Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10076/03.3TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
OBRIGAÇÕES «PROPTER REM»
TRANSMISSÃO DE DIREITO REAL
DESPESAS DE CONSERVAÇÃO DE PARTES COMUNS
BENFEITORIAS NECESSÁRIAS
PRESTAÇÕES FUTURAS
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
OBRIGAÇÃO DE DARE
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE / COMPROPRIEDADE.
Doutrina:
- Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. III, 2.ª edição, 385.
- Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 1997, Almedina, reimpressão, 319/321, 342.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, Almedina, 1966, 3.ª edição, 160,
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 247.º, 1411.º, N.º 1, 1424.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 39.º.
Sumário :
I - As obrigações propter rem quando obrigações de dare devem considerar-se não ambulatórias considerando que a alienação do direito real não impossibilita o alienante de realizar a prestação.

II - As prestações de dare previstas nos artigos 1411.º/1 e 1424.º/1 do Código Civil destinadas a um fundo de maneio, na base de uma mera estimativa, tendo em vista a futura reparação da fachada de imóvel (benfeitoria necessária) constituído em propriedade horizontal que se vencerem depois da venda do imóvel, não são, em princípio, da responsabilidade do alienante.

III - Podem, no entanto, verificar-se situações em que não deva considerar-se o subadquirente obrigado ao pagamento das prestações vencidas após a venda, considerando o montante do valor a pagar, o prazo de pagamento e a ausência de conhecimento relativamente à deliberação, anterior à aquisição da fração pelo novo consorte, que fixou o montante a pagar para fundo de maneio, salvo sempre nova deliberação da assembleia que o vincule.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA - Gestão e Manutenção de Empreendimentos, Lda., administradora de condomínios, demandou no dia 5-12-2003 BB pedindo a condenação do réu no pagamento de 19.314,30€ de capital e juros vencidos e vincendos que se vencerem desde 27-11-2003 sobre o capital em dívida de 16.716,33€ até integral pagamento.

2. No que respeita a juros, a autora pediu a condenação do réu no pagamento de juros contados desde o vencimento de cada uma das faturas (7-10-2000, 14-7-2001, 4-10-2001, 31-10-2001, 30-11-2001, 28-12-2001) sendo os vencidos em 27-11-2003 de 2.597,97€.

3. O valor em dívida respeita a 6 faturas (as 3 primeiras de 834,99€ e as 3 últimas de 4.737,12€) sendo as três primeiras relativas a despesas de condomínio, não pagas, não tendo sido reconhecido à A. o crédito sobre o réu incidente sobre a 2ª e 3ª prestações de comparticipação em fundo de maneio para reparação da fachada do prédio referenciado pelas duas últimas faturas ND 20...10 e ND 20...16 emitidas em 5-11-2001 e 3-12-2001 com vencimento, respetivamente, em 30-11-2001 e 28-12-2001 no montante, cada uma, de 4.737,12€.

4. São estas duas últimas faturas que estão em causa no presente recurso, pois, embora vencidas depois da venda da fração pelo réu ocorrida em 20-11-2001 e que foi registada em 19-2-2002 - a segunda fatura foi inclusivamente emitida posteriormente à venda - a recorrente sustenta que respeitam a despesas aprovadas em assembleia de condóminos de 18-9-2001 (anterior à venda) sendo irrelevante que o pagamento tenha sido efetuado em prestações, relevando, sim, o facto de elas constituírem a contrapartida do uso ou fruição (das partes comuns do edifício) que couberam ao alienante; ou seja, respeitando tais despesas a obras estruturais e de grande monta, elas devem considerar-se não ambulatórias, ficando a cargo do réu que alienou a fração e não a cargo do comprador.

5. O Tribunal da Relação julgou a apelação parcialmente procedente; considerou que os juros de mora, à taxa legal, a pagar pelo réu sobre a quantia de 7.242,09€ (valor que é o somatório de 3 prestações de condomínio cada uma de 834,99€ mais a 1ª prestação de comparticipação para fundo de maneio de reparação da fachada no montante de 4.737,12€ vencida antes da venda) serão contados desde as datas de vencimento supra enunciadas e até efetivo pagamento; confirmou a sentença quanto ao mais, ou seja, quanto ao pagamento da quantia de 7.242,09€ que, como se disse, corresponde ao somatório das 4 primeiras referenciadas faturas, não condenando a ré no pagamento das duas faturas de 4.737,12€ reclamadas pela autora que se venceram posteriormente à alienação da fração.

