Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B4296
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOITINHO DE ALMEIDA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
IMPUGNAÇÃO
ADMINISTRADOR
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: SJ200602020042962
Data do Acordão: 02/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 2428/05
Data: 06/16/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Sumário : O administrador não tem legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :

1. Empresa-A requereu procedimento cautelar de suspensão de deliberações de assembleia de condóminos contra Empresa-B, na qualidade de administradora do condomínio situado na Av. da República, n.°..., em Lisboa, pedindo a suspensão de cinco deliberações da assembleia de condóminos, realizada no dia 29 de Julho de 2004:

5ª deliberação - não aprovação do pedido de autorização, apresentado pela Requerente, para execução de obras inerentes às saídas de evacuação, mais precisamente para proceder à alteração no muro do logradouro da porteira, o portão da entrada da garagem do edifício e os pontos de iluminação de emergência, para efeitos do Regulamento de Segurança contra Incêndios;

7ª deliberação - não aprovação de qualquer obra ou trabalho nas partes comuns do edifício, incluindo as já efectuadas no terraço, devendo as construções ali existentes e não autorizadas pelo condomínio ser imediatamente removidas;

8ª deliberação - não discussão de quaisquer assuntos no âmbito deste ponto da ordem de trabalhos, implicando a rejeição da apresentação, pela ora Requerente, de dois assuntos neste ponto da ordem de trabalhos- 1° assunto: resultado da vistoria dos Bombeiros efectuada à fracção "B" para verificação da conformidade do executado ao projecto licenciado pelas autoridades; 2° assunto: proposta de contrapartidas, com base nos elementos enviados, a ser apreciada em Assembleia;

9.ª deliberação - não aprovação da instalação e funcionamento no prédio da sala de jogo do bingo;

11.ª deliberação atribuição à Administração de poderes para, em representação do condomínio, promover, constituindo para o efeito mandatário judicial, os procedimentos judiciais necessários a impedir o exercício da actividade da sala de jogo do bingo na fracção "B" do prédio, designadamente através de acção judicial destinada a declarar a ilegalidade face ao Regulamento de Condomínio e ao Título Constitutivo de Propriedade Horizontal, da referida actividade, na fracção autónoma que tem por objecto "loja", bem como outras acções que se venham a considerar úteis para o mesmo fim.

Tendo a Requerida sido julgada parte ilegítima, foi do respectivo despacho interposto recurso de agravo ao qual a Relação de Lisboa negou provimento, por acórdão de 16 de Junho de 2005.

Inconformada, interpôs a Requerente recurso de agravo para este Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 387.°-A, 678.°, n.°4 e 754.° do Código de Processo Civil. Conclui as suas alegações nos seguintes termos:

1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação constante de fls. que confirmou a decisão proferida em 1.ª instância, concluindo que "a requerente demandou a administradora do condomínio como parte no procedimento cautelar e não como representante dos condóminos, pelo que tem de concluir-se , como na decisão recorrida, que a requerida não é parte legítima".

2. Este entendimento é, no fundo, a confirmação da Decisão proferida em 1.ª instância.

3. O presente recurso foi interposto com fundamento no n.°1 do artigo 687.°, uma vez que o Acórdão em crise se encontra em oposição com os Acórdãos da Relação de Lisboa de 25 de Junho de 1984, in Colectânea de Jurisprudência, 1984, tomo 3, pág.184, e de 27 de Abril de 1989, in Colectânea de Jurisprudência, 1989, Tomo 2, pág.151 e Acórdão da Relação do Porto de 08.02.1993, in www.dgsi.pt, número convencional JTRP00007574.

4. Como já tivemos a oportunidade de observar, o Acórdão de que se interpôs recurso determina que nas acções de impugnação das deliberações sociais tomadas pela assembleia de condóminos e, por conseguinte, ao procedimento cautelar respectivo a lei não concede ao administrador legitimidade para, nessa exclusiva qualidade de administrador de condomínio demandar ou ser demandado, razão pela qual entende que a Recorrida não é parte legítima.

5. Sucede que, os arestos fundamento acordaram que:

-Nas acções anulatórias de deliberações tomadas pela assembleia de condóminos, o administrador é parte legítima como réu sempre que aquelas respeitem às partes comuns (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Junho de 1984, in Colectânea de Jurisprudência, 1984, Tomo 3, pág.184).

