Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98A1021
Nº Convencional: JSTJ00034967
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO
DIVÓRCIO LITIGIOSO
SEPARAÇÃO DE FACTO
RÉPLICA
Nº do Documento: SJ199811100010211
Data do Acordão: 11/10/1998
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1432
Data: 04/30/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV - RECURSOS.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 1781 A ARTIGO 1782 N1 ARTIGO 2007.
CPC95 ARTIGO 273 ARTIGO 722 N2 ARTIGO 727 ARTIGO 729 N1.
L 38/87 DE 1987/12/23 ARTIGO 29.
Sumário : I- Na acção de divórcio litigioso com fundamento na separação de facto por seis anos consecutivos, não constitui ampliação do pedido mas tão-somente ampliação da causa de pedir, a extensão da contagem desse prazo do momento da instauração da acção para o da apresentação da réplica.
II - Tal ampliação podia ser feita na réplica ao abrigo o art. 273 do Cód. Proc. Civil.
III - Fixada pela Relação a matéria de facto pertinente, só pode ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça com base em documentos supervenientes juntos com as alegações do recorrente se ocorrer a hipótese prevista no n. 2 do art. 722 do Cód. Proc. Civil.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

A intentou, no tribunal de círculo de Torres Vedras, acção de divórcio contra B pedindo, com base em separação de factos por seis anos consecutivos, seja decretado o divórcio entre ambos e fixada provisoriamente a pensão de alimentos, a pagar pelo réu a seu favor, em 150000 escudos mensais.
Após contestação e réplica foi saneado e condensado o processo.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, decretou o divórcio entre as partes e fixou em 150 contos o quantitativo a entregar mensalmente pelo réu à autora para alimentos desta, para além de condenar o réu, em multa e indemnização, como litigante de má fé.
Inconformado, apelou o réu.
O Tribunal de Relação de Lisboa, pelo acórdão de fls. 126 e segs, datado de 30-04-98, concedendo parcial provimento ao recurso, a parte da sentença recorrida que condenou o réu como litigante de má fé, confirmando-a, porém, na parte restante.
Ainda não conformado, o réu recorreu de revista, em cuja alegação formula as conclusões seguintes:
1ª - Só se altera a causa de pedir quando, tendo-se invocado primeiro um determinado acto ou facto, se abandona depois este acto ou facto e passa a apoiar-se o pedido sobre acto ou facto diverso (Prof. A. Reis, Com. 3, pág. 124);
2ª - No caso sub Judice, na réplica apresentada pela recorrida, esta titula os últimos quatro números daquele articulado de "alteração e ampliação da causa de pedir", mas não invoca qualquer facto novo;
3ª - Face ao disposto nos arts. 264, n. 1, e 273, n. 1, do CPC, cabe à recorrida alegar tais factos novos e, com base nos mesmos, alterar o pedido;
4ª - Porém, o seu pedido continua a ser aquele que foi invocado na petição inicial, "decretado o divórcio com base na separação de facto";
5ª - Consequentemente, não estamos perante qualquer ampliação e/ou alteração do pedido da causa de pedir;
6ª - Assim, a petição inicial e o pedido formulado datam de 5 de Setembro de 1996 (art. 267 do CPC);
7ª - Dando por reproduzidas as alegações e conclusões apresentadas no Tribunal da Relação de Lisboa, ter-se-á de concluir que não existe fundamento para o divórcio, uma vez que a recorrida não logrou provar encontrar-se separada de facto há mais de seis anos, tendo por referência a data da propositura da acção;
8ª - Na fixação da prestação de alimentos e independentemente dos critérios fixados pelo art. 2004 do C.C., entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que se deve atender à equidade;
9ª - O recorrente recebe anualmente de rendas o montante de 4500720 escudos, tendo de despesas inerentes a este rendimento a quantia de 1423714 escudos, pelo que o seu rendimento líquido anual é de 3007006 escudos, isto é, o equivalente à quantia média mensal de 256417 escudos, a qual, dividida em duas partes, caberia a cada um dos titulares do rendimento a cifra de 128208 escudos e cinquenta centavos;
10ª - Face ao critério equitativo perfilhado pelos Tribunais recorridos, o montante que deveria caber à autora e recorrida seria este último;
11ª - Porém, há que valorizar todo o trabalho de administração exercido pelo recorrente, pelo que se defende a prestação de alimentos de 120000 escudos, por mês como justa e equitativa.
