Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
| Descritores: | ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LAPSO DE MANIFESTO REFORMA DANOS NÃO PATRIMONIAIS INDEMNIZAÇÃO ACTUALIZAÇÃO MONETÁRIA JUROS DE MORA | ||
| Nº do Documento: | SJ200710250024807 | ||
| Data do Acordão: | 10/25/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | DEFERIDA A RECLAMAÇÃO. | ||
| Sumário : | 1. Justifica-se a reforma do acórdão proferido no recurso de revista no caso de o colectivo de juízes, por lapso, detectável pela mera análise das conclusões de alegação no recurso de apelação, sob o fundamento de a recorrida não a haver incluído naquelas conclusões, omitir o conhecimento da questão de saber desde quando são devidos juros de mora concernentes à compensação por danos não patrimoniais. 2. O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio, assenta na ideia de uma decisão actualizadora da indemnização lato sensu, incluindo a compensação por danos não patrimoniais, em razão da inflação ocorrida entre ela e o momento do evento danoso. 3. Não resultando da decisão que fixou a compensação por danos não patrimoniais a referência à referida actualização, os juros de mora respectivos devem ser fixados desde a citação do réu. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I A Companhia de Seguros Empresa-A requereu, no dia 20 de Setembro de 2007, a correcção de lapso material e a reforma do acórdão proferido por este Tribunal no dia 13 de Setembro de 2007, com vista a conhecer no sentido por ela afirmado da questão de saber desde quando é devedora dos juros de mora. Motivou a reclamação no lapso de se expressar que ela não havia posto em causa no recurso de apelação a data do início da contagem dos juros, por nele haver suscitado essa questão. Os reclamados responderam dever ser indeferida a reclamação, sob o fundamento de a reclamante não ter ampliado o recurso de revista e, no recurso de apelação, só ter referido, a título subsidiário, para o caso de se entender haver culpa, ainda que parcial do condutor do veículo pesado, deverem os juros ser contados desde a data da sentença. II É a seguinte a dinâmica processual que releva na reclamação: 1. AA e BB intentaram, no dia 17 de Abril de 2001, contra a Companhia de Seguros .., a que sucedeu a Companhia de Seguros Empresa-A, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhes 35 000 000$, na proporção de três quartos para a primeira e de um quarto para o segundo, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação. 2. A ré, em contestação, invocou a prescrição do direito de indemnização invocado pelos autores e afirmou ser o acidente imputável a culpa da vítima, não conhecer alguns dos factos e serem exagerados os valores pretendidos. 3. Os autores negaram a prescrição, na fase da condensação foi a excepção julgada improcedente, decisão de que a ré apelou, e, realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 1 de Fevereiro de 2005, por via da qual a ré foi condenada a pagar aos autores € 82 950 e juros de mora à taxa legal desde a citação. 4. O tribunal da primeira instância justificou deverem os juros relativos ao valor da compensação por danos não patrimoniais, que fixou no montante de € 75 000 – 45 000 relativos à morte de CC e € 30 000 pelo sofrimento próprio do autores - ser calculados nos mesmos termos dos juros concernentes à indemnização por danos patrimoniais, sem que tenha feito referência a qualquer operação de actualização. 5. Apelou a ré, expressando, além do mais, no ponto 9 das conclusões de alegação que, “subsidiariamente, para o caso de se entender existir culpa, ainda que parcial do condutor do pesado, sempre deverão ser corrigidos, por redução, os montantes atribuídos a título de danos morais que manifestamente extravasam os critérios de equidade legalmente exigidos no disposto no artigo 496º, nº 3, do Código Civil, e as quantias fixadas a título de danos não patrimoniais, pela sua actualidade, só poderiam vencer juros a partir da data da sentença e não da citação, em plena violação do disposto no artigo 805º, nº 3, primeira parte, do Código Civil.” 6. A Relação, por acórdão proferido no dia 11 de Janeiro de 2007, julgou improcedente o primeiro recurso de apelação da ré e procedente o segundo, absolvendo-a do pedido. 7. Interpuseram AA e BB recurso de revista, e este Tribunal, por acórdão proferido no dia 13 de Setembro de 2007, condenou a Companhia de Seguros Empresa-A a pagar-lhes trinta e seis mil e quatrocentos e setenta e cinco euros, acrescidos de juros nos termos considerados no tribunal da primeira instância, desde a data da citação. 8. No último parágrafo do ponto oito do acórdão expressa-se: “Como a recorrida não pôs em causa, no recurso de apelação, a data do início da contagem dos juros de mora desde a citação da sua antecessora nem as respectivas taxas, não se altera nessa parte o que no tribunal da primeira instância foi decidido (artigo 684º, nº 4, do Código de Processo Civil)” 9. No quinto parágrafo do ponto nove refere-se “Como a recorrida, perspectivando a concorrência de culpas da vítima e de DD, não pôs em causa no recurso de apelação o início da contagem dos juros de mora, prevalece o concernente segmento decisório da sentença proferida no tribunal da primeira instância.” II A questão decidenda nesta sede é a de saber se o acórdão reclamado deve ou não ser reformado no sentido de os juros de mora relativos aos danos não patrimoniais só serem devidos pela reclamante desde a data da sentença proferida no tribunal da primeira instância. A resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - estrutura da causa da reforma dos despachos, sentenças ou acórdãos; - ocorre ou não na espécie o fundamento de reforma do acórdão? - estrutura da alegação da reclamante no recurso de apelação e efeito por ela pretendido; - deve ou não manter-se o segmento decisório relativo ao início da contagem dos mencionados juros de mora? - síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos, da dinâmica processual envolvente e da lei. Vejamos de per se cada uma das referidas subquestões. 