"É ao administrador do condomínio que compete estar em juízo, quer como autor, quer como réu nas acções respeitantes às partes comuns do prédio". (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Abril de 1989, in Colectânea de jurisprudência, 1989, Tomo 2, pág.151)

-I - A assembleia de condóminos tem personalidade judiciária, isto é, detém susceptibilidade de estar, por si, em juízo.

II- Sendo a assembleia de condóminos constituída por condóminos, a lei prevê o modo como deve efectivar-se a sua representação em juízo, a qual poderá ser desempenhada pelo administrador ou, se a assembleia assim o entender, por qualquer outra pessoa que a mesma assembleia designar.

III- Assim, a acção destinada a obter a anulação de deliberações tomadas pela assembleia de condóminos deve ser proposta contra o administrador do condomínio" (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08 de Fevereiro de 1993 in www.dgsi.pt, número convencional JRTP00007574).

6. Ora, o Acórdão de que ora se interpõe recurso interpreta o artigo 1433.° no sentido de que no que concerne às acções de impugnação das deliberações tomadas pela assembleia de condóminos e, por conseguinte, ao procedimento cautelar respectivo a lei não concede ao administrador legitimidade para, nessa exclusiva qualidade de administrador do condomínio, demandar ou ser demandado /art.1433.°, ao passo que os Acórdãos citados entendem que o administrador do condomínio tem legitimidade para ser Réu no que àquelas acções concerne, aplicando-se idêntico raciocínio no que respeita aos procedimentos cautelares como o que aqui está em causa.

7. Assim, e por estar em causa uma contradição de julgados, requer-se a este Venerando Tribunal ad quem que seja fixada jurisprudência relativamente a esta questão de direito.

8. Até porque, e salvo o devido respeito que o Digníssimo Tribunal a quo lhe merece, o mesmo se encontra inteiramente desprovido de razão.

9. Com efeito, resulta da própria decisão que a Requerida, aqui Recorrida, é a entidade que administra o Condomínio.

10. Aliás, foi precisamente nessa qualidade que foi demandada:

"Contra Empresa-C pessoa colectiva n°502 482 192, com sede na Rua Tomás Ribeiro, .... andar, Apartado 1104, 1053 Lisboa, matriculada na conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n°12 304, com o capital social de Eur.19.951,91, na qualidade de Administradora do condomínio do prédio sito na Av. da República, n°62, em Lisboa"

11. Importa, pois, determinar se a Requerida, aqui Recorrida, nesta qualidade, tem legitimidade passiva, em matéria de suspensão/ anulação de deliberações condominiais, ou seja, verificar da respectiva possibilidade de estar em juízo como requerida e, num segundo momento, na qualidade de Ré.

12. Deve antes de mais referir-se que o condomínio, representado pelo seu administrador tem personalidade judiciária, pela directa aplicação da alínea e) do artigo 6° do Código de Processo Civil, segundo o qual:

"Têm ainda personalidade judiciária, o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador".

13. Trata-se, no fundo, do corolário do artigo 1436.° do Código Civil, que prevê a legitimidade do administrador como réu e do artigo 1437.° do Código Civil que prevê a sua legitimidade como Autor ou Réu.

14. Aliás, esta personalidade judiciária já resultava, pelo menos, desta última disposição (cfr. neste sentido José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág.21, nota 5 anotação ao referido art.°6°).

15. Esse é igualmente o entendimento de Sandra Passinhas que refere, a propósito da citação:

"Nos termos do artigo 398.°, n.°2, é citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na acção de anulação - o administrador ou a pessoa que a assembleia designar para esse efeito (artigo 1433.° n.°6)" (in "A Assembleia de condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal", Julho de 2000, Almedina, pág.253).

16. E é natural que assim seja, uma vez que resulta directamente do artigo 1437.°, n.°2 do Código Civil que "o administrador também pode ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício".

17. Segundo a autora citada, -Esta disciplina encontra a sua ratio na realização de uma evidente exigência de simplificação nas relações entre o condomínio e terceiros, ou algum dos condóminos que pretenda fazer valer em juízo pretensões respeitantes a bens ou interesses comuns (cfr. obra citada, pág.333).

