Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
458/09.2YFLSB
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: GARANTIA BANCÁRIA
GARANTIA AUTÓNOMA
CLÁUSULA ON FIRST DEMAND
FRAUDE
ABUSO DE DIREITO
MÁ FÉ
CADUCIDADE
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONFISSÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Data do Acordão: 04/21/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Doutrina: - Código Civil: - artigos 236º, 334º, 342º, 352º, 358º, 762.
- Código de Processo Civil: - artigos 145º, 523º, 524º, 706º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA , WWW.DGSI, DE:
- 30 DE OUTUBRO DE 2002, PROC.02B2828;
- 11 DE DEZEMBRO DE 2003, PROC. NºS03A3632;
- 14 DE OUTUBRO DE 2004, PROC. Nº 04B2883;
- 12 DE SETEMBRO DE 2006, PROC Nº 06A2211;
- 22 DE MARÇO DE 2007, PROC. Nº 07A377;
- 3 DE MAIO DE 2007, PROC. Nº 07B840;
- 29 DE ABRIL DE 2008, PROC. 08A380;
- 23 DE SETEMBRO DE 2008, PROC. Nº 08B2346;
- 27 DE NOVEMBRO DE 2008, PROC. 08B3198.
Sumário : 1. Não resulta do nº 2 do artigo 523º do Código de Processo Civil que as partes tenham direito a juntar documentos em momento posterior ao da apresentação do articulado no qual alegam os factos que com eles pretendem provar.
2. As partes têm o ónus de apresentação com o articulado; em homenagem ao princípio da verdade material, admite-se a junção posterior, mas com a cominação de uma sanção (multa), só não devida se a parte “provar que os não pode oferecer com o articulado”.
3. A hipótese de julgamento da causa no saneador tem de ser articulada com as regras relativas à possibilidade de junção de documentos em recurso, pois que é seu pressuposto a desnecessidade de mais provas.
4. A interpretação literal reveste-se de particular relevância quando se pretende fixar o sentido com que um contrato de garantia autónoma deve ser interpretado, maxime de uma garantia autónoma à primeira solicitação.
5. Ao ser-lhe exigido que satisfaça a garantia autónoma e à primeira solicitação a que se vinculou, o garante não pode, por princípio, recusar a execução da garantia opondo excepções fundadas, seja na relação entre o credor (beneficiário) e o devedor (garantido) da relação principal, seja na relação (de mandato) entre o garante e aquele devedor.
6. Tratando-se de uma contra-garantia, a autonomia revela-se ainda na impossibilidade de invocar excepções fundadas na relação subjacente à constituição da própria contra-garantia.
7. O garante não pode ignorar uma ordem judicial que determine o não pagamento da garantia, ainda que proferida no âmbito da justiça cautelar. 8. A fraude ostensiva, clamorosa e evidente do beneficiário (abuso de direito), resultante da ausência de direito do beneficiário, pode ser invocada pelo garante que dela tiver prova líquida (documental) para recusar o pagamento que lhe é exigido, mesmo tratando-se de uma garantia autónoma que deva ser satisfeita à primeira solicitação.
9.A disponibilidade, pelo garante, de prova líquida da fraude ou do abuso deve ser aferida por referência ao momento em que é solicitado o pagamento.
10. No âmbito das contra-garantias, a fraude susceptível de ser oposta pelo contra-garante ao garante, tanto pode resultar de colusão entre o beneficiário e o garante, como ocorrer apenas em relação ao garante, que exige abusivamente a satisfação da contra-garantia.
Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. Em 30 de Dezembro de 2005, o AA-Banco…, SA, instaurou uma execução contra BB – Gestão …, SA, pretendendo obter a quantia de € 265.461,72, acrescida dos juros que se vencerem até integral pagamento.
Como título executivo, o exequente juntou uma “carta de garantia” passada em seu favor pela executada, para garantir créditos de CC – … – Construções, Instalações e Serviços, Lda.
Alegou ainda o exequente que a garantia, “irrevogável, incondicional e” com a “cláusula ‘on first demand’, (…) “foi emitida para garantia de todas e quaisquer obrigações e dívidas da CC perante o Banco AA (…), resultantes do contrato de empréstimo” entre ambos celebrado; que, no “contexto da celebração do referido contrato de empréstimo, em 28 de Janeiro de 2004 foi igualmente celebrada a carta de fiança nº D-00…-…, por meio da qual o Banco AA (…), na qualidade de fiador da CC, se obrigou a atender a notificação da DD-… Ltda. (credora) para pagamento do débito da CC (…)”, juntando cópia.
E que, em Junho de 2005, “foi judicialmente compelido a honrar a fiança bancária, tendo efectuado um pagamento no montante de US $ 317.277,56 (…)”; consequentemente, em 14 de Setembro de 2005, interpelou a executada para o correspondente pagamento. Não o tendo obtido, à quantia referida acrescem juros de mora, que contabiliza em € 6.860,72 no momento da instauração da execução.
A executada deduziu oposição alegando, nomeadamente:
– a caducidade da garantia, vencida a 31 de Dezembro de 2004;
– a inexistência de “qualquer obrigação de pagamento do ora exequente à DD”, por ter sido realizado não obstante estar judicialmente determinada a respectiva suspensão, e o carácter abusivo da execução, por ser “infundada e ilegítima a pretensão do Banco AA em ser ressarcido de uma quantia que pagou ilicitamente, em inadmissível violação de uma decisão judicial que lhe impunha o não pagamento”.
O exequente contestou a oposição. Referiu que 31 de Dezembro de 2004 nada tem a ver com a vigência da garantia, antes corresponde à data até à qual se consideram abrangidas pela mesma as obrigações garantidas; que se trata de uma “garantia bancária irrevogável, incondicional e on first demand”, sendo portanto irrelevantes os factos (que no entanto impugnou) alegados para demonstrar a inexistência da obrigação de pagamento,
A executada respondeu, a fls. 118, pronunciando-se sobre documentos juntos com a contestação; a fls. 129, o exequente veio pretender demonstrar a genuinidade de um documento impugnado pela executada; mas o requerimento foi mandado desentranhar pelo despacho de fls. 137, por se tratar de resposta inadmissível na tramitação a seguir (processo sumário). O exequente recorreu, a fls. 139, e o recurso foi admitido, a fls. 157, como agravo, com subida diferida, nos próprios autos, e efeito suspensivo.
A oposição foi julgada improcedente, no despacho saneador, a fls. 232; e foi determinado que a execução prosseguisse.
Em síntese, entendeu-se estar em causa uma garantia autónoma à primeira solicitação e não resultar do correspondente texto qualquer “termo final que desobrigue o garante (executada)”, sendo que “a data de 31 de Dezembro de 2004 nada tem a ver com o período de vigência da garantia autónoma, mas sim com a data até à qual a CC poderia renovar e utilizar o crédito concedido pelo Banco AA” e, por essa via, com a delimitação da obrigação da executada; e decidiu-se nestes termos:
“Ora, encontrando-se assente que o Banco pagou à DD o valor da fiança prestada e decorrendo que a CCl não reembolsou o Banco AA naquele montante, e não existindo prazo para o accionamento da garantia e tendo esta sido accionada dentro do prazo de 20 anos (de prescrição), temos que a excepção da caducidade terá de improceder, assim como são de improceder todas as excepções invocadas e relativas às relações comerciais subjacentes à emissão da garantia autónoma à primeira solicitação.”
Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. 324, decidiu-se não conhecer do agravo, não atender a documentos juntos com as alegações de recurso e negar provimento à apelação, confirmando o saneador-sentença nos termos do nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil. A Relação salientou não haver “prova inequívoca e clara da fraude por parte do Banco”, valendo a autonomia da garantia bancária prestada e concluiu que “os factos invocados pela oponente são questões que extravasam o âmbito do contrato de garantia, dizendo respeito ao contrato-base, que constitui a relação principal, causal ou subjacente”.

