Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7/18.1T8CSC.L2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
CONVERSÃO DO CONTRATO SEM TERMO
Data do Acordão: 11/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Doutrina:
DIREITO do trabalho – contrato de trabalho / disposições gerais / modalidades de contrato de trabalho / contrato a termo resolutivo / contrato de trabalho sem termo.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 147.º, N.º 2, ALÍNEA C).
Sumário :

I-Tendo-se provado que um trabalhador no período compreendido entre 1 de agosto de 2015 e 12 de novembro de 2015 desenvolveu por conta do empregador uma atividade ao abrigo de um contrato de trabalho a termo incerto e não resultando da matéria de facto provada que o exercício dessa atividade tenha passado a desenvolver-se em moldes essencialmente distintos dos que vigoravam durante a relação de trabalho, o contrato de trabalho inicialmente celebrado a termo incerto converteu‑se em contrato de trabalho sem termo, por força do disposto no supracitado art.º 147.º, n.º 2, al. c), do Código do Trabalho.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

 Relatório:

 1. O Ministério Público intentou a presente ação especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho contra AA, S.A., pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a ré e BB.

2. A ré apresentou contestação, alegando que entre as partes vigorou um contrato de prestação de serviço, e não um contrato de trabalho.

3. Notificado, o “trabalhador” não apresentou articulado próprio, nem constituiu mandatário.

4.Realizou-se o julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação procedente.

5. Desta sentença foi interposto recurso para o Tribunal da Relação que mediante acórdão proferido em 26 de setembro de 2018, anulou a decisão proferida sobre a matéria de facto a fim de a 1.ª instância enunciar a sua decisão e respetivos fundamentos relativamente aos factos constantes dos artigos 18° a 20°, 22°, 23°, 25° a 27°, 30°, 32° a 37°, 40°, 42°, 48°, 50°, 52° a 55° da contestação.

6. Proferida nova sentença em 25 de janeiro de 2019, julgou-se (de novo) a ação procedente e, em consequência, reconheceu-se a existência de um contrato de trabalho entre BB e a ré AA, S.A., no período compreendido entre 01.08.2015 e 31.12.2017.

 

7. Inconformada, a ré recorreu de apelação impugnando de facto e de direito.

8. O Tribunal da Relação, por acórdão de 12 de junho de 2019, julgou procedente a apelação e deliberou nos seguintes termos:

«Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, alterar a matéria de facto conforme sobredito e, em consequência, revogar a sentença.»

 

9. Inconformado com esta decisão, o Ministério Público interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

a) Entre BB e "CC, Lda." foi celebrado, a 01/08/2015, contrato de trabalho a termo incerto;

b) Tal contrato caducou a 12/11/2015 conforme declaração escrita do empregador enviada ao trabalhador;

c) BB continuou a prestar serviço para a "CC, Lda." após 12/11/2015, tendo depois, transitado para o serviço da Ré "AA SA" pelo menos até 31/12/2017;

d) A Ré "AA SA". adquiriu, por fusão, a "CC, Lda." incluindo a totalidade do seu património conforme Ap. ... da matrícula NIPC ...;

e) BB permaneceu ao serviço, agora da "AA SA";

f) Estabelece o art.º 147.º, n.º 2, al. c), do Código do Trabalho que o contrato de trabalho celebrado a termo incerto converte-se em contrato de trabalho sem termo quando o trabalhador permaneça em atividade após a data de caducidade indicada na comunicação do empregador:

g) Por sua vez, determina o art.º 285.º n.º 1 do Código do Trabalho que em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho;

h) Decorre das normas legais citadas, aplicadas à factualidade assente nos autos, a existência e persistência de um contrato de trabalho sem termo entre BB e a Ré "AA SA";

i) Ao revogar a sentença proferida em primeira instância e consequentemente, ao declarar a inexistência de contrato de trabalho o acórdão recorrido violou as disposições contidas pelos arts. 147.º, n.º 2, al. c) e 285.º, n.º  1 do Código do Trabalho.»

10. A ré contra-alegou, tendo concluído:

1. O Ministério Público pede revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com fundamento, única e exclusivamente, na circunstância de ter vigorado entre aquele e a CC, Lda., contrato de trabalho a termo incerto, entre 1 de agosto de 2015 e 12 de novembro de 2015.

