Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1041/06.0TBVRL-C.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
BENS DE TERCEIRO
GARANTIA REAL
PENHORA
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 11/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO EXECUTIVA / PARTES - PROCESSO / INSTÂNCIA / SENTENÇA (NULIDADES) / RECURSOS - PROCESSO DE EXECUÇÃO / PENHORA.
Doutrina:
- Castro Mendes, Obras Completas, Direito Processual Civil, III, 357.
- Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4.ª edição, p. 125, nota de pé de página n.º8.
- Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil”, Anotado, 2.º, 703.
- Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 222.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 697.º, 698.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 55.º, N.º1, 56.º, N.º1, 271.º, N.ºS 1 E 3, 351.º, N.º1, 466.º, N.º1, 668.º, N.º1, AL. D), N.º3, 715.º, N.º2, 821.º, N.º2.
LEI N.º 41/2013, DE 26-6: - ARTIGO 6.º, N.º1.
Sumário :
Não se pode penhorar bem de terceiro, onerado com garantia real para satisfação do crédito exequendo, sem que aquele, mesmo que o tenha adquirido já com a ação executiva instaurada, seja parte nesta.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Por apenso à execução comum que, com o n.º 1041/06.0TBVRL, corre termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, onde deu entrada em 26/4/2006, em que é exequente a Caixa AA, CRL e são executados:

BB – Sociedade Imobiliária, Lda.;

CC e

DD, veio a EE, Lda deduzir embargos de terceiro, com função preventiva.

Alegou, em síntese, que:

O prédio, cuja penhora a exequente pretende naquela execução, foi por si adquirido à executada BB – Sociedade Imobiliária, Lda., por escritura pública celebrada em 26/10/2006, estando tal aquisição registada, pelo que a sua penhora naqueles autos, caso venha a ser realizada, se mostra ilegítima;

É completamente alheio a tal processo;

Tem exercido a posse sobre o aludido imóvel desde a data mencionada.

Pediu, em conformidade:

a) que se reconheça a sua qualidade de terceira em relação ao processo executivo acima mencionado e de possuidora do imóvel identificado no art.º 1º da petição inicial, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º ... da freguesia de S. ...;

b) em consequência, que se determine que não seja realizada qualquer penhora sobre o aludido imóvel no referido processo.

Contestou apenas a exequente, alegando, no essencial, que:

O direito de embargar por parte da requerente caducou, visto que o seu sócio gerente é o executado CC, também gerente da executada BB – Sociedade Imobiliária, Lda., que foi citado entre Junho e Julho de 2006, tendo, então, tomado conhecimento de que havia sido requerida a penhora do prédio acima mencionado, sendo certo que a caducidade ocorreu 30 dias após a aquisição do bem pela embargante.

O imóvel cuja penhora requereu mostra-se onerado com hipoteca destinada a garantir o crédito exequendo, não tendo a mesma caducado com a venda invocada pela embargante.

Esta sabia da existência da aludida hipoteca e, mesmo assim, comprou o imóvel.

A dedução dos presentes embargos constitui exercício abusivo de direito.

Concluiu, na parte que ora releva, que:

a) Se declare verificada a caducidade do direito de embargar;

b) Caso assim se não entenda, se reconheça que a embargante litiga em abuso de direito;

c) Se declare que a posse da embargante, a existir, não obsta à efetivação da penhora.

A embargante replicou, defendendo a improcedência das exceções, concluindo como na petição inicial e ampliando o pedido nos seguintes termos:

a) Que lhe seja reconhecida a qualidade de proprietária do imóvel acima mencionado;

b) Em consequência, seja determinado que não haja lugar à penhora do mesmo imóvel.

A embargada contestante treplicou reiterando a improcedência dos embargos.

2 . Por despacho de fls. 340, foi a embargante convidada a aperfeiçoar a petição inicial concretizando conceitos alegados relativamente à posse, convite que acatou nos termos que constam de fls. 370 a 372.

3 . Na audiência preliminar a que se procedeu, foi admitida a ampliação do pedido.

4 . A ação prosseguiu e, na devida oportunidade, foi proferida sentença que julgou improcedente a exceção da caducidade e improcedentes os embargos.

           

5 . Apelou a embargante, mas sem êxito porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão.

6 .  Ainda inconformada, pede revista.