12ª - A decisão recorrida não respeita o disposto nos arts 264, n. 1, 267 e 273, n. 2, do CPC e art. 2004 do C.C.
Não foi apresentada contra-alegação.
Cumpre decidir.
As instâncias consideram provados os factos seguintes:
A) Autora e réu contraíram entre si casamento a 24-10-56, na Conservatória do Registo Civil de Almeida;
B) Do casamento existem duas filhas maiores;
C) No âmbito da acção de divórcio litigioso entre autora e réu, com o n. 88/89 do 3º Juízo da Comarca de Torres Vedras, procedeu-se, em 11-10-90, a uma audiência e nela aqueles acordam entre si quanto aos alimentos da autora e à utilização da casa de morada de família, nos termos constantes do escrito a fls, 19 destes autos;
D) Pelo menos desde Dezembro de 1989 que autora e réu não dormem um com o outra;
E) A autora vive no Bairro Vila Morena, Torres Vedras; e o réu vive numa outra casa;
F) Não existe por parte da autora qualquer propósito de restabelecer vida em comum com o réu;
G) A autora despende mensalmente em água, luz, telefone e gás cerca de 15 contos;
H) Só de rendas das várias lojas e andares que são pertença do casal o réu recebe mais do que 300 contos por mês;
I) Autora e réu viveram na mesma casa, sita no Bairro Vila Morena, em Torres Vedras, até finais do mês de Outubro de 1990;
J) Até essa data (finais de Outubro de 1990) autora e réu faziam as refeições em conjunto nessa casa, que era a de morada de família, levando para ela (casa) o réu os produtos alimentares com que a autora preparava as refeições;
L) E até essa data era a autora quem lavava e preparava a roupa do réu;
M) Até finais de Outubro de 1990 era na casa onde vive a autora, até então casa de morada do casal, que o réu dormia quando não passava a noite em casa da sua mãe, que vivia sózinha num casal junto à povoação da Serra da Vila (Torres Vedras);
N) Até finais de Outubro de 1990 era na casa onde a autora vive que o réu, todos os dias, tomava o seu banho matinal e o seu pequeno almoço;
O) A autora vive em casa pertença do casal;
P) A autora ajuda uma das filhas do casal no estabelecimento comercial "Zara" que esta ( a filha ) explora na rua 9 de Abril, Torres vedras;
Q) A autora já a 6-12-1989, intentara contra o réu uma acção de divórcio a que coube inicialmente o n. 88/89 da 1ª secção de processos do então 3º Juízo da Comarca de Torres Vedras;
R) Acção essa que foi (a 22-09-92) julgada procedente em 1ª instância ;
S) Contudo, tal decisão (que decretou o divórcio) foi, em recurso, revogada por acórdão de 8-11-94 do Tribunal da Relação de Lisboa e que assim manteve o vínculo conjugal entre a autora e o réu.
Postos os factos, entremos na apreciação do recurso, sabido que o objecto deste é delimitado pelas conclusões insertas na respectiva alegação (artigos 684, n. 3 e 690, n. 1, do Código de Processo Civil).
Quanto ao divórcio:
Considerou-se no acórdão recorrido que a autora, na réplica, ampliou a causa de pedir, alargando até à data da apresentação desse articulado (5-12-96) a separação de facto em que fundamentou o pedido de divórcio.
Por isso, diz -se no acórdão recorrido, "desde finais de Outubro de 1990 até à dedução da réplica, isto é, durante mais de seis anos, não existiu, entre recorrente e recorrida, qualquer resquício de Comunhão de Vida, e porque, pelo menos da parte da primeira, existe o propósito de não a reconstituir, dá-se o fundamento de divórcio previsto nos já citados arts. 1781-a) e 1782-1 do CC".
