Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERREIRA PINTO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVA GRAVADA ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
Data do Acordão: | 07/12/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / CONSENTIMENTO DO LESADO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 340.º, N.º 1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 640º, N.ºS 1, ALÍNEAS A) E C), E 2, ALÍNEA A), 674.º, N.º 3, E 682.º, N.º 2; REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADO PELA LEI N.º 98/09, DE 04-09: - ARTIGOS 8.º, N.º 1, E 10.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 22-09-2015, PROCESSO N.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, IN SSTJ - SUMÁRIOS CÍVEIS, ANO DE 2015, WWW.STJ.PT; -DE 29-10-2015, PROCESSO N.º 233/09.4TVNG.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT; -DE 09-02-2017, PROCESSO N.º 471/10.7TTCSC.L1S1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
Sumário : | I) Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. II) O apelante que inclui nas conclusões do seu recurso os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, que insere a decisão que pretende seja proferida sobre esses mesmos factos, que nelas remete para a alegação a indicação dos meios de prova, nomeadamente, dos depoimentos gravados que determinam, segundo o mesmo, uma decisão diversa da impugnada, e fazendo aí a transcrição dos trechos da gravação considerados relevantes para a impugnação, e fazendo a sua delimitação, cumpre todos os ónus estabelecidos no artigo 640º, n.ºs 1, alíneas a) a c), e 2, alínea a), do CPC III) Os artigos 340º, n.º 1, do Código Civil, e 8º, n.º 1, e 10º, estes da Lei n.º 98/09, de 04 de setembro, não exigem certa espécie de prova para a existência do nexo de causalidade entre o acidente e a situação clínica do sinistrado, nem fixam a força probatória de qualquer meio de prova, limitando-se o primeiro a repartir o ónus da prova, o segundo a definir o conceito de acidente de trabalho, e o terceiro a indicar a quem compete a prova da origem da lesão. IV) O Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a matéria de facto fixada pela Relação nos precisos termos estabelecidos nos artigos 674º, n.º 3, e 682º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil. | ||
Decisão Texto Integral: |
Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1 (Revista) - 4ª Secção[1]
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
Relatório[2]:
1). Através de participação efetuada no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo do Trabalho de Torres Vedras, iniciou-se, em 04 de maio de 2011, a instância da presente ação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, em que é Autor AA, com benefício do Apoio Judiciário, e Réus ”BB – Sucursal em Portugal” e “CC – Sociedade Unipessoal, Lda.”, representado pelo Administrador de insolvência, peticionando que estas sejam condenadas a pagar-lhe:
A seguradora:
A Ré Empregadora:
Subsidiariamente,
Como fundamento desta sua pretensão, alegou, em síntese, que no dia 18 de maio de 2010, cerca das 17h00, na ..., quando trabalhava na sua profissão de ..., por conta da Ré “CC”, mediante a remuneração mensal de € 1.200,00 por 14 meses, foi vítima dum acidente quando procedia à remoção dos painéis de chapa zincada, na obra do empregador, na “DD”, juntamente com mais 2 trabalhadores.
Quando seguravam um painel de chapa de zinco que estava a ser desmontado e colocado no chão, a fim de ser completamente desmanchado, os três operários não aguentaram o peso, tendo ficado sozinho a aguentar com o peso da dita chapa e sofrido mau jeito na coluna vertebral de que resultou entorse lombar com impotência funcional dolorosa. Alegou, por fim, que desse acidente resultaram, para si lesões e incapacidade permanente, e que o seu empregador tinha transferido para a Ré seguradora a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho.
2). A Ré seguradora contestou impugnando os factos alegados pelo Autor e alegando que em maio de 2010 a Ré, Empregadora, tinha a sua responsabilidade infortunística laboral relativa ao Autor transferida para si pelo salário de € 475,00 x 14 meses, que só no dia 12 de janeiro de 2011 é que aquela lhe participou um eventual acidente ocorrido com o Autor, em 12 de maio de 2010, pelas 15h00, em ..., que se traduziu em ter sofrido uma queda, em virtude do que se magoou, nas costas, e que não aceita o alegado acidente como de trabalho. Alegou ainda que o Autor trabalhou entre maio e outubro de 2010, não lhe sendo devida a ITA que pediu nesse período, e pediu, a final, a absolvição do pedido.
