Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B3179
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: LIVRANÇA
AVAL
RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE
PRESCRIÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: SJ200511290031797
Data do Acordão: 11/29/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 10048/04
Data: 04/14/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - O aval simples, isto é, resultante da simples aposição da assinatura, pode ser escrito no anverso da folha anexa (alonge).

II - Não acordada data de vencimento, nem prazo para o preenchimento da livrança nessa parte, não é a simples não exigência do seu pagamento no prazo de 3 anos a contar da comunicação da rescisão do contrato subjacente à entrega da mesma e da reclamação do pagamento da quantia constante desse título de crédito que pode criar convicção fundada da prescrição do direito cambiário, a considerar nos termos e para os efeitos do art. 334º C.Civ.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


O Estado (Secretaria de Estado do Tesouro ), representado pelo MºPº, moveu, em 26/6/95, a A - Cooperativa Agro-Pecuária, SCRL, e a outros, execução ordinária para pagamento de quantia certa que foi distribuída ao 6º Juízo Cível da comarca de Lisboa.

Em 3/10/95, a executada B e outros deduziram, por apenso, oposição por meio de embargos.

Sustentaram, antes de mais, a ineficácia como título de crédito do documento dado à execução como se de livrança se tratasse : dado constar dele ordem, e não promessa, de pagamento, não teria valor como tal, conforme arts.75º, nº2º, e 76º-I, LULL e Ac.STJ de 29/9/93, CJSTJ, I, 3º, 34.

Inexistiria, por consequência, título executivo - cfr. art. 813º, al.a), CPC.

Excepcionaram, subsidiariamente, em indicados termos, o preenchimento abusivo, e, nessa base, a prescrição da obrigação cambiária ajuizada, nos termos dos arts.70º e 77º LU - cfr. art. 815º, nº1º, CPC.

O MºPº contestou, em representação do Estado, esses embargos de executado.

Salientou, em resumo, antes de mais, que o carácter literal e autónomo dos títulos de crédito só produz efeito depois de entrarem em circulação (1), sendo sempre possível, nas relações imediatas, isto é, em que os sujeitos cambiários o são também, ao mesmo tempo, de convenções extracartulares, invocar a verdadeira situação e fazê-la prevalecer sobre o que consta do título (2) , tudo - nesse âmbito - se passando como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta (3).

Invocou, depois, a previsão do art.334º C.Civ. E sustentou, em suma, ter sido deixada ao credor a liberdade de fixação do vencimento da obrigação cambiária exequenda.

Estes embargos foram julgados procedentes por saneador-sentença de 26/10/2000, de que houve recurso de apelação.

Em acórdão de 27/6/2002, a Relação de Lisboa fez, antes de mais, notar a nulidade dessa sentença por falta absoluta da indicação da matéria de facto provada - v. arts.510º, nºs 1º, al.b), e 3º, 659º, nº2º, 666º, nº3º, e 668º, nº1º, al.b).

Todavia não reclamada essa nulidade - cfr. nº3º deste último, fixou, ela própria, ao abrigo do art. 712º, nº1º, todos do CPC, os factos provados, a saber :

- Foi outorgado pelo Comissariado para os Desalojados e por A - Cooperativa Agro-Pecuária, SCRL, o contrato de abertura de crédito de que há certidão a fls.72 ss, de cujo art.1º, § 2º, consta que " a " Mutuária " subscreverá a favor do "Comissariado" uma livrança do montante do empréstimo concedido, com a data do vencimento em branco e as assinaturas reconhecidas presencialmente por notário, a qual garantirá ( , ) por via executiva, o pagamento total daquilo que, à altura ( , ) se mostrar em dívida, no caso de a " Mutuária " faltar ao cumprimento de qualquer das cláusulas do presente contrato " (4) .

- O Estado ( Secretaria de Estado do Tesouro ) é portador do título de que há cópia a fls.83, subscrito, para além de outros, pelos embargantes, emitido em 29/9/77, e pagável à ordem do Comissariado para os Desalojados.

Valeu-se, depois, do elucidado em ARL de 26/2/98, CJ, XXIII, 1º, 135, que, nessa parte, seguia já pari passu sentença de 12/5/97, publicada na CJ, XXII, 2º, 301-2), que a final citou também, aditando, nessa base, e em síntese, quanto segue :

Nos termos do art.3º da Convenção de Genebra de 7/6/1930, destinada a regular certos conflitos de leis sobre as letras e livranças, a forma de contracção das obrigações cartulares é regulada pela lei interna do país em que essas obrigações tiverem sido assumidas.