2. Porém, a natureza da relação estabelecida no período entre 1 de agosto de 2015 e 12 de novembro de 2015 não está em discussão nos presentes autos, uma vez que sempre foi reconhecido pela Recorrida que, naquele período, vigorou contrato de trabalho a termo incerto entre as referidas partes (não se tratando, portanto, de matéria controvertida) e, além do mais, não é essa a causa de pedir da presente ação e o pedido formulado respeita à natureza da relação estabelecida com a Recorrida e não com a “CC, Lda.”.

3. Assim, o que está em discussão nos presentes autos é a natureza da relação jurídica estabelecida entre a Recorrida e BB entre 12 de novembro de 2015 e 31 de dezembro de 2017.

4. A simples circunstância de, após a cessação do contrato de trabalho a termo incerto, ter existido relação contratual entre as mesmas partes, não permite que se possa concluir - sem mais - pela aplicação do disposto no artigo 147.º, n.º 2, alínea c) do Código do Trabalho.

5. O aludido preceito pretende aludir às situações em que o trabalhador continua a prestar atividade nos mesmos exatos termos em que o fazia durante a vigência do contrato de trabalho a termo incerto, após a data de caducidade que lhe havia sido comunicada.

6. O que não sucedeu no caso em apreço, porquanto as partes estabeleceram entre si relação de prestação de serviços nos moldes descritos nos factos dados como provados nos presentes autos.

7. Assim, não se afigura aplicável ao caso em apreço a norma do artigo 147.º, n.º 2, alínea c) do Código do Trabalho.

8. Não se podendo concluir pela natureza laboral da relação mantida entre BB e a Recorrida, entre 12 de novembro de 2015 e 31 de dezembro de 2017, apenas e só, pelo facto de ter vigorado anteriormente contrato de trabalho a termo incerto entre aquele e a CC, Lda. e de a Recorrida ter incorporado por fusão esta sociedade.

9. Ignorando, por completo, a forma como essa relação posterior se desenvolveu entre as partes.

10. Assim, a aferição da natureza da relação que existiu entre BB e a Recorrida terá sempre de ser efetuada com base na apreciação dos indícios apurados nos presentes autos, tendo em conta o acervo fáctico dado como provado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

11. A subordinação jurídica é o elemento decisivo de distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços.

12. Para aferir da existência de subordinação jurídica, é necessário atender a fatores suscetíveis de revelar aquela situação: são os denominados indícios de subordinação jurídica.

13. Salvo melhor entendimento, a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho não é aplicável no caso em apreço, pois a natureza e as finalidades inerentes à presente ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho não permitem afirmar que a referida presunção esteja a ser invocada em benefício do putativo trabalhador (o qual, por decisão própria, não aderiu ao articulado do Ministério Público, nem apresentou articulado próprio).

14. Pelo que cabia ao Ministério Público, enquanto autor da presente ação, a prova dos factos constitutivos do direito que alega (cfr. artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).

15. Porém, ainda que se entenda que a referida presunção é aplicável nos presentes autos, sempre se terá de considerar que os factos provados não permitem o seu preenchimento, porquanto não se provaram duas ou mais características autónomas elencadas no artigo 12.º, n.º 1 do Código do Trabalho.

16. Não obstante, caso assim se não entenda, sempre se terá de considerar que a Recorrida logrou ilidir a aludida presunção, demonstrando que a relação contratual estabelecida com BB não configurou contrato de trabalho.

Assim:

17. As partes estabeleceram relação de prestação de serviços, não tendo sido alegado nem provado qualquer vício da vontade ou divergência entre a vontade real e declarada.

18. Pelo que a vontade contratual das partes - que aponta para a celebração de contrato de prestação de serviços - se afigura relevante no caso em apreço.

19. A natureza dos serviços prestados por BB impunha que os mesmos tivessem, em regra, de ser prestados nas instalações da Recorrida com recurso a instrumentos específicos de edição e de paginação que aí se encontravam disponíveis e que poderiam ser utilizados por quem deles, em cada momento, necessitasse.

20. Sem prejuízo de, quando os serviços em causa não apresentavam essas limitações técnicas, o prestador BB poder prestá-los fora das instalações (por exemplo, no seu domicílio), o que se provou ter sucedido.

