Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1551/03.0TBLLE.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÂO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: FACTOS INSTRUMENTAIS
INSTRUÇÃO
DISCUSSÃO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
MÁ-FÉ DE TERCEIRO ADQUIRENTE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I- É sabido que, quanto aos factos instrumentais, não é pela simples razão de eles constarem de documentos e de se afigurar às partes que podem ser dados como provados, que eles devem ser atendidos pelo julgador, mas apenas aqueles que resultarem da instrução e discussão da causa como reza o preceito legal ( artº 264º, nº 2 do CPC) e quanto aos factos referidos no nº 3 do mesmo preceito, desde que obedeçam aos requisitos nele insertos.
Em suma, só são atendíveis os factos essenciais não alegados nos articulados e os instrumentais, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa.
É esse o sentido do temo resultar que não é sinónimo de constar de documentos ou de outros meios de prova.
É esse o alcance da expressão legal «... dos factos que resultem da instrução e discussão da causa» constante do nº 2 do artº 264º do CPC.
II- Instrução é termo que decorre da aglutinação dos termos latinos « in+ struere» que tem o sentido de acumular em certo lugar e que consiste na «actividade processual tendente a coligir no processo os meios de prova a utilizar e preparar a sua discussão».
Estes factos serão tidos em conta na sentença, inseridos no acervo factual que suportará a decisão de direito, pelo que constituem sempre matéria de facto.
III- Discussão é termo que se refere ao debate ocorrido na audiência de julgamento ou equivalente, onde tais factos serão filtrados pelo crivo do contraditório, nas alegações e, sobretudo, pela convicção fundamentada do julgador em caso de prova não tarifada.
Desta forma, para que se dê cumprimento ao aludido preceito legal não basta que os factos constem de documentos inseridos nos autos, como refere o Recorrente ao afirmar que «... há ainda no processo inúmeros factos instrumentais, provados por documentos, que reforçam e confirmam esta convicção».
IV- Uma vez que a 1ª Instância não se serviu de qualquer facto nessas condições, antes se apoiando apenas nos alegados pelas partes e que foram provados (factos esses que, como se colhe da acta respectiva, não mereceram oportunamente qualquer reclamação do Autor, ora Recorrente), só mediante a alteração da matéria de facto fixada por aquela Instância seria possível à Relação a sua inclusão na decisão.
Desta sorte, sempre teria a Relação de se pronunciar sobre a alteração ou modificação da matéria de facto (para apreciar a pretensão do recorrente de ver atendidos os factos que alegou no dito § 15º das suas alegações de Apelação).
Não se trata apenas da valoração de tais factos, como defende o Recorrente, pois para valorar é necessário, antes do mais, que os mesmos constem da decisão!
V- Na acção pauliana «o bem não regressa ao património do devedor sendo executado no património do obrigado à restituição, limitando-se os seus efeitos ao credor-autor», sendo que o adquirente «é demandado na lide cautelar para que conserve intacto o bem adquirido e o entregue quando lhe for pedido, para eventual execução», como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 29-05-2007 ( Relator, o Exmº Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas, Pº 07A1674 in www.dgsi.pt).
VI- A «consciência do prejuízo que o acto causa ao credor» em que se consubstancia a má fé do terceiro adquirente e a que se refere o nº 2 do artº 612º do C.Civil, é conceito normativo cuja verificação no plano factual não se presume, antes carece de ser integrado pela factualidade atinente, podendo ver-se, neste sentido, por todos, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 13-05-2004 (Relator, o Exmº Juiz Conselheiro, Ferreira de Almeida) em que se sentenciou:
« A existência da «consciência do prejuízo que o acto causa ao credor» é conclusão a extrair de factos que a patenteiem, pois que atinente à descoberta da real intenção o estado de espírito das partes ao emitir a declaração negocial – o chamado « animus contrahendi».
Como tal, trata-se de pura matéria de facto cujos conhecimento e apuramento constituem prerrogativa exclusiva das Instâncias, sendo que ao Supremo é vedado extrair ilações ou conclusões dos factos provados» (disponível em www.dgsi.pt, Pº 04B1350).
Esta é posição consensual uniforme deste Supremo Tribunal, que ora se reitera por inteiramente aplicável ao caso sub judicio!

Decisão Texto Integral:
Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


RELATÓRIO

AA, residente na Rua dos......., lote ......., Vila Nogueira de Azeitão, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB – Empresa de Construção, S.A. e CC Empreendimentos Urbanos, Lda., todos com os sinais dos autos, na qual:
– Pediu que se declarasse procedente a impugnação, julgando ineficaz em relação ao Autor a compra e venda celebrada em 9/04/2003 no Cartório Notarial de S. Brás de Alportel, entre as Rés e, consequentemente, se ordene a restituição do prédio urbano, constituído por lote de terreno para construção urbana, com a área de 1.664 m2, sito na Rua .....................(Prolongamento), freguesia de Almancil e concelho de Loulé, inscrito na matriz sob o artigo 10.092, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, sob o n.º000000 ao património da Ré BB, na medida do interesse do Autor.
– Pediu também que se ordenasse o cancelamento da inscrição de propriedade do prédio a favor da Ré CC, na Conservatória do Registo Predial de Loulé.
– Pediu ainda, em alternativa, o direito do Autor de executar o prédio directamente no património da Ré CC, condenando-a a reconhecer esse direito e a aceitar a execução respectiva.