3). Demonstrada a insolvência da empregadora, determinou-se a intervenção do “Fundo de Acidentes de Trabalho”[3] na posição processual que caberia à empregadora, e, quanto a esta, foi, ulteriormente declarada a inutilidade superveniente da lide.
4). O FAT apresentou também a sua contestação, na qual impugnou os factos alegados pelo Autor, afirmou que não era devido o pagamento de indemnização por ITA no período de maio a outubro, em que o Autor se encontrou a trabalhar, pôs em causa o modo de cálculo do subsídio de elevada incapacidade permanente e alegou que o FAT não garante o pagamento de juros de mora das prestações pecuniárias em atraso, devidos pela entidade responsável.
5). Foi proferido despacho saneador, em que foram selecionados os factos assentes e organizada a Base Instrutória.
Ordenada a realização de junta médica e organizado o apenso, relativo à fixação da incapacidade do Autor, foi-lhe, por decisão ali proferida, fixada uma IPP de 15 %, com IPATH.
Procedeu-se à audiência de julgamento e por sentença proferida, em 29 de março de 2017, julgou-se a ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência:
II
O Autor, inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação, tendo formulado, a terminar a alegação, as seguintes conclusões[4]: Termina com o pedido do provimento do recurso e, consequentemente, da revogação da sentença recorrida.
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A R. seguradora defendeu nas suas contra-alegações a rejeição do recurso por o Autor/Recorrente não ter dado cumprimento aos ónus impostos no artigo 640.º n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea a), do Código de Processo Civil. Caso assim se não entendesse devia a sentença recorrida ser confirmada.
Por sua vez, o FAT não apresentou resposta à alegação do Autor.
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O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 20 de novembro de 2017; decidiu.
- a) Julgar improcedente a “questão prévia” da rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, por o Recorrente ter indicado, nas suas conclusões, os concretos pontos de facto que impugnava, ter mencionado a decisão que em sua substituição devia ser tomada, e, quanto aos meios de prova, apesar de nada fazer constar nas conclusões, “[n]ão se lhe impunha que o fizesse na medida em que a invocação, de tais meios de prova integra a fundamentação da impugnação, sendo de considerar, por isso, que o ónus previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 640.º se tem por cumprido desde que seja feito constar no corpo das alegações, como aconteceu”.
- b) Julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, acrescentando aos factos provados os factos ínsitos nos n.ºs 8º e 9º[5];
- c) Conceder provimento à apelação do recorrente e, em consequência, revogar a sentença recorrida, e condenar os Réus “BB– Sucursal em Portugal” e o “Fundo de Acidentes de Trabalho”, este em substituição da insolvente “CC – Sociedade Unipessoal Lda.”, a pagarem ao Autor AA: d) Absolver os RR. do demais peticionado.
Fixou-se em € 186.858,16 o valor da ação (artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho).
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O Fundo de Acidentes de Trabalho, após notificação do acórdão proferido, veio requerer a sua retificação alegando que o cálculo da indemnização por ITA se encontrava errado.
Verificando-se a bondade do requerido, por acórdão de 21 de fevereiro de 2018, deferiu-se o pedido efetuado pelo FAT, retificando-se o número de dias em que o sinistrado esteve com ITA [1.276], o que determinou a alteração dos montantes da pensão, do subsídio de elevada incapacidade permanente, e das indemnizações por ITA.
Consequentemente, o valor da ação passou a ser o de € 185.788,02.
III
Inconformada ficou, agora, a Ré Seguradora que interpôs recurso de revista, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões: Se assim se não entender:
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Parecer do Ministério Púbico:
Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, ao abrigo do disposto no artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu um profícuo parecer no sentido de não se conceder a revista, por dois motivos:
Notificado às partes, não obteve qualquer resposta.
IV
Tendo a instância se iniciado em 06 de maio de 2011 e o acórdão recorrido sido proferido em 22 de novembro de 2017, é aqui aplicável o Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código de Processo do Trabalho (CPT) na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro.
