Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1413/16.1T8PTG.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: PRESSUPOSTOS
CASAMENTO
BENS PRÓPRIOS
Data do Acordão: 12/15/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A admissibilidade do recurso extraordinário previsto no art. 629.º, n.º 2, al. c), do CPC («decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça») implica o preenchimento de requisitos cumulativos, com destaque para: (i) contradição relativamente ao núcleo essencial do AUJ alegadamente desrespeitado; (ii) a decisão impugnada deve traduzir uma oposição frontal e não apenas uma oposição implícita ou pressuposta em relação ao AUJ fundamento; (iii) deve verificar-se uma relação de identidade entre a questão de direito que foi objecto de uniformização jurisprudencial e a que foi objecto da decisão recorrida; (iv) a questão de direito sob controvérsia deve revelar-se essencial para o resultado numa e noutra das decisões, num quadro normativo substancialmente idêntico; (v) é necessário que na decisão recorrida se tenha optado por uma resposta diversa e de não acolhimento da que foi assumida no acórdão uniformizador.
II - Não há contrariedade ou violação da decisão com o núcleo essencial do AUJ nem com o seu segmento uniformizador quando a fundamentação e o julgamento do acórdão recorrido assume e segue a orientação judicativa acolhida pelo (neste caso) AUJ n.º 12/2015 quanto à interpretação e à aplicação do art. 1723.º, al. c), do CC em sede probatória, não podendo estribar-se essa contrariedade com o inconformismo do recorrente com o resultado decisório do julgado quanto à qualificação de bens adquiridos na constância do matrimónio.
Decisão Texto Integral:


Processo nº 1413/16.1T8PTG.E1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação ……, 2.ª Secção Cível

Acórdão em Conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I) RELATÓRIO
1. AA instaurou acção declarativa com processo comum contra BB. Alegou, em síntese, que foi casado com a Ré em comunhão de adquiridos entre …....1979 e ……2016, data em que o casamento foi dissolvido por divórcio, e, na constância do casamento, adquiriu a fracção “F”, correspondente ao ……., do prédio sito na Rua ............, n.º …, em ............, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrita na Conservatória do Registo Predial de ............ sob o n.º …, e a fracção “G”, correspondente ao ……….., do prédio sito na Rua ............, n.os .., …, …, ..., … e ..., em ............, inscrito na matriz predial sob o artigo …. e descrita na Conservatória do Registo Predial de ............ sob o n.º …, sendo o preço de ambas as fracções pago com dinheiro próprio do Autor. Pediu a declaração judicial de tais fracções como bens próprios do Autor, a condenação da R. a reconhecer que ambas as fracções são bens próprios do Autor e a determinação à Conservatória do Registo Predial de ............ a alteração do registo de ambas as fracções para nome exclusivo do Autor.
Contestou a Ré argumentando que o meio processual adequado para pôr termo ao litígio configurado pelo Autor é o inventário para separação de meações quanto a bens comuns do casal (excepção dilatória de incompetência) e que (por impugnação), de tudo o alegado pelo Autor na petição inicial, só o valor do sinal da aquisição da fracção “F” e o valor em dívida a CC, falecida mãe da Ré, são bens próprios, o primeiro do Autor e o segundo da Ré por via da sucessão na herança de sua mãe, sendo tudo o resto bens comuns do casal adquiridos com os rendimentos gerados nos 37 anos do seu casamento. Concluiu pela absolvição da Ré da instância e, se assim não se entendesse, pugnou pela improcedência da acção e absolvição do pedido.

2. Foi proferida sentença em ……. 2019 pelo Tribunal Judicial da Comarca ………., Juízo Central Cível e Criminal……. – Juiz 0 (fls. 189 e ss dos autos), na qual se identificou como questão de direito “apreciar a proveniência dos valores que serviram para a aquisição das duas fracções autónomas identificadas na petição inicial e, em consequência disso, apurar se serão as mesmas bens próprios do autor”, decidindo-se a final (no seu dispositivo) julgar a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolver a Ré do pedido.

3. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação junto do Tribunal da Relação ……. (TR…), pedindo, por via de impugnação da decisão da matéria de facto e por via da rejeição da interpretação e aplicação da lei feita pela sentença de 1.ª instância, assim como por força de desconformidade jurisprudencial com AUJ, a revogação da sentença recorrida e a procedência da acção com a condenação da Ré/Apelada no pedido. A Ré contra-alegou.

Para a decisão em 2.ª instância, foi considerada a seguinte factualidade:


1. O A. e a Ré celebraram casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia …… de 1979, no regime de comunhão de adquiridos.
2. O casamento do A. e da Ré foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de …….de 2016, transitada em ……..de 2016.
3. O A., no dia ……..de 1978, no estado de viúvo, pagou a quantia de 500.000$00 (quinhentos mil escudos), ou seja, 2.493,99€ (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos), a título de sinal, na qualidade de promitente comprador, para aquisição da fração "F" correspondente ao ………… do prédio sito na Rua ............, n.º ... freguesia de ........, concelho de .............
4. O A., no estado de casado com a Ré, em .. de Janeiro de 1980, adquiriu, pelo preço de 1.200.000$00 (um milhão e duzentos mil escudos), ou seja, 5.985,57€ (cinco mil novecentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos), a fração identificada no artigo anterior, tendo outorgado a escritura de compra e venda, na qualidade de comprador, nesse dia, no Cartório Notarial do concelho de …..
5. O A. contraiu um empréstimo para aquisição de habitação própria, junto do…….., no dia .. ………de 1980, sendo as prestações pagas através duma conta bancária titulada apenas pelo ora A.
6. O A., entre 1980 e 1983, pagou as prestações do empréstimo.
7. O A., em …….. de 1984, liquidou integralmente o empréstimo contraído junto do Crédito Predial Português.
8. O A. para liquidar o empréstimo contraído junto do …….. , contraiu um empréstimo ao abrigo de funcionário do ……., junto dessa instituição bancária.
9. O A., entre ……. de 1984 e ……. de 2009 pagou integralmente o valor do empréstimo, sendo o valor da prestação descontado diretamente do seu vencimento.
10. As prestações eram descontadas diretamente do vencimento mensal do A..
11. As prestações eram pagas através de urna conta do ….., titulada pelo A. e por um irmão e após o ano de 2000 até 2009, data da liquidação do empréstimo, titulada unicamente pelo ora A..
12. Conforme se pode constatar pelo movimento da conta D.O. n.º …………. do ….. de que o A. é titular, foi este que sempre aprovisionou a referida conta bancária.
13. O A. com dinheiro que recebeu da herança do seu pai pagou as prestações …. de 2005 a …… de 2009, no montante de 1.237,55€ (mil duzentos e trinta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos).
14. O A., no estado de casado com a Ré, no dia .. ….. de 1999, comprou à Sociedade……., Lda., pelo preço de 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), ou seja, 74.819,70€ (setenta e quatro oitocentos e dezanove euros e setenta cêntimos), a fração autónoma designada pela letra "G", correspondente ao ………… do prédio urbano sito na Rua ............, número .., …, …, ..., … e …, freguesia de ........, concelho de .............
15. O A., em …….de 1998, vendeu ações e títulos, a quantia de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos), ou seja 29.927,90€ (vinte e nove mil novecentos e vinte sete euros e noventa cêntimos).
16. O A. decidiu vender as ações para aplicar aquele montante na compra de um apartamento.
17. O A. para pagar a compra da fração, aplicou os 29.927,90€, provenientes da venda das ações e de outros valores que possuía, e contraiu um empréstimo de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), em ……. de 1999.
18. O A., no dia …….de 2006, liquidou parte deste empréstimo, no montante de 25.000,00€ (vinte cinco mil euros) à ora Ré, em virtude de CC, nessa data, já ter falecido e a ora Ré ser a sua única herdeira.
19. O cheque emitido pelo A. foi depositado numa conta da Ré.
20. O A. pagou os 25.000,00€ (vinte cinco mil euros), referidos em 18., na sequência da quantia que recebeu da herança por óbito do seu pai.
· 21. Com efeito, a mãe do A., DD, cabeça de casal da herança por óbito de EE, seu marido e pai do ora A., transferiu para este a quantia de 36.276,75€ (trinta e seis mil duzentos e setenta e seis euros e setenta e cinco cêntimos), no dia .......2005, verba essa proveniente do acervo da herança.
22. Na constância do casamento a ré sempre trabalhou como professora …….
23. O salário da empregada doméstica do casal era suportado por dinheiro proveniente dos salários de ambos.

Não provado:
As ações e títulos referidos em 15. dos factos provados eram detidos pelo A., há vários anos, os quais adquirira com o dinheiro que possuía do estado de viúvo.

O TR…… proferiu acórdão em ……2019, no qual julgou improcedente a impugnação da decisão de facto e improcedente a demais impugnação recursiva, confirmando-se, na improcedência do recurso, a sentença recorrida.

4. O Autor, novamente inconformado, interpôs o presente recurso de revista contra o acórdão do TR….., que qualificou exclusivamente como sendo de Revista Excepcional, nos termos do art. 672º, 1, c), do CPC. Houve contra-alegações da Ré Recorrida.

5. Verificando-se a existência de “dupla conformidade decisória” na fundamentação essencialmente coincidente das instâncias no que toca ao segmento/questão de direito objecto de impugnação (v. sentença de 1.ª instância, fls. 195-198, e acórdão recorrido, fls. 238v-240), sem voto de vencido, nos termos do art. 671º, 3, do CPC, foi ordenada a remessa dos autos à Formação prevista no art. 672º, 3, do CPC, para análise e verificação dos eventuais e alegados requisitos específicos de admissibilidade da revista excepcional (despacho de 26/2/2020, a fls. 332 dos autos)

6. Por acórdão da Formação aludida, proferido a …… 2020 (fls. 340-341), argumentou-se que o facto de “o recorrente qualificar o recurso como de ‘revista excecional’, em face do art. 672º, n.º 1, al. c), do CPC, não supera a sua real qualificação como recurso que eventualmente pode ser admitido, sem restrições, ao abrigo de outra norma legal”; assim, trata-se de “recurso interposto a coberto da norma especial do art. 629º, nº 2, al. c), do CPC, que torna qualquer recurso de revista independente de dupla conforme ou de qualquer outro impedimento, fora das regras do art. 672º do CPC (cf. art. 671º, nº 3, 1ª parte)”. Logo, “a apreciação da admissibilidade desse recurso com tal fundamento (contradição do acórdão da Relação com AUJ deste Supremo Tribunal de Justiça) escapa ao regime da intervenção da Formação (…), sendo da exclusiva competência do Ex.mo Relator, nos termos gerais”. A final, determinou-se, atento o disposto no n.º 5 do art. 672º do CPC, a apresentação dos autos ao aqui Relator para os efeitos que fossem reputados convenientes.

7) A finalizar as alegações do seu recurso, o Recorrente apresentou as seguintes Conclusões:
“I. O Recorrente vem interpor Recurso Excepcional com fundamento de que o Acórdão objecto do presente recurso está em contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2015, de 3 de Julho de 2014, o qual veio a ser objecto de Assento, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 13 de Setembro de 2015 (Uniformização de Jurisprudência), no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito;


II. O Recorrente, na acção, alegou que adquiriu, com dinheiro/valores próprios as fracções “F” e “G”, melhor identificadas nos autos, pedindo que seja reconhecido que tais fracções são bens próprios seus, que a ora Recorrida fosse condenada a reconhecer que as mencionadas fracções são bens próprios do ora Recorrente e, em consequência, seja determinada a titularidade junto da respectiva Conservatória, alterando o registo para nome exclusivo do Recorrente por serem bens próprios seus;

III. O douto Tribunal de 1.ª Instância, por sentença de ……2019, veio julgar improcedente, por não provada, absolvendo a Recorrida do pedido com o fundamento de que “não se apurou que as ditas fracções tenham sido adquiridas apenas com dinheiro ou seus bens próprios (do Autor).”;


IV. O Recorrente não se conformando com a douta sentença do Tribunal de 1.ª Instância, interpôs o competente recurso de Apelação para o douto Tribunal da Relação……;


V. Nesse recurso, o Recorrente reafirma, com base na matéria de facto dada por provada e com fundamento no pedido de alteração à matéria de facto que o ora Recorrente adquiriu as identificadas fracções “F” e “G” com dinheiro próprio seu, pelo que devem ser bens próprios seus;


VI. O Recorrente, no aludido recurso, alega que mesmo que o douto Tribunal Superior não considere provado que as frações “F” e “G” foram pagas, em exclusivo, com dinheiro próprio do A, parece óbvio, face à matéria de facto dada por provada, que não tendo pago em exclusivo com dinheiro seu, ambas as fracções, pagou a maior parte do valor do preço, com dinheiro próprio, ou seja, “a sua parte reveste a natureza de mais valiosa das duas prestações pelo que as fracções em causa têm de ser consideradas como bens próprios do A., ora Recorrente.”;


VII. O Recorrente alegou que a douta da sentença fez uma incorreta interpretação das normas jurídicas que regem este caso e violou o disposto no artigo 1726.º do Código Civil e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2015, de 3 de Julho de 2014 e o Assento (Uniformização de Jurisprudência) de 2 de Julho de 2015, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 13 de Setembro de 2015;

VIII. O douto Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão de 10 de Outubro de 2019, veio negar provimento ao recurso interposto pelo Recorrente;


IX. O douto Acórdão recorrido não se pronunciou sobre alguns dos fundamentos apresentados pelo Recorrente no seu recurso e existem factos que imputa à fracção “F” quando dizem respeito à fracção “G”;


X. Contudo, o douto Acórdão recorrido não põe em causa que as referidas fracções foram adquiridas, em parte, com dinheiro/valores próprios do Recorrente, ainda que não tenham sido adquiridas em exclusividade ou na totalidade com dinheiro próprio do Recorrente;


XI. O douto Acórdão recorrido diz “que ambas as fracções ou alguma delas haja sido adquirida exclusivamente com dinheiro ou valores próprios e, assim, sem prejuízo de compensação que eventualmente lhe seja devida…”;


XII. Com efeito, o douto Acórdão recorrido reconhece que as fracções “F” e “G”, em parte, tenham sido adquiridas com dinheiro ou valores próprios do Recorrente;


XIII. A questão que desde logo se coloca é apurar quais os valores que o Recorrente pagou com valores/dinheiro próprios e se a sua prestação é mais valiosa que a prestação do dinheiro ou valores comuns do casal e em caso afirmativo, parece óbvio que as fracções têm de ser reconhecidas como bens próprios do Recorrente, sem prejuízo de este ficar obrigado a compensar a ex-cônjuge, nos valores suportados pelo dinheiro comum do casal, em sede de partilha;


XIV. O douto Acórdão da Relação de Évora entendeu não haver motivo para a alteração à matéria de facto conforme pretendido pelo Recorrente, pelo que nos vamos cingir tão só à matéria dada por provada pelo douto Tribunal de 1.ª Instância e que não foi objecto de alteração pelo Acórdão recorrido;


XV. Assim, vejamos os factos dados por provados pelo Tribunal de 1.ª Instância relativamente à fracção “F”, os quais não foram objecto de alteração, reproduzidas a fls. 4 e 5 do presente articulado de recurso;


XVI. O douto Tribunal a quo dá como provado que o Recorrente pagou, no dia 7 de Junho de 1978, no estado de viúvo a quantia de 500.000$00 (quinhentos mil escudos), ou seja, 2.493,99€ (dois mil quatrocentos e noventa e três euros), a título de sinal, na qualidade de promitente-comprador para aquisição da fracção “F”;


XVII. Ficou também provado que a fracção “F” foi adquirida pelo preço de 1.200.000$00 (um milhão e duzentos mil escudos), ou seja, 5.985,57€ (cinco mil novecentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos);


XVIII. O douto Tribunal dá ainda por provado que o Recorrente, com dinheiro que recebeu da herança do seu pai, pagou a quantia de 1.237,55€ (mil duzentos e trinta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos);


XIX. Com efeito, a fracção “F” foi adquirida pelo preço de 5985,57€ (cinco mil novecentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos) e o Recorrente pagou 3.731,54€ (2.493,99€ + 1.237,55€), ou seja, a sua prestação foi mais valiosa que a prestação dos valores comuns do casal, razão pela qual a fracção “F” deve ser reconhecida como bem próprio do Recorrente, sem prejuízo deste compensar a Recorrida, relativamente aos valores suportados pelos valores comuns em sede de partilha;


XX. No que se refere à fracção “G”, vejamos a matéria de facto dada por provada pelo douto Tribunal, reproduzido de fls. 5 e 6 do presente articulado de recurso;

XXI. O Recorrente adquiriu a fracção “G”, pelo preço de 74.819,70 € (setenta e quatro mil oitocentos e dezanove euros e setenta cêntimos);

XXII.Desse valor, pagou 29.927,90€ (vinte e nove mil novecentos e vinte sete euros e noventa cêntimos) proveniente da venda das ações e de outros valores que possuía, mas o douto Tribunal não deu como provado que estes valores já eram detidos no estado de viúvo, pelo que tem de ser tido em conta que se trata de um valor comum;


XXIII. Contudo, dá como provado que contraiu um empréstimo de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos) e entretanto já pagou parte do empréstimo com dinheiro que recebeu da herança por óbito do seu pai e continua em dívida com a outra parte;


XXIV. Assim, parece que também relativamente a esta fracção “G” a prestação com valores/dinheiro próprios do Recorrente é mais valiosa que a prestação do dinheiro/valores comuns do casal, pelo que deve ser reconhecido como bem próprio do ora Recorrente;


XXV. A este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2015 de 3 de Julho de 2014 diz:
Poderá assim concluir-se que do preço total de aquisição do prédio, €74.819,68 de sinal e os montantes de €194.530,91 + €5.486,34 de amortização do empréstimo de €138,75 proveniente do produto da venda dos bens próprios da Autora e apenas €31.805,16 (de amortização de bens do capital).
Feita a prova de que a casa foi comprada maioritariamente com dinheiro exclusivo da Autora, ainda que esta não interviesse na escritura, adquire por direito próprio o prédio comprado nos termos do citado artigo 1726.º, n.º 1 citado.

Assim, haverá que revogar o acórdão da Relação para que em seu lugar fique a subsistir o decidido em 1.ª instância.
Isto, como é óbvio sem prejuízo de eventual compensação a que alude o n.º 2 do mesmo normativo legal.”;


XXVI. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de julho de 2014 é bem claro e objetivo no sentido de que para o imóvel ser considerado bem próprio de um dos cônjuges é necessário que prove que pagou com dinheiro ou valores seus uma prestação mais valiosa, não sendo necessário provar que o bem foi pago com dinheiro ou valores exclusivos seus;


XXVII. O Acórdão ora recorrido é contrário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça atrás citado, na medida em que refere que só se pode considerar bem próprio quando pago com dinheiro exclusivo, não tendo em conta o valor da prestação mais valiosa ser maioritária, bem como é contrário ao Assento do Supremo Tribunal de Justiça atrás citado;


XXVIII. Em suma, no caso em apreço está provado que o Recorrente pagou com dinheiro/valores próprios, parcialmente a aquisição das fracções “F” correspondente ao ………, do prédio sito na Rua ............, n.º .., Freguesia de ........, concelho de ............ e “G” correspondente ao …………., do prédio sito na Rua ............ n.º .., .., …,.., … e …, na freguesia de ........, concelho de ............, sendo as suas prestações mais valiosas do que a prestação dos valores comuns, pelo que deve ser proferido Acórdão a dar provimento ao presente recurso, declarando que as referidas fracções são bens próprios do ora Recorrente, determinando à Conservatória do Registo Predial de ............ a que altere a titularidade do registo para nome exclusivo do Recorrente, sem prejuízo de compensar a Recorrida, na parte menor, em sede de partilha;


XXIX. O douto Acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação das normas jurídicas que regem este caso e violou o disposto no artigo 1726.º do Código Civil e o Acórdão do S.T.J., n.º 12/2015 de 3 de Julho de 2014 de Uniformização da Jurisprudência, de 2 de Julho de 2015, publicado no Diário da República, 1.ª Série de 13 de Setembro de 2015;

(…).”

A Ré Recorrida apresentou contra-alegações, sustentando a final a improcedência do recurso, nomeadamente porque “os doutos arestos, Sentença e Acórdão, ora postos em causa, em nada contradizem o invocado e muito douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, desde logo porque a questão ora em causa é completamente diversa da versada naquele, visto que, ao contrário dos presentes Autos, ali estava provado que a coisa havia sido paga com dinheiro próprio de um dos cônjuges”.

7) Foi proferido despacho no exercício da competência e para os efeitos do art. 655º, 1, do CPC, tendo em conta que os requisitos exigidos pelo art. 629º, 2, c), do CPC poderiam obstar ao conhecimento do recurso.

Houve respostas de ambas as partes: o Recorrente pugnou pela admissibilidade do recurso e o respectivo conhecimento; a Recorrida reiterou por remissão o teor das contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO

Questão prévia da admissibilidade do recurso

1. O recurso foi interposto ao abrigo do art. 672º, 1, c), do CPC. A Formação a que alude o art. 672º, 3, pronunciou-se no sentido do enquadramento e fundamento do recurso no âmbito do art. 629º, 2, c), do CPC: contradição do acórdão recorrido com «jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça».

O art. 672º, 4, do CPC determina: «A decisão referida no número anterior, sumariamente fundamentada, é definitiva, não sendo suscetível de reclamação ou recurso».

2. Verificando-se a existência de “dupla conformidade decisória” na fundamentação essencialmente coincidente das instâncias no que toca ao segmento/questão de direito objecto de impugnação (v. sentença de 1.ª instância, fls. 195-198, e acórdão recorrido, fls. 238v-240), sem voto de vencido, nos termos do art. 671º, 3, do CPC, o recurso de revista interposto pelo Recorrente funda-se extraordinariamente (de acordo com a previsão do art. 671º, 3, 1.ª parte) na previsão do art. 629º, 2, c), CPC), alegando a contradição/contrariedade do acórdão recorrido com o AUJ n.º 12/2015, correspondente ao Ac. do STJ de 2/7/2015, processo n.º 899/10.2TVLSB.I.2.S1, Rel. FONSECA RAMOS, publicado no DR 1.ª Série, n.º 120, de 13/10/2015 – isto é, independentemente do valor da causa e da sucumbência, da admissibilidade recursiva do acórdão recorrido em função de ter sido proferido, «no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça».

3. Para ser admissível tal recurso, é necessário que se verifiquem vários requisitos cumulativos, com destaque para os seguintes: (i) contradição relativamente ao núcleo essencial do AUJ alegadamente desrespeitado; (ii) a decisão impugnada deve traduzir uma oposição frontal e não apenas uma oposição implícita ou pressuposta em relação ao AUJ fundamento; (iii) deve verificar-se uma relação de identidade entre a questão de direito que foi objecto de uniformização jurisprudencial e a que foi objecto da decisão recorrida; (iv) a questão de direito sob controvérsia deve revelar-se essencial para o resultado numa e noutra das decisões, num quadro normativo substancialmente idêntico; (v) é necessário que na decisão recorrida se tenha optado por uma resposta diversa e de não acolhimento da que foi assumida no acórdão uniformizador[1].

4. Estas condições não se verificam na hipótese dos autos e inviabilizam a pretensão do Recorrente.

4.1. O Acórdão da Relação do Porto, que indeferiu a pretensão do Autor, aqui Recorrente, a serem qualificados como bens próprios as duas fracções autónomas sob escrutínio (“F” e “G”, adquiridas na constância do seu casamento com a Ré), não traduz resposta contrária e em violação com o decidido e uniformizado pelo AUJ, antes respeita o segmento uniformizador do AUJ na resposta dada à questão fundamental de direito colocada.

4.1.1. Vejamos o que se disse no acórdão recorrido, quanto à questão fundamental de direito: “Se as frações, por haverem sido adquiridas com valores próprios do A., não integram a comunhão conjugal” – isto é, a identificação da natureza de determinados bens adquiridos durante a constância do matrimónio.
 “No regime de comunhão de adquiridos, os bens que cada um dos esposados tiver ao tempo da celebração do casamento são considerados bens próprios e fazem parte da comunhão os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio que não sejam excetuados por lei (arts. 1722º, nº1, al. a) e 1724º, al. b), ambos do CC.
Contam-se entre os bens excetuados da comunhão pela lei, os bens adquiridos com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges (art. 1723º, al. c), do CC).
Caracterizando-se o regime da comunhão de adquiridos pela coexistência de bens comuns (grosso modo, os alcançados pelos cônjuges, a título oneroso, na constância do casamento) e de bens próprios (grosso modo, os bens que cada um dos cônjuges já tinha à data do casamento ou hajam sido obtidos, na constância deste, por virtude de direito próprio anterior), a regra em apreço têm em vista excluir da comunhão os bens adquiridos, na constância do casamento, à custa de bens – dinheiro ou valores – que cada um dos cônjuges trouxe para o casamento ou que viriam a integrar o seu património pessoal mesmo que não tivesse casado.
Os requisitos formais exigidos pela norma – desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges – no âmbito das relações entre os cônjuges, suscitou controvérsia na jurisprudência, superada pelo Acórdão n.º 12/2015 do Supremo Tribunal de Justiça [Diário da República n.º 200/2015, Série I de 2015-10-13] que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
“Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723.º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal”.
Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, o cônjuge à custa de quem foi feita a aquisição pode, por qualquer meio, fazer a prova de que uma determinada aquisição de bens na vigência do casamento se fez com bens apenas seus, caso em que o bem assim adquirido é próprio e não integra a comunhão conjugal.
A situação posta nos autos encontra fundamento neste entendimento da norma; o A. alega que comprou as frações “F” e “G” com dinheiro próprio e com recurso a prova documental e testemunhal, pretende que o tribunal declare que as frações, assim adquiridas, não constituem bens comuns, tal como publicita o registo predial, mas bens próprios do A.
A decisão recorrida declinou a pretensão da A. por falta de prova e não se vê outra solução plausível.
Ao A. incumbia demonstrar, enquanto facto constitutivo do seu direito, que as frações “F” e “G”, adquiridas na constância do seu casamento com a R., o foram com dinheiro ou valores próprios seus e este facto não está demostrado; não está demostrado no que se refere à aquisição da fração “F”, porquanto se prova (como o A., aliás, havia alegado) que o preço desta, ao menos parcialmente, foi pago mediante um empréstimo bancário contraído pelo A. junto do……, cujas prestações lhe foram descontadas no seu vencimento (ponto 9 dos factos provados), o que revela que o bem foi adquirido, pelo menos em parte, não com bens próprios, mas com bens comuns (artº 1724º, al. b), do Código Civil); não está demonstrado no que se refere à aquisição da fração “F”, porquanto não se prova que o preço desta foi pago à custa de ações e títulos de que o A. era detentor antes do casamento.
O A. não demonstra – nem, a nosso ver, podia demonstrar quanto à aquisição da fração “F” porquanto a sua alegação era, para o efeito, exígua – que ambas as frações ou alguma delas haja sido adquirida exclusivamente com dinheiro ou valores próprios e, assim, sem prejuízo da compensação que eventualmente lhe seja devida (na parte em que demonstra haver contribuído parcialmente com bens próprios para as aquisições) as frações não se mostram excetuadas da comunhão.
Improcede o recurso, restando confirmar a sentença recorrida.”


4.1.2. Por seu turno, o AUJ fundamento concluiu que “a questão fundamental de direito” que “constituía o thema decidendum nos dois recursos de revista” era a “natureza do bem como próprio de um dos cônjuges ou comum do casal, em função da não observância do preceituado no art. 1723º c) do Código Civil: (…) saber se o bem imóvel comprado, na constância do casamento com dinheiro que era bem próprio de um [dos] cônjuges, não comparecendo ele na escritura de compra e venda, mas apenas o seu cônjuge, não constando nesse documento qualquer menção sobre a proveniência do dinheiro reempregado no negócio aquisitivo, o bem adquirido mantinha a natureza de bem próprio, ou se, por força da omissão das menções previstas naquele normativo, deve ser considerado bem comum do casal. O Acórdão-fundamento decidiu que, na ausência de tal prova, o bem tinha, irreversivelmente, a natureza de bem comum. Já no Acórdão recorrido foi sentenciado, que apesar da omissão da menção legal, o cônjuge cujos meios económicos foram utilizados na aquisição, poderia fazer, por qualquer meio, prova de que tal bem era seu bem próprio (reemprego), por não estarem em causa interesses de terceiros.”
“Importa saber se, no regime matrimonial de comunhão de adquiridos, tendo um bem imóvel sido comprado na constância do casamento, sem que na escritura de compra e venda tivessem intervindo ambos os cônjuges e sem que dela conste menção acerca da proveniência do dinheiro que pertencia, maioritariamente ou exclusivamente, ao cônjuge não presente, dono do dinheiro utilizado no pagamento do preço, pode ele fazer a prova de que o bem adquirido é bem próprio seu, não integrando, pois, o património comum do casal.”
“A jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal vem acolhendo o entendimento que o artigo 1723º, c) do Código Civil, ao determinar que no regime de comunhão de adquiridos, os bens adquiridos com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges só conservam a qualidade de bens próprios, desde que a proveniência do dinheiro ou dos meios seja devidamente mencionada no documento da aquisição, ou em documento equivalente com intervenção de ambos os cônjuges, só tem aplicação quando estiverem em jogo interesses de terceiros, circunstancialismo que não ocorre, nem no Acórdão-fundamento, nem no Acórdão recorrido. Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, a falta daquela declaração pode ser substituída por qualquer meio de prova que demonstre que o pagamento foi feito apenas com dinheiro de um deles, ou com bens próprios de um deles, afastando-se então a norma do art. 1724º, b) do Código Civil, que estatui: “fazem parte da comunhão os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei.” Sufraga-se o entendimento maioritário da Jurisprudência deste Supremo Tribunal, acolhido no Acórdão recorrido, por ser mais ajustado à salvaguarda da defesa da autonomia dos patrimónios conjugais que coexistem no regime de comunhão de adquiridos; também, por ser mais consentâneo com a igualdade dos cônjuges no plano material e garantir maior equidade na repartição do património conjugal quando ocorrer a dissolução do casamento. Destarte se afastando o risco de, a coberto de uma igualdade formal incompatível com a igualdade substancial de tratamento no plano patrimonial, mormente com desrespeito pela sua autonomia, propiciar situações em que um deles obtém vantagens económicas materialmente injustificadas.”
Assim se chegou ao seguinte segmento uniformizador:

“Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal.”

4.2. Decorre nitidamente deste confronto que o acórdão recorrido seguiu no seu juízo a corrente julgadora adoptada pelo AUJ fundamento na questão de direito – digamos complexa, porque substancial e formal-probatória – essencial e comum: na qualificação do bem adquirido na constância do matrimónio, o cônjuge autor pode provar por qualquer meio a forma de aquisição do bem que pretende como próprio, independentemente da omissão das menções constantes do art. 1723º, c), do CCiv., e assim lograr por essa via extra-legal essa qualificação. Acontece que o acórdão recorrido, seguindo a orientação do AUJ, concluiu, porém, em sentido diferente à pretensão do Autor, em identidade de julgados com a 1.ª instância. A saber:
“A situação posta nos autos encontra fundamento neste entendimento da norma [postulada pelo AUJ n.º 12/2015]; o A. alega que comprou as frações “F” e “G” com dinheiro próprio e com recurso a prova documental e testemunhal, pretende que o tribunal declare que as frações, assim adquiridas, não constituem bens comuns, tal como publicita o registo predial, mas bens próprios do A.
A decisão recorrida declinou a pretensão da A. por falta de prova e não se vê outra solução plausível.
Ao A. incumbia demonstrar, enquanto facto constitutivo do seu direito, que as frações “F” e “G”, adquiridas na constância do seu casamento com a R., o foram com dinheiro ou valores próprios seus e este facto não está demonstrado; não está demonstrado no que se refere à aquisição da fração “F”, porquanto se prova (como o A., aliás, havia alegado) que o preço desta, ao menos parcialmente, foi pago mediante um empréstimo bancário contraído pelo A. junto do…….., cujas prestações lhe foram descontadas no seu vencimento (ponto 9 dos factos provados), o que revela que o bem foi adquirido, pelo menos em parte, não com bens próprios, mas com bens comuns (art. 1724º, al. b), do Código Civil); não está demonstrado no que se refere à aquisição da fração “F”, porquanto não se prova que o preço desta foi pago à custa de ações e títulos de que o A. era detentor antes do casamento.
O A. não demonstra – nem, a nosso ver, podia demonstrar quanto à aquisição da fração “F” porquanto a sua alegação era, para o efeito, exígua – que ambas as frações ou alguma delas haja sido adquirida exclusivamente com dinheiro ou valores próprios e, assim, sem prejuízo da compensação que eventualmente lhe seja devida (na parte em que demonstra haver contribuído parcialmente com bens próprios para as aquisições) as frações não se mostram excetuadas da comunhão.” (sublinhado nosso)

Não se vislumbra, a despeito da identidade do quadro factual, manifestação de contrariedade da decisão recorrida perante as orientações judicativas do segmento uniformizador do AUJ n.º 12/2015, nem se vislumbra que se tenha optado por uma resposta diversa da que foi assumida no segmento de uniformização do AUJ fundamento, antes se verifica o seu acolhimento para a resposta dada pelo acórdão recorrido. Em especial, não se vê aplicações divergentes sobre o art. 1723º, c), do CCiv. para o expediente probatório pretendido.

O que o Recorrente exibe é inconformismo perante o resultado da demanda, nomeadamente em face da sua pretensão de reconhecimento exclusivo de um direito de propriedade em face da alegada maior valia da sua prestação na respectiva aquisição durante o matrimónio. Inconformismo esse que transporta ainda quando, a final, e depois de, em sede de direito probatório se ter seguido o AUJ supostamente violado, o acórdão recorrido ter reconhecido: “sem prejuízo da compensação que eventualmente lhe seja devida (na parte em que demonstra haver contribuído parcialmente com bens próprios para as aquisições)”.

5. De tudo se conclui não existir qualquer contrariedade ou violação entre o acórdão recorrido e a jurisprudência uniformizada pelo AUJ do STJ invocado pelo Recorrente, como exige, como válvula de escape terminal, o art. 629º, 2, c), do CPC. O Recorrente tem, assim, de se conformar com a decisão do Tribunal da Relação, que é a última instância no presente caso.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se findo o recurso interposto, uma vez julgada a inadmissibililidade para o conhecimento do respectivo objecto.
Custas pelo Recorrente.

Notifique.

STJ/Lisboa, 15 de Dezembro de 2020  


Ricardo Costa (Relator)



Fernando Pinto de Almeida



Ana Paula Boularot
(Com declaração de voto de Vencido)





SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC)


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PROC 1413/16.1T8PTG.E1.S1

6ª SECÇÃO

DECLARAÇÃO DE VOTO

Não acompanho a tese que fez vencimento, vertida no Acórdão, uma vez que entendo estarmos perante a situação prevenida na alínea c) do nº2 do artigo 629º do CPCivil e por isso dever-se-ía ter conhecido do objecto do recurso.

Se não.

Em primeiro lugar não posso estar mais em desacordo com os requisitos que se apontam no ponto 3. do Acórdão como sendo os cumulativos para a admissibilidade da impugnação com base naquela alínea, constituindo antes, na minha opinião, os pressupostos para a admissibilidade de um recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, questão diversa da equacionada nestes autos.

O único requisito a aferir na hipótese colocada pelo segmento normativo aludido na alínea c) do nº2 do artigo 629º do CPCivil reside, apenas e tão só, na coincidência da questão de direito a resolver: se estivermos perante a mesma questão de direito, a qual foi objecto de soluções antagónicas nas duas decisões – Acórdão recorrido e AUJ -, então o recurso de Revista é admissível.

Na espécie, foi esse o argumento e a tese aventada pelo Recorrente arrima-se precisamente na circunstância de o Acórdão recorrido ter decidido contra o AUJ 12/2025, em cujo cujo segmento uniformizador se lê “Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723.º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal”, adiantando para o efeito, em sede conclusiva, que «V. Nesse recurso, o Recorrente reafirma, com base na matéria de facto dada por provada e com fundamento no pedido de alteração à matéria de facto que o ora Recorrente adquiriu as identificadas fracções “F” e “G” com dinheiro próprio seu, pelo que devem ser bens próprios seus; VI.O Recorrente, no aludido recurso, alega que mesmo que o douto Tribunal Superior não considere provado que as frações “F” e “G” foram pagas, em exclusivo, com dinheiro próprio do A, parece óbvio, face à matéria de facto dada por provada, que não tendo pago em exclusivo com dinheiro seu, ambas as fracções, pagou a maior parte do valor do preço, com dinheiro próprio, ou seja, “a sua parte reveste a natureza de mais valiosa das duas prestações pelo que as fracções em causa têm de ser consideradas como bens próprios do A., ora Recorrente.”;».

Ora, residindo a controvérsia da questão solvenda, precisamente na na análise da (des)consideração da prova produzida sobre os pagamentos das fracções, entendo que a solução jurídica do pleito deveria ter sido dada em sede de Acórdão que se debruçasse sobre o fundo e não, como aconteceu, em sede de Acórdão que, sob um manto de não conhecimento do objecto do recurso, afinal das contas, acaba por o conhecer, aí se concluindo que não estamos perante qualquer violação do AUJ porque o Autor, aqui Recorrente, ex adverso do alegado, não produziu qualquer prova quanto à aquisição das fracções como dinheiros próprios.

(Ana Paula Boularot)


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[1] ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 629º, págs. 54 e ss. Na jurisprudência recente do STJ, v. o Ac. de 7/9/2020, processo n.º 344/17.2T8PVZ.P1.S2, Rel. HENRIQUE ARAÚJO, in www.dgsi.pt.