Alegou, para tanto e em síntese, que:
O Autor celebrou com a 1ª Ré três contratos promessa de compra e venda, tendo por objecto 3 apartamentos tipo T2, com estacionamento na cave, do prédio que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 0000000000 da freguesia de Almancil, tendo o Autor, enquanto promitente comprador, pago a totalidade dos respectivos preços.
Sucede que foi inscrita no registo predial a aquisição desses apartamentos a favor de terceiras pessoas, razão pela qual o Autor instaurou uma acção ordinária, onde peticiona que se declare definitivamente incumpridos os contratos pela Ré BB, sendo esta condenada a pagar ao Autor a quantia de 319.230,65 euros.
Por outro lado, a Ré BB já não tem qualquer bem imóvel em seu nome, tendo feito venda de apartamentos e lojas nos últimos meses, tem dividas de muitos milhares de euros, que deram origem a hipotecas bancárias, tendo sido ainda decretado o arresto em bens dessa Ré, para além do que, a mesma tem requerido apoio judiciário em acções judiciais alegando dificuldades económicas.
Um dos prédios arrestados à Ré BB, no âmbito da acção judicial acima referida, é o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 0000000, o qual foi vendido pela Ré BB à Ré CC, por escritura pública celebrada em 29/04/2003, pelo preço de 115.000 euros. Nessa escritura ficou a constar a advertência de que se encontrava registado o arresto atrás mencionado.
Por força da referida venda, o Autor ficou impossibilitado de obter a satisfação integral do seu crédito sobre a Ré, dado que esta não tem mais património, o que era conhecido pela Ré CC, que assim agiu de má-fé.
Deste modo, e nos termos do disposto no art.º 610º e 612º do Código Civil, concluiu pela procedência da impugnação pauliana.

A Ré CC contestou alegando, em resumo, que por contrato celebrado em 7/03/2002 a Ré BB prometeu vender o prédio objecto da impugnação a DD, EE e FF, que prometeram comprar, pelo preço de 199.519,16 euros., de que foi entregue a quantia de 29.927,87 a título de sinal e principio de pagamento, posteriormente reforçado (em 10/05/2002) com a quantia total de 74.879,79 euros.
Os referidos promitentes-compradores são sócios da 2ª Ré, a qual foi constituída tendo em vista apenas a construção de um edifício no dito prédio.
No dia anterior ao da realização da escritura a Ré BB notificou a Ré CC para outorgar essa escritura e pagar o remanescente do preço, no valor de 94.771,60 euros. No entanto a Ré CC só aceitou celebrar a escritura pelo preço já pago de 115.000 euros, obrigando-se a pagar o restante no prazo de 30 dias contado do levantamento do arresto que fora inscrito no registo. Foi nesses termos que se efectuou a venda.
Assim, sustenta que não agiu de má-fé.
Por outro lado, alegou que o invocado crédito do Autor não está demonstrado, não tendo ainda sido proferida decisão judicial, pelo que apenas goza de uma expectativa.
Concluiu, pedindo a improcedência da acção.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que considerando, além do mais, que «a aquisição de um prédio onerado com um arresto, que foi levado ao registo, não corresponderá a um prejuízo para o credor garantido por esse arresto e, nessa medida, só por esse facto, nunca se poderá afirmar que o adquirente do prédio onerado tem consciência do prejuízo causado ao credor (prejuízo que não se verifica).
Perante a antecedente conclusão, então, entender-se-á que não foi demonstrada a má-fé da segunda Ré.
É que, o Autor não logrou provar todas as outras alegações de facto e que se destinavam exactamente a demonstrar a invocada má-fé também da segunda Ré.
Não se deixará de referir que a aquisição feita pela segunda Ré mostrando-se justificada em face do negócio anteriormente celebrado pelos seus sócios, nem evidencia que ao agir como consta nos autos, a Ré o fizesse sabendo que daí derivaria qualquer prejuízo para o Autor.
A lei exige que a má-fé se verifique, quer relativamente ao alienante (devedor) quer relativamente ao adquirente. Não se concluindo pela má-fé do adquirente, então, mostra-se prejudicada a necessidade de apreciar a má-fé do alienante», julgou a acção improcedente, absolvendo as Rés de todo o peticionado.

Inconformado, interpôs o Autor recurso de Apelação da mesma para o Tribunal da Relação de Évora, que, por sua vez, julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Novamente inconformado, o mesmo veio interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes:

CONCLUSÕES

a) Na douta sentença de primeira instância deram-se como provados todos os requisitos da impugnação pauliana, excepto o da má fé da adquirente.

b) A má fé não foi considerada provada por se ter entendido que o acto impugnado não afectava o arresto de que beneficiava o Recorrente: mantendo-se o arresto, o acto impugnado não causava prejuízo à posição do Recorrente, pois as Recorridas não podiam ter consciência do prejuízo que causavam ao Recorrente, uma vez que esse prejuízo não ocorria.

c) Acontece que o arresto não prevalece sobre o acto impugnado, ao contrário do que se considerou na douta sentença de primeira instância, por mero lapso.

d) Com efeito, a aquisição pela Recorrida CC estava registada provisoriamente com data anterior ao arresto.

e) O acto impugnado foi celebrado dentro do prazo de validade desta inscrição provisória de aquisição - na verdade, 4 dias antes da sua caducidade - pelo que a compra pela Recorrida CC, embora posterior, foi registada com a data do registo provisório e, por isso, com anterioridade em relação ao registo do arresto.

f) O arresto veio, por isso, a caducar, por força do art. 92°, n.° 5 do Cód. Reg. Predial, por remissão à alínea a) do n.° 2 do mesmo artigo, sem que o Recorrente tivesse qualquer meio de impedir essa caducidade, pois a transmissão da titularidade do bem para a Recorrida CC foi plenamente válida.

g) Quando celebraram a escritura de compra e venda aqui impugnada, as Recorridas sabiam perfeitamente da existência do arresto (e, por isso, sabiam também do crédito do Recorrente e do justificado receio que este tinha de perder a respectiva garantia patrimonial) e do facto de que iriam inutilizar, com a mesma escritura, o referido arresto.

h) Tinham, pois, as Recorridas, perfeito conhecimento do prejuízo que causavam ao Recorrente com a escritura de compra e venda, pelo que estavam na posição prevista no art. 612°, n.° 2 do Cód. Civil.

i) Assim, corrigido o lapso da douta sentença de primeira instância relativo à prevalência ou prioridade do arresto, verifica-se que o requisito da má fé da adquirente está inteiramente verificado.

j) Para isso, não é preciso, nem tal foi pedido pelo Recorrente, alterar a decisão sobre só a matéria de facto, havendo simplesmente que valorizar os factos provados e fazer a sua subsunção às normas legais aplicáveis.

