Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A584
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: INSTÂNCIA
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
NULIDADE PROCESSUAL
NOTIFICAÇÃO À PARTE
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Nº do Documento: SJ200305130005841
Data do Acordão: 05/13/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1280/02
Data: 10/17/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Sumário : I - O despacho a declarar a interrupção da instância não pode ser dispensado, visto que a interrupção não opera automaticamente pelo decurso do prazo assinalado no art. 285 - do C.P.C. , antes exige uma prévia indagação cuidada sobre a eventual negligência das partes na paralização do processo.
II - Não estamos, pois, perante um despacho de mero expediente, mas de um despacho susceptível de recurso ordinário, e como tal a exigir a respectiva notificação das partes.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :

A - Arquitectos, Lda. , fez distribuir no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa os presentes autos de execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário contra:
1 - B - Prestação de Serviços, Lda. ,
2 - C,
3 - D ,
4 - E , e
5 - F .

Deprecada a citação, veio o executado D agravar do despacho que ordenou a citação e posteriormente requerer a sua intervenção como assistente da executada, pretensão que lhe foi indeferida por despacho do qual igualmente interpôs recurso, ambos admitidos a subir diferidamente.

Entretanto, por despacho de 15/09/94 ( fls. 43 ) , foi a exequente notificada para, no prazo de 5 dias requerer o que tivesse por conveniente, sem prejuízo do disposto no Artº 122 do C.C.J. .

Devidamente notificada ( cof. fls. 43 ), a exequente nada requereu, pelo que o processo foi remetido à conta e apuradas as custas em dívida, foram estas liquidadas pela exequente, que nada mais veio a requerer no processo .

Assim, com data de 1/3/1995 , foi lavrado despacho que ordenou que os autos aguardassem o decurso do prazo de interrupção da instância ( Artº 285 do C.P.C. ) como se vê de fls. 50.

Tal despacho não foi, porém notificado à exequente, nem a qualquer outro interveniente processual .
Na sequência desse despacho , em 28/9/1995 , for proferido novo despacho que julgou a instância interrompida nos termos do Artº do C.P.C. e para os efeitos do Artº 291 do mesmo diploma ( fls. 51 ) despacho este que igualmente não foi notificado à exequente, nem a ninguém .

Visto que o processo não teve qualquer outro movimento a não ser a oposição dos vistos em fiscalização, surge em 12/3/2002 ( fl. 52 ) o despacho judicial que declarou extinta a instância nos termos do Artº 287 c/ do C.P.C. .

Inconformado com este despacho, recorre o exequente, recurso que veio a ser admitido como de agravo, a subir imediatamente, nos próprios autos ( cof. fls. 61 e 62 ) .

Apreciado o agravo pelo Tribunal da Relação do Porto, foi o mesmo julgado improcedente, porquanto, embora se tenha entendido que o despacho de fls. 52, deveria ter sido notificado à exequente, essa nulidade estava sanada por não ter sido arguida tempestivamente .

Novamente inconformada, veio a exequente recorrer do referido douto acórdão, recurso que foi admitido como de agravo .

Conclusões :
Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões :

1 - A agravante não põe em crise o facto do douto acórdão recorrido que estatui que lhe deveria ter sido notificado o despacho de fls. 51 de 28/9/95, que declarou interrompida a instância.
2 - Com o despacho de fls. 52, que declarou extinta a instância, o Meritíssimo Juiz "a quo" esgotou o seu poder jurisdicional .
3 - O recurso não visou a alegação de qualquer nulidade de despacho de fls. 52, datado de 12/3/2002, que declarou extinta a instância.
4 - Era o único meio processual que tinha ao seu alcance, esgotado que se encontrava o poder jurisdicional do Juiz de 1ª instância.
5 - A agravante, não pode ser prejudicada pelo simples facto de, nos presentes autos, terem havido anteriores notificações que poderiam levar à conclusão de que a instância estaria a caminho da interrupção, sem que fosse notificada dessa mesma interrupção.
6 - O despacho de fls. 52 de 12/3/2002 serviu de alerta à agravante para a extinção da instância .
7 - A agravante não poderia reclamar deste, já que, tendo a reclamação como destinatário o próprio Juiz do processo, este encontrava-se impedido de a ela responder .
8 - Ao não lhe ter sido notificado o despacho que declarou interrompida a instância, preteriu-se uma formalidade essencial, que claramente influiu na decisão da causa - Artº 201 n. 1 do C.P.C. ,
9 - Como tal, o despacho de lls. 12 é nulo, por violação do Artº 285 do C.P.C. .
Apenas o 2º executado contra-alegou, defendendo que não deve ser dado provimento ao recurso .
Nos termos do disposto no n. 1 do Artº 684-A do C.P.C. , impugna a decisão recorrida na parte em que lhe foi desfavorável, ou seja, na parte em decidir que o despacho de fls. 51 devia ter sido notificado à exequente, visto que entende que não o tinha de ser.

