Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96S197
Nº Convencional: JSTJ00031683
Relator: CARVALHO PINHEIRO
Descritores: HORÁRIO DE TRABALHO
PRESSUPOSTOS
DURAÇÃO DO TRABALHO
DURAÇÃO NORMAL DE SERVIÇO
Nº do Documento: SJ199703180001974
Data do Acordão: 03/18/1997
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N465 ANO1997 PAG400
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 294/95
Data: 03/18/1996
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: L 2/91 DE 1991/01/17.
DL 409/71 DE 1971/09/27 ARTIGO 5 N1 ARTIGO 10 ARTIGO 11 N2.
DL 398/91 DE 1991/10/16 ARTIGO 1.
LCT69 ARTIGO 45.
DL 24402 DE 1934/08/24 ARTIGO 10.
DL 505/74 DE 1974/10/01 ARTIGO 1.
DL 209/92 DE 1992/10/02.
Sumário : I - Por um período de trabalho deve entender-se o n. de horas de trabalho que o trabalhador se obrigou a prestar (cfr. artigo 45 da LCT69); e por horário de trabalho a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário e ainda dos intervalos de descanso (cfr. artigo 11 n. 2 do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro).
II - Referindo-se o período normal de trabalho à prestação de horas de trabalho não é crucial imputar nele horas que não sejam de efectivo trabalho, nomeadamente intervalos para descanso, tomada de refeições ou outra qualquer finalidade. Tais intervalos encontram na definição de horário de trabalho o seu lugar.
III - Praticando a entidade patronal um período normal de trabalho semanal de 45 horas, distribuidas diariamente por um horário de trabalho de 8 horas, das quais meia hora servia de intervalo para uma refeição (excepto ao sábado em que o horário de trabalho era de 5 horas), não passou ela a infringir a Lei 2/91, de 17 de Janeiro, (e posteriormente o artigo 5 n. 1 do Decreto-Lei 409/71 de 27 de Setembro, com a redacção introduzida pelo artigo 1 do Decreto-Lei 398/91, de 16 de Outubro) que fixou em 44 horas o limite máximo do período normal de trabalho semanal, mantendo o mesmo horário de trabalho, pois o trabalho efectivo continua a ser inferior a esse limite máximo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I- A, B e C, instauraram no Tribunal do Trabalho da Maia, acção declarativa com processo ordinário, emergente de contrato individual de trabalho, contra "D", pedindo se reconhecesse fazer parte do horário de trabalho o descanso diário de meia-hora, ter sido de 45 horas semanais e horário de cada um dos Autores desde a data da sua admissão até ao presente, e a condenação da Ré a diminuir em uma hora o seu horário semanal para passar a ser de 44 horas por via da Lei 2/91 de 17 de Janeiro, mantendo-se o descanso diário de meia-hora como parte integrante do horário de trabalho, e a pagar-lhes, em consequência, como trabalho suplementar uma hora por dia desde 22 de Janeiro de 1991, (data da vigência da dita Lei).
Em síntese, alegaram terem sempre trabalhado 45 horas semanais em regime de três turnos de oito horas diárias, com meia hora de intervalo para uma pequena refeição, intervalo esse sempre considerado como parte integrante do horário; e não ter a Ré efectuado a redução do horário praticado para as 44 horas semanais após a publicação da Lei n. 2/91 que ficou nessa duração o período normal de trabalho semanal, com o argumento de que a meia-hora de intervalo não fazia parte do horário.
A Ré contestou, impugnando que a meia-hora de intervalo fosse alguma vez considerada como tempo de trabalho.
Condensada e julgada a causa, proferiu-se sentença em que se julgou a acção totalmente improcedente e se absolveu a Ré do pedido. Considerou-se na sentença que, existindo no caso em apreço regulamentação legal imperativa e afastada por esse motivo a possibilidade de estipulação individual, não era lícito contabilizar para efeito de duração do trabalho, mais do que o trabalho efectivamente prestado (42,30 horas semanais)
- o que no caso não ofendia os princípios legais aplicáveis.
Os Autores apelaram, mas a Relação do Porto pelo seu
Acórdão de folhas 139 e seguintes, considerando que a
Tese dos Recorrentes assenta numa clara confusão entre
"horário de trabalho" e "período de trabalho", negou provimento ao recurso e confirmou a sentença, "embora com diferente fundamentação".