k) Na Relação esta questão não foi apreciada, havendo omissão de pronúncia sobre este aspecto - o mais importante - do recurso de apelação, em violação do disposto no art. 668°, n.° l, d) do Cód. Proc. Civil.

l) Com efeito, a Relação não analisou a questão de saber se o arresto prevalecia, ou se não, sobre o acto impugnado, nem o efeito que isso teria sobre a posição das Recorridas, especialmente face ao que tinha sido decidido a esse respeito, com base em patente equívoco quanto à força do arresto, na douta sentença de primeira instância, que estava sob revisão.

m) Apesar de não se ter pronunciado sobre esta questão, nem apreciado criticamente os factos provados, analisando-os e estudando o seu significado jurídico, a Relação decidiu que não estava verificado o requisito da má fé, o que fez sem fundamentação e sem se saber quais os critérios que a conduziram a tal conclusão, pelo que violou o preceito do art. 668°, n.° l, b) do Cód. Proc. Civil.

n) O douto acórdão da Relação é, assim, nulo.

o) Reconhecida essa nulidade, nem por isso se torna necessário fazer baixar os autos para que seja proferido novo, e válido, julgamento, uma vez que a operação que há que fazer é meramente jurídica, e, portanto, ao alcance desta Suprema Corte.

p) Na verdade, o que se pede a V. Exas. para consertarem os equívocos das anteriores
decisões é simplesmente o seguinte:

i) Que analisem a norma do art. 92°, n.° 5 do Cód. Reg. Predial, por remissão à alínea a) do n.° 2 do mesmo artigo, e reconheçam que a celebração do acto impugnado foi a causa da caducidade do arresto.

ii) Que analisem a norma do art. 612°, n° 2 do Cód. Proc. Civil, e reconheçam que os factos de que as Recorridas tinham conhecimento, da existência do arresto a favor do Recorrente (e também, ipso facto, da existência do crédito do Recorrente e do perigo em que este estava de perda da sua garantia patrimonial), e ainda de que com a venda inutilizavam o arresto, fazem incidir a mesma norma.

iii) Que, aplicando assim o direito aos factos dados como provados, reconheçam presentes todos os requisitos da impugnação pauliana, dando provimento à acção.

q) Por outro lado, e apesar de serem suficientes os factos atrás alegados para que a acção tenha provimento e se reconheça a má fé das Recorridas, há ainda no processo inúmeros factos instrumentais, provados por documentos, que reforçam e confirmam esta convicção.

r) Tais factos são os que estão referidos no capítulo III, A) (em especial o § 15° e suas alíneas) das alegações de Apelante, e, dada a sua natureza de factos meramente instrumentais ou acessórios, podem e devem ser levados em linha de conta na decisão, mesmo não tendo sido expressamente alegados nos articulados, ou incluídos na Base Instrutória, pois é esse o seu regime, face ao art. 264°, n.° 2 in fine do Cód. Proc. Civil, uma vez que resultaram da instrução da causa.

s) A Relação considerou inaproveitáveis estes factos, por não constarem dos articulados ou da Base Instrutória, mas fê-lo sem cuidar de saber, e sem sequer se analisar, se tais factos precisavam de ser alegados, não se sabendo que decisão teria tomado se tivesse, como lhe competia, feito tal análise.

As normas violadas pelo douto acórdão são as que foram sendo referidas ao longo
desta peça, e são as seguintes:

a) art. 92°, n.° 5 do Cód. Reg. Predial, por remissão à alínea a) do n.° 2 do mesmo artigo, na medida em que se considerou que o arresto não era afectado pela celebração do acto impugnado.

b) art. 612°, n.° 2 do Cód. Civil, na medida em que se considerou que não estava verificada a má fé das Recorridas, segundo o critério da consciência do prejuízo e que, com o acto impugnado, causavam ao Recorrente.

c) art. 668°, n.° l, d) do Cód. Proc. Civil, na medida em que não se decidiu uma questão que era objecto do recurso, ou seja, a de saber se o arresto prevalecia sobre o acto impugnado e, não prevalecendo, que efeito isso tinha no processo, nomeadamente no que toca à má fé das Recorridas.


d) art. 668°, n.° l, b) do Cód. Proc. Civil, na medida em que se decidiu que não estava verificado o requisito da má fé sem qualquer fundamentação, sem prévia análise dos factos provados e do seu significado jurídico, expressando-se uma conclusão sem qualquer amparo ou fundamentação, impedindo-se o Recorrente de saber, como é seu direito, porque motivo, afinal, se considerou que a má fé das Recorridas não estava verificada.

e) art. 264°, n.° 2, in fine do Cód. Proc. Civil, na medida em que se considerou inaproveitáveis na decisão os factos referidos no § 15° e suas alíneas, das alegações de apelação, sem se analisar se se tratava de factos principais ou instrumentais, e sem se reconhecer que, tratando-se de factos instrumentais, estes não precisavam de ser alegados, bastando que resultassem da instrução, como foi o caso.

Foram apresentadas contra-alegações da Recorrida CC, pugnando pela manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.


FUNDAMENTOS

Das instâncias, vem dada, como provada, a seguinte factualidade:

1º- No dia 14 de Julho de 1998, o autor e a ré “BB” celebraram entre si um contrato, por instrumento escrito, que denominaram de «contrato promessa de compra e venda», por meio do qual a ré declarou prometer vender, livre de ónus e encargos e o autor declarou prometer comprar, o seguinte prédio: Urbano, composto por apartamento T2, com direito de estacionamento na cave, no ..........r, do bloco 6, a que corresponde o alvará de licença de construção n.º 569/97, emitido pela Câmara Municipal de Loulé em 8 de Agosto de 1997, válido até 8 de Agosto de 1999. (al. A) dos Factos Assentes)

2º- O preço acordado para a compra e venda foi de Esc. 10.000.000$00, tendo a ré declarado ter já recebido a totalidade do preço e dado quitação do mesmo ao autor. (al. B) dos Factos Assentes)

3º- As partes acordaram, ainda, que a escritura de compra e venda seria assinada no prazo máximo de 3 meses a contar da emissão da licença de utilização pela Câmara Municipal de Loulé. (al. C) dos Factos Assentes)