Alega, agora, o recorrente que, na réplica, não há "qualquer ampliação e/ou alteração do pedido da causa de pedir".
Não lhe assiste, porém, razão.
É certo que a autora, na réplica não alterou o pedido. Ampliou, porém, a causa de pedir. Enquanto na petição inicial a causa de pedir consistia na separação de facto até à data da apresentação desse articulado (5-9-96), na réplica (art. 28 a 30) ampliou-se essa separação de facto até 1-11-96.
Essa ampliação podia ser feita, como o foi, ao abrigo do disposto no n. 1 do artigo 273, do Cód. Proc. Civil. E a ela, de resto, nenhuma oposição foi deduzida e contra ela nada se disse no despacho saneador.
Ampliada, assim, a causa de pedir - separação de facto por seis anos consecutivos até à data da apresentação da réplica -, o acórdão recorrido não merece, neste ponto, qualquer censura, pois os factos provados integram o fundamento de divórcio previsto nos arts. 1781, alínea a), e 1782, n. 1, do Código Civil, aquele na redacção então vigente, pois na nova redacção dada pelo artigo 1º da Lei 47/98, de 10 de Agosto, é fundamento do divórcio litigioso a separação de facto por três anos consecutivos.
A este respeito deve dizer-se ainda que a alteração da causa de pedir, na réplica, não implica, ou pode não implicar a alteração do pedido. Pode alterar-se ou ampliar-se a causa de pedir e manter-se o pedido inicial. É o que resulta do disposto no artigo 273, ns. 1 e 2, do Cód. Proc.Civil. E foi o que sucedeu no caso dos autos. A autora, na réplica, ampliou a causa de pedir, situando a separação de facto de 1-11-90 até 1-11-96.
Quanto aos alimentos provisórios.
O acórdão recorrido, confirmando a sentença da 1ª instância, fixou a pensão de alimentos em 150 contos mensais, considerando, em prudente arbítrio, à sombra do disposto no n. 1, do artigo 2007 do Código Civil, que trata de alimentos provisórios, que o recorrente, só de rendas de várias lojas e andares do casal recebe mais de 300 contos por mês.
Alega agora o recorrente, juntando documentos, que o seu rendimento mensal médio é de 256417 escudos, pelo que a pensão alimentícia deve reduzir-se a 120 contos mensais.
No recurso de revista, como é o caso, os factos agora apontados pelo recorrente são de todo irrelevantes.
Nos termos do artigo 727 do Código de Processo Civil, a junção de documentos supervenientes com as alegações só é admitida sem prejuízo do disposto no n. 2 do artigo 722 e no n. 2 do artigo 729.
Ora, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo as excepções contempladas na parte final do referido artigo 722, n. 2, que não ocorreu no caso dos autos.
O Supremo Tribunal de Justiça não julga matéria de facto. Em regra só julga questões de direito, nos termos dos artigos 729, n. 1 e 29 , aquele do Código de Processo Civil e este da Lei 38/87, de 23 de Dezembro. A decisão da Relação quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo Supremo, salvo o caso excepcional previsto no n. 2 do artigo 722 (artigo 729, n. 2, do Cód. Proc. Civil). Por isso se diz que o Supremo é um tribunal de revista.
Assim, os factos atrás expostos são os únicos a considerar, por insindicáveis.
Face a tal factualidade, não pode afirmar-se como agora alega o recorrente, que o seu rendimento mensal é de 256417 escudos.
Foi fixado pelas instâncias, cabendo à Relação a última palavra, que o réu recorrente só de rendas recebe mais de 300 contos por mês.
Assim, sendo, carece de razão o recorrente ao pretender ver diminuída a prestação de alimentos a favor da autora.
Improcedendo, como improcedem, as conclusões da respectiva alegação, o recurso está votado ao insucesso.

Termos em que se nega a revista.
Custas pelo recorrente.
Tomé de Carvalho,
Silva Paixão,
Silva Graça.