Os factos :
A factualidade necessária ao conhecimento do agravo é apenas a que se encontra já descrita no antecedente relatório, pelo que nos a dispensamos de aqui a repetir .

Fundamentação:
Como resulta das conclusões do agravo, a única questão suscitada é a da nulidade decorrente da falta de notificação do despacho que em 28/9/1995 ( fls. 51 ) declarou a instância interrompida nos termos do Artº 285 do C.P.C. , nulidade essa que, ao contrário do decidido no acórdão recorrido , entende a agravante não estar sanada, sendo que o recurso do despacho de fls. 52, de 12/03/2002, que julgou a instância deserta e por isso extinta, era o meio processual adequado e aliás o único de que dispunha a exequente para evitar o respectivo trânsito, podendo, por conseguinte, ser nele arguida a nulidade resultante da falta de notificação do despacho de 28/9/1995, que julgou a instância interrompida.

Em sede de contra-alegação, veio o recorrido ampliar o âmbito do recurso nos termos do disposto no Artº 684-A nº1 do C.P.C. , por entender que, diferentemente do decidido no acórdão recorrido ( que na parte decisória lhe foi favorável ), era dispensável o despacho de fls. 51 que julgou a instância interrompida, e, como tal, não tinha de ser notificado ao exequente.
Portanto, nem se trata de a eventual nulidade estar sanada .
Não teria havido, sequer, qualquer nulidade.
Este era, pois , um dos fundamentos de sua defesa , que a Relação julgou desfavoravelmente .
Como resulta do disposto no art. 684-A nº1 do C.P.C. a apreciação deste fundamento da defesa previne apenas o eventual acolhimento da argumentação que fundamenta o agravo.
Por isso, só nesse caso é que se torna necessário apreciar a questão trazida pelo recorrido .

Posto isto, vamos começar pela questão suscitada no agravo.

Partindo então do princípio defendido no acórdão recorrido e aceite pela agravante de que o despacho que declarou interrompida a instância devia ter sido notificada à exequente, pelo que, não o tendo sido, se cometeu nulidade susceptível de influir no posterior desenvolvimento da instância executiva .
Vejamos se essa nulidade está sanada como pretende o acórdão sob censura, ou, ao contrário, se podia e devia a questão ser suscitada no recurso do despacho que posteriormente declarou a extinção da instância por deserção, como defende a agravante .

Alega esta que não podia reclamar do despacho que julgou extinta a instância, porquanto o Meritíssimo Juiz "a quo" esgotou o seu poder jurisdicional ( Art. 666, nº1 do C.P.C. ) pelo que não poderia responder à reclamação, surgindo assim o recurso como o único meio ao alcance da recorrente para reagir ao despacho anterior, sob pena de o despacho recorrido (posterior) transitar em julgado.

Salvo o devido respeito, a questão está mal equacionada , desde logo porque não tem qualquer aplicação ao caso concreto o disposto no Artº 666 do C.P.C. .
Ao que parece a recorrente confunde nulidades de sentença (ou de qualquer outra decisão) e que são apenas as previstas no artº 668, nº1 do C.P.C. e nulidades de processo que são , como ensinava Manuel de Andrade ( Noções Elementares - 1956-156) "quaisquer desvios de formalismo processual seguido , em relação ao formalismo processual prescrito na lei... .
No primeiro caso, as nulidades são arguidas perante o juiz do processo, que então poderá supri-las ou em sede de recurso , caso em que o seu conhecimento caberá ao Tribunal "ad quem", nos termos do nº 3 do preceito citado, sem esquecer o novo n. 4, introduzido pela reforma de 1995, que autoriza o juiz do processo a suprir as nulidades arguidas nas alegações do recurso, aplicando-se ao caso, com as necessárias adaptações o disposto no Artº 744 do C.P.P. quanto à reparação do agravo.