4º- As assinaturas das partes foram reconhecidas presencialmente no Cartório Notarial de São Brás de Alportel no próprio dia 14 de Julho de 1998. (al. D) dos Factos Assentes)

5º- O apartamento prometido vender pela ré ao autor está hoje descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n°0000000000 da freguesia de Almancil. (al. E) dos Factos Assentes)

6º- No dia 29 de Maio de 2000 foi inscrita na C.R.P. de Loulé a aquisição a favor de GG, por compra à ré. (al. F) dos Factos Assentes)

7º- No dia 14 de Julho de 1998, o autor e a ré “BB” celebraram entre si um contrato, por instrumento escrito, que denominaram de “contrato promessa de compra e venda”, por meio do qual a ré declarou prometer vender, livre de ónus e encargos, e o autor declarou prometer comprar, o seguinte prédio: Urbano, composto por apartamento T3, com direito de estacionamento na cave, no,,,,, andar, do bloco ..., a que corresponde o alvará de licença de construção nº 569/97, emitido pela Câmara Municipal de Loulé em 8 de Agosto de 1997, válido até 8 de Agosto de 1999. (al. G) dos Factos Assentes)

8º- O preço acordado para a compra e venda foi de Esc.12.000.000$00, tendo a ré declarado ter já recebido a totalidade do preço e dado quitação do mesmo ao autor. (al. H) dos Factos Assentes)

9º- As partes acordaram, ainda, que a escritura de compra e venda seria assinada no prazo máximo de 3 meses a contar da emissão da licença de utilização pela Câmara Municipal de Loulé. (al. I) dos Factos Assentes)

10º- As assinaturas das partes foram reconhecidas presencialmente no Cartório Notarial de São Brás de Alportel no próprio dia 14 de Julho de 1998. (al. J) dos Factos Assentes)

11º- O apartamento prometido vender pela ré ao autor está hoje descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n°0000000000000 da freguesia de Almancil. (al. L) dos Factos Assentes)

12º- No dia 04 de Outubro de 2000 foi inscrita na C.R.P. de Loulé a aquisição a favor de HH, por compra à ré. (al. M) dos Factos Assentes)

13º- No dia 14 de Julho de 1998, o autor e a ré “BB” celebraram entre si um contrato, por instrumento escrito, que denominaram de “contrato promessa de compra e venda”, por meio do qual a ré declarou prometer vender, livre de ónus e encargos, e o autor declarou prometer comprar, o seguinte prédio: Urbano, composto por apartamento T2, com direito de estacionamento na cave, no..... andar, do bloco..., a que corresponde o alvará de licença de construção n.º 569/97, emitido pela Câmara Municipal de Loulé em 8 de Agosto de 1997, válido até 8 de Agosto de 1999. (al. N) dos Factos Assentes)

14º- O preço acordado para a compra e venda foi de Esc.10.000.000$00, tendo a ré declarado ter já recebido a totalidade do preço e dado quitação do mesmo ao autor. (al. O) dos Factos Assentes).

15º- As partes acordaram, ainda, que a escritura de compra e venda seria assinada no prazo máximo de 3 meses a contar da emissão da licença de utilização pela Câmara Municipal de Loulé. (al. P) dos Factos Assentes)

16º- As assinaturas das partes foram reconhecidas presencialmente no Cartório Notarial de São Brás de Alportel no próprio dia 14 de Julho de 1998. (al. Q) dos Factos Assentes)

17º- O apartamento prometido vender pela ré ao autor está hoje descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº000000000000, da freguesia de Almancil. (al. R) dos Factos Assentes)

18º- No dia 10 de Agosto de 2000 foi inscrita na C.R.P. de Loulé a aquisição a favor de II, por compra à ré. (al. S) dos Factos Assentes)

19º- Mostra-se inscrita, pelas ap.17/020395 e 18/020395, a aquisição, por compra, a favor de “BB” do prédio urbano constituído por edifício de cave, rés-do-chão e 1° a 30 andares, construído sobre talhão de terreno para construção, inscrito na matriz sob o art° 10.031, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n°0000000000. (al. T) dos Factos Assentes)

20º- Sobre o referido prédio foram constituídas, pelas ap.21/160695 e 02/060498, hipotecas voluntárias a favor do “Banco de Fomento e Exterior, S.A.”, referentes a abertura de crédito, no valor de capital, respectivamente, até 170.000.000$00 e 180.000.000$00, até ao montante máximo de, respectivamente, 262.225.000$00 e 245.250.000$00. (al. U) dos Factos Assentes)

21º- Mostra-se inscrita, pela Ap. 24/04 112002, a aquisição, por compra à ré “BB”, a favor da ré “CC” do prédio rústico, composto por lote de terreno para construção urbana, sito na Rua ....... (prolongamento), com a área de 1.664m2, inscrito na matriz sob o art° 10.092, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n0000000000, anteriormente inscrito na matriz sob os art°s 708 rústico e 3386 urbano. (al. V) dos Factos Assentes)

22º- Sobre o prédio referido no Facto 21º foi inscrito, pela ap.34/06122002, arresto decretado em 05 de Dezembro de 2002, para garantia do crédito do autor sobre a ré “BB”, no montante de € 319.230,65. (al. X) dos Factos Assentes)

23º- Por escritura pública datada de 29 de Abril de 2003, lavrada no Cartório Notarial de São Brás de Alportel, a ré “BB”, representada pelo presidente do conselho de administração, declarou vender à ré “CC”, representada pelos seus gerentes, que declararam aceitar comprar, pelo preço de €115.000,00, o prédio identificado no Facto 21º, tendo ficado consignado que sobre o prédio se encontrava registado um arresto em que é requerente o autor, sendo advertidos os outorgantes das consequências da eventual não conversão do registo provisório a favor da compradora dado a situação registral do prédio. (al. Z) dos Factos Assentes)