18. E ainda segundo a mesma autora: - O administrador nunca é prejudicado pela procedência da acção (nem numa acção de anulação de deliberação social, nem em qualquer outra acção), ele age como o representante orgânico do condomínio. A deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo e não dos condóminos (individualmente considerados ou dos que aprovarem a deliberação). E, sendo um acto do condomínio a legitimidade passiva cabe ao administrador. A redacção do artigo 1433.° n.°4 é anterior à reforma de 1994 e não foi objecto de actualização. As controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia só satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência de que, nessas acções, a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador. Nas palavras do acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Maio de 1998, CJ, III, pág.96 e ss. " entre os poderes do administrador contam-se os inerentes à representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas acções de impugnação de deliberação da assembleia, salvo se outra for nomeada pela assembleia, conforme se preceitua no art.°1433.° n.°6 (...) Significa isto que o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia (...) Da especificidade de representação do condomínio decorre que, para cabal cumprimento do disposto no art.°476.° n.°1 alínea e) do C.P.Civil, se o autor demandar o condomínio, deverá indicar o nome e a residência do administrador ou da pessoa que a assembleia tenha porventura designado para representar o condomínio nessas acções, sem o que o condomínio não pode ter-se por devidamente identificado" ( cfr. obra citada, pág.337/338).

19. Este, aliás, tem sido o entendimento dominante na jurisprudência, conforme resulta dos arestos já indicados (aqui a Recorrente volta a reproduzir o já mencionado em 5.).

20. É assim manifesto, em face do exposto, que resulta evidente a efectiva legitimidade da Requerida, aqui Recorrida, sendo manifestamente improcedente a conclusão a que o Tribunal a quo chegou, o que se alega para todos os efeitos legais.

21. Alcançada esta conclusão, torna-se manifesto e evidente que deveria o Digníssimo Tribunal a quo ter julgado improcedente a referida excepção de ilegitimidade e, consequentemente, serem observados os ulteriores termos do processo.

22. Assim, e fixada jurisprudência no sentido dos arestos citados, deverá a decisão proferida pelo Digníssimo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que considere a Requerida parte legítima para ser demandada, devendo para o efeito os autos baixar à 1.ª instância para ulteriores termos do processo.

2. Quanto à matéria de facto, remete-se para o acórdão recorrido (artigos 713.°n.° 6 e 726.° do Código de Processo Civil).

3. Entendeu o acórdão recorrido que o n.°2 do artigo 1433.° do Código Civil se limita a estabelecer a representação judiciária dos condóminos pelo administrador, ou pessoa que a assembleia designar para esse efeito, nas acções de anulação das deliberações daquela assembleia. Ora, esta representação não se confunde com a personalidade judiciária que a lei confere ao condomínio relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (artigo 6.°, alínea e) do Código de Processo Civil). Só quanto a actos de conservação e fruição das coisas comuns, aos actos conservatórios ou relativos à prestação de serviços comuns o administrador pode demandar e ser demandado nessa qualidade. E o n.° 3 do artigo 1347.° reconhece-lhe ainda legitimidade quanto às acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, mas só se a assembleia atribuir ao administrador para o efeito poderes especiais.

Ora, no caso dos autos, o procedimento cautelar foi requerido contra Empresa-C na qualidade de administradora do condomínio e não como representante dos condóminos, do que resulta não ser a Requerida parte legítima.

Também assim entende este Tribunal, com os mesmos fundamentos (acórdãos de 21 de Novembro de 1990, processo n.°79772 e de 14 de Fevereiro de 1991, no Boletim do Ministério da justiça, n.°404, p.376). Aí se observa que a legitimidade passiva do Administrador nas acções respeitantes às partes comuns do edifício não é extensível à impugnação das deliberações do condomínio onde estão em causa interesses dos condóminos de outra natureza. Resulta claramente do n.°6 do artigo 1433.° do Código Civil que, nas acções de impugnação da assembleia dos condóminos, estes são representados pelo administrador o que implica que devem também ser demandados.

Nestas condições, porque existe jurisprudência fixada do Supremo sobre a matéria objecto do agravo, o recurso fundado no disposto no n.°4 do artigo 678.° do Código de Processo Civil, é inadmissível.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2006

Moitinho de Almeida

Noronha do Nascimento

Abílio de Vasconcelos