21. Os indícios de laboralidade previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho devem ser analisados à luz da atividade prosseguida pela Recorrida e, bem assim, dos concretos serviços contratados por esta a BB, pelo que, no caso concreto, esses indícios sempre teriam de assumir escassa relevância atentas as especificidades dos serviços em causa.

22. Não sendo, salvo melhor opinião, os factos provados suficientes para se considerar preenchidas as aludidas alíneas do artigo 12.º.

23. Acresce que BB não se encontrava sujeito a horário de trabalho determinado pela Recorrida, que aquele estivesse obrigado a cumprir.

24. Atenta a natureza da atividade em causa e serviços prestados - paginador/designer - estes tinham de ser realizados dentro de determinado período temporal.

25. Não obstante, resultou provado nos autos que BB disponha de uma certa flexibilidade para determinar os dias e horas em que pretendia prestar serviço.

26. Além disso, BB não estava sujeito a período normal de trabalho diário ou semanal, sendo variável - de acordo com a sua disponibilidade e a necessidade da Recorrida - a intensidade dos serviços prestados em cada momento.

27. Refira-se ainda que BB não tinha obrigação de comparência ou permanência nas instalações da Recorrida fora dos períodos previamente acordados, não estando sujeito a qualquer controlo de assiduidade ou pontualidade.

28. O que reforça a conclusão de inexistência da obrigação de cumprir horário de trabalho e período normal de trabalho determinados pela Recorrida

29. E consequente ausência, «in casu», de uma das manifestações mais relevantes do poder de direção (i.e., o poder de determinar o quando e o quantum da prestação de trabalho).

30. Os aludidos factos apontam, decisivamente, para a existência de relação de trabalho autónoma, obstando ainda ao preenchimento do indício de laboralidade previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º do Código de Trabalho.

31. Quanto à remuneração dos serviços prestados, não se encontra igualmente preenchida a característica de laboralidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho.

32. BB não auferia contrapartida certa e fixa pelos serviços prestados, apenas auferindo honorários quando efetivamente prestava serviços à Recorrida, sendo os mesmos calculados em função dos concretos serviços prestados e da sua duração, motivo pelo qual os honorários pagos ao prestador sempre foram variáveis.

33. Os honorários apenas eram pagos a BB após apresentação de descrição dos serviços realizados (na qual o prestador indicava o valor que lhe era devido) e emissão do correspondente recibo eletrónico.

34. Factos que se afastam do regime de retribuição próprio do contrato de trabalho.

35. BB não se encontrava sujeito a ordens e instruções emanadas no exercício do poder de direção da Recorrida, mas apenas a orientações necessárias à obtenção do resultado a que se obrigou.

36. Conforme tem entendido doutrina e jurisprudência, no âmbito de contrato de prestação de serviços, o beneficiário pode dar orientações e diretrizes ao prestador quanto ao serviço a prestar, ou seja, pode conformar aquele serviço, sem que daí se possa extrair a existência de subordinação jurídica.

37. A ausência de ordens e instruções emanadas da Recorrida - que possam ser entendidas como manifestação do poder de direção por parte desta - é um indício relevante da inexistência de relação de trabalho subordinado com BB.

38. Não ficou igualmente demonstrado nos autos que BB se encontrasse sujeito ao exercício de poder disciplinar por parte da Recorrida; pelo contrário, os factos provados apontam para a ausência do exercício de autoridade por parte desta.

39. A ausência de poder disciplinar constitui indício relevante no sentido da existência de contrato de prestação de serviço entre a Recorrida e BB.

40. BB não se encontrava sujeito a obrigação de exclusividade relativamente à Recorrida.

41. Ora, a ausência de exclusividade constitui também indício que aponta para a natureza autónoma da relação jurídica em causa.

42. Podem ainda invocar-se outros indícios relevantes da existência de contrato de prestação de serviços, que resultam da factualidade provada, como a ausência de qualquer obrigação de justificação de ausências, a inexistência de qualquer procedimento de marcação, aprovação e gozo de férias e a inexistência de controlo de assiduidade e de obrigação de comparência.