1. Comecemos pela análise da estrutura da causa da reforma dos despachos, sentenças ou acórdãos. À reforma da sentença reporta-se o artigo 669º, nº 2, do Código de Processo Civil sob o fundamento de efectivo erro de julgamento. Expressa ser lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por um lado, tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos (alínea a). E, por outro, quanto constem no processo documentos ou quaisquer outros elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração (alínea b). O primeiro dos referidos normativos refere-se ao manifesto ou patente erro de julgamento de questões de direito; no segundo está contemplado o erro manifesto na apreciação das provas por omissão de consideração de determinado elemento implicante de decisão diversa. Permitem, pois, os últimos referidos normativos a alteração de mérito do decidido, na primeira situação em caso de erro manifesto ou patente sobre questões de direito e, na segunda, em caso de erro manifesto na apreciação das provas. Os referidos normativos são aplicáveis aos acórdãos proferidos pela Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça (artigos 716º, nº 1 e 726º do Código de Processo Civil). 2. Atentemos agora sobre se ocorre ou não na espécie fundamento de reforma do acórdão. Conforme acima se referiu, a lei permite a alteração do mérito do decidido no caso de erro manifesto ou patente sobre questões de direito ou na apreciação das provas. A referida faculdade processual de reforma não comporta, porém, como é natural, a impugnação do acórdão com base na discordância sobre o decidido, seja quanto à interpretação dos factos disponíveis, seja quanto à selecção, interpretação ou aplicação das pertinentes normas jurídicas. Todavia, no caso vertente, o colectivo dos juízes incorreu em lapso ao considerar que a reclamante não pusera em causa, no recurso de apelação, o tempo desde o qual deveriam ser contados os juros sobre o valor da compensação fixada por danos não patrimoniais. O referido lapso é detectável por via da mera confrontação das conclusões formuladas pela reclamante no segundo recurso de apelação e do que foi considerado pelo colectivo dos juízes no acórdão ora reclamado. Ocorrem, por isso, na espécie, os pressupostos da reforma do acórdão reclamado, cujo objecto se circunscreve à determinação da data do início da contagem dos juros de mora relativos ao montante da compensação fixada a título de danos não patrimoniais. 3. Vejamos, ora, a estrutura da alegação da reclamante no recurso de apelação e efeito por ela pretendido. A recorrente alegou, no segundo recurso de apelação, subsidiariamente, para o caso de se considerar a culpa ainda que parcial de DD na ocorrência do acidente, que os juros de mora relativos à compensação por danos não patrimoniais devem ser contados desde a data da sentença proferida no tribunal da primeira instância Tendo em conta o que se estabelece no artigo 469º, nº 1, do Código de Processo Civil, os pedidos subsidiários são os que são formulados para serem considerados no caso de não procederem os pedidos principais. Ora, no caso, a ora reclamante não formulou um pedido subsidiário, antes se tendo limitado a expressar motivação subsidiária do segundo recurso de apelação que interpôs. A Relação, caso considerasse a responsabilidade da recorrente no confronto dos recorridos por danos não patrimoniais, não podia deixar de se pronunciar sobre a referida problemática do início da contagem dos juros de mora (artigos 684º, nºs 2 e 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil). A Relação não apreciou a referida questão, naturalmente por o seu conhecimento, face ao disposto nos artigos 660º, nº 2, primeira parte, e 713º, nº 2, do Código de Processo Civil, ter ficado prejudicado em virtude de, revogando a sentença proferida no tribunal da primeira instância, ter absolvido a recorrente do pedido. Não se trata, pois, de uma pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa em que a parte vencedora decaiu, pelo que, ao invés do alegado pelos reclamados, não pode ser equacionada por via da aplicação do disposto no artigo 684º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, ou seja, no quadro da ampliação do recurso a requerimento do recorrido. 4. Atentemos, agora, na problemática de saber se deve ou não manter-se o segmento decisório relativo ao início da contagem dos mencionados juros de mora. Releva neste ponto a interpretação dos artigos 566º, n.º 2, e 805º, n.º 3, segunda parte, do Código Civil operada no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio, publicado no Diário da República, I Série A, n.º 146, de 27 de Junho de 2002. No recurso de revista ampliada em que foi proferido aquele acórdão, na sequência de no acórdão da Relação se haver fixado a compensação por danos não patrimoniais actualizada à data da sentença, os recorrentes alegaram que sobre o montante global da indemnização devia incidir a actualização em função dos valores da inflação entre a data do acidente e a da propositura da acção, e que, a partir da data da citação e até ao pagamento, deviam incidir juros moratórios. Afrmou-se, além do mais que aqui não releva, que o valor da compensação a título de danos não patrimoniais havia sido actualizado à data da sentença, em conformidade com o disposto no artigo 566º, n.