Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7/17.9IFLSB-E.L1-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO PARA O TRIBUNAL PLENO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 05/19/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - O STJ, quando decidiu da inadmissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, decidiu de uma decisão já transitada em julgado (cf. pressupostos impostos pelo disposto no art. 438.º, do CPP); ou seja, a decisão em 1.ª instância ocorreu num outro tribunal: não estamos, pois, perante uma situação que possa ser subsumível ao disposto no art. 11.º, n.º 3, al. b), do CPP, e ao disposto no art. 53.º, al. b), da LOSJ; o STJ apenas atua como tribunal de 1.ª instância quando julga nos termos do art. 11.º, n.º 4, al. a), do CPP.
II - O arguido apenas poderia ter reclamado do acórdão nos termos dos arts. 379.º e 380.º, ambos do CPP, ex vi art. 448.º e 425.º, n.º 4, do CPP, no prazo estabelecido no art. 105.º, n.º 1, do CPP; tendo apresentado no 3.º dia após o prazo, impunha-se a aplicação do disposto no art. 107.º-A, do CPP, pelo que nada há dizer quanto à multa que foi aplicada nos termos do dispositivo citado.
Decisão Texto Integral:



Proc. n.º 7/17.9IFLSB-E.L1-B.S1
Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência

I Relatório

1.1. AA, arguido nestes autos, veio, ao abrigo do disposto no art. 437.º, n.º 2 a 5 e no art. 428.º, do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (mediante requerimento apresentado a 02.12.2021 — cf. certidão junta) do acórdão do Tribunal da Relação ..., de 02.03.2021, proferido no âmbito do processo n.º 7/17…, que negou provimento ao recurso interposto.

1.2. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.03.2022, foi decidido “rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA.”

O acórdão foi notificado na mesma data.

2. A 20.04.2022, apresentou requerimento terminando com as seguintes conclusões:

«A. Compete ao Pleno das Secções Criminais, nos termos do artigo 53.º alínea b) da LOSJ, assim como do artigo 11.º n.º 3 b) do CPP, julgar os recursos das decisões proferidas, em primeira instância, pelas secções, sendo que a Decisão Recorrida representa a primeira instância de análise da questão em discussão.

B. É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que a decisão da Conferência sobre as questões preliminares, nomeadamente a existência ou não de oposição de julgados, não vincula o Pleno das Secções Criminais, que poderá reexaminar e reapreciar a questão.

C. Deve, assim, ser reapreciada pelo Pleno das Secções Criminais, no recurso que se apresenta, admissível nos termos expostos, a decisão de não oposição de julgados proferida pela Conferência.

D. A Decisão Recorrida considera não existir oposição de julgados por concluir que, por um lado, as situações do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento são diversas e, por outro, o Acórdão Recorrido não contraria a afirmação do Acórdão Fundamento de que só o arguido assistido por advogado reúne as competências necessárias para exercer os seus direitos processuais.

E. Existe identidade de factos - requisito aditado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nos recursos de fixação de jurisprudência - quando as situações fácticas são idênticas, sendo que as diferenças que se verifiquem entre si não interferem com o aspeto jurídico do caso, uma vez que da factualidade diversa poderia encontrar-se justificada a solução jurídica distinta.

F. As diferenças factuais entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento são inócuas para a questão jurídica em análise, não tendo sido identificado, por este Alto Tribunal, na decisão de que se recorre, qualquer facto que justifique ou legitime a prolação das decisões em confronto em sentidos diversos.

G. A questão colocada no recurso de fixação de jurisprudência apresentado é: "Os prazos de arguição de nulidades e irregularidades podem-se iniciar e esgotar antes que o Arguido tenho mandatário constituído nos autos?", respondendo o Acórdão Recorrido que sim e o Acórdão Fundamento que não.

H. Logo, as diferenças factuais apontadas na Decisão Recorrida em nada relevam ou interferem com a análise desta questão ou do circunstancialismo que levou os Tribunais a proferir duas decisões distintas em relação à mesma questão de direito.

I. O Acórdão Recorrido, ao confirmar o despacho do Juiz de Instrução Criminal de 05.06.2020, contraria a afirmação do Acórdão Fundamento de que só o arguido assistido por advogado reúne as competências necessárias para exercer os seus direitos processuais, na medida em que aquele despacho não conhece das nulidades invocadas por considerar a sua arguição extemporânea, considerando que o momento para arguir teria sido no próprio ato, apesar de o Arguido não se encontrar, nesse ato, acompanhado de advogado.

J. Por outro lado, e a acrescer, resulta expresso do Acórdão Recorrido que o Arguido, tendo estado presente na busca, devia ter arguido nesse momento as nulidades, sendo que não o tendo feito o prazo encontrava-se ultrapassado quando o fez através de mandatário, após o término da busca.

K. Por tudo o exposto, verifica-se oposição de julgados entre Acórdão Fundamento e o Acórdão Recorrido para os efeitos do disposto no artigo 437.º n.º 1 do CPP, requerendo-se a V.Exas. que reapreciem o recurso de fixação de jurisprudência interposto pelo Recorrente, concluindo pela oposição de julgados e ordenem o prosseguimento do recurso para julgamento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 442.º n.º 1 do CPP.»