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O objeto do recurso:
1) - Se o Apelante, aqui Recorrido, quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, cumpriu todos os ónus fixados no artigo 640º, do CPC;
2) - Se houve erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, por ofensa de disposição expressa da lei.
Cumpre, assim, decidir.
V
Fundamentação:
- Da matéria de facto:
As instâncias deram como provada a seguinte factualidade[6]: ~~~~~~
– Do direito:
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis “ex vi” dos artigos 81º, n.º 5, e 87º, n.º 1, estes do Código de Processo do Trabalho.
Cumpre, pois, apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação, excetuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução, entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos artigos 608º, n.º 2 e 679º, ambos do CPC.
A). Se o apelante, quanto à impugnação da matéria de facto, cumpriu todos os ónus fixados no artigo 640º, do CPC:
Dispõe o artigo 640º do CPC (ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto):
Por sua vez, artigo 639º do CPC determina (ónus de alegar e formular conclusões):
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A exigência que o legislador consagrou no artigo 607º, n.º 4, do CPC, quanto à decisão da matéria de facto, impondo ao Tribunal o dever de fundamentação e de análise crítica da prova, tem como contraponto a exigência imposta às partes, que pretendam impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, de cumprirem os ónus estabelecidos nos artigos 639º e 640º, ambos do CPC.
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 639º, n.º 1, do CPC, interposto um recurso em processo civil e, consequentemente, em processo do trabalho,” ex vi” do artigo 81, n.º 5, do CPT, impõe-se ao recorrente, desde logo, o ónus de alegar e de concluir, devendo indicar, nas conclusões, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Exige-se que a alegação contenha conclusões para, através delas, se delimitar o objeto do recurso [artigos 635º, n.ºs 3 a 5, e 639º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC], fazendo-se o levantamento das questões controversas, assim se evitando, uma impugnação geral, vaga, indefinida e abstrata da decisão.
Por outro lado, as conclusões têm, também, como objetivo facilitar o exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas para a outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações.
Ora, a este ónus, de alegar e formular conclusões nos termos impostos pelo artigo 639º do CPC, acrescem os ónus previstos no artigo 640º, que foram estabelecidos especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto.
De acordo com o disposto no artigo 640º, do CPC, a parte, que impugne a matéria de facto, tem que dar cumprimento a um triplo ónus, consistindo no dever de obrigatoriamente:
Sobre estes ónus e sobre as consequências do seu não cumprimento, total ou parcial, têm vindo a consolidar-se no Supremo Tribunal de Justiça, as linhas jurisprudenciais, espelhadas, entre outros, no seguinte acórdão:
- Acórdão proferido em 29.10.2015, no Processo n.º 233/09.4TVNG.G1.S1[7]’[8]:
. ~~~~~~~ No que respeita aos ónus constantes nas alíneas do n.º 1, do artigo 640º, do CPC, ou seja, quando não for cumprido o ónus “primário” ou “fundamental” de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação há lugar à rejeição total ou parcial do recurso. Todavia, para que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto seja admitida, não é necessário que todos os ónus estabelecidos no artigo 640º, do CPC, constem obrigatoriamente da síntese conclusiva. Nesta conformidade, enquanto a especificação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados deve constar obrigatoriamente da alegação e das conclusões recursivas, já não se torna forçoso que constem da síntese conclusiva a especificação dos meios de prova, e muito menos, a indicação das passagens das gravações. Quanto a elas, basta que figurem no corpo da alegação, desde que nas conclusões se identifique, com clareza, os concretos pontos de facto que se impugnam e a decisão que sobre eles se pretende que recaia.
VI
a) No caso concreto, lidas as conclusões e a alegação do recurso de apelação, verifica-se que o Recorrente deu cumprimento a todos os ónus estabelecidos no artigo 640º, do CPC.
Nas duas primeiras conclusões consta o seguinte:
1) “Conforme ao que consta dos autos e ao alegado “supra” neste recurso os factos dados como não provados constantes dos Pontos 1 e 2, de B), do Cap. IV da sentença devem considerar-se todos eles como provados.
2) E em consequência deve revogar-se a sentença e substituir-se a mesma por outra que julgue a ação procedente por provada condenando as R.R. nos respetivos pedidos.”
