Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A4668
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FARIA ANTUNES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
EXTEMPORANEIDADE
Nº do Documento: SJ20070327046681
Data do Acordão: 03/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO
Sumário :

I- O nº 2 do artº 486º do Código de Processo Civil – segundo o qual quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte de vários réus, a contestação de todos ou cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar – não é aplicável aos embargos de executado, em caso de pluralidade de executados.

II- Aliás, o actual do artº 816º, nº 3 do Código de Processo Civil é uma norma interpretativa, que, nos termos do artº 13º do Código Civil, se integra na lei interpretada, dissipando as dúvidas que existiam, ao estatuir expressamente a inaplicabilidade do artº 486º, nº 2 à dedução de embargos.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA (cuja posição processual é agora ocupada pelos herdeiros habilitados, consoante sentença transitada, certificada a fls 173 e seg.) deduziu embargos de executada por apenso à execução contra ela e BB movida pela CAIXA ECONOMICA MONTEPIO GERAL, tendo os embargos sido recebidos.

Porém, a embargada veio contestar arguindo a extemporaneidade da apresentação dos embargos porque, citada a embargante em 16/4/96, só em 6/12/96 os veio deduzir, muito para além dos 10 dias legais.

O Mmº Juiz proferiu despacho que rejeitou os embargos por terem sido tardiamente deduzidos, atentos os seguintes factos que deu como provados:

a) A Caixa Económica Montepio Geral moveu execução contra a embargante e o BB;

b) A embargante foi citada na execução apensa em 16/4/96;

c) Só em 6/12/96 apresentou a petição de embargos de executada;

d) O BB foi citado editalmente em 1998.

Desse despacho interpôs a embargante recurso de agravo para a Relação de Lisboa, que, mantendo o elenco dos factos provados, negou provimento ao agravo.

Recorre agora a embargante de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo:

a) A actual redacção do artº 816º, nº 3 do CPC não tinha paralelo no direito processual anterior à vigência do DL nº 329-A/95, contendo matéria nova;

b) O art. 801º do CPC, na redacção anterior ao citado diploma legal, prescrevia a aplicabilidade subsidiária ao processo executivo das disposições que regulam o processo de declaração;

c) Daí que, no seu domínio, o art. 486º, nº 2 se aplique, "ex vi" artº 801º do CPC, ao caso de embargos, havendo pluralidade de executados;

d) Ao entender diversamente, o acórdão violou, designadamente, os artºs. 486º, nº 2, 801º e 816º CPC, pelo que deve ser substituído por outro que, recebendo os embargos, ordene o prosseguimento dos autos.

A agravante pediu ainda a uniformização da jurisprudência, mas o Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça decidiu que o julgamento tenha lugar sem a intervenção do plenário das secções cíveis.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Com os vistos, cabe agora apreciar e decidir.

Os embargos de executada deram entrada em Juízo em 6.12.1996, antes da entrada em vigor da reforma adjectiva operada pelos DL nºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/9.

Dizia então o artº 801º do CPC que «são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução as disposições que regulam o processo de declaração».

E textuava o artº 486º, nº 2, ibidem, que «Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar…».

Com a entrada em vigor da reforma adjectiva, em 1/1/1997 (artº 16º do DL nº 329-A/95), a regra do artº 801º transitou, mas de forma não totalmente coincidente, para o nº 1 do artº 466º, segundo o qual «São subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva», e o artº 816º, nº 3 veio determinar que não é aplicável à dedução de embargos o disposto no nº 2 do artº 486º, segundo o qual «Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar».

Feito este prévio percurso legislativo, vejamos.

A questão posta consiste em saber se é aplicável in casu o disposto no artº 486º, nº 2 ex vi artº 801º do CPC (nas redacções anteriores à alteração da lei adjectiva de 1995/96).

A resposta a esta questão será negativa, não merecendo censura a decisão recorrida.

O artº 486º reportava-se (e reporta-se) ao prazo para a contestação no processo declaratório, e, como referia Anselmo de Castro (Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1970, pág. 311 e seg.), não só a oposição à execução não é uma oposição-contestação, mas uma oposição-acção, como também, e sobretudo, há que ver que o prazo é comum aos restantes efeitos, designadamente para o início dos actos executivos (a penhora), de maneira nenhuma parecendo conforme com as exigências da acção executiva ter de se esperar, para esse fim, pelo decurso do último dos prazos, sendo suficientemente significativa a diferença dos interesses em jogo na acção declaratória e numa acção executiva para que se propenda para a inaplicabilidade aos embargos de executado do nº 2 daquele dispositivo legal, em caso de pluralidade de executados.