Antes da publicação da Portaria nº142/88, de 4/3, o art.118º do Regulamento do Imposto de Selo
( RIS ) prescrevia que as livranças eram passadas no papel para letras, aditando-se a expressão "aliás livrança" à palavra letra constante do impresso.

Com o DL 387-G/87, de 30/12, esse preceito obteve nova redacção, passando a estabelecer que "o modelo das letras e livranças e suas características serão estabelecidas em portaria do Ministro das Finanças ( ... )".

Foi com a predita Portaria nº142/88, de 4/3, que veio a definir-se um modelo uniforme para letras e para livranças e se fixaram as características dos impressos respectivos.

O título dado à execução foi emitido em 29/9/77, data em que não existia um modelo próprio para livranças, e obedecia ao disposto no art.118º do Regulamento do Imposto de Selo (5)

Dando por controvertida a matéria de facto relativa à prescrição, foi, essencialmente, nesta base
que no predito acórdão de 27/6/2002 se julgou procedente a apelação e se revogou a sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos para apreciação da prescrição excepcionada.

A falada sentença de Juiz de Círculo de Tomar de 12/5/97 (CJ, XXII, 2º, 301, 2ª col.) adiantava ainda que na vigência do art.118º RIS, em que, como elucidado por Oliveira Ascensão, "Direito Comercial", III, 240, se continha injunção imperativa de utilização do impresso da letra, a jurisprudência considerava válida a livrança subscrita em impresso de letra de câmbio apesar de se mostrar formalmente incorrecto o requisito essencial da promessa de pagar.

Citava nesse sentido Ac.STJ de 4/7/75, BMJ 249/512, com anotação favorável de Vaz Serra na RLJ 109º/255 ss, ARL de 16/6/76, CJ, I, 779, e ARC de 27/9/88, BMJ 379/656, e, em contrário, Lobo Xavier e outra, RDE, XIII ( 1987 ), 313, além do já mencionado acórdão deste Tribunal de 29/9/93.

Em 13/2/2003, este Tribunal negou a revista da decisão da Relação pretendida pelos embargantes, considerando que a intenção das partes de se servirem de uma livrança resulta inequivocamente da alteração introduzida no título, uma vez que a promessa de pagar que o art.75º, nº2º, LU exige está implícita na expressão " aliás livrança " nele aposta.

Firmou-se para tanto em anterior jurisprudência do Supremo que o sobredito acórdão de 29/9/93 veio contrariar, ao julgar que, num impresso de letra em que foi aditado " aliás livrança ", a expressão " pagará V.Exª " em vez de " pagarei " basta para lhe retirar a eficácia como título de crédito.

Referiu, no sentido de que no domínio da primitiva redacção do art.118º RIS, o aditamento da ex pressão " aliás livrança " no impresso próprio das letras bastava para que se encontrassem preenchidos os requisitos formais daquele título, além do Ac.STJ de 4/7/75 acima referido, os do mesmo Tribunal de 18/2/86, BMJ 354/467, de 11/7/89, AJ, 1º, nº1, 12, de 30/1/96, BMJ 453/509 - de que importa salientar a proficiente anotação ( idem, 515 ) -, e de 27/1/98, no Proc.nº 1074/96.

Como naquela anotação se diz ( ibidem - III, 1º par.), a situação versada em todos os preditos arestos passou a não dever ocorrer, na prática, a partir do momento em que, com a Portaria nº 142/88, de 4/3, na redacção dada pela Portaria nº545/88, de 12/8, foi criado um modelo de impresso próprio para as livranças.

Seguiu-se, na 6ª Vara Cível de Lisboa - 2ª Secção, saneador-sentença com data de 15/7/2003 que, conhecendo da excepção de prescrição, julgou improcedentes estes embargos.

A Relação de Lisboa, por acórdão de 14/4/2005, negou provimento ao recurso de apelação interposto pelos embargantes e confirmou a decisão da instância recorrida.

Vem, agora, pedida revista do assim decidido.