Pediram os Autores revista a este Supremo Tribunal, concluindo assim a sua alegação:
"A) O número de horas que o trabalhador se compromete a prestar é o factor duração convencionado de horário de trabalho.
B) No caso sub judice, resultou provado que prestação de trabalho e horário de trabalho tinham a mesma duração.
C) É que foi convencionado pela Recorrida que a meia-hora de intervalo fazia parte do horário de trabalho, na sua vertente de duração.
D) E a Recorrida sempre assim agiu, nomeadamente no desconto de faltas, até à entrada em vigor da Lei n. 2/91.
E) Sempre tal foi aceite pelos Recorrentes e Recorrida que, nesses moldes os contratava.
F) A Recorrida, ao manter o mesmo horário aos Recorrentes, após a entrada em vigor da Lei 2/91, fez com que tal horário deixasse de respeitar os condicionalismos legais.
G) Atenta a justaposição existente entre horário de trabalho e prestação de trabalho, tal horário deveria ser reduzido em uma hora, após a entrada em vigor da
Lei 2/91.
H) Ao decidir como decidiram, as Instâncias fizeram má aplicação e interpretação do direito, nomeadamente dos artigos 5 e 11 do Decreto-Lei n. 409/71".
A Ré contra-alegou, sustentando o Acórdão recorrido.
O Ilustre Procurador-Geral Adjunto neste Supremo
Tribunal emitiu douto parecer no sentido da negação da revista, muito embora apontem no sentido oposto as doutas considerações dele constantes.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - A questão fulcral levantada no recurso, delimitada pelas respectivas conclusões, pode formular-se através da seguinte pergunta: - Praticando a Ré (com relevância para os Autores) um período normal de trabalho semanal de 45 horas, distribuídas diariamente por um horário de trabalho de 8 horas, das quais meia-hora servia de intervalo para uma refeição (excepto ao Sábado em que o período de trabalho era de 5 horas) - Terá ela passado a infringir a Lei 2/91 de 17 de Janeiro (e posteriormente o artigo 5 n. 1 do Decreto-Lei 409/71 de
27 de Setembro com a redacção introduzida pelo artigo 1 do Decreto-Lei 398/91 de 16 de Outubro) que fixou em 44 horas o limite máximo do período normal de trabalho semanal?
III - No Acórdão recorrido fixou-se a seguinte matéria de facto:
1. A Ré dedica-se à actividade industrial têxtil - subsector de cordoaria - explorando um estabelecimento fabril no local da sua sede.
2. Por virtude de contrato de trabalho subordinado, a
Ré admitiu os Autores nas datas e com as categorias seguintes:
- A A em 3 de Janeiro de 1974, com a categoria de "entrançador";
- A B em 1 de Outubro de 1982, com a categoria de "acabamentos".
- O C em 14 de Março de 1988, com a categoria de "torcedor de fios finos".
3. Nesse serviço se têm mantido ao serviço da Ré, trabalhando ininterruptamente com zelo, assiduidade e competência.
4. As duas Autoras auferem a remuneração mensal de
53500 escudos e o Autor aufere mensalmente a remuneração de 55000 escudos.
5. Há mais de uma dezena de anos que no estabelecimento da Ré são cumpridos os seguintes horários de trabalho por turnos:
I - Das 7 às 15 horas de Segunda a Sexta-feira e ao
Sábado das 7 às 12 horas.
II - Das 15 às 23 horas de Segunda a Sexta-feira e ao
Sábado das 12 às 17 horas.
III - Das 23 às 7 horas de Segunda a Sexta-feira.
6. Os horários por turnos fixos têm cada um um intervalo de meia hora - o primeiro das 12 às 12,30 horas; o segundo entre as 19,30 e as 20 horas; e o terceiro entre as 3 e as 3,30 horas.
7. Os Autores, que prestam o seu trabalho no 2. turno, praticaram ao longo dos tempos um horário semanal de 45 horas, como todos os colegas, quer do 1. quer do 2. turno.
8. Os Autores são associados do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis dos Distritos do Porto e Aveiro.
9. A Ré é representada pela Associação dos Industriais de Cordoaria e Redes dos Distritos do Porto e Aveiro.
10. O intervalo de meia-hora acima referido sempre fez parte integrante do horário de trabalho dos trabalhadores que cumprem cada um dos turnos.