6. Factos provados

1. AA – Gestão e Manutenção de Empreendimentos, Lda. é uma sociedade que se dedica à gestão imobiliária, exercendo, no âmbito dessa atividade, as funções de administradora de diversos condomínios, designadamente o Condomínio A (art. 1º p.i.).

2. Foram aprovadas em Assembleia Geral de Condóminos as despesas de condomínio necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e para a constituição do Fundo Comum de Reserva, as quais deviam ser pagas trimestralmente (parte inicial do art. 4º p.i.).

3. Foi aprovada em Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos de 18/09/2001 a despesa referente a obras de reparação da fachada, a qual constituiria um Fundo de Maneio de Esc: 30.176.174$00, sendo que o valor de contribuição para este Fundo pelo réu era de Esc. 3.798.828$00, mais tendo sido deliberado que o pagamento seria efetuado em 4 prestações cujas datas limites de pagamento eram 31/10/2001, 30/11/2001, 31/12/2001, 31/01/2002 (parte inicial do art. 4º p.i.).

4. A A emitiu as seguintes faturas:

- ND nº 0...34, emitida em 29/09/2000, com vencimento em 07/10/2000, no montante de 834,99€, referente ao 4º trimestre do ano de 2000;

- ND nº 20...45, emitida em 06/07/2001, com vencimento em 14/07/2001, no montante de 834,99€, referente ao 3º trimestre do ano de 2001;

- ND nº 20...64, emitida em 26/09/2001, com vencimento em 04/10/2001, no montante de 834,99€, referente ao 4º trimestre do ano de 2001;

- ND nº 20...84, emitida em 15/10/2001, com vencimento em 31/10/2001, no montante de 4.737,12€, referente à 1ª prestação da comparticipação para fundo de maneio da reparação da fachada;

- ND nº 20...00, emitida em 05/11/2001, com vencimento em 30/11/2001, no montante de 4.737,12€, referente à 2ª prestação da comparticipação para fundo de maneio da reparação da fachada;

- ND nº 20...16, emitida em 03/12/2001, com vencimento em 28/12/2001, no montante de 4.737,12€, referente à 3ª prestação da comparticipação para fundo de maneio da reparação da fachada (parte do art. 5º p.i.)

5. O réu não pagou estas faturas (art. 4º, 5º 1ª parte p.i.).

6. O réu não se encontrava presente na A.G. Extraordinária de Condóminos referida no ponto 3 (parte do art. 34º cont.).

7. Na data de entrada da ação – 5/12/2003 – já o réu não residia no prédio em causa (art. 7º da réplica).

8. O réu mandatou o seu advogado, Dr. CC para tratar das questões referentes ao condomínio (art. 19º da réplica).

9. O réu chegou a apresentar uma proposta para efeitos de liquidação da dívida aqui reclamada (art. 21º da réplica).

10. Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, lavrada em 20/11/2001, o réu declarou vender a Incenso – Compra e Venda de Imóveis, Lda. as frações designadas pelas letras “R”, “X” e “Y” correspondentes ao 5º andar do prédio sito na Rua ..., nº 14, em Lisboa, descrito na 4ª C. R. Predial de Lisboa, freguesia da Encarnação, com o nº 2.../03..., e a dois estacionamentos do mesmo prédio.

11. A inscrição do direito de propriedade sobre estas frações a favor do réu é de 30/08/89.

12. A transmissão do direito de propriedade sobre estas frações foi objeto de registo em 19/02/2002.

13. O endereço correspondente à rua ..., 27 C, em Lisboa, não corresponde à morada da residência ou de estabelecimento do réu

14. O réu foi citado para estes autos em 08/05/2013.

Apreciando

7. A questão que se discute consiste em saber se, no tocante a despesas aprovadas em assembleia de condóminos relativas a obras de reparação a efetuar na fachada de prédio constituído em propriedade horizontal cujo pagamento foi diferido em várias prestações, tais despesas devem ser suportadas na totalidade pelo anterior proprietário da fração ou, pelo contrário, ele deve apenas suportar o pagamento das prestações que se venceram enquanto foi proprietário e já não das vencidas posteriormente à venda da fração.