Conclui as alegações do seguinte modo: 

1 . A recorrente EE LDA é proprietária do imóvel, constituído por um prédio urbano, sito no lugar da Quinta ..., freguesia de S. ..., concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial respectiva, sob o artigo número …, e descrito, na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, na ficha número 000... - freguesia de S. ..., pois que o comprou, em 26 de Outubro de 2006, à S. BB - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA LDA, que era, nessa data, 26 de Outubro de 2006, a proprietária de tal imóvel (letras A e B, da matéria de facto assente, e artigo 408°, do C.C.).

2 . A recorrente EE LDA, não é executada na execução correspondente ao processo principal, do qual os embargos de terceiro, supra-identificados são dependência, sendo pois a recorrente terceira em relação a tal execução (letra G, da matéria de facto assente).

3 . Não é pois possível penhorar, no âmbito de tal execução, o imóvel atrás identificado, por a isso se opor a regra absoluta de que numa execução nunca podem ser penhorados bens de quem não é nela executado, regra esta que não admite qualquer excepção, que resulta da articulação dos artigos 56°-2 e 821°-1 e 2, ambos do C.P.C., com os artigos 601° e 818°, os dois do C.C., e que constitui um afloramento do princípio do contraditório, vazado, nomeadamente, no artigo 3°, do C.P .C.

4 . Assim, e muito embora sem que isso constitua qualquer demérito para os Ilustres Magistrados do Tribunal da Relação do Porto que o proferiram, deverá ser revogado o aliás douto acórdão recorrido, por ter violado, como violou, a regra absoluta, o princípio e as normas legais referidos na terceira conclusão anterior.

5 . Prolatando-se, em substituição de tal douto acórdão revogado, um acórdão, que julgue procedentes os embargos de terceiro em causa.

Não houve contra-alegações.

7 . Das conclusões das alegações emerge apenas a questão consistente em saber se pode ser penhorado o imóvel adquirido pela ora embargante, sem que esta seja parte no processo.

8 . Vem provada a seguinte matéria de facto:

1. No dia 26 de Outubro de 2006, através de escritura notarial de compra e venda, nessa data lavrada, no Cartório Notarial de Lamego, sito na ... S. ..., Bloco …, em Lamego, do Notário, licenciado FF, rectificada, por escritura, lavrada no mesmo cartório, em 21 de Março de 2007, a embargante comprou um prédio urbano, sito no lugar da Quinta ..., freguesia de S. ..., concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial respectiva, sob o artigo número …, e descrito, na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, na ficha número 00... - freguesia de S. ... [alínea A) dos factos assentes];

2. Em tal escritura de compra e venda foi vendedora a sociedade comercial por quotas BB-SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA., com cartão de identificação de pessoa colectiva número …, e com sede social na cidade de Vila Real, que era então, isto é, em 26 de Outubro de 2006, a proprietária do prédio atrás mais bem identificado, o qual, através dessa escritura, vendeu à embargante (B);

3. Tendo a BB - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA., registado a aquisição do imóvel em 7 de Maio de 1998 (C);

4. A aquisição do imóvel pela embargante foi registada em 21 de Junho de 2006 como provisória por natureza (D);

5. A execução comum, da qual estes embargos são apenso, deu entrada em juízo no dia 27 de Abril de 2006 (E);

6. Foi distribuída e autuada no dia 27 de Abril do mesmo ano (F);

7. Na qual são executados: CC; DD e BB, Sociedade Imobiliária, Lda., todos devidamente identificados naquele requerimento executivo (G);

8. O executado CC era ao tempo da escritura referida em 1 gerente da executada BB, Sociedade Imobiliária, Lda. e da embargante (H);

9. Todos os referidos executados foram citados entre Junho e Julho de 2006 (I);

10. Era a sociedade adquirente conhecedora da existência da presente acção executiva e de sobre o imóvel havia sido requerida a penhora, em data anterior à data da escritura (J);

11. O registo da compra por parte da embargante só foi requerido em 14 de Maio de 2007, tendo sido registado provisoriamente (L);

12. Posse essa sempre questionável quanto a escritura só se tornou válida e eficaz após a sua rectificação em 21 de Março de 2007 (M);

13. Foram requeridos no dia 14 de Maio de 2007, quatro registos de aquisição, que mereceram os seguintes APs nºs:

a) AP nº 13/070514 aquisição a favor de GG, Lda., Provisória por natureza pelos termos do Artº. 92, al. g) do nº 1 e do nº 4: Artigo 92º Provisoriedade por natureza

1 - São pedidos como provisórias por natureza as seguintes inscrições:

g) De aquisição, antes de titulado o contrato;