2. BB – Gestão …, SA recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso foi admitido como revista e com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

A. «Surpreendida com a Sentença de 1.a Instância, viu-se a Exequente [executada] aqui Recorrente, impelida a juntar, em sede de Alegações de Recurso de Apelação, mera cópia – e não Certidão, como era sua intenção – dos documentos protestados juntar como Docs. n.ºs 5 e 6 com a Oposição, respectivamente P.I. da acção cautelar inominada que a CC instaurou contra a sociedade DD e Decisão proferida nesse mesmo processo em 04.05.2005.
B. A Recorrente foi extremamente explícita ao afirmar no artigo 51.° da Oposição que "(…) ao efectuar o pagamento em questão à DD, violou o Exequente deliberadamente a ordem judicial de suspensão do pagamento supra mencionada no art. 21°, de Maio de 2005, de que tinha integral conhecimento" e no artigo 62.° da Oposição que o Banco AA"(…) agiu com dolo, violando conscientemente a decisão judicial acima indicada no art. 21°. Nesse artigo 21.° da Oposição a ora Recorrente alega que "(...) em Maio de 2005 (... ) requereu a CC Medida Cautelar Inominada peticionando o impedimento da DD de levantar a fiança bancária (...) o que foi deferido pelo Tribunal".
C. Sucede que, não obstante todos os esforços desenvolvidos pela ora Recorrente e seus Mandatários junto das competentes autoridades brasileiras, não lhe foi possível obter em tempo útil Certidão daqueles dois documentos, de modo a juntá-la com a Oposição, tendo, por outro lado, o Tribunal de 1.a Instância desatendido por completo à relevância dos ditos documentos e julgado integralmente improcedente, por não provada, a Oposição à Execução oferecida pela Recorrente, sem sequer a notificar para juntar aos autos tais documentos.
D. Em conformidade com o vertido no n.º 2 do art. 523.° do C.P.C., e não fosse a prematura Sentença proferida pelo Tribunal de 1.a Instância com respeito ao mérito da Oposição à Execução, resulta evidente que a Recorrente se encontrava habilitada a proceder à junção dos documentos protestados juntar com a Oposição à Execução até ao encerramento da discussão em 1ª instância, ou seja, até à ocorrência dos debates sobre a matéria de facto.
E. O carácter livre da sobredita junção poderia ser constrangido tão-somente pela condenação, da Recorrente, no pagamento de uma multa processual, na hipótese de entender o Tribunal não se encontrar justificado o seu não oferecimento com o articulado respectivo (justificação que, na hipótese em apreço nos autos, sempre se afiguraria verosímil e susceptível de provimento atenta a circunstância de se tratarem de documentos jurisdicionais estrangeiros, que efectivamente não se encontravam disponíveis no momento de apresentação judicial da Oposição à Execução).
F. O conhecimento do mérito da Oposição à Execução sem que tivesse havido lugar a audiência de discussão e julgamento, não poderá, de per si, derrogar o prazo processual atribuído pelo art. 523.° do C.P.C., e com o qual a Recorrente legitimamente contava para proceder à junção documental em causa, tanto mais quanto i) a decisão de conhecimento imediato do mérito da Oposição à Execução se afigura carecida de qualquer sustentação fáctico-juridica ii) a Recorrente, em sede de Oposição, expressamente se reservou no direito de efectivar a junção documental ora em consideração, iii) a pertinência dos documentos protestados juntar se revelava desde logo manifesta para a adequada decisão do presente pleito.
G. Na senda da protecção dos direitos processuais (e constitucionalmente tutelados) da Recorrente e, bem assim, das suas legítimas expectativas, resulta, pois, mister pugnar pela admissibilidade da junção de tais documentos no momento processual imediatamente ulterior ao proferimento da Sentença de 1.a Instância no sentido da improcedência da Oposição à Execução – in casu, a apresentação das Alegações de Recurso de Apelação, pela Executada e ora Recorrente.
H. Tal solução encontra, designadamente, acolhimento no disposto no n.º 1 do art. 524.° do C.P.C., porquanto se prevê a admissibilidade de junção, em momento posterior ao término da discussão de 1.a Instância, de documentos "cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento", devendo considerar-se as demais hipóteses prescritas na disposição em apreço como cenários alternativos que, para o caso, não oferecem qualquer relevância. Também o art. 706.° do C.P.C. acolhe o sobredito entendimento.
I. Resulta, portanto, mister concluir que mal andou o Tribunal a quo ao considerar inadmissível a junção documental requerida pela aqui Recorrente em sede de Alegações de Recurso de Apelação, decisão que ora se requer seja revertida pelo Tribunal ad quem.
J. No que concerne a excepção de caducidade da garantia bancária deduzida pela ora Recorrente, é entendimento desta ser admissível a produção, entre outras, de prova testemunhal com vista à demonstração dos factos constitutivos dessa excepção, em concreto, no que à vontade das partes quanto à sua accionabilidade, alegada nos artigos 3.°, 4.° e 6.° da Oposição, diz respeito, já que é indubitavelmente controversa a interpretação do texto da garantia bancária.
K. De resto, a Oposição à Execução apresentada pela aqui Recorrente fundamenta-se, pois e em grande medida, na violação pelo Recorrido de Decisão judicial que lhe ordenava expressamente a suspensão do pagamento à DD da quantia afiançada, sendo certo que no ponto 7.3 da fiança bancária junta como Doc. n.º 2 do Requerimento Executivo ficou acordado entre o Banco AA e a CC que "O AAbanco somente deixará de honrar a fiança prestada se houver expressa ordem judicial determinando a suspensão do pagamento”.
L. O Recorrido violou, pois, de forma consciente, a Decisão judicial que deferiu a Medida Cautelar Inominada requerida pela CC, nos termos da qual esta peticionava o impedimento da DD de levantar a fiança bancária, conforme expressamente alegado nos artigos 21.°,22.°,51.°,62.° e 66.° da Oposição.
M. Tendo em consideração que o ponto 7.3 da fiança bancária excepciona a obrigação do Banco AA de pagar à DD no prazo de 48 horas após a interpelação desta, caso haja "(…) expressa ordem judicial determinando a suspensão do pagamento", o que é verdadeira e essencialmente controverso nestes autos e do seu julgamento resultará a sorte da Oposição à Execução, é saber se o Banco AA pagou à DD o montante garantido antes ou depois de receber a Decisão judicial que determinou esse pagamento (cfr. Ofício nº 1789/2005/0F junto como Doc. n.º 16 da Oposição), revogando a Decisão judicial que determinara a suspensão desse mesmo pagamento em 04.05.2005 (cfr. Doc. n.º 6 da Oposição).
N. Assim, nos artigos 31.°,36.° a 41.°,51.° e 52.° da Oposição, a BB afirma que o Banco AA efectuou o pagamento à DD do montante de R$ 598.573,16 por esta reclamado em 22.06.2005, ou seja, antes de receber a Decisão judicial que determinava o pagamento e junta como Doc. n.º 16 da Oposição e quando ainda estava vinculado à Decisão judicial de suspensão desse mesmo pagamento proferida em 04.05.2005 e junta como Doc. n.º 6 daquele articulado, fundamentando tal alegação (i) no recibo de pagamento de fiança com sub-rogação de direitos subscrito pela DD a favor do Banco AA, para prova do pagamento àquela da quantia exequenda, datado de 22.06.2005 e junto como Doc. n.º 3 do Requerimento Executivo, (i i) no cheque n.º 010396, no montante de R$ 598.573,16, emitido em 22.06.2005 e junto como Doc. n.º 15 da Oposição e, por último, (iii) na carta remetida pelo Banco AA à CC em 22.06.2005 onde informa estar a efectuar o pagamento da fiança em questão e junta como Doc. n.º 10 da Oposição.
O. Por seu turno, nos artigos 85.°, 86.° e 88.° da Contestação à Oposição, o Banco AA alega que recebeu o original da Decisão judicial que determinava o pagamento e junta como Doc. n.º 16 da Oposição dia 23.06.2005, às 14h48, tendo realizado o pagamento nessa mesma data e só posteriormente à realização desse pagamento, às 18h41 desse dia, teve conhecimento de nova Decisão judicial que revogou aqueloutra.
P. É, pois, manifesto que, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, o processo não contém de modo algum todos os elementos necessários a uma apreciação do mérito, impondo-se a prossecução da Oposição à execução para a fase da discussão e julgamento a fim de se aferir da violação pelo Banco AA das suas obrigações assumidas perante a CC e perante a BB ao liquidar à DD a quantia exequenda.
Q. Do teor dos Docs. n.ºs 19, 20 e 21 da Oposição resulta ainda que, também ao contrário do que foi entendimento do Tribunal a quo, o Banco AA assumiu a responsabilidade de só pagar o montante afiançado quando impelido judicialmente para o fazer, posto que estava obrigado por Decisão judicial expressa anterior a suspender tal pagamento.
R. Por fim, o Acórdão recorrido desconsiderou por completo a excepção de fraude deduzida pela ora Recorrente nos artigos 65.° a 68.° da Oposição, onde, na senda da factualidade recordada no corpo destas alegações de recurso, a ora Recorrente invocou má-fé evidente e actuação abusiva por parte do ora Recorrido, por pretender ser ressarcido de uma quantia que pagou ilicitamente, em inadmissível violação de uma Decisão judicial que lhe impunha o não pagamento.
S. A qualificação de tal comportamento resulta, aliás, evidente, dos documentos efectivamente juntos com a Oposição à Execução (e referenciados supra), articulados com o teor dos Docs. nºs 5 e 6 protestados juntar com a Oposição à Execução, cuja junção foi efectivada, pela Recorrente, em sede de Alegações de Recurso de Apelação.
T. A liminar desconsideração da factualidade invocada em sede de Oposição à Execução, bem como a rejeição dos documentos protestados juntar com tal articulado, consubstancia, pois, uma afronta ao direito da Executada, aqui Recorrente, à prova e ao contraditório, assim colocando seriamente em crise a justa composição dos presentes autos.
Termos em que, salvo o devido respeito, o Acórdão recorrido violou os arts. 3.°, n.º 3, 510.°, n.ºs 1, alínea b) e 3, 660.°, n.º 2, 816.° e 817°, n.º 4 do C.P.C., bem como os arts. 334.°, 342.°, n.º 1, 376.°, n.ºs 1 e 2, 394.° e 762.°, n.º 2 do C.C., e ainda o disposto no art. 20.° da Constituição da República Portuguesa.»