8. A sentença considerou que esta obrigação tem natureza ambulatória "na medida em que os seus pressupostos materiais se encontram objetivados na coisa sobre a qual o direito real incide. Com efeito, na data da aquisição, o comprador não podia ignorar a necessidade de obras de reparação da fachada. A obrigação de pagamento destas obras está conexa com o estatuto do direito real de propriedade e aumentará em princípio o valor das frações em causa".

9. O Tribunal da Relação considerou que nas obrigações reais de dare "a obrigação de pagamento, por parte dos condóminos, da parte que lhes couber nas despesas, já efetuadas, para os fins indicados no nº 1 do art. 1424º - despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum – é um dos exemplos de obrigação real não ambulatória que Henrique Mesquita cita".

10. No entanto, tratando-se da obrigação de contribuição do condómino para despesa da mesma natureza "que ainda não tenha sido realizada na data da alienação, solução diversa se impõe em termos de razoabilidade, não havendo nesse caso motivo para afastar a ambulatoriedade da obrigação real"

11. Considerou, em síntese, o Tribunal da Relação no acórdão recorrido que

I – As obrigações previstas no art. 1424º, nº 1 do CC sendo emergentes, não de uma qualquer “relação creditória autónoma”, mas da posição jurídica em que se encontra investido o condómino, são obrigações “propter rem”.

II - Conexas ou acessórias de um certo direito real, as obrigações reais impendem sobre o titular desse mesmo direito, pondo-se a questão de saber se, uma vez constituídas e transmitido que seja o direito de que são conexas, o acompanham ou não.

III Devem considerar-se ambulatórias “as obrigações de facere que vinculem o devedor à prática de atos materiais na coisa que constitui o objeto do direito real”;

IV - As demais – normalmente obrigações de dare - devem considerar-se não ambulatórias, com exceção daquelas cujos pressupostos materiais se encontram objetivados na coisa sobre a qual o direito real incide.

V – É de natureza não ambulatória a obrigação de pagamento, por parte dos condóminos, da parte que lhes couber nas despesas, já efetuadas, para os fins indicados no nº 1 do art. 1424º.

VI – Mas se estiver em causa a obrigação de contribuição do condómino para despesa da mesma natureza, mas que ainda não tenha sido realizada na data da alienação, solução diversa se impõe em termos de razoabilidade, não havendo nesse caso motivo para afastar a ambulatoriedade da obrigação real.

VII – A obrigação do condómino de contribuir para fundo de maneio destinado à recuperação de fachada do prédio, transmite-se para o adquirente da fração autónoma se aquela obra não estava ainda realizada na data da alienação.

12. Não se suscita dúvida quanto à natureza propter rem da obrigação de os condóminos de prédio constituído em propriedade horizontal contribuírem para "as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum […] em proporção do valor das suas frações" (artigos 1411.º/1 e 1424.º/1 do Código Civil), constituindo tal obrigação uma obrigação conexa ao estatuto real da propriedade horizontal à qual está sujeito cada um dos condóminos por força da sua posição de comproprietário das partes comuns.

13. Estamos face a uma obrigação de dare pois, "aquilo que na lei se estabelece […] não é que os condóminos são obrigados a conservar as partes comuns do edifício (hipótese em que se trataria de uma obrigação de facere), mas sim que devem contribuir, proporcionalmente ao valor das respetivas frações autónomas para as despesas necessárias à prática de qualquer ato conservatório (obrigação de dare)" (Obrigações Reais e Ónus Reais, Henrique Mesquita, 1997, Almedina, reimpressão, pág. 319/320).

14. O princípio, tratando-se de obrigações de dare, é o da sua intransmissibilidade, ou seja, tais obrigações não são ambulatórias e assim se deve considerar "a obrigação de pagar periodicamente certa prestação para a conservação ou fruição de coisa comum, quando assim tenha sido convencionado entre os consortes; a obrigação de os condóminos de um edifício em propriedade horizontal pagarem periodicamente uma prestação pecuniária para a conservação e fruição das partes comuns ou para remunerar serviços de interesse comum, quando assim tenha sido estabelecido no título constitutivo do condomínio, em regulamento aprovado pelos condóminos ou em deliberação por eles tomada em assembleia geral" (Henrique Mesquita, loc. cit., pág. 338).