11. Esse intervalo destina-se a possibilitar a tomada duma pequena refeição.
12. Sempre assim foi e sempre foi aceite quer pelos trabalhadores, quer pela Ré - que nesses moldes eram contratados.
13. Após a entrada em vigor da Lei 2/91, veio a Ré a afirmar que o intervalo de 30 minutos diários não fazia parte do horário de trabalho e, como tal, os trabalhadores dos turnos trabalham apenas 42 horas e 30 minutos.
14. Pela sua prática anterior, a Ré sempre reconheceu e aceitou como sendo de 45 horas cada um dos horários por turnos.
15. Cada um dos Autores e demais colegas só marcavam o cartão de relógio de ponto no início do período laboral e depois no seu termo, não sendo registado o período de meia-hora.
16. Nos recibos de vencimento de cada um dos Autores e demais colegas a Ré sempre fez inscrever, até à publicação do citado diploma legal, como sendo de 195 horas mensais o horário de cada um dos trabalhadores.
17. Sem que a prestação de trabalho, no seu aspecto de horário, fosse minimamente alterada, a Ré, após a publicação do citado diploma legal e a instâncias dos trabalhadores para reduzir em uma hora o horário, começou a fazer constar dos recibos como sendo de 184,
2 horas a prestação mensal.
18. Enquanto dura o intervalo de 30 minutos, as máquinas da Ré estão desligadas, com excepção de 4 ou 5 que são permanentemente assistidas por outros tantos trabalhadores, num conjunto total de cerca de 80 trabalhadores.
19. Durante o intervalo de 30 minutos os Autores ausentam-se dos seus postos de trabalho para tomarem uma refeição, seja na empresa, seja fora dela e para permanecerem também fora do edifício fabril, gozando esse período a seu belo prazer.
IV - 1. Na linha mestra argumentativa da alegação de recurso sustenta-se poderem as partes, através dum contrato individual de trabalho, acordarem um sistema de prestação de trabalho - na vertente da sua duração -
"em que o trabalhador saia beneficiado, prestando efectivamente menos tempo de trabalho do que o período normal de trabalho efectivo". Pretende-se, nessa via, afirmar serem as partes inteiramente livres para fixar contratualmente um período de trabalho ainda mais favorável ao trabalhador, por mais reduzido, que o resultante da aplicação do limite máximo legalmente permitido.
Tal linha de argumentação merece-nos sérias reservas, pelo menos nos termos amplos em que a questão é posta.
Porém, e antes de mais, visto que num "sistema de prestação de trabalho" se articulam um "período normal de trabalho" e um "horário de trabalho" - necessário se torna definir a terminologia para se afastarem as ambiguidades cometidas na argumentação dos Recorrentes.
Assim, por "período normal de trabalho" deve entender-se o número de horas de trabalho que o trabalhador se obrigou a prestar (cfr. artigo 45 da LCT
- regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei 49408 de 24 de Novembro de 1969); e por "horário de trabalho" a determinação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário e ainda dos intervalos de descanso (cfr. artigo 11 n. 2 da LDT (Decreto-Lei n.
409/71 de 27 de Setembro).
Referindo-se o período normal de trabalho à prestação de horas de trabalho não é curial imputar nele horas que não sejam de efectivo trabalho, nomeadamente intervalos para descanso, tomada de refeições ou outra qualquer finalidade. Tais intervalos encontram na definição do horário de trabalho o seu lugar.
A evolução do sistema legal assim o indica claramente.
Começando pelo Decreto-Lei n. 24402 de 24 de Agosto de
1934, que vigorou até à vigência do Decreto-Lei 409/71
(LDT), e onde se determinava um período normal de trabalho que ia até às 48 horas semanais, dizia o respectivo artigo 10 que o período de trabalho diário devia ser interrompido por um descanso que não poderia ser inferior a uma hora, nem superior a duas, depois de quatro e cinco horas de trabalho consecutivo. Do mesmo modo, também o artigo 10 da vigente LDT refere que o período de trabalho diário deverá ser interrompido por um intervalo de duração não inferior a uma hora, nem superior a duas, de modo que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo.
As expressões sublinhadas vincam a ideia da inexistência de prestação de trabalho (efectivo ou virtual) durante as interrupções aludidas. Trata-se sem dúvida, de normas imperativas.