Nestas duas conclusões, verifica-se que o Recorrente indica concretamente os pontos de facto que considera mal julgados [pontos 1 e 2, de B), Capítulo IV] fazendo referência ao modo como estão identificados na sentença, e não como constam na Base Instrutória.
Tendo a sentença feito a junção de vários factos, que constam individualmente da B.I., agregando-os, o seu impugnante deve indicá-los e identificá-los tal como estão na sentença pois a impugnação deve referir-se a esta e não à B. I.
Como se diz no acórdão recorrido, “[é] certo que, como diz a recorrida, estes factos correspondem aos constantes dos artigos 4. a 13. da base instrutória e o recorrente não faz a estes referência, mas a verdade é que foi a própria sentença que alterou a sua designação agrupando tais factos em dois pontos que nomeou com os números 1. e 2. dos factos “não provados”. É a estes números que o recorrente se reporta, identificando-os corretamente e em estrita correspondência com a designação que lhes foi conferida na peça processual que impugna em via recursória: a sentença proferida em 29 de março de 2017 nos presentes autos e não a base instrutória de setembro de 2015 que dos mesmos consta.”
~~~~~~
b). Por outro lado, o Autor, também indicou a decisão que, no seu entender, deve ser a proferida sobre os factos que impugnou. A sua pretensão consiste, pois, que se considere “provados” esses factos que na sentença foram julgados como “não provados”.
Do exposto resulta que, quer a concretização da matéria facto impugnada quer a decisão que se pretende que sobre ela recaia, constam das conclusões do recurso de apelação.
Verifica-se, pois, que foi dado cumprimento aos ónus estabelecidos no artigo 640º, n, º 1, alíneas a) e c), do CPC.
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C) Quanto ao ónus estabelecido no artigo 640º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), ou seja, quanto aos meios de .prova em que o Autor se funda para pedir a alteração, as conclusões da apelação contêm uma referência aos mesmos, remetendo para a alegação. . Com efeito, na primeira conclusão faz-se-lhes uma referência quando se diz que “conforme […] ao alegado supra neste recurso”, deve dar-se os factos impugnados como provados.
A referência ao “alegado supra”, mais não é do que uma alusão aos meios de prova que constam da alegação, que estão indicados a cada facto e que, no entender do Apelante, impõem decisão diversa da tomada sobre os factos impugnados, contendo, ainda, as transcrições das passagens da gravação em que aquele funda o seu recurso, os excertos dos depoimentos que foram considerados relevantes para a alteração pretendida e constando as passagens das gravações especificamente localizadas.
Por tudo o que se expôs, deve concluir-se, como se conclui, que o Autor/apelante cumpriu todos os ónus fixados para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e que estão previstos no artigo 640º, nº 1, alíneas a) a c) e n.º 2, alínea a), do CPC.
Assim, não merece qualquer censura a decisão do Tribunal da Relação ao conhecer da impugnação efetuada sobre os pontos 1) e 2), da matéria de facto não provada.
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No que respeita a esta questão, diz-se, em derradeiro termo, que a jurisprudência do acórdão de 09.02.2017, proferido no Processo n.º 471/10.7TTCSC.L1S1[9], citado pela apelante na alínea E), das suas conclusões, não é aqui aplicável porque não trata da mesma questão e nem mesmo de questão semelhante. .
Esse acórdão tinha por objeto saber se aquela apelação tinha sido interposta tempestivamente, dadas as suas alegação e conclusões, ao passo que o objeto na presente revista consiste em saber se o apelante cumpriu, ou incumpriu, os ónus consagrados no artigo 640º, do CPC, dadas as presentes alegação e conclusões.
Na fundamentação do acórdão citado pela Recorrente consta o seguinte:
“Lendo a alegação e as conclusões do recurso de apelação em causa não se descortina qualquer referência à prova gravada e, por isso, não se verifica, e nem podia verificar-se o cumprimento de qualquer dos ónus estabelecidos no artigo 640º, do CPC”. […] No caso em apreço não pode haver lugar à rejeição da reapreciação da matéria de facto gravada porque ela não é objeto do recurso.”
Estamos, pois, perante realidades ligadas à alegação e às conclusões, mas distintas, e perante fundamentações antagónicas.
Não se pode, pois, transpor para estes autos aquela jurisprudência e aquela fundamentação.
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B). Se houve erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, por ofensa de disposição expressa da lei:
A Ré Seguradora alega, também, que se impõe a revogação do acórdão recorrido, pois, segundo ela, enferma de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, por ofensa a disposição expressa da lei, ou seja, dos artigos 8º, n.º 1, e 10º, ambos da Lei n.º 98/09, de 04 de setembro, bem como do disposto no Artigo 342º, n.º 1, do Código Civil.
Segundo ela, “face à ausência total de documentação clínica que pudesse dar suporte às queixas do sinistrado, ficou, claramente, por demonstrar o nexo causal entre o acidente e a lesão” e, sendo assim, o Tribunal da Relação ao alterar a decisão de facto constante da sentença de primeira instância, considerando provados os factos constantes do ponto 9)[10], isto é, ao estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente e a situação clínica do sinistrado , ofendeu o disposto nos artigos já mencionados.
Termina esta parte das alegações, dizendo que é obrigatório, para este Supremo Tribunal, alterar a decisão constante do ponto 9) dos Factos Provados, e declarar esta matéria não provada.
Ora, o artigo 342º, n.º 1, do Código Civil refere-se à repartição do ónus da prova, estipulando que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito por ele alegado.
Por sua vez, o artigo 8º, n.º 1, da Lei 98/09, de 04 de setembro, dá-nos o conceito de acidente de trabalho, e o artigo 10º, da mesma Lei, refere-se à prova da origem da lesão.
Pretende, pois, a Recorrente, que este Supremo Tribunal altere a matéria de facto, sindicando a alteração feita pelo Tribunal da Relação.
Contudo, “[o]s poderes do Supremo Tribunal de Justiça, em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos. Assim, o Supremo só poderá proceder a essa análise/modificação nas limitadas hipóteses contidas nos artigos. 674.º, n.º 3, 682.º, n.º s 2 e 3, do NCPC, isto é, quando a decisão das instâncias vá contra disposição expressa da lei que exija certa prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada), quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.”
O artigo 674º, n.º 3, dispõe que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Por sua vez, o artigo 682º, n.º 2, determina que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º, e nos termos do seu n.º 3, o processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de deficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.
Determina, por outro lado, o artigo 662º, n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por último, estabelece o seu n.º 4, que das decisões previstas nos nºs 1 e 2, ou seja, das decisões da Relação sobre a matéria de facto não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça,
Dos normativos legais citados verifica-se que os poderes do Supremo Tribunal de Justiça, em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos.
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No caso concreto, no recurso de apelação o ali Recorrente, aqui Recorrido, impugnou a decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto nos pontos 1 e 2, alínea B), Capítulo IV, que foram tidos como não provados.
O Tribunal da Relação, apreciando e conhecendo da sobredita impugnação, após ter feito uma análise crítica da prova e de acordo com o princípio da sua livre valoração, formou e formulou a sua própria convicção,
Convicção essa que foi divergente da formulada pela 1ª instância, pois esses factos foram, ao contrário do efetuado, julgados como provados.
A Recorrente pretende que este Supremo Tribunal sindique a convicção da Relação, formada sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida.
Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça não pode fazer essa avaliação porque, além de esta não ser sindicável, nos termos do artigo 662º, n.º 4, do CPC, estaria a conhecer de matéria de facto em situação não enquadrável nas limitadas hipóteses contidas nas normas dos artigos 674º, n.º 3, e 682º, nºs 2 e 3, ambos do CPC.
Por fim, os artigos 340º, n.º 1, do CC, e 8º, n.º 1, e 10º, ambos da Lei n.º 98/09, de 04 de setembro, que determinam a repartição do ónus da prova e que contêm o conceito e estabelecem uma presunção de acidente de trabalho, não exigem certa espécie de prova para a existência do facto dado com provado pela Relação e nem fixam a força de qualquer meio de prova.
Deliberação:
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Ferreira Pinto (Relator) Chambel Mourisco ____________________ |