3. Notificado o recorrente da necessidade de pagamento da multa ao abrigo do disposto no art. 107.º-A, al. c), do Código de Processo Penal, veio pagar, todavia, entende que

«Tendo o Arguido interposto recurso, considera aplicável o prazo previsto no artigo 411.º n.º 1 do CPP, pelo que a prática do ato não foi extemporânea, não sendo, pelo exposto, devido o pagamento de qualquer multa nos termos do artigo 107.º A alínea c) do CPP.»

4. Remetidos os autos ao Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, foi prolatado parecer nos seguintes termos:

«O art. 433.º do CPP prevê uma competência (residual) do STJ para os recursos que a lei ‘especialmente preveja’, contemplando «os casos dos recursos para fixação de jurisprudência (art. 437 e segs.) o recurso no interesse da unidade do direito (art. 447) e o recurso de revisão (art. 449 e segs.) e ainda recursos previstos em legislação avulsa, como alguns de natureza política (v.g. recursos das decisões da Comissão Nacional de Eleições)» ([1]), nomeadamente os previstos nos arts. 203.º, n.ºs 1 e 3, da Lei Orgânica 1/2001, de 14.08, 202.º, n.ºs 1 e 3, da Lei Orgânica 4/2000, de 24.08, e 224.º, n.º 1, da Lei 15-A/98, de 03.04.

Por sua vez, o art. 11.º, n.º 3, al. b), do CPP (tal como o art. 53.º, al. b), da Lei 62/2013, de 26.08), atribui competência ao pleno das secções criminais do STJ para julgar os recursos de decisões proferidas em 1.ª instância pelas secções, ou seja, de decisões tomadas nos processos previstos no art. 11.º, n.º 4, al. a), do CPP (processos por crimes cometidos por juízes do STJ e das Relações e magistrados do MP que exerçam funções junto destes tribunais, ou equiparados) ([2]), e no art. 109.º, al. a), da Lei 100/2003, de 15.11 (processos por crimes estritamente militares cometidos por oficiais generais, seja qual for a sua situação).

Não sendo, assim, o acórdão do STJ que rejeitou (ou o que mandasse prosseguir) o recurso para fixação de jurisprudência (art. 441.º do CPP) uma decisão proferida em 1.ª instância para os efeitos do art. 11.º, n.º 3, al. b), do CPP (o recurso para fixação de jurisprudência já é, aliás, interposto de um outro acórdão, embora transitado em julgado – v. o art. 438.º do CPP), nem estando especialmente prevista na lei (art. 433.º do CPP) a sua recorribilidade para o pleno das secções criminais do STJ ([3]), só nos resta promover que o recurso sub examine não seja admitido.»

5. Colhidos os vistos, cabe decidir.

II Fundamentação

1. Através de requerimento apresentado a 20.04.2022, o arguido vem recorrer do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, para o “Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo dos artigos 11.º, n.º 3 alínea b) e 433.º do CPP do CPP e artigo 53.º alínea b) da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto”. Pretende que o recurso suba imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Entende que o anterior acórdão prolatado por este Supremo Tribunal de Justiça é recorrível para o Pleno porque se a decisão do acórdão em exame preliminar não vincula o Pleno quando se decidiu pela oposição de julgados, então a decisão em acórdão preliminar constitui uma decisão em 1.ª instância (“Se é assim, a decisão da Conferência sobre a admissibilidade do recurso de uniformização de jurisprudência, pelo menos no que se refere à apreciação da questão da existência de oposição de julgados, não é uma decisão final. Mas uma mera decisão de primeira instância, da qual cabe recurso, já que o Pleno das Secções Criminais será o órgão a quem compete a decisão final de apreciação desta questão”).

O recorrente foi notificado no mesmo dia da prolação do acórdão, a 24.03.2022, e apresentou o requerimento de interposição de recurso a 20.04.2022.

2. O acórdão em questão foi prolatado ao abrigo do disposto no art. 441.º, do Código de Processo Penal (doravante CPP), onde se decidiu que o recurso para fixação de jurisprudência não devia prosseguir por falta de pressupostos bastantes. O arguido vem agora recorrer para o Pleno das Secções Criminais, do Supremo Tribunal de Justiça, mediante requerimento apresentado a 20.04.2022. Fundamenta‑se, para tanto, no disposto nos arts. 11.º, n.º 3, al. b) e 433.º, ambos do Código de Processo Penal, e no art. 53.º, al. b), da Lei n.º 62/2013, de 26.08 (Lei orgânica do sistema judiciário, doravante LOSJ).

Porém, tal recurso não é admissível.

Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça, quando decidiu da inadmissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, decidiu de uma decisão já transitada em julgado (cf. pressupostos impostos pelo disposto no art. 438.º, do CPP). Ou seja, a decisão em 1.ª instância ocorreu num outro Tribunal: não estamos, pois, perante uma situação que possa ser subsumível ao disposto no 11.º, n.º 3.º, al. b), do CPP, e ao disposto no art. 53.º, al. b), da LOSJ. Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça apenas atua como tribunal de 1.ª instância quando julga nos termos do art. 11.º, n.º 4, al. a), do CPP.