E na mesma linha dispõe o CCT para a Indústria de
Cordoaria e Redes (in BTE, 1. série, n. 3, de 22 de
Janeiro de 1983) na sua cláusula 24, n. 1, que o
"período de trabalho será interrompido por um intervalo de 1 hora para refeição, por forma que nenhum dos períodos tenha mais do que 5 horas de trabalho consecutivo". No n. 2 contempla-se a possibilidade de redução desse intervalo. É certo que, anomalamente se diz no n. 2 da cláusula 29 que o intervalo referido no seu n. 1 integra o período normal de trabalho diário - mas esta disposição (que não se aplica ao caso presente mas apenas aos trabalhadores dos turnos rotativos) suscita, sob tal ponto de vista, sérias reservas.
Na verdade, ao referir que o intervalo de descanso integra o período normal de trabalho diário - e não o respectivo horário - tudo se passa como se tal disposição transformasse o descanso em trabalho. Não pode ser. Não se concebem períodos de trabalho "faz de conta" ou de "trabalho virtual" - sob pena de se admitir a reivindicação de trabalho extraordinário com origem nessa "realidade virtual", puramente imaginária, do descanso poder valer como prestação de trabalho.
Trata-se duma concepção juridicamente mórbida, susceptível de afectar a saúde laboral das empresas que a praticassem - com inconvenientes evidentes capazes de afectar essas empresas, e por tabela os respectivos trabalhadores. Seria a derrocada da disciplina jurídico-laboral, criando um terreno fértil aos maiores e disparatados abusos.
O próprio Decreto-Lei n. 505/74 de 1 de Outubro - diploma oriundo do Governo do General Vasco Gonçalves, que não podia ser acusado de simpatias capitalistas ou demo-liberais - aponta no sentido defendido, ao dispor no seu artigo 1 que os limites da duração do trabalho fixados nos horários em vigor, não poderiam ser reduzidos por convenção colectiva ou contrato individual de trabalho.
Tais limites atingiam, então, nos termos do já citado
Decreto-Lei 24402, as 48 horas semanais.
E apesar de no aludido Decreto-Lei 505/74 se prescrever que a proibição da sua redução se alongaria até à publicação da nova disciplina legal sobre duração do trabalho, o certo é que só com o Decreto-Lei n. 209/92 de 2 de Outubro viria a ser revogado. Não obstante, pela cláusula 22 n. 1 do CCT para a Indústria de
Cordoaria e Redes, já acima aludida, passou para 45 horas semanais o limite máximo do período normal de trabalho para os trabalhadores por ele abrangidos.
3. Todavia, no caso presente, esse período normal de trabalho era realmente não de 45 horas semanais, mas de
42 horas e 30 minutos - uma vez que os trabalhadores dos turnos fixos, como os Autores, gozavam diariamente de um intervalo de meia hora (de Segunda a Sexta-feira, inclusive) para uma refeição - e que era também de descanso da prestação laboral, uma vez que, como se provou, as máquinas eram desligadas nesse período de 30 minutos.
Por isso, quando surgiu a Lei 2/91 de 17 de Janeiro impondo como limites máximos do período normal de trabalho as 8 horas por dia e as 44 horas por semana
(limites que passaram para o artigo 5 n. 1 da LDT por obra e graça do Decreto-Lei 398/91 de 16 de Outubro), forçoso é reconhecer que já a Ré, na realidade, os respeitava.
Nada interessa o que a este respeito "a Ré sempre reconhecera e aceitara" relativamente a um período de trabalho de 45 horas. A verdade é que tal período - independentemente desse reconhecimento e aceitação - era de 42 horas e 30 minutos, pelos motivos acima expostos.
A circunstância - que os Autores invocam como argumento a favor da sua tese - de a Ré lhes descontar 8 horas quando faltavam um dia completo, em vez de 7,30 horas, carece de relevância. Se a Ré assim actuava, fazia mal
- mas isso não altera a realidade das coisas: trabalho
é trabalho, descanso é descanso.
Assim, à pergunta que sintetiza a questão em causa
(cfr. supra II) só pode responder-se pela negativa.
V - Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.
Custas pelos Autores (gozam, porém, de apoio judiciário
- folhas 57 verso).
Lisboa, 18 de Março de 1997
Carvalho Pinheiro,
Matos Canas,
Loureiro Pipa.