No mesmo sentido de que os embargos não podiam ser deduzidos, se os prazos para cada um dos executados acabassem em datas diferentes, até ao último deles, por aplicação do artº 486º, nº 2 por força do artº 801º, diz Lebre de Freitas (A Acção Executiva, 2ª Edição, À Luz do Código Revisto, 1997, pág. 165): «Sendo vários os executados, pôs-se, na vigência do código anterior à revisão, o problema de saber se tem aplicação o artº 486-2… À primeira vista, dir-se-ia que sim, dada a remissão genérica do antigo artº 801… para as disposições reguladoras do processo de declaração. Mas os embargos de executado não constituem uma contestação e a norma do artº 486º-2 é excepcional em face da norma geral do artº 145-3 (extinção da faculdade de praticar o acto no termo do prazo peremptório), aparecendo ligada ao estabelecimento do efeito cominatório decorrente da falta de contestação, que… a omissão de embargar não tem. Ora a aplicação do artº 486-2 ao prazo para embargar implicaria que os actos executivos, maxime a penhora, tivessem de aguardar o termo do prazo para embargar do executado citado em último lugar, em detrimento do exequente e em contradição com o carácter individualizado das providências executivas…».

No Parecer publicado na Col. Jurisprudência, 1989, III, pág. 43 e segs., concluiu também Lebre de Freitas:

I- Não há no direito português… uma norma geral que, em situações de parte plural, determine o aproveitamento para todos os litisconsortes dos prazos processuais ainda em curso para um deles, mas tão-só uma norma (o artº 486º, nº 2 do CPC) que… se contém na regulamentação específica do prazo para contestar em acção declarativa com processo ordinário e cuja aplicação ao prazo para contestar acções declarativas com outra forma de processo tem lugar subsidiariamente, sempre que não haja preceito expresso em contrário, o que acontece em alguns processos especiais.

II- A norma do artº 486º, nº 2 surge num tipo de processo em que, em caso de pluralidade de réus, a contestação de um dos réus aproveita a todos, mediante o afastamento dum efeito cominatório semi-pleno e, considerado todo o âmbito da sua aplicação subsidiária, aparece, nos processos de jurisdição contenciosa, sempre ligada ao estabelecimento em geral dum efeito cominatório… por falta de apresentação de contestação dentro do respectivo prazo.

III- A norma em causa ao mesmo tempo que aumenta a possibilidade duma contestação conjunta, tem, no âmbito da jurisdição contenciosa, a finalidade de prorrogar o momento em que o interesse do réu em se defender é sacrificado pelo jogo das cominações legais resultantes da inobservância do ónus de contestar, sem prejuízo de, no âmbito da jurisdição voluntária, ter por finalidade a prorrogação do momento em que se verifica a não contribuição do contestante para a satisfação do interesse que está em jogo no processo.

IV- Dentro do âmbito da contestação em jurisdição contenciosa, houve necessidade de expressamente se estatuir a aplicação do artº 486º, nº 2 no caso de pluralidade de chamados num incidente em que o efeito cominatório da contestação não é automático (chamamento à demanda) e “a contrario” afastou-se a aplicação da norma no caso de pluralidade de chamados num incidente em que não joga qualquer efeito cominatório (chamamento à intervenção principal passiva) – o que confirma a ligação entre a estatuição em causa e a produção, em princípio automática, duma cominação.

V- Fora do âmbito da contestação e precisamente por se tratar de processos especiais em que não há lugar a contestação, houve necessidade de expressamente estatuir uma norma semelhante à do artº 486º, nº 2 no processo – de jurisdição voluntária – de atribuição de bens de pessoa colectiva extinta e afastou-se essa norma no processo – não cominatório – de inventário.

VI- A norma do artº 486º, nº 2 é excepcional em face da do artº 147º e por isso insusceptível de aplicação analógica, circunscrevendo assim a sua previsão, salvo preceito em contrário, aos processos em que haja lugar a contestação, pelo que não é abrangida pela remissão geral do artº 801º.

VII- Efectivamente, na acção executiva, que visa a realização – e não a declaração – do direito, não há contestação, constituindo os embargos de executado uma contra-acção, destinada a destruir a eficácia do título executivo, com tramitação autónoma e natureza declarativa e introduzida por uma petição inicial, o que afasta a aplicação directa do artº 486º, nº 2.

VIII- A omissão de embargar não tem qualquer efeito cominatório, mas apenas o de preclusão das excepções porventura existentes contra o direito material do exequente, o que não constitui este numa situação de desvantagem, mas tão-só na perda da possibilidade de se colocar num situação de vantagem circunscrita ao processo executivo, afastando qualquer razão para uma aplicação analógica, mesmo que esta fosse possível, do artº 486º-2.