O exequente contra-alegou, concluindo como segue:

A. «O presente recurso é interposto no âmbito dos autos de Oposição à Execução instaurada pela Exequente, ora Recorrida, em 30 de Dezembro de 2005, para pagamento da quantia de € 265.461, 72 (duzentos e sessenta e cinco mil quatrocentos e sessenta e um euros e setenta e dois cêntimos), titulada por uma garantia bancária, emitida em 27 de Novembro de 2003.
B. No âmbito da Apelação a Recorrente juntou dois documentos defendendo que no caso sub judice não se aplica o artigo 524.°, n.º 1 do Código de Processo Civil porque foi "surpreendida" pela notificação do saneador-sentença.
C. Cumpre salientar que na Oposição à Execução – apresentada no dia 20 Julho de 2006 – a BB protestou juntar diversos documentos sem que tenha referido se ia juntar certidão ou cópia dos documentos n. ° 5 e 6 e, no momento da junção destes documentos – nas alegações de recurso de Apelação – a Recorrente alega que não tinha em sua posse ou que não lhe foi possível a junção anteriormente dos documentos que efectivamente juntou às alegações, ou seja, as cópias.
D. Acresce que a BB não tentou demonstrar que encetou alguma iniciativa para obter as certidões dos documentos, por exemplo, por meio de uma cópia do requerimento a solicitar estas certidões.
E. Assim, o Tribunal a quo concluiu bem pela inadmissibilidade da junção dos documentos pela Recorrente uma vez que considerou que não se encontram verificadas quaisquer uma das hipóteses consagradas no artigo 524°, n.º 1 do Código de Processo Civil ou que a junção destes documentos apenas se tenha tomado necessária devido ao julgamento proferido na 1.a instância como prevê a parte final do n.º 1 do artigo 706.° do Código de Processo Civil.
Não colhe, igualmente a interpretação que a Recorrente dá do n.º 2 do artigo 523.° do Código de Processo Civil, isto porque a letra deste preceito é suficientemente clara para que não seja aplicada ao caso concreto e, muito menos, seja concedida qualquer prorrogação do prazo da apresentação dos documentos após o encerramento da discussão em 1.a instância na hipótese de o Tribunal conhecer o mérito da causa no despacho saneador.
G. A decisão recorrida também não fere qualquer direito da BB dado que as partes têm o ónus de juntar todos os documentos com os seus articulados não devendo e podendo os tribunais ficar a aguardar que as partes cumpram esse dever para conhecer o mérito da causa.
H. A adopção da tese da Recorrente violaria o artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa que, entre outros direitos, consagra o direito a que os intervenientes processuais tenham uma decisão em prazo razoável num procedimento caracterizado pela celeridade de modo a "obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos".
I. Sobre a suposta caducidade do título executivo cumpre salientar que no contrato assinado entre as partes não existe qualquer menção que a Exequente deva exercer o seu direito dentro de um certo prazo, sendo que o n.º 2 do artigo 298.° do Código Civil prevê expressamente que as regras da caducidade só são aplicáveis por força da lei ou por vontade das partes.
J. A Recorrente não alegou quaisquer factos extintivos referentes à alegada caducidade do título executivo, limitando-se a fundar a excepção de caducidade numa interpretação do clausulado do contrato.
K. Se a Recorrente não alega factos extintivos do direito da Recorrida e apenas fundamenta a sua defesa na interpretação que faz do contrato – onde não consta qualquer referência que as partes tenham acordado que o direito de interpelar a Executada para que esta efectuasse o pagamento extinguia-se se não fosse exercido num determinado prazo – também não podia arrolar testemunhas para deporem sobre as cláusulas do contrato ou sobre a interpretação que fizessem delas.
L. Mas, mesmo que a Recorrente tivesse alegado um eventual acordo sobre a vigência do contrato – o que não se concede e apenas se admite por mero dever de patrocínio – sobre estes factos também não seria admissível a prova por testemunhas nos termos do disposto no artigo 394.° do Código Civil.
M. A acção executiva que ainda corre no tribunal de l.ª instância tem como título executivo uma garantia bancária irrevogável, incondicional e "on first demand".
N. A Recorrente alegou em sua defesa a relação substancial subjacente à emissão do título executivo, tentando centralizar a discussão da presente lide na carta de fiança n.º D-00…-…, através da qual a Recorrida se constituiu fiadora da CC, sendo credora desta a DD…, Ltda.
O. Sucede que os factos alegados pela Recorrente são totalmente irrelevantes para a decisão da causa e em nada abalam o dever/obrigação da Executada efectuar o pagamento da dívida à Recorrida
P. Isto porque, sendo o título executivo dada à execução uma garantia bancária on first demand, a Recorrente não pode alegar a relação jurídica subjacente a este título para furtar-se ao pagamento do crédito de que é titular a Recorrida.
Q. Por outro lado, os factos alegados pela Recorrente na sua defesa não são elementos factuais que possam configurar uma excepção de fraude manifesta oponível pela Recorrente à Exequente, dado que a excepção de fraude oponível pelo garante ao seu beneficiário trata-se de um caso limite e exige-se que a fraude ou o abuso seja manifesto, evidente e inequívoco.
R. De acordo com o princípio do dispositivo consagrado no artigo 264.° do Código de Processo Civil, cabe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles que se baseiam as excepções, pelo que se a Recorrente não alegou qualquer facto que consubstancie uma excepção de fraude manifesta, o Tribunal não tinha forma de seleccionar matéria de facto relevante.
S. Face ao exposto, a Recorrida não pode deixar de concluir pela manutenção do Acórdão recorrido.».