43. Feita a ponderação global dos indícios apurados nos presentes autos constata-se que os mesmos são claramente insuficientes para sustentar a existência de relação de trabalho subordinado entre a Recorrida e BB no período entre 1 de agosto de 2015 e 31 de dezembro de 2017 (com exclusão, naturalmente, do período em que manteve contrato de trabalho a termo).

44. Pelas razões expostas, o acórdão recorrido não merece qualquer censura nem deve ser revogado.

11. Nas suas conclusões, a recorrente suscita a questão de saber se no período de 01 de agosto de 2015 a 31 de dezembro de 2017, existiu um contrato de trabalho entre si e BB.

                                                           II

A) Fundamentação de facto:

O Tribunal da Relação fixou a seguinte factualidade:

1. A Ré tem por objeto a edição de publicações de natureza jornalística, de edição de outras publicações, de exploração de indústrias gráficas, de edição, produção, fabrico, importação e venda de gravações de som e de vídeo, comercialização de publicidade, quer por iniciativa própria, quer através da participação noutras sociedades já constituídas ou a constituir, produção, exploração e distribuição de espetáculos de qualquer natureza, incluindo atividades relacionadas com espetáculos, representação e colocação de artistas e, ainda, a produção de festivais e eventos para empresas e instituições.

2. E mostra-se sedeada na Rua ..., n° …, em ..., ....

3. Pela Ap. ..., da matrícula com o NIPC ... mostra-se inscrita, mediante “fusão”, a transferência global do património da “CC, Lda.” a favor da Ré.

4. No dia 20 de junho de 2017, a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) efetuou uma ação inspetiva à Rua ..., n° ..., em ..., ....

5. No âmbito da visita inspetiva referida em 4. a ACT verificou que BB se encontrava nas instalações da Ré, em exercício da sua atividade de “designer”, o que tinha lugar em sala open space, do piso 2, onde dispunha de uma secretária, cadeira e módulo de gavetas com chave e armário.

6. No exercício dessa atividade competia a BB proceder à paginação da revista “...” e “...” e, por vezes, da própria revista “...”, o que fazia integrado no âmbito de uma equipa, sendo tais revistas pertença da “CC, Lda.” e depois da Ré.

7. BB utilizava o material existente nas instalações da “CC, Lda.” e depois Ré, nomeadamente equipamento informático com programa de paginação e Photoshop, por exigências relacionadas com a natureza técnica do serviço, embora também tenha prestado serviços à Ré fora daquelas instalações, designadamente no seu domicílio, sem utilização do mencionado equipamento, (alterado)

8. Entre BB e “CC, Lda.” vigorou acordo escrito, datado de 01.08.2015, intitulado de “contrato de trabalho a termo incerto”, cujo teor consta a fls. 107/109-verso e se dá aqui por integralmente reproduzido, no âmbito do qual resulta ter sido admitido ao serviço daquela “para exercer, sob a sua autoridade, direção e fiscalização, a atividade e funções inerentes à categoria profissional de Paginador”.

9. O fundamento para o acordo referido em 8. resulta da respetiva cláusula “sétima”, “pela necessidade temporária de substituir a Trabalhadora DD, que se encontrará com incapacidade para o trabalho por motivo de licença parental”.

10.  Mediante documento escrito datado de 28.10.2015, dirigido a BB pela “CC, Lda.”, constam, entre o mais, os seguintes dizeres: “Reportamo-nos ao contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 1 de agosto de 2015. Pela presente (...) vimos comunicar a V. Exa. que tal contrato caducará (...) no próximo dia 12 de novembro de 2015”.

11. Mediante documento escrito datado de 13.11.2016 [por lapso consta do escrito o ano de 2016, mas será antes referente ao ano de 2017], dirigido a BB pela Ré, constam, entre o mais, os seguintes dizeres: “Reportam-nos ao contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 16 de Agosto de 2017. Pela presente (...) vimos comunicar a V. Exa. que tal contrato caducará (...) no próximo dia 30 de novembro de 2017.”

12. Pelo menos desde 01.08.2015 e até 31.12.2017, primeiro relativamente à “CC, Lda.” e depois relativamente à Ré, que BB desempenha a sua atividade de “designer”/paginador, recebendo ordens da direção das revistas referidas em 6., nomeadamente EE, que pertenceu aos quadros da Ré e daquela outra, tendo reuniões periódicas de trabalho, assim como ordens de FF, Editor Adjunto da revista “...”, os quais determinavam o que em concreto devia fazer, quando e onde.

13. E no âmbito dessa atividade era “CC, Lda.” e depois a Ré, através desses supervisores, quem ia esclarecendo e resolvendo eventuais dúvidas ou problemas, controlando o trabalho realizado, no tempo e modo previsto.

14. O tempo em que se desenrolava a prestação era em tudo semelhante ao dos trabalhadores do quadro da “CC, Lda.” e depois da Ré, com início pelas 10h00 e finalização pelas 19h00, de segunda a sexta-feira, ainda que, em regra, sem horário fixo de saída. (alterado pela Relação)

14ª. BB não se encontra sujeito a qualquer horário de trabalho, nem tão-pouco a período normal de trabalho diário ou semanal, mínimo e máximo, determinado pela Ré. (Art° 25° da contestação). (alterado pela Relação)

15. BB comunicava quaisquer ausências ao trabalho, o que fazia através de contacto telefónico ou presencialmente junto da diretora EE.

16. BB tinha um cartão de acesso ao interiores das instalações referidas em 4., só assim podendo ultrapassar os torniquetes ali instalados para controlo da circulação de pessoas.

17. BB auferia como contrapartida da sua atividade, fora dos períodos referidos em 10. e 11., com referência ao período referido em 12., mensalmente, as seguintes quantias (valores base), que constituíam a sua única fonte de rendimento:

- em 21.12.2015: 800,00 €;

- em 20.01.2016: 100,00 €; 240,00 €; 460,00 €; e 60,00 €;

- em 22.02.2016: 340,00 €; 300,00 €; e 600,00 €;

-em 21.03.2016: 910,00€;

- em 20.04.2016: 600,00€;

- em 20.05.2016: 600,00 €; e 580,00 €;

- em 20.06.2016: 60,00 €; 600,00 €; 660,00 €;

- em 20.07.2016: 600,00 €; 760,00 €;

- em 22.08.2016: 120,00 €;

- em 20.09.2016: 540,00 €; e 600,00 €;

- em 20.10.2016: 60,00 €; 750,00 €; e 100,00 €;

- em 21.11.2016: 600,00€; 480,00€;

- em 20.12.2016 e 22.12.2016: 660,00 €; 60,00 €; e 60,00 €;

- em 20.01.2017: 160,00 €; 660,00 €; e 600,00 €;

- em 20.02.2017: 220,00 €; e 750,00 €;

- em 20.03.2017: 660,00 €; e 540,00 €;

- em 20.04.2017 e 21.04.2017: 900,00 € e 220,00 €;

- em 22.05.2017: 630,00 €; 60,00 €; e 480,00 €;

- em 20.06.2017: 240,00 €; 660,00 €; e 120,00 €;

- em 20.07.2017: 600,00 €; 240,00 €; 420,00 €; e 120,00 €; e,

- em 21.08.2017: 600,00€.

18. Em todo o período referido em 17., a que correspondem as faturas-recibo n°s 83 a 132, sequenciais, não consta como “adquirente” do “serviço” outrem que não “CC, Lda.” e, a partir do n° 113, em 20.01.2017, a Ré.

Da contestação

19. Toda a atividade da redação das publicações da Ré encontra-se sob a alçada da respetiva direção, a quem compete definir a estratégia editorial da publicação em causa, em linha com o respetivo estatuto editorial (artigo 18°).

20. Os equipamentos utilizados por BB, referidos em 7., são também utilizados por quem deles necessite em cada momento {artigo 23°).

21. BB não está sujeito ao regime de faltas e férias, nem a qualquer controlo de assiduidade ou pontualidade por parte da Ré, ao contrário do que sucede com os trabalhadores desta (artigo 30°.) (alterado pela Relação)

22. Relativamente ao gozo de férias, os trabalhadores subordinados da Ré registam igualmente os seus pedidos de férias no Portal do Trabalhador, seguindo-se a aprovação ou recusa dos mesmos pelo respetivo superior hierárquico (artigo 32°).

23. O que não sucede com BB (artigo 33°).

24. Sem prejuízo do disposto em 15., BB não tem acesso ao referido portal, nem está obrigado a observar qualquer procedimento de justificação de ausências (artigos 34°, 36° e 37°).