No segundo caso (nulidades do processo), ou são daquelas que estão tipificadas e disciplinadas nos Art. 193 a 200, 202, 203 e 204 do C.P.C. ou pertencem à categoria das irregularidades atípicas cujo regime geral é o definido pelo Art. 201, 205 e 206 nº2 do mencionado código, cabendo recurso do despacho que as aprecie e decida, se for admissível nos termos gerais.

No caso dos autos, não era evidentemente o despacho recorrido que continha em si qualquer nulidade, como aliás, também o anterior despacho a declarar interrompida a instância, também não continha nulidades .
A nulidade arguida pela exequente consistiu na omissão da notificação à exequente deste último despacho proferido em 28/9/1995 .
Ora, como é óbvio, quando a agravante foi notificada da extinção da instância, o que aconteceu por carta registada de 12/3/2002, é claro que logo ficou a saber que a instância estava já interrompida, o que aliás, não poderia deixar de presumir-se em conformidade com o disposto no artº 205 , nº1 do C.P.C. .
Note-se, que a falta de diligência já vinha de longe visto que a exequente sabia que o processo estava parado, tendo ido mesmo à conta por ela não ter requerido o seu andamento.

Por conseguinte, a partir da notificação do despacho que julgou extinta a instância, considerando o disposto no Artº. 254, nº2 do C.P.C. , e as férias da Páscoa que entretanto se interpuseram, o prazo de 10 dias para arguir a nulidade ( artº 153, nº1 do C.P.C. ) extinguiu-se em 3/4/2002 .

Tendo a exequente apenas arguido a nulidade , com a alegação de 8/5/2002, desde há muito que se tinha extinguido o prazo legal para a sua arguição, sendo certo que não se trata de nulidade do conhecimento oficioso .
Por outro lado, era perante o juiz do processo e não perante o Tribunal Superior e em sede de recurso que a exequente devia ter arguido a dita nulidade , como resulta claro do disposto nos Arts. 205 n. 3 (o caso concreto não é o aí referido ) e do Artº 206, ambos do C.P.C. .

Diga-se, finalmente que não tem sentido, sequer, recorrer-se de um despacho, em relação ao qual não se aponta qualquer divergência, nem tal seria necessário para evitar o respectivo trânsito.

Na verdade, se a exequente tivesse arguido tempestivamente a nulidade em causa perante o juiz do processo e ela fosse reconhecida por omissão de acto que a lei ordena ( no caso a notificação do despacho que declarou a instância interrompida) determinar-se-ia a realização da notificação omitida, anulando-se todo o processado dependente da nulidade cometida e com ele, naturalmente, o despacho recorrido (artº 201 nº2 de C.P.C. ) . Se não fosse atendida a reclamação restava sempre recurso desse despacho, nos termos gerais.

Por conseguinte, o recurso do despacho de fls. 52 (de 12/3/2002) não era o único meio de que dispunha a exequente para evitar o respectivo trânsito e para atacar a nulidade em questão.
Foi até, na nossa opinião, um meio processual inadequado e que não poderia levar aos pretendidos resultados.

Não merece, pois, censura o acórdão recorrido, que deve manter-se.

Sendo de negar provimento ao agravo, fica prejudicado, como disse inicialmente, a ampliação do objecto do recurso requerida pelo agravado.
Não deixará porém de dizer-se, sumariamente, que o despacho a declarar a interrupção da instância não pode ser dispensado, visto que a interrupção não opera automaticamente pelo decurso do prazo assinalado no Art. 285 do C.P.C., antes exige uma prévia indagação cuidada sobre a eventual negligência dos factos na paralisação do processo.
E, sendo assim, como se decidiu no acórdão recorrido, é claro que não estamos perante um despacho de mero expediente mas de um despacho susceptível de recurso ordinário, e como tal a exigir a respectiva notificação das partes.

Decisão:

Pelas razões expostas nega-se provimento ao agravo.
Custas pela agravante.

Lisboa, 13 de Maio de 2003
Moreira Alves,
Alves Velho,
Moreira Camilo.