15. No entanto, o mesmo autor adverte que relativamente a estes dois casos " importa tomar em linha de conta que, por força do estatuto da comunhão e do condomínio, o adquirente tem o dever de contribuir para as despesas a que se referem os artigos 1411.º [benfeitorias necessárias] e 1424.º [encargos de conservação e de fruição], podendo este regime conduzir a uma solução praticamente idêntica à que resultaria da ambulatoriedade da obrigação propter rem. Suponha-se que os condóminos de um edifício em regime de propriedade horizontal estão obrigados ao pagamento de uma prestação pecuniária periódica, com vista à constituição de um fundo comum que permita custear as despesas de conservação a que haja de proceder-se. Já anteriormente […] concluímos dever entender-se que, se um dos condóminos aliena o seu direito sem ter pago prestações vencidas, o respetivo pagamento não pode ser exigido ao subadquirente. Este só fica obrigado a pagar as prestações que se vençam futuramente, pois não seria justo vinculá-lo a liquidar dívidas sobre cuja existência e montante não dispõe de quaisquer elementos objetivos de informação" (loc. cit., pág. 339, nota 68; o tom carregado é da nossa responsabilidade).

16. Tratando-se, assim, de prestações periódicas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, o proprietário tem de suportar aquelas que se vençam posteriormente à aquisição do imóvel por isso que o adquirente de uma fração suportará as ditas " despesas de condomínio" aprovadas em assembleia de condóminos anterior à aquisição que se vençam depois da aquisição, mas não as anteriores precisamente porque, quanto a estas, não ocorre ambulatoriedade.

17. No caso vertente estão em causa prestações a pagar periodicamente respeitantes a um fundo de reserva a constituir tendo em vista a reparação da fachada do imóvel, não tendo sido realizada a obra quando a fração foi alienada, reclamando-se ao vendedor prestações vencidas após a alienação.

18. A lei atualmente prescreve a constituição de um fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício ou conjunto de edifícios, contribuindo cada condómino com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10% da sua quota-parte nas restantes despesas de condomínio (ver artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro).

19. No entanto, na grande maioria dos condomínios, designadamente os destinados a habitação, o fundo de reserva não é suficiente para pagamento de obras de conservação muitas delas de valor muito elevado (v.g. reparações da fachada do imóvel, o caso destes autos, reparação de telhados, reparação das canalizações, reparação dos elevadores, etc.); é, por isso, corrente a prática - que se tem por conforme à lei - que em assembleia de condóminos se acorde na estipulação de uma quantia a pagar periodicamente destinada a custear obras futuras, tidas por necessárias, considerando-se um custo previsível, fundado muitas vezes em orçamentos apresentados à assembleia e postos à discussão, tudo antes de celebrado contrato de empreitada que apenas se efetivará quando o condomínio dispuser de fundos necessários ao pagamento.

20. Muitas vezes sucede que o pagamento de tais prestações se prolonga no tempo de tal sorte que tais valores são incluídos nos orçamentos a apresentar às ulteriores assembleia de condóminos que podem, como é evidente, alterar os montantes a pagar, reduzindo-os, designadamente porque afinal a obra pode ser efetivada por um custo menor do que aquele que consta do orçamento apresentado ou diminuindo o montante a pagar em cada prestação pelo prolongamento do número de prestações inicialmente deliberado.

21. Admitir que o adquirente não fique vinculado às prestações que resultaram da deliberação da assembleia anterior à alienação mas que se venceram depois da alienação, levaria a que o vendedor tivesse de suportar, nalguns casos durante muitos anos, o pagamento de prestações vencidas após a alienação, não suportando o subadquirente, atual proprietário do imóvel, o pagamento de tais prestações mas vindo a beneficiar da obra a realizar num momento em que já era proprietário do imóvel.

22. A obrigação de contribuir para as despesas necessárias à reparação de um imóvel é indiscutivelmente uma obrigação propter rem. O proprietário do imóvel está adstrito a essa obrigação, o vínculo obrigacional relativo ao pagamento das obras constitui-se quando for contraído, incorporando-se no estatuto real. Significa isto que, aprovada em assembleia de condóminos, despesa a realizar com obras futuras a liquidar periodicamente, a obrigação de pagamento adere ou integra-se na obrigação propter rem e será suportada por quem for proprietário quando do vencimento da respetiva prestação, não suportando o adquirente da fração as prestações já vencidas. precisamente porque a obrigação não é ambulatória.

23. Nesta medida, a prestação periódica aprovada em assembleia de condóminos tendo em vista a constituição de um fundo de reserva para obras futuras em montante superior ao mínimo que a lei impõe - lei que não proíbe a fixação de um montante superior - não se afigura diversa dos demais encargos assumidos previstos no artigo 1424.º/1 do CC, não ocorrendo ambulatoriedade quanto às dívidas vencidas anteriormente. É esta a situação dos autos e é por isso que se nos afigura que o presente caso não pode ser resolvido como se figura em 21 onde se evidencia, a nosso ver, uma solução inadequada pois o reconhecimento da não ambulatoriedade de obrigação propter rem leva sem dúvida a que o subadquirente, tratando-se de prestações periódicas, "que se traduzem numa série de prestações instantâneas a realizar segundo um esquema prefixado" (Teoria Geral das Obrigações, Manuel de Andrade, Almedina, 1966, 3ª edição, pág. 160), não tenha de suportar nem as prestações vencidas anteriormente à aquisição, nem as prestações vencidas após a aquisição.

24. Pode dar-se o caso de já ter sido celebrado contrato de empreitada pelo administrador tendo em vista a realização das reparações indispensáveis (v.g. reparação de telhado), situação que se nos afigura diversa daquela, anteriormente referida, em que, não existindo nenhuma vinculação contratual, o condomínio tendo em vista a realização de obras futuras fixa o pagamento de prestações periódicas a fim de obter um fundo de reserva necessário para pagamento de obra a realizar ulteriormente.

25. Neste caso - v.g. danificação de telhado tendo sido celebrado pelo administrador do condomínio contrato de empreitada - ainda antes de o empreiteiro dar início às obras e de ser pedida aos condóminos a parte que a cada um cabe na despesa a realizar, o condómino que vende a sua fração, num momento em que a relação obrigacional já existia, parece que deveria ficar vinculado ao cumprimento. Entende-se que, "o mais razoável, porém, face aos princípios que regem os direitos reais e ponderados os interesses em jogo, é, também neste caso, fazer recair a dívida sobre o adquirente da fração autónoma. Começaremos por observar que o titular de qualquer direito real está sujeito às vinculações e gravames decorrentes do respetivo estatuto e, pelo que toca à hipótese de que nos ocupamos, este estatuto diz que cada condómino deve contribuir, em proporção do valor da respetiva fração autónoma, para as despesas de conservação das partes comuns do edifício. Ora, carecendo o telhado do prédio, à data da transmissão da fração autónoma, de obras de reparação, o adquirente não podia ignorar o encargo a que ficava sujeito. A transmissão da obrigação, por conseguinte, não o colhe de surpresa. É um efeito jurídico com que ele devia contar, pois decorre direta e imediatamente da aplicação da lei às condições objetivas ou materiais em que o edifício se encontrava à data da alienação. Por outro lado, o mais natural é que, na fixação contratual do preço da fração alienada, tenha sido tomada em linha de conta a circunstância de uma parte comum do edifício carecer de reparações que iriam originar um encargo para o adquirente, na parte proporcional à sua participação no condomínio. Nenhuma razão se divisa, portanto, para que a obrigação propter rem não vincule o adquirente da fração autónoma e para que o alienante não fique dela liberto" (Henrique Mesquita, loc. cit., pág. 319 e também pág. 342 onde se reafirma que "a solução mais razoável é a da ambulatoriedade da obrigação real").

26. O referido autor - que chama a atenção para o vício conceitualista que em vez de partir, " com vista à formulação do conceito de obrigação, das soluções concretas, como a impõe uma correta e hoje indiscutida metodologia jurídica" não submetendo o conceito tradicional " pela via da ponderação dos interesses que se entechocam nas situações e casos por ele abrangidos à necessária reflexão crítica (loc. cit., pág. 320) - considera que os dados do problema mudam radicalmente no caso de " o telhado do prédio se encontrar reparado, não tendo ainda o alienante, no entanto, cumprido a obrigação (obrigação propter rem) de contribuir, na parte que lhe competia, para as despesas efetuadas. O adquirente não dispõe agora de quaisquer elementos objetivos que denunciem a existência da obrigação. Acresce que, após a realização das reparações, o edifício e, correspondentemente, a parte de cada condómino passaram a ter um valor ampliado, que, naturalmente, não deixou de repercutir-se no preço da alienação. Significa isto que, em termos económicos, o adquirente suportou já, na parte proporcional ao valor da sua fração, o custo das reparações. Entender que é ele o devedor da obrigação propter rem como que equivaleria a obrigá~lo a pagar duas vezes" (Henrique Mesquita, loc. cit., pág. 321).

27. Nos casos figurados está em causa, segundo parece, o pagamento integral do custo da obra; será suportado pelo alienante se a obra já estiver efetuada;  será suportado pelo comprador não estando a obra realizada. As despesas já efetuadas, tanto para os fins indicados no artigo 1411.º/1 ou 1424.º/1 do CC não são ambulatórias, correm pelos proprietários que o eram quando foram contraídas; as despesas não efetuadas correm por conta do adquirente, são ambulatórias.

28. No caso em apreço não estamos face a despesas efetuadas nem estamos face a nenhuma vinculação contratual assumida pela administração tendo em vista a reparação do imóvel; estamos apenas perante uma situação de constituição de um fundo de reserva para realização de obra de conservação futura do imóvel. Neste caso, como se disse, o subadquirente não tem de pagar as prestações vencidas anteriormente; quanto às vencidas posteriormente à venda, porque há amubulatoriedade, terá de as pagar enquanto proprietário: ver 15 supra.

Neste caso, como se disse, o subadquirente não tem de pagar as prestações vencidas anteriormente, precisamente porque não há ambulatoriedade, tem de pagar apenas as prestações vencidas já enquanto proprietário: ver 15 supra.

29. Admitamos a hipótese, a seguir exposta, que aqui não foi suscitada pela recorrente nem tão pouco pelo recorrido o que se compreende, quanto a este, pois o alienante, ora recorrido, vencedor nas instâncias, não tem nenhum interesse em sustentar que por conta dele corriam não apenas as prestações vencidas como ainda as que se venceram depois da transmissão do imóvel para a sociedade imobiliária Incenso-Compra e Venda de Imóveis Lda.

30. Admitamos que, a ser também demandada a compradora, aqui não demandada - situação admissível processualmente traduzindo um caso de pluralidade subjetiva subsidiária (artigo 39.º do CPC) - suscitava esta a questão de não poder ser responsabilizada pelo pagamento de um encargo relacionado com a necessidade de obras de conservação por ter sido fixado em condições tais que, se dele tivesse sido informado pelo alienante, não adquiriria o imóvel ou não o adquiriria sem a garantia do respetivo pagamento.

31. Tratar-se-ia aqui de saber se o novo proprietário, relativamente a despesas não efetuadas aprovadas pela assembleia de condóminos, vencidas após a aquisição, delas se pode eximir com o argumento de que é muito elevado o encargo e dele não foi informado. Pode efetivamente ponderar-se a situação de se ter fixado um pagamento por período reduzido e num montante de tal modo elevado que a atribuição das prestações vencidas a cargo do comprador seria excessiva.

32. O comprador pode, sem dúvida, com fundamento numa tão essencial falta de informação, anular o negócio que celebrou com o comprador (artigo 247.º do Código Civil); no entanto, relativamente ao condomínio, necessariamente alheio ao negócio que vendedor e comprador celebraram e para o qual o condomínio não tem de ser ouvido, não impende nenhuma obrigação de informação. Por isso, o subadquirente não pode eximir-se à obrigação que sobre ele recair, enquanto proprietário, na base da omissão de um dever de informação que o condomínio não tem de prestar.

33. O subadquirente, por força da aquisição e face ao disposto no artigo 1411.º/1 do CC, fica vinculado às deliberações anteriores e ao estatuto real que lhe advém da propriedade horizontal e, por isso, aquilo que importa saber é se a obrigação legal e real, in casu, o encargo que resulta da contribuição para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum, a que alude o artigo 1411.º/1 do Código Civil - benfeitorias necessárias - responsabiliza o subadquirente ou, pelo contrário, continua a responsabilizar o anterior comproprietário.

34. Do regime legal resulta que " devedor […] é quem for titular da compropriedade na altura em que a despesa se torna necessária e enquanto a necessidade estiver por satisfazer. Uma vez, porém, que a obra seja efetuada, por iniciativa de qualquer dos consortes, ou que os consortes tomem uma deliberação nesse sentido, a obrigação fixa-se na pessoa daqueles que são comproprietários nesse momento. Mesmo que algum dos consortes transmita entretanto a sua quota a estranhos, antes da haver cumprido a sua obrigação de comparticipação, esta já não se transmite ao adquirente da quota (Código Civil Anotado, Antunes Varela, Vol III, 2ª edição, pág. 385).

35. Como se viu, a obra em causa não foi efetuada e não foi tomada nenhuma deliberação pelo condomínio no sentido de se proceder à empreitada destinada à reparação da fachada que constitui manifestamente uma benfeitoria necessária. A razão pela qual se exclui o adquirente da quota da obrigação de comparticipar para o fundo de reserva visando despesa futura advém do facto de "a contraprestação prometida pelo adquirente terá por via de regra em linha de conta o aumento do valor obtido  pela coisa através das despesas de conservação ou de fruição anteriormente efetuadas. Responsabilizar o adquirente por estas despesas equivaleria, em semelhantes circunstâncias, a forçá-lo a pagar duas vezes o mesmo valor, em injustificado proveito do alienante" (Antunes Varela, loc. cit., pág. 385).

36. Significa isto que não tendo sido efetuada qualquer despesa quando se exige ao subadquirente as prestações vencidas após a aquisição, ele não está a ser forçado a pagar duas vezes o mesmo valor porque o imóvel que adquiriu não está valorizado com a obra.

37. A deliberação que importa para que o subadquirente se haja por eximido do pagamento de prestações não é aquela que fixa um valor acrescido ao fundo de reserva destinado a custear obras, sejam estas já necessárias como sucede no caso presente, sejam estas previsíveis em futuro próximo, mas aquela que vincula o condomínio à realização da obra.

38. Não foi posto à consideração do Tribunal o entendimento de que o alienante devia considerar-se responsável pelo pagamento de todas as prestações pelo facto de ao adquirente não ter sido dado conhecimento da deliberação em causa, não sendo este obrigado a conhecê-la. Relevaria então, para se considerar o alienante vinculado ao pagamento da verba em causa, o facto do seu elevado montante e o prazo de pagamento por 4 prestações, prazo apertado que se compreenderia pela necessidade de realização da obra e obtenção de capital num breve período.

39. Por isso, no caso vertente, não é possível decidir com base numa argumentação que imporia contraditório que poderia passar pela averiguação de matéria de facto tendente desde logo a saber se a sociedade imobiliária que adquiriu o imóvel não tinha conhecimento do estado da fachada do prédio sendo certo que sociedades desta natureza adquirem imóveis para revenda e obviamente interessa-lhes sobremaneira conhecer tudo o que se relaciona com os imóveis cujas frações adquiriram.

40. Considera a recorrente que não deve suportar o adquirente o pagamento das prestações em dívida após a alienação tratando-se de "despesas de condomínio integradas pelo pagamento de obras de reparação no prédio aprovadas ainda antes da alienação da fração" porque "elas representam a contrapartida de um uso ou fruição das partes comuns do edifício que lhe couberam" e, por conseguinte, "é de considerar que só a este deve competir o respetivo pagamento" e que "a tal entendimento não obsta a circunstância de ter sido estipulado que o pagamento daquelas despesas seria feito em prestações e que estas se tenham prolongado por datas que ocorrem já depois da aquisição da fração pelo ora recorrente", aproveitando o prazo em termos de modo de pagamento de uma quantia já calculada e considerada devida, mas não lhe aproveitando para se poder desvincular do pagamento em caso de alienação".

41. A razão de ser da opção pelo regime de ambulatoriedade ou não ambulatoriedade consoante as várias situações que em concreto se deparam não se prende com a usura da coisa determinada pela sua utilização, como pretende o recorrente. Se assim fosse, o regime seria sempre o da não ambulatoriedade, pois as benfeitorias necessárias respeitantes às obras de conservação ou de fruição da coisa comum resultam, se não exclusivamente, pelo menos em grande parte da fruição do imóvel e da usura do tempo. Quanto aos demais argumentos já estão respondidos face ao exposto antecedentemente. 