4 -A inscrição referida na alínea g) do nº 1, quando baseada em contrato-promessa de alienação, é renovável por períodos de seis meses e até um ano após o termo do prazo fixado para a celebração do contrato prometido, com base em documento que comprove o consentimento das partes.

b) AP nº … aquisição a favor de EE, Lda. por compra a BB - Sociedade Imobiliária, Lda., provisória nos termos do Artigo 92º "Provisoriedade por natureza

2 - Além das previstas no número anterior, são ainda provisórias por natureza:

b) As inscrições dependentes de qualquer registo provisório ou que com ele sejam incompatíveis".

c) - AP nº … Aquisição a favor da HH, S.A., por compra à EE, provisória por natureza, nos termos do artº 92º "Provisoriedade por natureza

1 - São pedidas como provisórias por natureza as seguintes inscrições:

g) De aquisição, antes de titulado o contrato;

2 - Além das previstas no número anterior, são ainda provisórias por natureza:

b) As inscrições dependentes de qualquer registo provisório ou que com ele sejam incompatíveis;

4 - A inscrição referida na alínea g) do nº 1, quando baseada em contrato-promessa de alienação, é renovável por períodos de seis meses e até um ano após o termo do prazo fixado para a celebração do contrato prometido, com base em documento que comprove o consentimento das partes".

d) - AP nº … aquisição a favor de II, S.A., provisória por natureza, nos mesmos termos: artigo 92º Provisória por natureza, nos mesmos termos: Artigo 92º Provisoriedade por natureza

1 - São pedidas como provisórias por natureza as seguintes inscrições:

g) De aquisição, antes de titulado o contrato;

2 - Além das previstas no número anterior, são ainda provisórias por natureza:

b) As inscrições dependentes de qualquer registo provisório ou que com ele sejam incompatíveis;

4 - A inscrição referida na alínea g) do nº 1, quando baseada em contrato-promessa de alienação, é renovável por períodos de seis meses e até um ano após o termo do prazo fixado para a celebração do contrato prometido, com base em documento que comprove o consentimento das partes (N);

14. As Sociedades referidas têm os seguintes sócios e gerentes:

a) - BB - Sociedade Imobiliária, Lda., matriculada sob o nº ..., tem como sócios a EE, Lda. e Sociedade GG, Lda., sendo sócio gerente CC.

b) - EE, Lda., matriculada sob o nº ..., tem como sócios actuais: EE II, Lda., e Sociedade GG, Lda., gerente até 01 de Novembro de 2006, CC, gerente desde aquela data, JJ (cunhada ou irmã da companheira de CC).

c) - EE II, Lda., matriculada sob o nº …, tem como sócios: HH, S.A., GG, Lda., e EE, Lda., gerente entre 9/08/2006 até 30/11/06 a (também executada e embargada, além de mãe de CC) DD e a partir de, pelo menos 01 de Maio de 2007, a JJ.

d) - HH, S.A., matriculada sob o nº ..., cujo administrador, que não consta da respectiva matrícula, era segundo o documento apresentado pela embargante e titulado por Contrato de Arrendamento, era DD.

e) - Sociedade II, S.A., matriculado sob o nº ..., cujo único administrador registado é a Dona DD.

f) - GG, Lda., matriculada sob o nº ..., cujos sócios são: KK (Filha e neta dos executados e embargados CC e DD), HH, S.A.; EE II, Lda., e LL, S.A. com sede na sala do lado da sede da Sociedade II, S.A. (O);

15. Os executados, BB – Sociedade Imobiliária, Lda., DD e CC, por intermédio do respectivo mandatário, remeteram ao mandatário da exequente, AA, Crl., no dia 23-11-2006, por telefax, o documento cuja cópia consta de fls. 242 e ss., no qual consta, além do mais:

“(…)

Relativamente ao assunto que temos vindo a tratar, com referência à execução comum n.º 1 041/06.0TBVRL, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, (…) informo o seguinte:

1. (…) foram apresentadas, pela Caixa AA, Crl., e em duas reuniões sucessivas, duas propostas que diferem uma da outra;

2. No que concerne à primeira proposta, que passava por uma suspensão da instância no processo atrás mencionado, pelo prazo de dois anos, com pagamento dos juros no prazo de um ano, e do restante no final do outro ano, sem qualquer desistência das oposições oportunamente deduzidas, podemos aceitá-la, sem mais, na totalidade;

