Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A3748
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PONCE DE LEÃO
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
CASO JULGADO
Nº do Documento: SJ200402100037486
Data do Acordão: 02/10/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA.
Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA.
Sumário : I - Verificando-se a situação de dois tribunais proferirem decisões sobre a mesma matéria, ambas transitadas em julgado, em que se declaram territorialmente incompetentes para apreciar e decidir certa acção, antes afirmando a do outro, nos termos do artigo 675º nº 1 do Código Processo Civil, a decisão primeiramente transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, impondo-se ao outro tribunal, que, assim, a deverá acatar.
II - Formado o caso julgado, a situação jurídica que ele declarou torna-se imutável, não podendo tal situação ser alterada por caso julgado posterior.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

"A", uma vez notificado dos despachos (ambos transitados) do Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira de 19.3.03, e do Tribunal de Família e Menores de Lisboa de 6.2.03, em que ambos os tribunais se declaravam territorialmente incompetentes para apreciar e decidir uma acção de alteração da regulação do poder paternal relativa a sua filha B, antes afirmando a do outro, veio nos termos dos artigos 115º nº 2 e 117º nº 1 do Código Processo Civil requerer a resolução do consequente conflito negativo de atribuição de competência territorial.
Compete a este Supremo Tribunal de Justiça decidir o presente conflito, uma vez que os tribunais que negam a sua própria competência estão sediados em Distritos Judiciais diferentes, in casu nos de Lisboa e Porto - cfr. artigos 116º nº 2 do Código Processo Civil e 36º e) da LOTJ, razão pela qual o Tribunal da Relação de Guimarães ordenou a remessa dos autos a este Supremo Tribunal de Justiça.
A questão é de decisão fácil, despiciendo se tornando grandes considerações a este respeito, tanto mais que se está perante uma situação de incompetência relativa (cfr. artigo 108º do Código Processo Civil), sendo, na nossa perspectiva, perfeitamente pacífica a solução a tomar.
De facto, nos termos do artigo 111º nº 2 do Código Processo Civil, a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que tenha sido oficiosamente suscitada.
Assim, tal decisão (porque transitada) impõe ao outro tribunal a respectiva competência; é dizer: a decisão, transitada, do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, porque primitivamente proferida e transitada, impõe-se ao Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira, que, por assim ser, jamais poderia suscitar de novo tal (e mesma) problemática.
Porém, a verdade é que este último Tribunal assim não procedeu, voltando a apreciar a mesma questão concreta e decidindo-a (decisão também transitada), onde denegava a sua competência também.
O certo é que o fez em termos menos correctos, porquanto em conformidade com o nº 1 do artigo 675º do Código Processo Civil, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar.
Logo: a proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Lisboa.
Na verdade, como ensinava Alberto dos Reis, "É fácil descobrir a ratio legis que inspirou a regra do artigo 675º; a razão da lei está na imperatividade ou na força obrigatória do caso julgado (artigos 671º e 672º). Formado o caso julgado, a situação jurídica que ele declarou e definiu torna-se imutável; portanto não pode tal situação ser alterada por caso julgado posterior. O novo caso julgado, destruindo o benefício que o caso julgado anterior assegurara à parte vencedora, é contrário à ordem jurídica, é, por assim dizer, um facto processual ilícito, e não deve, por isso, subsistir". - Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 193 e ainda Rodrigues Bastos em Notas ao Código de Processo Civil.
Assim sendo, desnecessário se torna apreciar questões adjacentes, como se tornam as que eventualmente se poderiam suscitar, nomeadamente as que se prendem com a autonomia da acção de alteração da regulação do poder paternal versus regulação do poder paternal tout court, ou residência da menor, entendida esta como residência real e efectiva ou legal.
Termos em que Acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em considerar territorialmente competente para o conhecimento e decisão do processo sub judicie o Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira, que deveria ter acatado o trânsito em julgado do despacho proferido pelo Tribunal de Família e Menores de Lisboa.
Sem custas.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2002
Ponce de Leão
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida