho de 2000, é filho de C e de A.

2- A requerente vive em casa arrendada, com o menor, pela qual paga a prestação mensal de 130.000$00.

3- Exerce a actividade de assistente social na Segurança Social, auferindo o vencimento líquido de 169.364$00.

4- O requerido constituiu novo agregado familiar, vivendo em casa própria com uma companheira, D, com dois filhos desta e um filho comum.

5- O requerido tem a profissão de Director Criativo de Multimédia, a qual neste momento não exerce, ocupando-se da exploração de um restaurante, juntamente com a sua companheira, o qual recentemente expandiram com a ocupação de duas lojas.

6- Aufere nessa actividade quantia concretamente não apurada.

7- Mas beneficia de rendimentos obtidos nos Estados Unidos da América, onde trabalhou, e da transacção de alguns bens imóveis.

8- Mostra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Oeiras a favor de ambos os progenitores, a aquisição de uma fracção autónoma sita em Paço de Arcos.

É pelas conclusões da alegação do recurso que se delimita o seu âmbito - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.
A questão suscitada neste recurso respeita a saber se os documentos apresentados com a apelação do recorrente devem ser admitidos com a consequente alteração da matéria de facto e, por via desta alteração, a dos alimentos em que o recorrente foi condenado.

Analisemos tal questão:
Este processo é de jurisdição voluntária - art. 150º da OTM, não sendo obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso - art. 151º da OTM, aplicando-se nos casos omissos, com as devidas adaptações, as regras do processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores - art. 161º da OTM.

A OTM é omissa quanto às regras a observar para a junção de documentos, valendo o regime processual do Código de Processo Civil sobre tal matéria, o qual não contraria os fins da jurisdição de menores que também está sujeita a uma ordem processual, nomeadamente na fase de recurso.

Nos termos do art. 706º, nº 1 do C.P.C., as partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o art. 524º ou no caso da junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª Instância.

O nº 1 do art. 524º só permite, no caso de recurso, a admissão de documentos apresentados após o encerramento da discussão quando a sua apresentação não tenha sido possível até àquele momento.

O seu nº 2 permite a apresentação em qualquer estado do processo de documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou que se tenham tornado necessários por causa de ocorrência posterior.

A frase "em qualquer estado do processo" significa, conforme ensina o Prof. Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil Anotado", Vol. IV, pág. 18, que os documentos em referência « podem ser oferecidos em qualquer estado do processo na 1ª instância. »

No caso dos documentos serem juntos com a alegação do recurso, é necessário, para que a junção seja admitida, que a parte justifique a impossibilidade de juntar o documento até ao encerramento da discussão na 1ª instância - cfr. acórdão do S.T.J. de 12/1/94, B.M.J. 433º, págs. 467 e segs.

Neste caso, os documentos juntos com a alegação da apelação podiam ter sido apresentados antes de ter sido proferida a sentença recorrida, não tendo o recorrente demonstrado a impossibilidade de o fazer antes da alegação do recurso, não podendo ser dada qualquer relevância ao facto alegado pelo recorrente, de desconhecimento da importância de tais documentos para fazer prova da sua situação económica, pois, conforme consta do despacho de fls. 35 e 36 proferido na acta de conferência dos pais, foi mandado notificar para alegar o que tivesse por conveniente em relação ao exercício do poder paternal, arrolar testemunhas, juntar documentos ou requerer outras diligências de prova, constando da mesma acta que não foi arguida de falsa, que foi notificado.

Não tendo em devido tempo junto os documentos que agora reputa de necessários, sibi imputat ; e se não constituiu advogado foi porque não quis.
Por outro lado, a junção de tais documentos não se enquadra na hipótese prevista na 2ª parte do nº 1 do art. 706º, ou seja « no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.»

Esta expressão significa que se justifica a junção de documento para a prova de factos cuja relevância a parte, razoavelmente, não podia ter em consideração antes de proferida a decisão.

Ou, como se refere no acórdão do S.T.J. citado (págs. 471 e 472 do referido B.M.J.), seguindo a doutrina exposta pelo Prof. Antunes Varela na R.L.J., ano 115º, pág. 95, « a junção de documento às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se baseie em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam.», o que manifestamente não se verifica no caso sub judice.

O art. 1411º, nº 1 do C.P.C. não se aplica ao caso da junção de documentos com a apelação, dado haver normas específicas - as indicadas, que estabelecem o seu regime legal.

Aliás, tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, o recurso só foi admitido para este Tribunal porque não se trata de uma decisão proferida segundo critérios de conveniência ou oportunidade - cfr. nº 2 do citado art. 1411º, mas segundo critérios de estrita legalidade.

E, como se refere no acórdão da Relação de Évora de 21/2/91, B.M.J. 404º- 530, « Mesmo em jurisdição voluntária, não é possível, com base na alegação de factos só trazidos aos autos em fase de recurso, alterar a decisão recorrida. »

Compreende-se que seja assim porque os recursos são meios de impugnação de decisões, logo devem ser decididos com os mesmos pressupostos de facto que presidiram à decisão impugnada.
Não são meios de criação de decisões sobre matéria nova.
Assim, confirma-se a decisão do acórdão recorrido de não admitir os referidos documentos e de manter a decisão da 1ª instância quanto aos alimentos devidos pelo ora recorrente ao seu filho menor B.
Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2005
Luís Fonseca
Lucas Coelho
Santos Bernardino