42. Tenha-se em atenção que a Relação considerou ainda, situando-se num plano de juízo de facto que está fora do âmbito dos poderes de cognição do STJ, que as prestações se destinavam " a cobrir a despesa da execução da obra que, então, ainda não fora realizada" e que "o adquirente da fração bem podia ter-se inteirado da sua existência, pois a necessidade de realização das obras da fachada do edifício era necessariamente evidenciada pelo concreto estado deste. Acresce que dessa reparação apenas beneficiará a adquirente, além de que para a fixação do preço da compra e venda da fração contribuiu necessariamente o estado de degradação da fachada do edifício". Assim, no caso vertente, o pagamento de tais prestações, vencidas ulteriormente, não cumpre ao réu por se justificar, face a tais razões, a ambulatoriedade ou transmissibilidade das obrigações propter rem.

43. Foi aprovada em assembleia geral de condóminos a constituição de um fundo de maneio para obras de reparação da fachada no montante de 30.176.174$00 a pagar em 4 prestações, estando em causa no recurso, como se disse, o pagamento de duas prestações vencidas posteriormente à data da alienação pelo réu da fração à sociedade Incenso - Compra e Venda de Imóveis Lda.

44. O fundo comum visa a realização de despesas futuras, não se vendo que haja razão para alterar o entendimento exposto pois se é certo que, quanto às prestações em atraso, vencidas antes da alienação, não há ambulatoriedade - sejam estas de natureza periódica ou resultantes do fracionamento de uma prestação - já a ambulatoriedade se constitui a partir da venda desde que se verifiquem razões de facto, tais como as mencionadas em 40. supra.

45. Afigura-se, portanto, face ao exposto, que a obrigação de dare não se transmite (obrigação não ambulatória) quando estamos face a uma despesa respeitante a obra de reparação que foi efetuada antes da alienação da fração de sorte que a valorização do imóvel se pudesse repercutir no preço ainda que, acrescentamos nós, o pagamento dessa despesa seja exigido depois da alienação; por outro lado, pode não se justificar a intransmissibilidade ou não ambulatoriedade quanto a despesas futuras, tal o caso da constituição de um fundo de maneio para obras a realizar e foi o que aqui sucedeu atentas as razões de facto expostas que justificam in casu a ambulatoriedade da obrigação de dare. Não importa que a razão de ser das obras resulte da usura do imóvel pelo desgaste do tempo, não demonstrada, importa o proveito que advém da sua realização para os condóminos que dela vêm a beneficiar.

46. No que respeita a juros não são obviamente devidos quaisquer juros no que respeita ao reclamado pagamento das faturas emitidas depois da venda da fração; a Relação condenou o réu a suportar juros desde o vencimento no que respeita à quantia que é da sua responsabilidade que se venceu, antes da venda, em 31-10-2001 (ND n.º 20...84), no montante de 4.737,12€; quanto às outras quantias (834,99€, 834,99€, 834,99€) os juros são considerados devidos desde a citação por inexistir prova da interpelação antes da citação, não tendo a Relação considerado o prazo de vencimento mencionado nas notas de débito relativas a estas quantias pois o facto provado em 2 não permite concluir pela fixação de qualquer prazo concreto para realização da correspondente obrigação e das notas de débito resulta que foram emitidas, mas não resulta que tenham sido apresentadas a pagamento.

Concluindo

I - As obrigações propter rem quando obrigações de dare devem considerar-se não ambulatórias considerando que a alienação do direito real não impossibilita o alienante de realizar a prestação.

II - As prestações de dare previstas nos artigos 1411.º/1 e 1424.º/1 do Código Civil destinadas a um fundo de maneio, na base de uma mera estimativa, tendo em vista a futura reparação da fachada de imóvel (benfeitoria necessária) constituído em propriedade horizontal que se vencerem depois da venda do imóvel, não são, em princípio, da responsabilidade do alienante.

III - Podem, no entanto, verificar-se situações em que não deva considerar-se o subadquirente obrigado ao pagamento das prestações vencidas após a venda, considerando o montante do valor a pagar, o prazo de pagamento e a ausência de conhecimento relativamente à deliberação, anterior à aquisição da fração pelo novo consorte, que fixou o montante a pagar para fundo de maneio, salvo sempre nova deliberação da assembleia que o vincule.

Decisão: nega-se a revista

Custas pela recorrente


Lisboa, 8-6-2017

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Távora Victor