IX- A sentença proferida nos embargos de executado circunscreve os seu efeitos directos às partes (embargante e exequente), dela não podendo aproveitar, senão reflexamente como terceiros, outros executados que não tenham embargado ou não tenham sido chamados ao processo nos termos do artº 269º do CPC, em regime diferente do da acção declarativa – o que confirma a falta de base para a aplicação analógica do artº 486º-2.

X- Nem o efeito cominatório decorrente da falta de nomeação de bens à penhora nem o decorrente da falta de contestação da liquidação da obrigação exequenda implica a prorrogação do prazo para embargar de executado, já porque apenas o segundo é prorrogável nos termos do artº 486º-2, já porque não se vê razão para que esta prorrogação impeça o termo do prazo para a prática de qualquer dos outros dois actos, mantendo-se assim inabalável a conclusão VIII.

XI- A aplicação do artº 486º-2 ao prazo para a dedução de embargos de executado implicaria que a efectivação da penhora tivesse de aguardar o termo do prazo para embargar do executado citado em último lugar, com as consequências ainda de atrasar o pagamento forçado e, sendo prestada caução, toda a tramitação executiva suspensa – tudo em detrimento do exequente, não obstante a pré-definição do direito deste e em contradição com o carácter individualizado que, em contraste com o que se pode passar na acção declarativa, têm a providências executivas.

A fundamentação assim desfibrada pelos referidos Professores é realmente convincente.

Impressiona o prejuízo que do entendimento contrário ao preconizado poderia advir para o exequente, que – note-se – dispõe já de um título executivo.

Sendo decisivo, a nosso ver, o facto de os embargos deduzidos separadamente por cada um dos embargantes serem processos independentes entre si. Como diz Amâncio Ferreira no Curso de Processo de Execução, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 141, o processo de oposição à execução configura-se como uma verdadeira acção declarativa enxertada na executiva, implicando a constituição de uma nova relação processual autónoma, não reconduzível a uma fase da relação processual executiva, por poder apresentar pressupostos próprios e se delinear como uma relação processual de cognição, com a estrutura do processo normal de declaração, enquanto a relação executória jamais conduz a um provimento decisório.

A tese da inaplicabilidade do antigo artº 486º, nº 2 por força do antigo artº 801º do CPC apresenta-se assim e desde logo como a mais consentânea.

Acresce que a nova redacção do artº 816º, nº 3 veio estatuir expressamente a inaplicabilidade do nº 2 do artº 486º à dedução de embargos, tratando-se de uma norma interpretativa, por ter vindo resolver o conflito jurisprudencial reinante antes da reforma adjectiva de 95/96.

Com efeito, antes dessa reforma havia decisões judiciais díspares, umas no sentido da aplicabilidade aos embargos de executado do artº 486º, nº 2 do CPC (v.g. acs. do STJ de 27.7.1945, no Boletim Oficial do Ministério da Justiça, V, pág. 330, e da Rel. Lisboa, de 28.11.1991, no BMJ 411, pág. 643), e outras em sentido contrário (ac. da Relação de Lisboa, de 10.11.1994, na CJ 1994, V, pág. 95).

Sendo que, na doutrina, outras vozes igualmente autorizadas também defendiam – ao invés daqueloutras já mencionadas – a aplicabilidade do artº 486º, nº 2 aos embargos de executado, ex vi artº 801º (cfr. Alberto dos Reis Processo de Execução, Vol. 2º, Reimpressão, 1982, pág. 46, e Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª Edição Actualizada, 1964, pág. 295).

Ora, o artº 13º do Código Civil diz que a lei interpretativa se integra na lei interpretada, pelo que, como escreveu Baptista Machado (citado no aresto deste Supremo, de 27.5.1999, no BMJ 487, pág. 271, que vimos seguindo de perto e que sustenta maioritariamente a tese de que o nº 3 do artº 816º é uma norma interpretativa) «em princípio, não há que aplicar em relação a estas leis o princípio da não retroactividade consignado no artigo 12º, mas, antes, se procederá como se a lei interpretada, no momento da verificação dos factos passados, tivesse já o alcance que lhe fixa a disposição interpretativa da lei nova».

Se dúvidas houvesse ainda quanto à inaplicabilidade do artº 486º, nº 2 (antiga redacção) aos embargos de executado (por força do artº 801º na anterior redacção) desvanecer-se-iam, destarte, perante a norma interpretativa do actual artº 816º, nº 3 do CPC.

No caso que nos prende os embargos não foram deduzidos no prazo indicado no artº 816º do CPC, e esse é peremptório, não podia ser prorrogado nos termos da norma excepcional do artº 486º, nº 2 do CPC.

Nada há pois a alterar.

Termos em que acordam em negar provimento ao agravo, condenando os agravantes nas custas.

Lisboa, 27 de Março de 2007

Faria Antunes (relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves