Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10730/21.8T8SNT.L1-A.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
REVISTA EXCECIONAL
PRESSUPOSTOS
FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR
DISCRICIONARIEDADE
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO
PRESIDENTE
CONVOLAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I. O n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, diferentemente do que sucedia com a lei anterior, toma como referência o conteúdo do acórdão da Relação do qual é interposto, e não a decisão da 1.ª Instância, para o efeito de saber se cabe recurso de revista.

II. O Supremo Tribunal de Justiça não tem qualquer discricionariedade na admissão de recurso de revista, quando os respectivos pressupostos não estão preenchidos.

III. Nem tem discricionariedade na admissão do recurso de revista excepcional quando, nem o acórdão de que se pretende interpor tal recurso admite revista, nos termos gerais, nem houve dupla conformidade decisória entre as instâncias.

IV. Estando preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade da revista e havendo dupla conforme entre as decisões das instâncias, então a formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil pondera, discricionariamente, se está verificado o requisito da relevância jurídica e/ou da relevância social que a reclamante invoca.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. Em 18 de Dezembro de 2023 foi proferido o seguinte despacho:

«1. Na acção proposta pela Sociedade de Construções Pulrodrigues, S.A. contra a Administração Conjunta do Bairro de Nossa Senhora dos Enfermos, foi proferido despacho saneador absolvendo a ré da instância por ilegitimidade passiva.

Esta decisão, todavia, foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Outubro do presente ano, que julgou a ré parte legítima e determinou que os autos seguissem “a sua normal tramitação”.

A Administração Conjunta do Bairro de Nossa Senhora dos Enfermos interpôs recurso de revista, que não foi admitido pelo despacho de 20 de Novembro de 2023, por não se tratar “de uma decisão recorrível, porquanto se limitou a determinar o prosseguimento dos autos”, não sendo portanto susceptível de recurso de revista, como resulta do n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.

A Administração Conjunta do Bairro de Nossa Senhora dos Enfermos reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, requerendo que o recurso fosse admitido, “ao abrigo do disposto no artigo 643.º n.º 3 do CPC".

2. Não cabe ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça decidir esta reclamação, que deve ser dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça (n.º 1 do artigo 643.º do Código de Processo Civil) e decidida pelo relator (n.º 4 do mesmo artigo 643.º).

No entanto, porque o requerimento de reclamação contém os elementos necessários para o efeito, convola-se em reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça (n.º 3 do artigo 193.º do mesmo Código) e passa-se à sua apreciação.

3. Não se tratando de nenhum caso em que o recurso é sempre admissível (n.º 2 do artigo 629.º) nem de recurso interposto de acórdão da Relação que tenha conhecido de um recurso interposto de decisões interlocutórias da 1.ª Instância em matéria processual (n.º 2 do artigo 671.º), a admissibilidade da revista afere-se pelo disposto no n.º 1 do mesmo artigo 671.º

O n.º 1 do artigo 671.º, diferentemente do que sucedia com a lei anterior, toma como referência o conteúdo do acórdão da Relação do qual é interposto, e não a decisão da 1.ª Instância. Ora o presente acórdão recorrido, nem conheceu de mérito, nem pôs termo ao processo, absolvendo o réu da instância. O recurso não é, pois, admissível, como decidiu o despacho agora reclamado.

4. Na reclamação, a reclamante alega que o recurso deve ser admitido como revista excepcional; no entanto, não havendo dupla conforme, nem sendo admissível revista, não poderia o presente recurso ser interposto como revista excepcional (cfr. n.º 3 do artigo 671.º e artigo 672.º, ambos do Código de Processo Civil).

A revista excepcional é um recurso de revista, que apenas é excepcional quanto à sua admissibilidade; só é possível quando se verificam os pressupostos do recurso de revista – o que aqui não sucede ­– mas ocorre o obstáculo da dupla conformidade das decisões das instâncias.

5. A reclamada requer que a conduta da reclamante seja apreciada à luz do disposto no artigo 670.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo de ser considerada como litigante de má fé.

Ora, neste momento, não estão demonstrados elementos suficientes para o efeito. Observa-se, nomeadamente, que não cabe manifestamente revista excepcional quando já foi interposto recurso de revista, nem hoje a lei de processo civil prevê pedidos de aclaração – cfr. ponto 15 da resposta à reclamação.

5. Nestes termos, indefere-se a reclamação.»

2. A reclamante veio reclamar para a conferência, discordando desta decisão e requerendo que seja proferido acórdão, nestes termos:

“(…) A douta decisão singular – salvo o devido respeito, que é muito – a aqui reclamante não pode de todo concordar com a mesma, uma vez que deixa de fora os comproprietários da AUGI Nossa Senhora dos Enfermos, sendo que a Administração Conjunta só por si, é parte ilegítima, quanto às responsabilidades que a reclamada pretende.

3 – O recurso de revista tem sido uma ferramenta essencial para a aqui reclamante, pois sem o mesmo, não haveria a jurisprudência que foi feita até hoje, nomeadamente com a decisão proferida no processo 8240/20.8T8SNTA.E1.S1, Supremo Tribunal de Justiça, 6ª Secção, em que considerou que as atas 20 e 21 eram e são títulos executivos.

4 – Assim, a aqui reclamante tem que lançar mão de todos os meios ao seu alcance, para defender os interesses dos comproprietários e pretende por isso que com a alteração da agora decisão singular, por mais justa e acertada, possa este douto Tribunal continuar a fazer jurisprudência para com as AUGIs, uma vez que, a que existe até agora não tem sido suficiente.

5 – A aqui reclamante concorda plenamente com a interpretação que foi dada pelo Tribunal de 1ª Instância, uma vez que aí foi muito bem explicado todos os factos pelos quais a mesma, por si só, é parte ilegítima neste processo, sendo o seu conteúdo de extrema relevância para futuras decisões.

6 – Por outro lado, a aqui reclamante, mais uma vez, não pode estar de acordo com a decisão singular, uma vez que a mesma não admitiu a revista excecional, mas por estar em causa uma apreciação cuja relevância jurídica é fundamental para que haja equilíbrio de justiça entre todos os comproprietários, a mesma deve ser admitida, caso contrário, viola a lei, nomeadamente o artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC o qual diz o seguinte:

Artigo 672.º (art.º 721.º-A CPC 1961)

Revista excecional

1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:

a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;

7 – Ora, nada melhor se aplica ao presente caso, pois, claramente, é necessária uma melhor aplicação de direito, Lei 91/95 de 02/09, nomeadamente o artigo 6.º, em que a regra é a gratuitidade da cedência e artigo 26.º, n.º 3, em que cada lote comparticipe com a totalidade dos custos, e estando também em causa interesses de relevância social, pois é uma questão que afeta todos os proprietários e comproprietários, que inclui também a aqui reclamada, daí a aqui reclamante ter apresentado recurso de revista excecional.

8 – Assim, requer-se a V. Exas. Exmos. Doutores Juízes Conselheiros, que esta reclamação seja apreciada em conferência, para uma melhor aplicação dos factos ao direito e que à final seja admitido o recurso de revista excecional e a aqui reclamante seja considerada parte ilegítima, por si só. Termos em que revogando a decisão sumária e proferindo acórdão, como referido, se espera justiça.”

3. A reclamada respondeu, considerando o recurso de revista inadmissível e dizendo o seguinte:

“(…) .3. A reclamação da Recorrente, ora apresentada, vem confirmar o que a Recorrida já havia exposto em sede de resposta à reclamação para este Tribunal: a Recorrente é useira e vezeira em protelar o trânsito em julgado das sentenças que lhe são desfavoráveis, usando todos os expedientes (legítimos e ilegítimos) para o efeito.

4. É manifesto que a Recorrente pretende obstar à baixa do processo de forma abusiva, através dos expedientes processuais ao seu dispor.