24º- Na acção declarativa ordinária que o autor instaurou contra a ré BB”, a qual corre termos no 1° Juízo Cível de Loulé, sob o n°408/2002, em 07 de Julho de 2006 foi proferida sentença, transitada em julgado em 25 de Julho de 2006, na qual se declarou definitivamente incumpridos os contratos promessa de compra e venda identificados nos autos, celebrados entre autor e ré, por factos imputáveis a esta, condenando-a a restituir ao autor, em dobro, as quantias que este lhe entregou a título de sinal, no total de € 319.230,65. (al. AA) dos Factos Assentes)

25º- Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, sob a matrícula n°19216/020715, a ré CC Empreendimentos Urbanos, Lda da qual são sócios e gerentes JJ, DD e FF. (al. BB) dos Factos Assentes)

26º- A ré “CC” sabia da existência do arresto identificado no Facto 22º antes de celebrar a escritura de compra e venda do prédio identificado em V). (al. CC) dos Factos Assentes)

27º- Em data anterior a 21 de Outubro de 2002 a ré “BB”, alegando dificuldades económicas, pediu a concessão do benefício do apoio judiciário em acções movidas contra si. (Resposta ao Facto 1º da Base instrutória)

28°- A ré ‘BB” deve a instituições bancárias quantia não inferior a 300.000 €. (Resposta ao Facto 2º da Base instrutória)

29°- A Ré BB fez vendas nos meses que antecederam a entrada da presente acção em juízo. (Resposta ao Facto 4º da Base instrutória)

30°- No dia 07 de Março de 2002 a ré “BB” e DD, EE e FF celebraram entre si um contrato, por instrumento escrito, que denominaram de “contrato promessa de compra e venda”, por meio do qual a ré declarou prometer vender, livre de ónus ou encargos e desocupado, o seguinte prédio: terreno sito na Rua .........., freguesia de Almancil, concelho de Loulé, inscrito na matriz rústica sob o art° 708 e na matriz urbana sob o art° 3386, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n°000000000, com a área de construção de 1.360,38m2. (Resposta ao Facto 6º da Base instrutória)

31º- O preço acordado para a compra e venda foi de € 199.519,16. (Resposta ao Facto 7º da Base instrutória)

32°- Tendo sido entregue com a assinatura do documento, a título de sinal e princípio de pagamento, € 29.927,87. (Resposta ao Facto 8º da Base instrutória)

33º- As partes acordaram, ainda, que no dia 30 de Abril de 2002 seria entregue a título de reforço de sinal € 74.819,00. (Resposta ao Facto 9º da Base instrutória)

34º- Quantia que foi entregue em 10 de Maio de 2002. (Resposta ao Facto 10º da Base instrutória)

35º- Existia um projecto de construção para o prédio a correr termos na Câmara Municipal de Loulé sob o Proc. n.° 959/99. (Resposta ao Facto 11º da Base instrutória)

36º- A ré “BB” foi notificada por ofício da Câmara Municipal de Loulé datado de 29 de Abril de 2003 que o projecto tinha sido aprovado no dia 23 de Abril. (Resposta ao Facto 12º da Base instrutória)

37º- Em 28 de Abril de 2003 a ré “BB” notificou a ré “CC” para outorgar a escritura de compra e venda e receber o montante de € 94.771,60. (Resposta ao Facto 13º da Base instrutória)

38°- Outorgando com esta um documento particular em que a ré “CC” se declararia devedora da quantia de € 94.771,60 (Resposta ao Facto 15º da Base instrutória)

39°- Comprometendo-se a ré “BB” a promover o levantamento do arresto incidente sobre o prédio no prazo de 6 meses. (Resposta ao Facto 16º da Base instrutória).

40°- E comprometendo-se a ré “CC” a pagar a quantia referida em 15° no prazo de 30 dias após o levantamento do arresto. (Resposta ao Facto 17º da Base instrutória)

41°- Em 07 de Março de 2002 os representantes da ré “CC” desconheciam a existência de arresto incidente sobre bens da ré “BB”. (Resposta ao Facto 18º da Base instrutória)

42°- E desconheciam a existência de qualquer crédito do autor sobre a ré “BB”. (Resposta ao Facto 19º da Base instrutória)

Observação: são 42 (quarenta e dois) os factos apurados pela 1ª Instância e mantidos pela Relação, tendo havido erro na numeração dos mesmos tanto na sentença proferida pelo Exmº Juiz de Círculo, como no Acórdão da Relação que de tal erro não se apercebeu, e que consistiu em, a partir do facto 26º, se ter regressado, por manifesto lapso, à numeração a partir de 23º, tendo como resultado que o último facto fosse numerado como 38º, ao invés de 42º.

Como tal lapso é manifesto, aqui fica oficiosamente efectuada a rectificação, nos temos das disposições combinadas dos artºs 249º do Código Civil e 666º, nº 2 do C. Processo Civil.

Pretende o Recorrente que este Supremo Tribunal censure a decisão da 2ª Instância que julgou improcedente a Apelação em virtude de ter considerado que, tal como o fizera a 1ª Instância, «tendo em conta os factos provados, não resultou provada a má fé do adquirente, verificando-se assim não estarem reunidos os pressupostos essenciais da impugnação pauliana».

Para tanto, centra a sua argumentação em torno da circunstância de a Ré CC, adquirente do prédio (apesar de ser conhecedora do arresto que incidia sobre aquele imóvel, e que o Recorrente tinha registado a seu favor) ter aceite comprar o mesmo, o que, em seu entender, consubstancia a consciência do prejuízo que tal facto causaria ao credor.
Insurge-se contra a afirmação das Instâncias de que o arresto não era afectado com tal aquisição pela Recorrida, alegando que «um dos efeitos do acto impugnado foi, precisamente, determinar a caducidade do arresto, ficando o ora Recorrente privado da garantia, facto de que as recorridas eram conhecedoras».
Invoca, para sustento desta sua posição, uma tríplice ordem de argumentos:
1- O arresto só prevalece sobre a venda do bem arrestado feita a um terceiro, se o seu registo for anterior ao registo dessa venda, como na própria sentença se reconhece ao falar na prioridade do arresto.
2- Caso o registo da venda feita a um terceiro adquirente seja anterior ao registo do arresto, este não prevalece sobre a venda, e caduca, por efeito do registo anterior.
3- Nesse caso, o arresto não aproveita ao credor, pois o seu efeito perde-se, e a causa dessa perda é, precisamente, a venda feita a terceiro.