Além disto, o Pleno das Secções Criminais apenas tem competência para “uniformizar jurisprudência” [art. 11.º, n.º 3, al. c), do CPP].

Por fim, em parte alguma do regime previsto nos arts. 437.º e ss., do CPP, se prevê a possibilidade de recurso da decisão que rejeitou aquele recurso extraordinário. Aliás, nem se percebe como o recorrente pretende interpor um recurso para o Pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça e ao mesmo tempo pretende que se ordene o prosseguimento do recurso para julgamento — isto significa que primeiro iria ao Pleno para decidir sobre a admissibilidade do recurso extraordinário interposto, e depois, como que se voltava atrás, e prosseguia-se com a preparação do julgamento nos termos dos arts. 442.º, e 443.ºdo CPP? E não se diga que a decisão tomada em conferência no sentido da inexistência da oposição de julgados deve ser passível de recurso para o Pleno. Na verdade, olhando para o regime dos recursos para uniformização previstos no Código de Processo Civil, nos arts. 688.º, e ss, verifica-se que a decisão preliminar é, ao contrário do que acontece no âmbito do processo penal, uma decisão singular, passível de reclamação para a conferência, todavia esta última é irrecorrível nos termos do art. 692.º, n.º 4, do CPC, sem prejuízo de, quando admitido o recurso extraordinário, o Pleno não estar vinculado à decisão da conferência.

Assim sendo, o arguido apenas poderia ter reclamado do acórdão nos termos dos arts. 379.º e 380.º, ambos do CPP, ex vi art. 448.º e 425.º, n.º, 4 do CPP, no prazo estabelecido no art. 105.º, n.º 1, do CPP. Tendo apresentado no 3.º dia após o prazo, impunha-se a aplicação do disposto no art. 107.º-A, do CPP, pelo que nada há dizer quanto à multa que foi aplicada nos termos do dispositivo citado.   

Pelo que, por força do disposto no art. 193.º, do CPC ex vi art. 4.º, do CPP, aproveita-se o requerimento interposto como sendo de reclamação do acórdão prolatado.

3. E porque a reclamação deve ser apresentada no prazo de 10 dias, e tendo o requerimento sido apresentado a 20.04.2022, cabia o pagamento da multa devida nos termos do art. 107.º-A, al. c), do CPP.

O arguido foi notificado para tanto, e pagou-a, embora considerando que não era devida multa, por o recurso ainda estar em tempo. Todavia, dada a inadmissibilidade do recurso e a aceitação do requerimento apresentado como reclamação, a multa era devida, pelo que improcede o requerido a 26.04.2022.

4. O recorrente vem agora apresentar argumentos no sentido de considerar que o recurso para fixação de jurisprudência devia ter sido admitido, porquanto, em súmula apertada, existe oposição de julgados, pois, exigindo a doutrina e  a jurisprudência que os factos sejam idênticos ou equivalentes, e sendo as diferenças entre eles inócuas para a questão jurídica em discussão, não se pode concluir pela inidentidade da situação de facto; e reafirma que a questão jurídica a resolver é a subjacente à seguinte questão: “Os prazos de arguição de nulidades e irregularidades podem-se iniciar e esgotar antes que o Arguido tenha mandatário constituído nos autos?”; e considera ser irrelevante, para a questão a resolver, se o arguido esteve ou não presente aquando da realização da diligência ou se o arguido sabia ou não da diligência.

Ora, sabendo que ao abrigo do disposto nos arts. 379.º e 380.º, ambos do CPP, apenas poderiam ser invocadas as nulidades, erros, lapsos, obscuridades ou ambiguidades ali previstas, e nada disto tendo sido alegado, indefere-se o requerido.  Acresce referir que, estando esgotado o poder jurisdicional, não pode agora este Supremo Tribunal determinar qualquer modificação essencial ao acórdão anteriormente prolatado.

III Conclusão

Termos em que, pelo exposto, acordam os juízes da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em
a) rejeitar o recurso interposto para o Pleno das Secções Criminais por inadmissibilidade legal;
b) ao abrigo do disposto no art. 193.º, do CPC ex vi art. 4.º, do CPP, comutar o requerimento apresentado em reclamação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2022;
c) indeferir a reclamação apresentada.

Supremo Tribunal de Justiça, 19 de maio de 2022
Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

Eduardo Loureiro

António Gama


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[1] FERNANDO GAMA LOBO, Código de Processo Penal anotado, 2015, Almedina, pág. 875.
[2] Nesse sentido v. ANTÓNIO GAMA, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Artigos 1.º a 123.º, Almedina, 2019, pág. 180, § 18.º
[3] Nem a possibilidade de reclamação para o Presidente do STJ (v. o acórdão de 18.01.2007, processo n.º 2153/06, 5.ª Secção, relator OLIVEIRA ROCHA, www.stj.pt).