5. A Recorrente litiga de má-fé.

6. Por conseguinte, a Recorrida reitera o que já havia pedido antes, e pede aos Senhores Juízes Conselheiros que, desta vez, e para terminar este desrespeito por parte da Recorrente, seja apreciado o comportamento desta, à luz do artigo 670º do CPC, sem prejuízo do artigo 542º do CPC.

TERMOS EM QUE,

NÃO DEVE SER ADMITIDA A PRESENTE RECLAMAÇÃO APRESENTADA PELA RECORRENTE POR FALTA DE FUNDAMENTO LEGAL.

MAIS SE REQUER,

A APRECIAÇÃO DA CONDUTA DA RECORRENTE AO ABRIGO DO ARTIGO 670º DO CPC, SEM PREJUÍZO DO ARTIGO 542º DO CPC, DEVENDO O INCIDENTE SER PROCESSADO EM SEPARADO.

REQUER-SE AINDA,

QUE SEJA ORDENADA A BAIXA DEFINITIVA DO PROCESSO PARA A 1ª INSTÂNCIA, PARA PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS ATÉ FINAL.

SEM PREJUÍZO, COM A DEVIDA VÉNIA,

PORQUE NADA HÁ DE CENSURÁVEL NO ACÓRDÃO PROFERIDO EM 26.10.2023, OFERECE-SE O MERECIMENTO DOS AUTOS.

4. A reclamante respondeu, refutando a alegação de estar a litigar com má fé. Salienta-se o seguinte:

«6 – A recorrida não tem qualquer razão no que alega, uma vez que, a lei permite a reclamação de uma decisão para a conferência, nos termos do artigo 652.º, n.º 3 do CPC, com a esperança de que a conferência na sua douta interpretação possa no acórdão a proferir alterar o douto acórdão e admitir que a aqui recorrida só por si é parte ilegítima.

7 – Ora, este posicionamento da aqui recorrente, não viola o artigo 542.º do CPC, uma vez que nenhuma das questões levantadas pela recorrida se encontram abrangidas nos itens deste artigo.

8 – A recorrida ao vir, como fez, requerer a condenação da recorrente como litigante de má-fé, essa sim encontra-se a litigar com má-fé e deve ser condenada nos montantes que V. Exa. achar adequado.

Sendo pois o que nos oferece dizer sobre o assunto, devendo o processo seguir os seus ulteriores termos até final, de acordo com a lei.»

5. O Supremo Tribunal de Justiça não tem qualquer discricionariedade na admissão de recurso de revista, quando os respectivos pressupostos não estão preenchidos; no caso, o acórdão da Relação é irrecorrível, nos termos explicitados na decisão agora reclamada.

Nem tem discricionariedade na admissão do recurso de revista excepcional quando, (1) nem o acórdão de que se pretende interpor tal recurso admite revista, nos termos gerais, (2) nem tão pouco houve dupla conformidade decisória entre as instâncias.

Estivessem preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade da revista e havendo dupla conforme entre as decisões das instâncias, então a formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil ponderaria, discricionariamente, se estaria verificado o requisito da relevância jurídica e/ou da relevância social que a reclamante invoca.

Não é, todavia, o caso.

Para além disso, recorda-se que, na reclamação prevista no artigo 643.º do Código de Processo Civil, apenas se pode apreciar a admissibilidade do recurso que estiver em causa, não cabendo emitir qualquer opinião ou decisão sobre a ou as questões que eventualmente constituam o objecto do recurso não admitido.

6. Ambas as partes consideram que a contraparte litiga de má fé. Reitera-se, no entanto, que nesta reclamação não há elementos que permitam ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar o comportamento das partes neste processo, de forma a poder concluir se ocorre ou não. Nem tão pouco para aplicar o disposto no artigo 670.º do Código de Processo Civil, desde logo por não se poder ter por manifestamente infundada a reclamação.

7. Assim, indefere-se a reclamação.

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 ucs.

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora)

Lino Ribeiro

Nuno Ataíde das Neves