3. No que se refere à segunda proposta, a nossa aceitação poderá também verificar-se, nas seguintes condições:

a) desistência de todas as oposições deduzidas;

b) suspensão da acção executiva, até 31 de Dezembro de 2009, no preciso estado em que se encontra actualmente, nomeadamente, sem realização de quaisquer penhoras;

c) juros vencidos e vincendos, à taxa anual efectiva, ou seja, incluindo todos os encargos, designadamente imposto de selo, até 3% ao ano;

d) pagamento do capital, e da totalidade dos juros, no dia 31-12-2009;

e) embora se nos não afigure necessário efectuar qualquer reforço da hipoteca, pois a já constituída cobre perfeitamente o valor do capital, e juros, até ao dia 31 de Dezembro de 2009, poderemos fazê-lo, em termos, e por montantes a acordar;

f) a final as custas serem metade a cargo dos executados e metade a cargo da exequente.

4. Em qualquer das duas propostas é também muito importante, ou decisiva mesmo até a formalização de todo o acordo no processo, o mais tardar até à próxima Segunda-feira, dia 27 de Novembro de 2006, que é a data limite de pagamento da taxa de justiça inicial das oposições, e respectiva multa, pagamento esse que, com tal formalização, não seria necessário efectuar.

Ficando a aguardar as vossas breves notícias, subscrevo-me.

(…)” (respostas aos quesitos 18º a 22º);

16. Em resposta ao referido em 15, o mandatário da exequente, AA, Crl., remeteu ao mandatário dos executados, BB – Sociedade Imobiliária, Lda., DD e CC, por telefax enviado, que se alcança de fls. 244, com o seguinte teor:

(…)

Em resposta ao s/ fax de 23/11/2006, e após consulta com a M/ cliente, tenho de lhe responder nos seguintes termos:

1º - Concorda-se com o n.º 3 da S/ carta, com as seguintes condições: als. b) e d) reportar-se-ão à data de vencimento para 02/01/2010.

2º - Não se concorda com a al. c), propondo-se, no entanto, que se fixe a dívida em 700000,00 € (+/- o valor da dívida á data de hoje).

3º - Vencerá juros à taxa de 7% com a sobretaxa de mora de 4% sobre o capital mais juros remuneratórios.

4º - A título de prémio pelo bom cumprimento, a M/ cliente concederá que:

a) Se o empréstimo for integralmente liquidado no último ano de vida, ou seja, entre 02/01/2009 a 01/01/2010 o montante a pagar será calculado à taxa de 5% sobre um capital de 680 000,00 € (equivale a perdoar-se desde já a sobretaxa de mora, passando o capital em dívida pata, apenas, 680 000,00 € e à diminuição dos juros para 5% sobre os 680 000,00 €; no final o montante a pagar será de 786 722,00 e o que, em comparação com os 853 806,00 € que seriam devidos a 7% sobre 700 000,00 €, equivale a uma diminuição de 678 084,00 €.

b) Numa segunda hipótese, se o empréstimo for integralmente liquidado entre 02/01/2008 a 01/01/2009 o montante a pagar será calculado à taxa de 6% sobre um capital de 680 000,00 €.

c) Na terceira hipótese, se o empréstimo for integralmente liquidado até 02/01/2008 o montante a pagar será calculado à taxa de 6,5 % sobre um capital de 680.000,00 €.

4º - Quanto à al. e), o mútuo por hipoteca terá de ser alargado para 700 000,00 €.

5º - Quanto à al. f) a M / cliente concorda que, se a dívida for integralmente paga até 02/01/2010.

6º - Concorda-se com as restantes alíneas.

Esta é a nossa última proposta, pelo que, estamos no nosso limite de negociação, e note-se, que o alargamento do mútuo terá de ser efectuado antes da entrada do acordo.

(…).” (18º a 22º);

17. Sobre o prédio referido em 1, na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob a cota G-…, efectuada mediante a ap. …, foi efectuada a seguinte inscrição: provisória por natureza (al. g) do n.º 1 do artº. 92) – aquisição a favor de EE, Lda., com sede na Rua … – Vila Real – por compra (26º);

18. Sobre o prédio referido em 1, na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob a cota G-…, efectuada mediante a ap. …, foi efectuada a seguinte inscrição: provisória por natureza (al. g) do n.º 1 do artº. 92) –aquisição a favor de HH, SA., com sede no …, n.º …, …., Lisboa – por compra a EE (27º);

19. Mediante a anotação 1-20070424 foi anotada a verificação de caducidade das inscrições referidas em 17 e 18 (30º);

20. Sobre o prédio referido em 1, na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob a cota C-…, efectuada mediante a ap. …, foi efectuada a seguinte inscrição: provisória por natureza (al. g) do n.º 1 do artº. 92) – hipoteca voluntária – activo: Caixa AA – para garantia do bom e integral pagamento de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair, até ao montante de 100 000,00 €; juro 7%; cláusula penal: 45; despesas: 4 000,00 €; montante máximo: 137000,00 € (lavrada em 22/05/07) (32º);

21. Por telefax enviado a 09-05-2007, BB – Sociedade Imobiliária, Lda., remeteu à exequente os documentos de fls. 255 a 283, informando que havia requerido na Conservatória do Registo Predial competente a realização da inscrição mencionada em 20 (33º);

22. Por telefax enviado no dia 31-05-2007, BB – Sociedade Imobiliária, Lda., remeteu à exequente os documentos de fls. 285 a 295, informando nos termos que se seguem:

(…) informamos que o registo provisório da hipoteca (…) foi já efectuado, pela Conservatória do Registo Predial de Vila Real, como se constata da certidão, por tal Conservatória emitida no dia 28 de Maio de 2007, e que se anexa por fotocópia, estando o original em nosso poder e à disposição de V. Exªas. (34º).

9 . Não há dúvidas de que o credor hipotecário pode obter satisfação do seu crédito com o bem hipotecado, mesmo que ele tenha sido alienado a terceiro. É a chamada “sequela”, cujos efeitos, aliás, a recorrente não contesta.

Por aqui não temos que nos demorar.

Onde surgem dúvidas é no regime processual atinente, em ordem a responder-se à pergunta enunciada em 7.

10. Os recursos visam – salvo caso contados que aqui não importam – a reapreciação de questões já decididas no tribunal inferior. A abertura da instância recursória fixou, cronologicamente, a lei a aplicar para decisão do recurso, de sorte que o presente caso escapa à aplicação imediata da lei, imposta pelo artigo 6.º, n.º1 da Lei n.º 41/2013, de 26.6.

Aliás, se não escapasse, a solução não seria diferente, por serem particularmente semelhantes as disposições do NCPC interessantes.

São, então, do Código de Processo Civil anterior à entrada em vigor daquela Lei as disposições que vamos citar sem menção de inserção.

10 . O artigo 55.º dispõe em termos genéricos sobre a legitimidade em processo executivo. Deve demandar e ser demandado quem figure como credor e devedor, respectivamente, no título executivo.

Esta regra tem logo no artigo seguinte desvios:

1 . Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão.

2. A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor.

3 ……..

4 ……...

Ao levar a cabo alteração deste artigo o legislador, explicou no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12:

“No que concerne ao complexo e controverso problema da definição da legitimidade das partes na acção executiva, quando o objecto desta seja uma dívida provida de garantia real, procurou tomar-se posição clara sobre a questão da legitimação de terceiro, possuidor ou proprietário dos bens onerados com tal garantia. Assim, concede-se tanto a um como a outro legitimidade passiva para a execução, quando o exequente pretenda efectivar tal garantia…sem todavia, se impor o litisconsórcio necessário, quer entre estes – proprietário e possuidor dos bens – quer com o devedor.

Considera-se, na verdade, que cumpre ao exequente avaliar, em termos concretos e pragmáticos, quais as vantagens e inconvenientes que emergem de efectivar o seu direito no confronto de todos aqueles interessados passivos ou de apenas algum ou alguns deles, bem sabendo que se poderá confrontar com a possível dedução de embargos de terceiro por parte do possuidor que não haja curado de demandar. (sublinhado nosso).

Temos aqui uma previsão clara sobre a necessária inclusão no requerimento executivo do titular da posse ou propriedade do bem onerado com a garantia real.

Omitida tal inclusão, não pode – pelo menos enquanto tal falha não for colmatada – ser atingido esse bem.

  

11 . Não cogitou, porém, o legislador sobre os casos em que, na pendência do processo executivo, o bem onerado é adquirido por terceiro.

Abrem-se, então, duas hipóteses:

A primeira, seguindo o caminho da subsidiariedade traçado pelo artigo 466.º, n.º1 e conduzindo ao regime do artigo 271.º, n.ºs 1 e 3; Ou seja, com prosseguimento da ação executiva contra o executado, mas com projeção de efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo.