Estriba-se, essencialmente, no disposto no artº 92º, nº 5 do Código do Registo Predial, por remissão para a alínea a) do nº 2 do mesmo artigo.
Paralelamente, o Recorrente alega que no Acórdão recorrido discutiu-se um questão que não tinha sido levantada no recurso, a de sanar se havia ou não fundamento para alterar a matéria de facto dada como provada na primeira instância, pois o Recorrente nunca pretendeu que tal alteração fosse feita, pois isso não é necessário para julgar o caso com justiça.
Continua, afirmando que «o que o Recorrente fez foi utilizar factos adquiridos no processo, embora não constante per se da base instrutória, para reforçar a existência de má fé por parte das Recorridas, para além do facto nuclear, e só por si suficiente, de saberem que, ao fazerem a compra e venda, inutilizavam os efeitos do arresto e, pois, frustravam a satisfação do crédito».
Daqui parte para a atribuição de uma nulidade ao Acórdão recorrido, por, na perspectiva do Recorrente, não terem sido analisados os factos provados na sentença da 1ª Instância para deles se concluir se está ou não provada a má fé da adquirente, o que, na sua óptica, integra nulidade , nos termos do artº 668º, nº 1, als. b) e d) do CPC.
Considera ainda que a Relação não se pronunciou sobre a questão de saber o «quid se face a tudo quanto se provou, se considerar que o arresto caducou por força do acto impugnado», questão que a Relação não podia «furtar-se a apreciá-la», sob pena de violar o artº 668º, 1, al. d) do CPC.

Começando pela questão da nulidade invocada, diremos, desde já, que nenhuma razão assiste ao Recorrente.
Quanto à questão da alteração da matéria de facto dada como provada pela 1ª Instância, é certo que o Recorrente não a impugnou nos termos legalmente assinalados para este efeito, pelo artº 690º-A do CPC, mas não é menos certo que, ao pretender que fossem tidos em conta certos factos instrumentais – como, de resto, repete nestas alegações de recurso de revista – confira-se as conclusões qerdas presentes alegações onde se afirma: «q) Por outro lado, e apesar de serem suficientes os factos atrás alegados para que a acção tenha provimento e se reconheça a má fé das Recorridas, há ainda no processo inúmeros factos instrumentais, provados por documentos, que reforçam e confirmam esta convicção» (1). – o Recorrente mais não visa do que a modificação, por aditamento, da matéria de facto que foi fixada, na medida em que pretende que sejam «tidos em conta na decisão» os que indicou no § 15º das alegações da Apelação, pois, no seu entendimento, «dada a sua natureza de factos meramente instrumentais ou acessórios, podem e devem ser levados em linha de conta na decisão, mesmo não tendo sido expressamente alegados nos articulados, ou incluídos na Base Instrutória, pois é esse o seu regime, face ao art. 264°, n.° 2 in fine do Cód. Proc. Civil, uma vez que resultaram da instrução da causa».

Ora é sabido que, quanto aos factos instrumentais, não é pela simples razão de eles constarem de documentos ou de se afigurar às partes que podem ser dados como provados, que eles devem ser atendidos pelo julgador, mas apenas aqueles que resultarem da instrução e discussão da causa como reza o preceito legal ( artº 264º, nº 2 do CPC) e quanto aos factos referidos no nº 3 do mesmo preceito, desde que obedeçam aos requisitos nele insertos.
Em suma, só são atendíveis os factos essenciais não alegados e os instrumentais, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa.
É esse o sentido do temo resultar que não é sinónimo de constar de documentos ou de outros meios de prova.
É esse o alcance da expressão legal «... dos factos que resultem da instrução e discussão da causa» constante do nº 2 do artº 264º do CPC.
Instrução é termo que decorre da aglutinação dos termos latinos « in+ struere» que tem o sentido de acumular em certo lugar (2). e que consiste na «actividade processual tendente a coligir no processo os meios de prova a utilizar e preparar a sua discussão» (3).
Estes factos serão tidos em conta na sentença, inseridos no acervo factual que suportará a decisão de direito, pelo que constituem sempre matéria de facto.
Discussão é termo que se refere ao debate da audiência de julgamento ou equivalente, onde tais factos serão filtrados pelo crivo do contraditório, nas alegações e, sobretudo, pela convicção fundamentada do julgador em caso de prova não tarifada.
Desta forma, para que se dê cumprimento ao aludido preceito legal não basta que os factos constem de documentos inseridos nos autos, como refere o Recorrente ao afirmar que «... há ainda no processo inúmeros factos instrumentais, provados por documentos, que reforçam e confirmam esta convicção».
Uma vez que a 1ª Instância não se serviu de qualquer facto nessas condições, antes se apoiando apenas nos alegados pelas partes e que foram provados (factos esses que, como se colhe da acta respectiva, não mereceram oportunamente qualquer reclamação do Autor, ora Recorrente), só mediante a alteração da matéria de facto fixada por aquela Instância seria possível à Relação a sua inclusão na decisão.
Desta sorte, sempre teria a Relação de se pronunciar sobre a alteração ou modificação da matéria de facto (para apreciar a pretensão do recorrente de ver atendidos os factos que alegou no dito § 15º das suas alegações de Apelação).
Não se trata apenas da valoração de tais factos, como defende o Recorrente, pois para valorar é necessário, antes do mais, que os mesmos constem da decisão!
Por outro lado, não se pode olvidar que se encontra provado o que consta dos factos 41º e 42º que se reportam à data em que a Recorrida CC subscreveu o contrato-promessa de compra e venda relativo ao prédio em que veio, mais tarde, a incidir o arresto, e que são do seguinte teor:

41°- Em 07 de Março de 2002 os representantes da ré “CC” desconheciam a existência de arresto incidente sobre bens da ré “BB” (Resposta ao Facto 18º da Base instrutória).