25. E, por seu turno, a Ré não determina o período de férias de BB, nem tão pouco autoriza ou recusa qualquer gozo de férias, pelo que o mesmo não consta do mapa de férias da Ré (artigo 35°).

26. Sem prejuízo da necessidade de conformar os períodos de tempo em que os serviços são prestados com as necessidades da Ré - fecho de publicações -, o número de dias em que presta serviços depende da disponibilidade de BB e não de quaisquer horários de trabalho elaborados pela Ré, pelo que aquele número é variável de mês para mês, de ano para ano e sempre dependente da conjugação entre a sua disponibilidade e as necessidades de prestação de serviços da Ré (artigos 40° e 42°). (alterados pela Relação)

27. Sem prejuízo do referido em 12., 17. e 18., entre BB e a Ré nunca foi acordada exclusividade para a prestação da atividade daquele (artigo 48°).

28. Nem a ré impôs qualquer exclusividade (artigo 50°).

29. É BB quem entrega à Ré descrição dos serviços prestados e os honorários correspondentes, cujo valor, embora com base num valor diário aproximado de € 60,00 (sessenta euros), o mesmo determina e fixa conforme entende adequado ao trabalho que prestou (artigo 52°.) (alterado pela Relação)

30. Os honorários são pagos pela Empresa após aprovação da descrição mencionada no artigo anterior e após a emissão pelo Designer do(s) competente(s) recibo(s), elencados em 18., titulando as importâncias recebidas, do tipo fiscalmente definido para o rendimento de trabalho independente, o que muito frequentemente o Designer emitia em número idêntico ao número de publicações com as quais colaborou (artigo 53°).

31. A contrapartida auferida por BB, varia e é calculada em função do número de dias em cuja atividade é prestada (artigo 55°), conforme elencado em 17. e 26.

32. Porque assim o exigem aspetos de natureza técnica (nomeadamente de compatibilização de sistemas de edição), o serviço contratado (exceto ...) é prestado por BB nas instalações da Ré e com equipamentos e software da propriedade desta (Art°22°) (alterado).

33. Não impendendo sobre BB obrigação de comparência ou permanência nas instalações da Ré fora dos períodos previamente acordados entre as partes (Art° 26°) (alterado).

34. BB presta os serviços contratados nos períodos acordados com a Ré, em função das necessidades, em cada momento, dos serviços solicitados por esta e, por sua vez, da disponibilidade e conveniência pessoal do próprio BB (Art°27°). (alterado pela Relação).

B) Fundamentação de Direito:

B1) Os presentes autos foram instaurados em 2 de janeiro de 2018, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 12 de junho de 2019.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou, e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

B2) Como já se referiu a questão objeto do recurso consiste em saber se no período de 1 de agosto de 2015 a 31 de dezembro de 2017 existiu um contrato de trabalho entre a ré e BB.

O art.º 11.º, do Código do Trabalho define Contrato de trabalho como sendo «(…) aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.»

E o art.º 12.º, do mesmo código, faz presumir a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

« a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;

c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

2 - Constitui contra ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de atividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.

3 - Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos.

4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou diretor, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º»

No caso dos autos, provou-se:

- Entre BB e a CC, Lda. vigorou acordo escrito, datado de 1.08.2015, intitulado de contrato de trabalho a termo incerto, no âmbito do qual resulta ter sido admitido ao serviço daquela «para exercer, sob a sua autoridade, direção e fiscalização, a atividade e funções inerentes à categoria profissional de Paginador». (facto provado n.º 8)

- O fundamento para esse contrato resulta da respetiva cláusula «sétima», «pela necessidade temporária de substituir a Trabalhadora DD, que se encontrará com incapacidade para o trabalho por motivo de licença parental». (facto provado n.º 9)

- Mediante documento escrito datado de 28.10.2015, dirigido a BB pela CC, Lda., constam, entre o mais, os seguintes dizeres: «Reportam-nos ao contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 1 de agosto de 2015. Pela presente (...) vimos comunicar a V. Exa. que tal contrato caducará (...) no próximo dia 12 de novembro de 2015». (facto provado n.º 10)

- Pela Ap. ..., da matrícula com o NIPC ... mostra-se inscrita, mediante «fusão», a transferência global do património da CC, Lda., a favor da Ré. (facto provado n.º 3)

- No dia 20 de junho de 2017, a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) efetuou uma ação inspetiva à Rua ..., n° ..., em ..., .... (facto provado n.º 4)

- No âmbito dessa visita inspetiva a ACT verificou que BB se encontrava nas instalações da Ré, em exercício da sua atividade de «designer», o que tinha lugar em sala open space, do piso 2, onde dispunha de uma secretária, cadeira e módulo de gavetas com chave e armário. (facto provado n.º 5)

- No exercício dessa atividade competia a BB proceder à paginação da revista ... e ... e, por vezes, da própria revista ..., o que fazia integrado no âmbito de uma equipa, sendo tais revistas pertença da CC, Lda. e depois da Ré. (facto provado n.º 6)

- BB utilizava o material existente nas instalações da CC, Lda. e depois Ré, nomeadamente equipamento informático com programa de paginação e Photoshop, por exigências relacionadas com a natureza técnica do serviço, embora também tenha prestado serviços à Ré fora daquelas instalações, designadamente no seu domicílio, sem utilização do mencionado equipamento. (facto provado n.º 7)

Decorre dos factos provados, em particular dos que acabámos de enunciar, que em 1 de agosto de 2015 foi celebrado um contrato de trabalho a termo incerto entre BB e a CC, Lda., mediante o qual foi aquele contratado «para exercer, sob a sua autoridade, direção e fiscalização, a atividade e funções inerentes à categoria profissional de Paginador».

Em concreto, competia a BB proceder à paginação das revistas ... e ... e, por vezes, da própria revista ....

O aludido contrato caducou em 12 de novembro de 2015, conforme comunicação escrita emitida pela “CC”.

No entanto, não obstante a referida comunicação de caducidade, BB continuou a desempenhar a sua atividade de designer/paginador em favor da CC.

Tendo entretanto ocorrido a fusão da CC a favor da ré, para quem ocorreu a transferência global do património daquela.

BB, por seu turno, continuou a desempenhar a sua atividade de designer/paginador agora em favor da ré.

Por outro lado, também se provou que: «Mediante documento escrito datado de 13.11.2016 [por lapso consta do escrito o ano de 2016, mas será antes referente ao ano de 2017], dirigido a BB pela Ré, constam, entre o mais, os seguintes dizeres: «Reportam-nos ao contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 16 de Agosto de 2017. Pela presente (...) vimos comunicar a V. Exa. que tal contrato caducará (...) no próximo dia 30 de Novembro de 2017».

No entanto, nenhum documento foi junto que demonstre a celebração de um contrato de trabalho a termo incerto em 16 de agosto de 2017 entre BB pela Ré, pelo que não poderemos considerar tal facto.

Temos, pois, por certo que entre os dias 1 de agosto de 2015 e 31 de dezembro de 2017, BB exerceu, ininterruptamente, a sua atividade de designer/paginador das revistas ..., ... e, por vezes, da ..., mediante o pagamento de uma retribuição, primeiro em favor da CC e depois em favor da ré, na sequência da transferência global do património daquela para esta, por força de um processo de fusão registado em 29 de dezembro de 2016.

E temos também por assente que no período compreendido entre 1 de agosto de 2015 e 12 de novembro de 2015 essa atividade se desenvolveu ao abrigo de um contrato de trabalho a termo incerto.

Não decorre da matéria de facto apurada que após o dia 12 de novembro de 2015 (data da cessação do aludido contrato de trabalho a termo incerto) e até o dia 31 de dezembro de 2017, a relação contratual estabelecida entre as partes se tivesse mantido em moldes distintos dos que vigoravam durante a relação de trabalho e com sujeição a diferentes condições e regimes.

Tanto que se provou, com relevo, que:

- BB continuou a receber ordens da direção das revistas “...”, “...” e “...”, nomeadamente de EE, que pertenceu aos quadros da ré e daquela outra, tendo reuniões periódicas de trabalho, assim como ordens de FF, Editor Adjunto da revista “...”, os quais determinavam o que em concreto devia fazer, quando e onde; (facto provado n.º 12)

- E no âmbito dessa atividade era “CC” e depois a ré, através desses supervisores, quem ia esclarecendo e resolvendo eventuais dúvidas ou problemas, controlando o trabalho realizado, no tempo e modo previsto. (facto provado n.º 13)

- O tempo em que se desenrolava a prestação era em tudo semelhante ao dos trabalhadores do quadro da “CC” e depois da ré, com início pelas 10h00 e finalização pelas 19h00, de segunda a sexta-feira, ainda que, em regra, sem horário fixo de saída. (facto provado n.º 14)

- BB continuou a utilizar o material existente nas instalações da “CC, Lda.” e depois da ré, nomeadamente equipamento informático com programa de paginação e Photoshop, por exigências relacionadas com a natureza técnica do serviço, embora também tenha prestado serviços à ré fora daquelas instalações, designadamente no seu domicílio, sem utilização do mencionado equipamento. (facto provado n.º 7)

Na verdade, os factos provados não demonstram que os termos e as condições essenciais em que BB desenvolvia a sua atividade desde o dia 1 de agosto de 2015 tivessem sofrido alguma alteração a partir do dia 12 de novembro de 2015 (data da caducidade do aludido contrato de trabalho a termo incerto, indicada na comunicação da empregadora) e até o dia 31 de dezembro de 2017.

A essa conclusão não se opõe a matéria fáctica elencada sob os números 17 a 31.

O exposto remete-nos para o art.º 147.º, n.º 2, al. c), do Código do Trabalho, que sob a epígrafe Contrato de Trabalho sem termo, dispõe:

«2 - Converte-se em contrato de trabalho sem termo:

(…)

c) O celebrado a termo incerto, quando o trabalhador permaneça em atividade após a data de caducidade indicada na comunicação do empregador ou, na falta desta, decorridos 15 dias após a verificação do termo.»

Daqui decorre que quando o trabalhador permanecer em atividade após a data de caducidade indicada na comunicação do empregador ou, na falta desta, decorridos 15 dias após a verificação do termo, o contrato a termo incerto converter-se-á em contrato sem termo.

Afirma-se no acórdão recorrido que «a causa de pedir não assentou na prévia existência de um contrato de trabalho a termo incerto», dessa forma parecendo querer justificar a não aplicação do citado normativo.

Este entendimento, contudo, não merece a nossa adesão.

Com efeito, não podemos olvidar que nestes autos o recorrente reivindica o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre o período de 1 de agosto de 2015 e 31 de dezembro de 2017, pelo que decorrendo da matéria de facto provada que entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho a termo incerto que vigorou durante parte daquele período, não está o julgador impedido de aplicar o aludido normativo.

Importa ter presente que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), pelo que a circunstância de o recorrente não ter inicialmente assentado a qualificação como laboral da relação jurídica aqui em causa na prévia existência de um contrato de trabalho a termo incerto é inócua na medida em que está em causa a aplicação das regras de direito pelo julgador.

Posto isto, reportando-nos, de novo, à situação dos autos, estando provado que entre os dias 1 de agosto de 2015 e 31 de dezembro de 2017, BB exerceu, ininterruptamente, a sua atividade de designer/paginador das revistas ..., ... e, por vezes, da própria revista ..., mediante o pagamento de uma retribuição, primeiro em favor da CC e depois em favor da ré, na sequência da transferência global do património daquela para esta, por força de um processo de fusão registado em 29 de dezembro de 2016, e estando também assente que no período compreendido entre 1 de agosto de 2015 e 12 de novembro de 2015 essa atividade se desenvolveu ao abrigo de um contrato de trabalho a termo incerto, inexistindo factualidade donde se infira que o exercício dessa atividade tenha passado a desenvolver-se em moldes essencialmente distintos dos que vigoravam durante a relação de trabalho, o contrato de trabalho inicialmente celebrado a termo incerto converteu-se em contrato de trabalho sem termo, por força do disposto no supra citado art.º 147.º, n.º 2, al. c), do Código do Trabalho.

                                                           III

            Decisão:

           Face ao exposto acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido, repristinando-se a sentença proferida pela 1.ª instância.

Custas da apelação e da revista a cargo da ré.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 6 de novembro de 2019.

Chambel Mourisco (Relator)

Paula Sá Fernandes

António Leones Dantas