A segunda exigindo intervenção processual deste.

Aquela tem a favor dela a própria letra da lei, enquanto se reporta também a “transmissão da coisa”, ao passo que o n.º1 daquele artigo 56.º se refere apenas a “sucessão no direito ou na obrigação”. Isso interessaria para o nosso caso porque não teve lugar qualquer sucessão no direito ou na obrigação exequendos, antes tendo havido transmissão da coisa que garantia aquele.

Além disso, coadunar-se-ia mais com a eficiência e celeridade que justificadamente norteia o legislador, em especial no processo executivo. Precludiria o afastamento daquelas, que poderia ser conseguido com sucessivas vendas do bem onerado.

Só que, é pressuposto da subsidiariedade que, nas normas atinentes ao processo executivo, se não encontre a necessária estatuição.

Ora, quanto à penhora – que é a fase processual que aqui nos interessa – o artigo 821.º, n.º2 admite-a relativamente a bens de terceiro, “desde que a execução tenha sido movida contra ele.”

Novamente o legislador se situou no momento da instauração da ação executiva, mas cremos que o recurso a uma redação categoricamente condicionante, leva a pensar que a exigência de que o terceiro esteja em juízo também é válida se este o não era em tal momento, mas passou a sê-lo depois.

Esta posição é corroborada pelo texto do 351.º, n.º1. Reportado já ao momento em que é ordenada a apreensão ou entrega de bens, permite a “quem não é parte na causa” deduzir embargos de terceiro.

Repare-se, para além disso, que o dono da coisa ou o titular do direito hipotecado têm caminho de defesa específico nos termos dos artigos 697.º e 698.º do Código Civil, por aqui se encontrando justificação acrescida em favor da necessidade de ser parte no processo.

Já afirmava Castro Mendes (Obras Completas, Direito Processual Civil, III, 357), a propósito dos limites subjetivos da penhora, que:

“… por exemplo bens empenhados ou hipotecados pertencentes a terceiro podem ser chamados a responder por certa dívida. Mas, para serem penhorados, tem o seu titular de ser parte passiva na execução.”

Entendimento que também é partilhado por Lebre de Freitas, reportando-se inclusiva e expressamente aos casos de transmissão posterior à instauração da execução (A Acção Executiva, 4.ª edição, página 125, nota de pé de página n.º8)

Escrevendo, por sua vez, Teixeira de Sousa (Acção Executiva Singular, 222):

“A responsabilidade patrimonial não pode ser efetivada sem a demanda do titular do património responsável na acção executiva. As regras sobre a legitimidade das partes na acção executiva garantem a presença em juízo do sujeito cujo património é responsável pelo pagamento da dívida, ou seja, elas preparam a necessária coincidência entre o sujeito responsável e a parte demandada. Isto é claro na atribuição de legitimidade passiva ao devedor da obrigação exequenda (cfr. artigo 55.º, n.º1), tal com o é na concessão de legitimidade ao terceiro que é proprietário do bem onerado com a garantia real (cfr. artigo 56.º, n.º2).

Se forem penhorados bens de sujeitos que não são demandados na acção executiva, estes podem reagir contra a penhora. Podem-no fazer através de um meio especial que são os embargos de terceiro…”

12.  “In casu”, a aquisição ocorreu depois da instauração da ação executiva, mas o processo não seguiu contra o adquirente, ora embargante (diretamente ou por habilitação, não importa aqui discutir).

Antes de ser parte no processo, não pode ser levada a cabo a penhora do bem a ele pertencente.

13 . Na ampliação do pedido que levou a cabo e como se refere em 1 e 3, a embargante pediu que se declarasse ser proprietária do imóvel em causa.

Tal pedido foi ignorado na sentença de 1.ª instância e contra a nulidade por omissão assim cometida não se insurgiu aquela no recurso de apelação.

O que a lei chama “nulidade” (artigo 668.º, n.º1 d)) depende, de acordo com o n.º3 do mesmo artigo, de arguição. Rigorosamente, trata-se de anulabilidade (Assim, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil, 2.º, 703), pelo que ultrapassado o momento próprio de arguição, tem de se ter como sanada.

Não há, assim, que atentar agora no que poderia resultar do artigo 715.º, n.º2.

14. Face ao exposto, concede-se a revista, revogando-se o despacho que ordenou a penhora.

Custas aqui e nas instâncias pela demandada.

Lisboa, 14.11.2013

João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Serra Baptista