42°- E desconheciam a existência de qualquer crédito do autor sobre a ré “BB” (Resposta ao Facto 19º da Base instrutória).

Para além do mais, como se colhe do facto 22º, o arresto foi decretado só em 5 de Dezembro de 2002, pelo que em 7 de Março daquele ano, data em que foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda relativo ao prédio em questão, ainda não havia arresto, o que, conjugado com ambos os factos referidos, só é susceptível de confirmar a dúvida sobre a consciência do prejuízo ao Autor, por parte da promitente adquirente, a sociedade CC, como decidiram as Instâncias.
Nem tal conclusão é invalidada pelo facto também provado de que esta Ré soube da existência do arresto antes de celebrar a escritura de compra e venda do prédio ( facto 26º), portanto depois de celebrar o contrato-promessa, como veremos mais adiante.
Quanto à falada questão do que o Recorrente denomina de «tema central do recurso» ( cfr. capítulo I, ponto 4, fls. 2 das alegações), de que imputa à Relação o seu não conhecimento de pertinente decisão, a mesma teria como pressuposto a factualidade que o Recorrente refere no capítulo II, título B, das alegações presentes, e que é o conjunto de factos que integram os pontos ou alíneas 16 a 20.
Porém, tendo a Relação decidido, e bem, que para se pronunciar sobre tal questão teriam que ser alegados os factos essenciais à mesma (e não se trata de factos meramente instrumentais já que integram matéria que o Recorrente considera « tema central do recurso», tais factos nem foram alegados nem foi impugnada a matéria factual fixada pela 1ª Instância, pelo que à míngua do suporte factual necessário, não havia que proceder à sua apreciação).
Para cabal esclarecimento da inexistência de omissão de pronúncia que lhe é imputada, aqui se transcrevem algumas passagens respigadas do Acórdão recorrido, sobre este aspecto específico:
«Com efeito, se por um lado, perante a alegação de determinado facto, deve assegurar-se à parte contrária o direito de sobre o mesmo tomar posição, já, por outro, não se explicaria que, recaindo sobre o réu o ónus de concentrar toda sua defesa na contestação ( artº 489º, nº 1), a obrigação imposta ao autor naquela alínea d) do nº 1 do artº 467º, não se traduzisse, também, num limite temporal à invocação dos factos que fundamentam a acção e de que já tenha conhecimento. Ou seja, do mesmo passo que não pode o réu defender-se, passe a expressão, às pingunhas, também o autor não pode reter factos que fundamentam a acção e de que já tenha conhecimento aquando da propositura da acção, para os ir despejando nos momentos em que lhe aprouver. Em resumo, dir-se-á que, com a reforma do C.P. Civil de 1995, em processo comum de declaração, só a petição e a contestação surgem como articulados normais, posto que os seguinte pressupõem a invocação de factos com que a parte contrária não pudesse legitimamente contar .
Passou, deste modo, a funcionar, em relação ao autor, o princípio da preclusão plena, o que bem resulta do n° l do art° 502° do referido diploma: o autor terá que alegar na petição todos os factos constitutivos do direito que se arroga, impedido como está, de guardar parte dos seus argumentos no início do processo para apenas os usar mais tarde.
Transpostas as precedentes considerações para o caso em apreço, logo concluímos que a pretensão do autor ora apelante não merece acolhimento.
Efectivamente, o autor após a primeira sessão de audiência de discussão e julgamento ao requerer a junção aos autos de vários documentos – cfr. requerimento de fls. 688 e segs dos autos – alega factualidade – que pretende ver agora considerada provada - e no seu dizer, claramente reveladora "que o referido negócio foi feito para esconder património em prejuízo do autor".
Ora, este tribunal só pode alterar a decisão da matéria de facto da 1a instância quando se verifiquem os fundamentos previstos nas alíneas a), b) e c) do artº 712° do C.P.C.
A alínea c) de tal preceito legal está liminarmente afastada dado que não se trata de documentos novos supervenientes e que, por si só, sejam suficientes para destruir a prova em que a decisão assentou.
No que respeita à alínea b), Alberto dos Reis ao explicar o que nela se dispunha na redacção na altura vigente, e que era praticamente idêntica à actual, apenas se refere à hipótese de estar junto aos autos documento que faça prova plena ou cabal de determinado facto e o juiz na sentença ter admitido facto oposto com base na decisão do tribunal colectivo caso em que incumbiria à Relação fazer prevalecer a força do documento - cfr. C.P.C. Anotado, autor citado, vol. VI, pág. 472,
No caso em apreço não existe qualquer meio de prova com tais características sendo que os documentos juntos aos autos são de livre apreciação pelo tribunal - art° 655°, n° do C.P.C.
Além disso, sempre se dirá que os documentos autênticos apenas fazem prova plena de que foram feitas as declaração deles constantes, mas não de que essas declarações sejam verdadeiras, sendo admissível prova sobre tais factos - cfr. nesse sentido, entre outros, Acs R.C de 1-6-93, B.M.J. 428, pág. 691 e RL de 20-11-98, B.MJ. 481, pág. 536.
Daí que inexistem razões para aditar tal matéria à factualidade apurada que não mereceu impugnação.
Ora, como se disse, a al. d) do n° l do artº 467° do C. P. Civil impunha-lhe que. expusesse, desde logo, todos os factos relativos ao negócio com base no qual pretende a impugnação pauliana.
A sentença ora sob censura não devia, por isso, nos termos do art. 659°, n° 3, do C.P.C., de tomar em consideração os factos que, o autor só veio alegar após a primeira sessão de julgamento».
Não se logra, assim, entender, como pretende o Recorrente que sem modificação da matéria de facto, que afirma não estar em causa e que não foi por ele pedida, sejam tidos em consideração tais novos factos ( cfr. conclusões q e r das alegações deste recurso de Revista e que melhor se concretizam no § 15º das alegações de Apelação, também nestes autos), para além dos que foram fixados no acervo factual referido pela decisão recorrida.
Em suma, não só a Relação não se pronunciou sobre qualquer questão de que não pudesse tomar conhecimento, como também não omitiu pronúncia sobre qualquer questão que devesse apreciar, como se deixa demonstrado, pelo que é totalmente improcedente a arguida nulidade, claudicando todas as conclusões da alegação do Recorrente com relevo para esta questão.
Não podendo este Supremo Tribunal sindicar os juízos de facto que os Tribunais de Instância (que julgam da matéria de facto) extraem da factualidade que fica definitivamente fixada, fora dos apertados limites do artº 722º, nº 2 do CPC, nada temos a censurar quanto à matéria factual fixada, limitando-nos a aplicar o direito a tal factualidade.