º 2, do Código Civil, e que a questão de direito a resolver se prendia com a determinação do momento do início da contagem de juros de mora sobre os quantitativos da indemnização arbitrada a título de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, designadamente os respeitantes a danos não patrimoniais. Referiu-se, ademais, tratar-se de interpretar a segunda parte do n.º 3 do artigo 805º na sua ligação sistemática com o artigo 566º, n.º 2, ambos do Código Civil, e que, conforme se adoptasse uma ou outra das orientações em confronto, adquirida que estivesse a atribuição de uma indemnização actualizada, ou seja, objecto de correcção monetária, o sentido do primeiro dos referidos normativos, na sua necessária articulação com o segundo, teria de ser objecto de interpretação literal ou restritiva. Colocou-se em confronto a orientação que entendia a compatibilidade dos mencionados normativos, ou seja, da acumulação de juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização em função da taxa da inflação, fundada no argumento do distinto objecto e da diversa natureza que preside à actualização da expressão monetária da indemnização entre as datas da citação e da decisão actualizadora, e a da não cumulatividade de juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização, fundada no facto de ambas as providências influenciadoras do cálculo obedecerem à mesma finalidade de fazer face à erosão do valor da moeda entre o evento danoso e a satisfação da obrigação indemnizatória. Referiu-se que se o juiz fizer apelo ao critério actualizador previsto no artigo 566º, n.º 2, do Código Civil, atribuindo a indemnização monetária aferida pelo valor da moeda à data da sentença da primeira instância, não podia, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante os juros de mora desde a citação, por força do n.º 3 do artigo 805º daquele diploma. Salientou-se ainda, por um lado, que a intenção do legislador de 1983 só foi a de compensar o prejuízo da inflação relativamente ao que falhava na previsão do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, quando, por efeito dela, o valor do pedido se depreciava em termos tais que a actualização com referência à data da sentença conduzia a um valor superior ao do pedido que o tribunal não podia considerar, atenta a limitação decorrente do artigo 661º, n.º 1, do Código de Processo Civil. E, por outro, que no caso de o juiz não poder valer-se do n.º 2 do artigo 566º, por o pedido estar muito desactualizado e não ter sido ampliado, os juros de mora podiam e deviam ser contados desde a citação, por aplicação do n.º 3 do artigo 805º, ambos do Código Civil. Essencialmente com base na mencionada argumentação é que foi votado maioritariamente o acórdão de uniformização de jurisprudência em causa, segundo o qual, sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo, nos termos do n.º 2 do artigo 566º, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3, interpretado restritivamente, e 806º, n.º 1, todos do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação. Dele resulta, tendo em conta o seu conteúdo e o das alegações de recurso sobre as quais se pronunciou, a ideia de uma decisão actualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso causador do dano, sob a invocação do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, que consagra o critério derivado do confronto da efectiva situação patrimonial do lesado na data mais recente atendível pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano. A prolação dessa decisão actualizadora, tendo em conta a motivação do referido acórdão de uniformização de jurisprudência, tem que ter alguma expressão nesse sentido, designadamente a referência à utilização no cálculo do critério chamado da diferença na esfera jurídico-patrimonial constante no artigo 566º, n.º 2, do Código Civil e a consideração, no cômputo da indemnização ou da compensação, da desvalorização do valor da moeda. Este Tribunal, no recurso de revista, reponderou o conteúdo do acórdão da Relação, que revogou a sentença proferida no tribunal da primeira instância, que por seu turno havia condenado a recorrente no pagamento de determinado montante a título de indemnização lato sensu. O tribunal da primeira instância, quanto à compensação por danos não patrimoniais, expressou dever a contagem dos juros moratórios ocorrer nos mesmos termos dos juros relativos à indemnização por danos patrimoniais. Este Tribunal, no acórdão reclamado, também determinou o valor da compensação por danos patrimoniais sem qualquer referência de cálculo à data da sentença proferida no tribunal da primeira instância. Uma decisão actualizadora da indemnização lato sensu pressupõe que sobre algo já quantificado incida algum elemento ou índice de actualização, situação que se não reconduz necessariamente ao cálculo da indemnização com base no princípio da diferença da esfera patrimonial ou em danos não patrimoniais. O tribunal da primeira instância e este Tribunal tiveram naturalmente em conta o sentido interpretativo do referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência e não se referiram ao cálculo da compensação por danos não patrimoniais em causa por referência temporal à data da sentença nem a qualquer actualização. Em consequência, os juros relativos à quantia concernente à mencionada compensação por danos não patrimoniais devem ser contados desde a citação da reclamante para a acção.
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