3.Cumpre conhecer do recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
A recorrente pretende a apreciação das seguintes questões:
– admissibilidade de junção dos documentos que apresentou com as alegações na apelação;
– caducidade da garantia bancária;
– violação, pelo exequente, de decisão judicial que ordenava a suspensão do pagamento à DD e cláusula 7.3 da carta de fiança bancária;
fraude na execução da garantia;
– possibilidade de julgamento da causa no despacho saneador e violação do princípio do contraditório.

4. As instâncias deram como provado que (transcreve-se da sentença):
«a) A BB –…, SA. Prestou uma garantia Irrevogável e incondicional a favor e em benefício do Banco AA…, SA., de valor não superior a BRL 4000.000 e até esse montante, a fim de induzir este a conceder crédito e renovações de crédito à CC, podendo a aprovação do crédito ser utilizada, mediante renovações de crédito, até 31 de Dezembro de 2004, cfr. carta de garantia de fls. 35 dos autos (…);
b) Da cláusula 1ª da carta de garantia resulta que "O Fiador garante por este meio, de forma irrevogável e incondicional, como principal devedor e não apenas como aval, o pagamento imediato e global, na data de vencimento (quer no termo do prazo indicado, quer antecipadamente, ou de outro modo), de todos e quaisquer montantes em dívida, obrigações e compromissos quer relativamente ao capital, juros, taxas, despesas, indemnizações ou outros (em relação a tudo o que foi referido como "Obrigações") do Beneficiário, e em resultado ou em relação às transacções efectuadas ao abrigo da Aprovação do Crédito, incluindo, embora de forma não restritiva, quaisquer transacções de financiamento à exportação ou à importação, assim como quaisquer renovações de crédito para efeitos de capital de exploração;
Da cláusula 2ª resulta que "O Fiador compromete-se por este meio a que todos os pagamentos ao abrigo da presente Garantia deverão ser pagos de imediato após o primeiro pedido nesse sentido, por parte do Banco, indicando que o Beneficiário não cumpriu qualquer Obrigação (no termo do prazo, antecipadamente ou de outro modo) e solicitando que o Fiador efectue tal pagamento ao Banco, conforme as instruções aqui estabelecidas ".
Da clausula 4ª expressamente resulta que o Fiador não poderá ser exonerado, desresponsabilizado ou afecto por falta de genuinidade, legalidade, validade, regularidade ou aplicabilidade da presente garantia, ou de qualquer outro acordo ou documento contemplado por este meio ou ao abrigo da Aprovação do Crédito, entrega, libertação, permuta, substituição, assunção de qualquer caução adicional, ou impossibilidade de qualquer caução, não cumprimento pelo Beneficiário de qualquer dos termos de qualquer renovação do crédito ao abrigo da Aprovação de Crédito ( ... );
c) Em 28 de Janeiro de 2004 foi celebrada a carta de fiança n° D-00…-…, através da qual o Banco AA, se constituiu fiador da CC, sendo credor desta a DD…, Ltda.;
d) Em 22 de Junho de 2005 a DD declara ter recebido do Banco AA a quantia de R$598.573,16, através do cheque n° 0…, respeitante ao pagamento da totalidade da carta de fiança n° D-00…-…, datada de 28/01/2004 e que tem com afiançada a CC e exonera o Banco da fiança prestada;
e) O Banco AA interpelou a Executada BB para pagar o montante de quatro milhões de reais, equivalente a USD 317.277,56, por a CC não lhe ter pago tal montante.»

5. A recorrente sustenta, como se viu, a admissibilidade da junção dos documentos que pretendeu apresentar com as alegações na apelação.
Em síntese, a recorrente afirma que a circunstância de ter havido julgamento do mérito no despacho saneador não pode lesar o direito que o nº 2 do artigo 523º do Código de Processo Civil lhe confere de juntar documentos (em conformidade com o protesto formulado na oposição) até ao encerramento da discussão em primeira instância; que a junção posterior apenas acarreta o risco de condenação em multa, se o tribunal entender não estar justificada.
Considera, assim, que deve ser admitida a junção com as alegações da apelação, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 524º e no artigo 706º do Código de Processo Civil, sob pena de lesão dos seus direitos processuais.
Não é todavia exacto que as partes tenham direito a juntar documentos em momento posterior ao da apresentação do articulado no qual alegam os factos que com eles pretendem provar. O sentido com que o artigo 523º do Código de Processo Civil fixa o momento da junção de documentos é o de estabelecer, como regra, o ónus de apresentação com o articulado (nº 1); no entanto, e em homenagem ao princípio da verdade material, o nº 2 do mesmo artigo transforma em cominatório um prazo que, na sua falta, seria peremptório, extinguindo o direito correspondente (cfr. nºs 1 e 3 do artigo 145º do Código de Processo Civil).
Assim, admite-se a junção posterior, mas com a cominação de uma sanção (multa), só não devida se a parte “provar que os não pode oferecer com o articulado”.
Em consonância com este regime, os artigos 524º e 706º, nº 1 vêm admitir a junção de documentos em recurso em duas hipóteses: a de não ter sido possível anteriormente (artigo 524º) e a de “apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância” (nº 1 do artigo 706º). A primeira exigirá de novo prova da impossibilidade; a segunda vale apenas para os casos em que a sentença optou por uma solução não previsível, do ponto de vista da utilização do documento como meio de prova.
A hipótese de julgamento da causa (aqui, da oposição, cuja tramitação é a do processo sumário, nos termos do nº 2 do artigo 817º do Código de Processo Civil) no saneador tem de ser articulada com estas regras, pois que é seu pressuposto a desnecessidade de mais provas (al. b) do nº 1 do artigo 510º e artigo 787º do Código de Processo Civil).
Naturalmente que não é a circunstância de uma parte ter protestado juntar mais tarde um documento que indica no seu articulado que impede o julgamento antecipado da causa; se o tribunal entender que o mesmo é indispensável, notifica a parte para o juntar; caso contrário, julga a causa sem o documento.
No caso presente, o tribunal de 1ª Instância claramente entendeu serem desnecessários os documentos que a recorrente protestou juntar posteriormente; e o mesmo considerou a Relação. Na perspectiva em que analisaram a oposição à execução, os documentos são realmente desnecessários; e não se pode entender que a necessidade da junção resultou da sentença, ou que esteja demonstrado que a recorrente os não pode juntar antes.
No entanto, e com o objectivo de permitir a apreciação da fraude invocada pela recorrente, admite-se a junção dos documentos em questão.

6. A recorrente sustenta ainda a extinção, por caducidade, da garantia invocada pelo exequente. Conforme alegou na oposição, “as partes acordaram como data de vencimento da garantia bancária 31 de Dezembro de 2004. Segundo a vontade das partes, a garantia bancária ora executada só podia ser accionada até 31 de Dezembro de 2004”.
Esta alegação não coincide com o motivo da caducidade invocada perante o exequente quando este interpelou a recorrente para proceder ao pagamento da garantia. Da carta de 20 de Setembro de 2004, indicada pela oponente no artigo 8º da oposição e junta a fls.18, constam várias justificações, entre as quais a de que operou a caducidade da garantia porque “todos os montantes utilizados ao abrigo do empréstimo garantido pela ‘letter of guarantee’ estão integralmente pagos, pelo que a mesma se encontra automaticamente extinta, nos próprios termos do seu ponto 3, não podendo a mesma ser invocada para além da sua caducidade, e referida a outras operações bancárias que não as respeitantes ao empréstimo que ela garantia, como é o caso da fiança indevidamente paga à DD".
As instâncias consideraram, todavia, que “a data de 31 de Dezembro” constante do texto “nada tem a ver com o período de vigência da garantia autónoma, mas sim com a data até à qual a CC poderia renovar e utilizar o crédito concedido pelo Banco AA” (sentença, fls. 237).
No entender da recorrente, foi “erradamente” valorada “a força probatória do documento oferecido como título executivo nos presentes autos, não permitindo a produção de qualquer outro meio de prova susceptível de sustentar os factos constitutivos da excepção peremptória extintiva de caducidade ora invocada, assim coarctando qualquer possibilidade de cumprimento, pela ora Recorrente, e com sucesso, do ónus probatório previsto no nº 1 do art. 342º do Código Civil”.
A recorrente põe assim em causa que corresponda à vontade real das partes a conclusão, retirada pelas instâncias, de que a “carta de garantia” não previa qualquer termo de vigência; afirma que fixaram, para o efeito, o dia 31 de Dezembro de 2004.
Antes de mais, há que não esquecer que a “carta de garantia” apenas contém a declaração da BB – …, SA, dirigida ao exequente. Isto não significa evidentemente que a garantia não resulte de um acordo entre ambos e que se não deva falar de contrato de garantia; tal questão não está sequer em discussão neste processo.
Para além disso, é também necessário ter em conta que, situando-se no domínio da matéria de facto o apuramento da vontade real dos outorgantes num negócio jurídico, a intervenção do Supremo Tribunal da Justiça está limitada à verificação do respeito dos critérios de interpretação legalmente estabelecidos pelo Código Civil, nos seus artigos 236º e segs. (neste sentido, por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 23 de Setembro ou de 27 de Novembro de 2008, disponíveis em www.dgsi.pt como procs. nºs 08B2346 e 08B3198).
Finalmente, cumpre ter presente que, não obstante não se tratar de um negócio formal, a interpretação literal reveste-se de particular relevância quando se pretende fixar o sentido com que um contrato de garantia autónoma deve ser interpretado, maxime de uma garantia autónoma à primeira solicitação. Nestes sentido se pronuncia expressamente, por exemplo, Galvão Teles (Garantia Bancária Autónoma, O Direito, ano 120º. 1988, II-IV (Julho-Dezembro), pág. 275 e segs., pág. 289), que escreve: “A garantia não poderá ser invocada pelo beneficiário senão em conformidade com os seus próprios termos. O banco só tem de pagar o que consta do título de garantia e em harmonia com o teor respectivo. Mas, desde que o beneficiário respeite esse teor e reclame o que à face do título de garantia é devido, o banco não tem outro remédio senão pagar: deve pagar ao primeiro pedido, imediatamente, sem discussão”.
Solução diversa, permitindo abstrair do texto para provar que a vontade real das partes é diversa da que dele resulta, poderia pôr seriamente em causa a função deste tipo negocial, consabidamente criado pela prática para permitir uma satisfação rápida e sem controvérsia do interesse do beneficiário, “tão forte como o depósito de dinheiro ou de valores” (Galvão Telles, op. cit., págs. 282-283; cfr., embora a propósito dos meios de defesa que o garante pode invocar para impedir o pagamento, acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Setembro de 2006, www.dgsi.pt, proc nº 06A2211, que frisa a necessidade de não “se frustrar o escopo das garantias à primeira solicitação, que só viriam a ser pagas após longas e demoradas controvérsias” ).

7. Estas regras valem desde logo para se ter por assente resultar do texto da carta de garantia que, como as instâncias entenderam, estamos perante uma garantia autónoma, irrevogável, incondicional e à primeira solicitação (cfr. pontos a) e b) da matéria de facto provada; e cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 11 de Dezembro de 2003 ou de 29 de Abril de 2008, disponíveis em www.dgsi.pt, procs. nºs 03A3632 e 08A380).
Com efeito e em síntese, pela referida carta BB – …, SA assume o compromisso de pagamento imediato da garantia, “upon first demand” do Banco beneficiário, invocando incumprimento por parte da CC – …, Lda. (“todos os pagamentos ao abrigo da presente garantia deverão ser pagos de imediato após o primeiro pedido nesse sentido, por parte do banco, indicando que o beneficiário não cumpriu qualquer das obrigações (no termo do prazo, antecipadamente ou de outro modo) e solicitando que o [garante] efectue tal pagamento ao banco”).
Ora no que especificamente respeita à caducidade alegada pela recorrente, verifica-se que a referência à data de 31 de Dezembro de 2004 aparece apenas na parte inicial do texto, nestes termos:
“Considerando que o Banco pretende conceder uma aprovação de crédito a ser utilizada pela CC – …, Lda. (…), relativamente a diversas renovações de crédito, incluindo, embora de forma não restritiva, empréstimos, cartas de crédito, garantias, até um montante global não superior a BRL 4000.000, podendo essa aprovação de crédito ser utilizada, mediante renovações de crédito, até 31 de Dezembro de 2004 (a ‘Aprovação de Crédito’);
Considerando que o [garante] pretende emitir a respectiva garantia irrevogável e incondicional a favor e em benefício do Banco, a fim de induzir este a conceder as diversas renovações do crédito contemplado ao abrigo da Aprovação de Crédito;
Conclui-se, por conseguinte, que o Fiador emite a presente garantia irrevogável e incondicional ao abrigo dos termos e condições que adiante se estabelecem:”
Nessas condições não se encontra referência a nenhuma data de caducidade da garantia, nem a fixação de um data limite para ser solicitado qualquer pagamento no respectivo âmbito; da cláusula 3ª, por exemplo, resulta que a garantia continuará em vigor até integral pagamento de todas as obrigações decorrentes da referida aprovação de crédito, prevendo-se mesmo a sua extensão nas eventualidades ali descritas (“a presente garantia é uma garantia contínua de todas as obrigações actuais, ou que a partir deste momento existam ao abrigo da aprovação de crédito” e manter-se-á em vigor e eficaz até ao termo da “aprovação de crédito e ao pagamento integral de todas as obrigações e de outros montantes a paga ao abrigo da presente garantia”).
Entender a referência à data de 31 de Dezembro, expressamente indicada, apenas, a propósito da definição do objecto da garantia prestada pela recorrente, como tendo o sentido de fixar o prazo de validade da própria garantia não encontra correspondência na letra da carta de garantia; e não traduz de forma alguma o sentido que normalmente se atribuiria ao “considerando” onde aparece (nº 1 do artigo 236º do Código Civil).
Não há assim fundamento para que o Supremo Tribunal da Justiça altere a interpretação atribuída pelas instâncias ao referido “considerando” e, consequentemente, para acolher a excepção de caducidade invocada pela recorrente.
Apenas se acrescenta que esta conclusão não equivale a atribuir qualquer força probatória especial ao documento, para além da que lhe cabe em aplicação do disposto no artigo 376º do Código Civil; antes significa que, interpretado o documento, conclui-se que nele se não fixou qualquer data de caducidade da garantia, definindo-se a respectiva duração em função da manutenção de “responsabilidades” decorrentes da Aprovação de Crédito”.
Não merecem pois qualquer censura, nem a interpretação alcançada pelas instâncias, nem a apreciação desta questão no saneador; a interpretação necessariamente literal da carta de garantia exclui que se possa afastar os termos em que nela se define a duração da garantia prestada, fazendo prevalecer uma diferente hipotética vontade real sem rasto no texto, provada por outros meios (nomeadamente, por prova testemunhal).

8. A recorrente alega que, ao proceder ao pagamento que lhe foi reclamado “ao abrigo da fiança bancária” a que se refere a al. c) da matéria de facto assente, o exequente violou “decisão judicial no sentido do não pagamento”.
Refere-se a recorrente à decisão cuja cópia juntou no recurso de apelação, a fls. 275, de 4 de Maio de 2005, proferida pela 47ª Vara Cível da Comarca da Capital, do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, na “acção cautelar inominada ajuizada por CC… LTDA., em face de DD… LTDA”, mediante a qual o tribunal decidiu conceder “a liminar requerida” e determinar “que a ré se abstenha de proceder o levantamento da quantia depositada a título de garantia bancária, junto ao Banco AA (carta de fiança), até decisão final da acção principal a ser proposta”, com notificação ao Banco AA. Esta “acção principal”, esclarece-se, é a acção “a ser ajuizada, através da qual será discutida a responsabilidade pelo não cumprimento do contrato” de sub-empreitada celebrado entre as partes.
Conforme resulta do relato da recorrente, apoiado em documentos, esta decisão veio todavia a ser anulada por decisão de 7 de Junho de 2005 (com cópia junta pela recorrente a fls. 33), por “incompetência absoluta”, que determinou que “a cautelar” fosse “encaminhada para livre distribuição”.
Esta decisão, também segundo esse relato, foi notificada ao exequente pelo ofício nº 1789/2005/OF, datado de 16 de Junho de 2005, com o seguinte conteúdo: “Solicito a V. Exa as providências necessárias no sentido de desconsiderar a decisão anterior que determinava o não levantamento da quantia depositada a título de garantia bancária, para viabilizar o pagamento dessa quantia (carta de fiança) requerida pelo réu.”
Assim, como consta da conclusão M), a exequente diz que, “Tendo em consideração que o ponto 7.3 da fiança bancária excepciona a obrigação do Banco AA de pagar à DD no prazo de 48 horas após a interpelação desta, caso haja "(…) expressa ordem judicial determinando a suspensão do pagamento", o que é verdadeira e essencialmente controverso nestes autos e do seu julgamento resultará a sorte da Oposição à Execução, é saber se o Banco AA pagou à DD o montante garantido antes ou depois de receber a Decisão judicial que determinou esse pagamento (cfr. Ofício nº 1789/2005/0F junto como Doc. n.º 16 da Oposição), revogando a Decisão judicial que determinara a suspensão desse mesmo pagamento em 04.05.2005 (cfr. Doc. n.º 6 da Oposição).”
E, afirmando que o exequente procedeu ao pagamento à DD “antes de receber a decisão judicial que determinava o pagamento” (invocando os documentos indicados na conclusão N)), o que o mesmo nega (cfr. conclusão O)), a oponente sustenta que a causa não deveria ter sido julgada no saneador, para se poder “aferir da violação pelo Banco AA das suas obrigações assumidas perante a CC e perante a BB ao liquidar à DD a quantia exequenda”.
Diz ainda que estes factos demonstram “má fé evidente e actuação abusiva por parte do ora recorrido”, como resulta dos documentos que juntou.
O recorrido começa por sustentar que a natureza da garantia prestada pela oponente torna irrelevante a alegação da “relação substancial subjacente à emissão do título executivo”, a discussão da carta de fiança e, portanto, a análise da questão de saber se pagou à DD antes ou depois de receber a decisão judicial que anulou a determinação de suspensão do pagamento da fiança.
E opõe que, de qualquer forma, não violou nenhuma decisão judicial; e que os factos alegados são insusceptíveis de integrar “a excepção de fraude oponível pelo garante de uma garantia autónoma on first demand”.

9. É incontroverso que, ao ser-lhe exigido que satisfaça a garantia autónoma e à primeira solicitação a que se vinculou, o garante não pode, por princípio, recusar a execução da garantia opondo excepções fundadas, seja na relação entre o credor (beneficiário) e o devedor (garantido) da relação principal, seja na relação (de mandato) entre o garante e aquele devedor (cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça de 22 de Março de 2007 e de 3 de Maio de 2007, disponíveis em www.dgsi.pt como procs. nºs 07A377 e 07B840).
Nisto se traduz, aliás, a característica da autonomia: “A obrigação do garante de entregar uma determinada quantia pecuniária ao beneficiário depende exclusivamente da verificação das condições definidas no contrato de garantia” (Mónica Jardim, A garantia autónoma, Coimbra, 2002, pág. 116). Como observa Menezes Cordeiro (Manual de Direito Bancário, 3ª ed., Coimbra, 2006, pág.643, “a função da garantia autónoma não é, tanto, assegurar o cumprimento dum determinado contrato. Ela visa, antes, assegurar que o beneficiário receberá, nas condições previstas no próprio texto da garantia, uma determinada quantia em dinheiro”. Por isso, perante uma garantia autónoma à primeira solicitação, de nada servirá vir esgrimir com argumentos retirados do contrato principal (…)”.
Tratando-se de uma contra-garantia – como é o caso, já que, quanto ao que está em causa na presente execução, a garantia prestada pela recorrente foi accionada como garantia da fiança bancária prestada pelo exequente pela carta de fls. 19 do processo principal, junta com o título executivo –, a autonomia revela-se ainda na impossibilidade de invocar excepções fundadas na relação subjacente à constituição da própria contra-garantia.

10. Da autonomia da contra-garantia invocada pelo exequente resulta desde logo que não pode proceder contra ele a excepção de pagamento indevido da fiança bancária, com recurso a cláusulas da própria carta de fiança – a contra-garantia é autónoma em relação à garantia e a eventuais obrigações que o Banco AA tenha assumido perante a recorrente no âmbito da relação subjacente à carta de garantia.
Em particular, não pode ser oposto pela recorrente o eventual desrespeito da cláusula 7.3 da carta de fiança de fls. 19 do processo principal, da qual aliás não resulta que o Banco exequente esteja dependente de ordem judicial para proceder ao pagamento da fiança, mas antes que “O Banco somente deixará de honrar a fiança prestada se houver expressa ordem judicial determinando a suspensão do pagamento”.
Nem se pode retirar dos “docs. nºs 19, 20 e 21 da Oposição” (conclusão Q)) que o banco tenha assumido “a responsabilidade de só pagar o montante afiançado quando impelido judicialmente para o fazer”, como afirma a recorrente, retirando esta assunção do que considera ser uma “confissão do Banco AA de que só mediante Decisão judicial expressa que revogasse a anterior Decisão judicial de suspensão do pagamento à DD e ordenasse esse mesmo pagamento o poderia legitimamente fazer”.
Estes documentos não contêm tal confissão. É certo que, quando dirigida à contraparte, a confissão judicial constante de documento particular tem força probatória plena quanto aos factos desfavoráveis ao declarante (nº 2 do artigo 376º e nº 2 do artigo 358º do Código Civil).
No entanto, e para além de, neste processo, nunca poderem ser havidas como tal declarações dirigidas à DD…, Ltda., a verdade é que se não pode entender que as declarações contidas nos documentos agora em causa se refiram a factos desfavoráveis ao exequente (artigo 352º do Código Civil).
Com efeito, o que o exequente ali declarou foi que se encontrava impedido, por decisão judicial, de proceder ao pagamento que a DD… Ltda. lhe exigia, e que só mediante decisão judicial que a anulasse o efectuaria. O Banco estava assim a invocar um facto que lhe era favorável, já que lhe conferia o direito de recusar o pagamento, nos termos previstos no contrato de fiança (e, por essa via, a acautelar o direito a ser ressarcido pela recorrente).
De tudo isto resulta desde já que a recorrente não tem razão quando, a este propósito, reage contra o julgamento da causa no saneador; nenhuma utilidade teria produzir prova sobre factos que não podem ser invocados como oposição è execução da garantia.
A ilegitimidade do pagamento – invocado pelo exequente para exigir o pagamento da contra-garantia –, pelo motivo agora em causa, apenas poderá ser alegada como fundamento de recusa de satisfação da contra-garantia no contexto de um exercício abusivo do direito exercido pelo exequente; como, aliás, a recorrente também fez.

11. Não se questiona que, em abstracto, a verificação de uma condição que, nos termos da garantia, confere ao garante o poder de recusar o pagamento, tenha como efeito que o garante o deva recusar (particularmente se pretender ser ressarcido); a regra da boa fé na execução dos contratos impõe-lhe o dever de tomar na devida conta o interesse da contraparte na relação de mandato que funda a garantia.
Trata-se, no entanto, de questão controversa, cuja resolução de princípio se não torna agora necessária; assenta-se, no caso presente, na resposta afirmativa, tendo em conta o fundamento concretamente invocado.
Nem tão pouco se considera que o garante possa ignorar uma ordem judicial que determine o não pagamento da garantia, ainda que proferida no âmbito da justiça cautelar. O que implica que, verificada aquela condição ou desrespeitada esta ordem, o garante possa correr o risco de não conseguir reaver o que pagou.
Entende-se que, estando em causa uma garantia autónoma e à primeira solicitação, é no âmbito do processo cautelar que há-de ser devidamente considerada a sua autonomia relativamente ao contrato subjacente, de forma a evitar que, através de uma decisão baseada em prova de primeira aparência e respeitante a esse contrato, se altere a natureza da garantia prestada.

12. Também se tem por incontroverso que a autonomia da garantia se não sobrepõe à eventualidade de má fé ou abuso de direito (fraude, como refere a recorrente) por parte do beneficiário da garantia (ou do garante em relação à execução da contra-garantia). Como em geral resulta dos artigos 762º e 334º do Código Civil, também aqui a actuação das partes se deve pautar pelas regras da boa fé, sendo ilegítimo exercer um direito em manifesto desrespeito pelos “limites impostos pela boa fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito” (artigo 334º).
E igualmente se sabe que, nesta mesma linha, a doutrina e a jurisprudência aceitam como limite à autonomia destas garantias autónomas, mesmo das que devem ser satisfeitas à primeira solicitação, a fraude ostensiva, clamorosa e evidente do beneficiário, querendo assim significar que, em tal eventualidade, é legítimo ao garante que dela tiver prova líquida recusar o pagamento que lhe é exigido. Assim, e a título de exemplo, pronunciaram-se, entre nós, Ferrer Correia, Notas para o estudo do contrato de garantia bancária, sep. da revista de Direito e Economia, Coimbra, 1982, pág. 257, Galvão Telles, op. cit., págs. 289-290, Almeida Costa e Pinto Monteiro, O contrato de garantia à primeira solicitação, Colectânea de Jurisprudência, ano XI, tomo V – 1986, pág 15 e segs, págs. 20-21, Calvão da Silva, (Garantias acessórias e garantias autónomas, consulta, in Estudos de Direito Comercial (Pareceres), Coimbra, 1999, págs. 343-344, Simões Patrício, Preliminares sobre a garantia ‘on first demand’”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 43, 1983, pág. 677 e segs., pág. 709 e segs; Evaristo Mendes, Garantias bancárias – Natureza, Revista de Direito e de estudos Sociais, ano XXXVII, 1995 (X da 2ª série), pág. 411 e segs., págs. 465-466; Fátima Gomes, Garantia Bancária Autónoma à Primeira Solicitação, Direito e Justiça, vol. VIII, tomo 2, 1994, pág. 119 e segs., pág. 180 e segs.; Mónica Jardim, op. cit., pág. 288 e segs.; acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça de 30 de Outubro de 2002 ou de 14 de Outubro de 2004, disponíveis em www.dgsi.pt como procs. nºs 02B2828 e 04B2883 e de 12 de Setembro de 2006, já citado).
É claro que esta fraude – que, em direito positivo português, se reconduz à figura do abuso de direito, previsto e sancionado no artigo 334º do Código Civil –, aceite como meio de defesa do garante, é a que “resulta da ausência de direito do beneficiário tendo em conta o contrato base” (a expressão é de Mónica Jardim, op. cit., pág. 301), seja, por exemplo, porque este foi declarado inválido por sentença com trânsito em julgado, seja porque o garante dispõe de prova líquida de que o incumprimento alegado não se verificou. E que, repete-se, tem de ser evidente, clamorosa e manifesta (citado artigo 334º), de tal forma que ignorá-la, em nome da autonomia da garantia, ofenderia princípios fundamentais da ordem jurídica.
Tratando-se de uma garantia indirecta ou contra-garantia, não se pode afirmar, em absoluto, que a fraude do beneficiário na execução da garantia “transforma, por si só, o pedido do banco garante de primeira ordem (garante) em relação ao contra-garante num pedido abusivo ou fraudulento”, como escreve Fátima Gomes, op. cit., pág. 131; nem tão pouco que não possa “existir fraude do garante sem que exista fraude do beneficiário (…) subsistindo razões aptas a justificar a recusa de pagamento pelo contra-garante” (pág. 182).
Na realidade, no âmbito das contra-garantias, a fraude susceptível de ser oposta pelo contra-garante ao garante, tanto pode resultar de colusão entre o beneficiário e o garante (o garante satisfaz a garantia conluiado com o beneficiário, ou não obstante ter conhecimento – ou, eventualmente, devendo ter conhecimento – de que o beneficiário exigiu abusivamente a satisfação da garantia, e vem exigir o pagamento da contra-garantia, hipótese de dupla fraude), como ocorrer apenas em relação ao garante, que exige abusivamente a satisfação da contra-garantia (por exemplo, porque falsamente invoca ter-lhe sido solicitado o pagamento da garantia – o exemplo é de Mónica Jardim, op. cit., pág. 310).

13. São no fundo as mesmas razões que justificam que a interpretação do texto de uma garantia autónoma à primeira solicitação seja fundamentalmente literal que levam a que só em casos de “prova líquida” de má fé ou abuso de direito seja atendível a excepção correspondente, sendo tal “prova líquida (…) sobretudo, associada à prova documental”, admitindo-se ainda “a invocabilidade de prova resultante de uma decisão judicial transitada em julgado ou de uma decisão arbitral” (Fátima Gomes, op. cit., págs. 180-181).
Galvão Telles exige que a “má fé” seja “patente, não oferecendo a menor dúvida, por decorrer com absoluta segurança de prova documental (…)” (op. cit., pág.s 289-290); Almeida Costa e Pinto Monteiro, op. cit., pág 21, salientam que “não basta a suspeita de fraude ou de abuso para impedir a entrega da garantia, logo que solicitada (…). Só é legítima a recusa de pagamento do Banco se – no momento em que o pagamento da garantia lhe for solicitado – o banco possuir prova inequívoca do abuso ou da fraude manifestas do beneficiário”; Calvão da Silva, op. cit., págs. 342-343 observa que “todas as cautelas são poucas, e por isso se exige ao dador da ordem uma prova líquida, uma prova qualificada, segura e inequívoca da conduta fraudulenta ou abusiva do credor, que a doutrina maioritária requer documental”; Mónica Jardim, op. cit, pág. 293 refere “prova documental de segura e imediata interpretação, pois esta prova satisfaz plenamente a exigência de prova pronta (preconstituída) e líquida (inequívoca)”
Voltando de novo à hipótese de contra-garantia, invocando dupla fraude, caberá ao contra-garante que pretende recusar o pagamento que lhe é solicitado pelo garante a prova de ter sido fraudulento o que este efectuou e ainda de que o garante se conluiou com o beneficiário; ou, pelo menos, de que o garante tinha ou devia ter conhecimento da fraude do beneficiário, em termos de não ter direito a ser ressarcido.
Alegando apenas fraude do garante, o contra-garante há-de estar em condições de oferecer prova líquida de patente e manifesta falta de direito do garante a ser ressarcido.

14. Pese embora invocar como motivo de oposição à execução da contra-garantia o pagamento da fiança “quando [o exequente] estava legal e contratualmente impedido de o fazer, violando conscientemente a Decisão judicial que deferiu a Medida Cautelar Inominada requerida pela CC peticionando o impedimento da DD de levantar a fiança bancária” –, a recorrente não invoca dupla fraude; não alega, na verdade, que DD…, Ltda. tenha exigido do Banco AA…, SA a satisfação da fiança em violação dessa mesma decisão judicial.
No entanto, a medida cautelar invocada pela recorrente foi requerida por CC…, Ltda, contra DD…, Ltda. e assim foi decretada. Não foi pois proferida qualquer decisão judicial que determinasse ao Banco AA que não procedesse ao pagamento da fiança bancária; antes foi ordenado a DD…, Ltda. que se abstivesse de proceder ao levantamento da fiança, com notificação ao Banco AA. Como é evidente, isto não significa afirmar que o Banco pudesse ou devesse ignorar aquela decisão, que lhe fora notificada por determinação do tribunal.
Mas implica que, para poder proceder a oposição, era pelo menos imprescindível que se pudesse considerar abusiva a exigência, à recorrente, da satisfação da contra-garantia em resultado de uma eventual falta de notificação judicial da decisão de 7 de Junho de 2005 (é naturalmente esta a decisão a ter em conta, e não o ofício nº 1789/2005/OF).
Ora, não tendo sido invocada dupla fraude, a autonomia da garantia em execução neste processo impede que lhe seja oposta pela recorrente (contra-garante) uma excepção que ainda se funda na relação base, pois é nessa relação que se funda a decisão cautelar dirigida à DD…, Ltda..

12. De tudo isto resulta que os factos alegados pela recorrente para sustentar a oposição à execução nunca poderiam conduzir à sua procedência, ainda que se houvessem por provados.
Assim sendo, há que concluir que a oposição foi correctamente julgada de mérito no despacho saneador; e que não foi por esta via infringido pelo acórdão recorrido nenhum direito da recorrente “à prova e ao contraditório” ou ao “acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º da Constituição da República Portuguesa”, já que seria inútil que prosseguisse para instrução, discussão e ulterior julgamento.
Além do mais, não quadra com a exigência de que a fraude seja manifesta, para poder fundamentar a recusa de pagamento, a exigência de prova adicional àquela de que a recorrente dispunha quando o exequente lhe exigiu que satisfizesse a garantia que prestou: a disponibilidade, pelo garante, da prova líquida da fraude ou do abuso deve ser aferida por referência ao momento em que, nos termos da garantia, lhe for solicitado o respectivo pagamento (Almeida Costa e Pinto Monteiro, op. cit., págs. 27-28; Mónica Jardim, op. cit., pág.278). Também por esta via improcederia a excepção de fraude, nos termos em que foi oposta pela recorrente.

Confirma-se, assim, a decisão de improcedência da oposição. A execução deve, pois, prosseguir.

13. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça
Lisboa, 21 de Abril de 2010,
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Barreto Nunes