No plano jurídico, começamos por referir que o facto de a empresa CC ter registado a compra do prédio, nada tem de censurável, antes resulta do cumprimento de ónus legal para acautelamento do seu direito, pois tendo-se comprometido, por via do contrato-promessa que subscreveu como promitente compradora, a adquirir tal imóvel e tendo, efectivamente, adquirido o mesmo em cartório notarial e, portanto, por escritura pública de compra e venda, competia-lhe efectuar o registo legal de tal aquisição como meio de opor «erga omnes» o seu direito de propriedade sobre o mesmo.
Por outro lado, como acima se referiu, vem provado que esta Ré, ora Recorrida, na data em que foi celebrado o contrato promessa de compra e venda do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial de Loulé com o nº0000000(7 de Março de 2002) os representantes da Ré CC não tinham conhecimento de nenhum arresto sobre tal imóvel ( facto 41º).
E, acrescentaremos, nem podiam ter tal conhecimento, pela simples razão de que o contrato-promessa foi celebrado em 7 de Março de 2002 e o citado arresto foi decretado apenas em 5 de Dezembro de 2002 ( facto 22º), ou seja, cerca de 9 ( nove) meses depois.
É certo que vem provado que a Recorrida CC sabia da existência do arresto antes de celebrar a escritura de compra e venda do prédio ( facto 26º), mas só por aí não se infere qualquer má fé, pois também vem provado o compromisso da Ré BB perante a adquirente de «promover o levantamento do arresto incidente sobre o prédio no prazo de 6 meses» ( facto 39º) e ainda que a própria Recorrida CC se «comprometeu a pagar a quantia referida no facto 15º no prazo de 30 dias após o levantamento do arresto» ( facto 40º).
Além do mais, independentemente de qualquer arresto, na acção pauliana «o bem não regressa ao património do devedor sendo executado no património do obrigado à restituição, limitando-se os seus efeitos ao credor-autor», sendo que o adquirente «é demandado na lide cautelar para que conserve intacto o bem adquirido e o entregue quando lhe for pedido, para eventual execução», como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 29-05-2007 ( Relator, o Exmº Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas, Pº 07A1674 in www.dgsi.pt).
Portanto, não se afigura que por ter registado a sua aquisição por compra do bem arrestado, tenha a Ré/Recorrida agido com a má fé que fundamente a procedência da acção pauliana, como bem decidiram as Instâncias.

Note-se que, o Recorrente nem sequer logrou provar o fundamento do cancelamento do registo provisório nos termos em que o alega, isto é, que tal caducidade tenha sido causada pelo registo da aquisição da Recorrida, e tal era importante, até porque, como salienta a recorrida nas suas contra-alegações deste recurso, segundo a sua versão, a caducidade daquele registo foi operada pelo facto de o ora Recorrente, ao não ter convertido em definitivo o registo provisório da acção a que se refere o facto 24º do acervo factual ( Pº nº 408/2002) nos termos do artº 119, nº 6 do Código do Registo Predial, permitiu que tal registo provisório caducasse, o que não pode ser imputado à Recorrida CC.
Desta sorte, nada na factualidade apurada permite concluir, como bem decidiram as Instâncias, pela existência de má fé por banda da adquirente do prédio de que tratam os autos, a ora Recorrida CC, na compra desse imóvel ou no registo da mesma aquisição, não se verificando violação de qualquer preceito legal apontado pelo Recorrente pela decisão recorrida.
A «consciência do prejuízo que o acto causa ao credor» em que se consubstancia a má fé do terceiro adquirente e a que se refere o nº 2 do artº 612º do C.Civil, é conceito normativo cuja verificação no plano factual não se presume, antes carece de ser integrado pela factualidade atinente, podendo ver-se, neste sentido, por todos, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 13-05-2004 (Relator, o Exmº Juiz Conselheiro, Ferreira de Almeida) em que se sentenciou:
« A existência da «consciência do prejuízo que o acto causa ao credor» é conclusão a extrair de factos que a patenteiem, pois que atinente à descoberta da real intenção o estado de espírito das partes ao emitir a declaração negocial – o chamado « animus contrahendi».
Como tal, trata-se de pura matéria de facto cujos conhecimento e apuramento constituem prerrogativa exclusiva das Instâncias, sendo que ao Supremo é vedado extrair ilações ou conclusões dos factos provados» (disponível em www.dgsi.pt, Pº 04B1350).
Esta é posição consensual uniforme deste Supremo Tribunal, que ora se reitera por inteiramente aplicável ao caso sub judicio!
Pelo quanto amplamente exposto se deixa, claudicam todas as demais conclusões da alegação do Recorrente, o que conduz inexoravelmente à improcedência do presente recurso.


DECISÃO

Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando integralmente o douto Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Processado e revisto pelo Relator.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Janeiro de 2010


Álvaro Rodrigues ((Relator)
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria

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(1) A conclusão ré do seguinte teor: « Tais factos são os que estão referidos no capítulo III, A) (em especial o § 15° e suas alíneas) das alegações de Apelante, e, dada a sua natureza de factos meramente instrumentais ou acessórios, podem e devem ser levados em linha de conta na decisão, mesmo não tendo sido expressamente alegados nos articulados, ou incluídos na Base Instrutória, pois é esse o seu regime, face ao art. 264°, n.° 2 in fine do Cód. Proc. Civil, uma vez que resultaram da instrução da causa»
(2) CASTRO MENDES , Direito Processual Civil. vol. III, pg. 264.
(3) Idem, ibidem