Em fecho da alegação respectiva, os recorrentes deduziram 10 conclusões, que são, em termos úteis, como segue :

1ª - Resultando do contrato de abertura de crédito que a livrança era para ser subscrita pela A - Cooperativa Agro-Pecuária, SCRL, a assinatura dos recorrentes surge nesse título de crédito sob a menção " A Cooperativa Agro-Pecuária A SCRL ", não constando daquele contrato a existência de avalistas, nem também existindo qualquer contrato directo entre o Comissariado para os Desalojados e os recorrentes.

2ª - O facto dado por provado é apenas descritivo da livrança ajuizada, sendo, pois, questão de direito, e não de facto, saber a que título essa livrança foi subscrita pelos recorrentes.

3ª - O teor da livrança e do contrato de abertura de crédito permite concluir que os recorrentes a assinaram apenas a título de sócios da Cooperativa referida, sem que tenham assumido por isso uma responsabilidade autónoma, e uma vez que a livrança se destinava apenas a dotar o exequente de um título executivo no âmbito do contrato de abertura de crédito, aquele não tinha a expectativa de outras garantias, nomeadamente o aval dos recorrentes.

4ª - Não há, pois, título executivo contra os recorrentes, o que, em vista do disposto no art. 45º CPC, configura excepção dilatória de conhecimento oficioso que dá lugar à absolvição da instância ( art. 493º, nº2º, CPC ) (6).

5ª - Se assim não se entender, sobra que a obrigação cambiária dos recorrentes está prescrita, visto que a Secretaria de Estado das Finanças lhes comunicou por ofício de 4/8/82 que considerava rescindido o contrato de empréstimo referido com exigência de pagamento imediato da importância de 4.698.000$00 que figurava na livrança, sem juros contratuais, o que só se entende se os recorrentes tiverem sido considerados apenas obrigados cambiários.

6ª - É, por isso, a data de 4/8/82 que deve ser considerada como a data de vencimento da livrança, e, assim sendo, decorridos mais de 12 anos sobre a mesma, deve ser considerada provada a prescrição da eventual obrigação cambiária dos recorrentes.

7ª - Sempre, em qualquer caso, teria de se considerar ilegítimo, nos termos do art. 334º C.Civ., o exercício do direito que o exequente veio efectivar, por excedidos manifestamente os limites da boa fé com o surpreendente e inaceitável preenchimento do espaço em branco destinado à data do vencimento com o dia 17/11/94, ou seja, mais de 12 anos depois de ter pedido o pagamento, para além de à A - Cooperativa Agro-Pecuária, SCRL, aos (demais) executados recorrentes.

8ª - Há suppressio quando, não feito valer um direito durante certo tempo, essa inacção facultar uma situação de confiança em que já não será exercido, tal que a actuação desse direito iria atentar contra a boa fé (7).

9ª - O exequente podia e devia ter preenchido a data do vencimento da livrança em Agosto de 1982, mas só o fez, e a deu à execução, em 17/11/2004.

10ª - O abuso de direito configura uma excepção peremptória que, nos termos do art. 493º, nº3º, CPC, importa a absolvição total do pedido.

Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Em ordem conveniente, a matéria de facto relevante fixada pelas instâncias é como segue :

( a ) - Em 28/9/77, foi celebrado por escritura pública lavrada no 12º Cartório Notarial de Lisboa de que há certidão a fls.72 ss um contrato entre o Comissariado para os Desalojados e a A - Cooperativa Agro-Pecuária, SCRL, intitulado de abertura de crédito, mediante o qual aquele concedeu a esta, sob aquela forma, um empréstimo de 4.698.000$00.

( b ) - Do artigo 1º, § 2º, desse contrato consta que " a " Mutuária " subscreverá a favor do " Comissariado " uma livrança do montante do empréstimo concedido, com a data do vencimento em branco e as assinaturas reconhecidas presencialmente por notário, a qual garantirá ( , ) por via executiva, o pagamento total daquilo que, à altura ( , ) se mostrar em dívida, no caso de a " Mutuária " faltar ao cumprimento de qualquer das cláusulas do presente contrato ".

( c ) - O exequente é portador da livrança a fls.6 dos autos principais ( e de que há fotocópias a fls.83 e 218 destes autos ), subscrita por A - Cooperativa Agro-Pecuária, SCRL, representada pelo seu Presidente e por Vice-Presidente, e subscrita também, entre outros, pelos ora recorrentes.

( d ) - Essa livrança, no valor de 4.698.000$00, foi emitida em 29/9/77, à ordem do Comissariado para os Desalojados, com a data do vencimento em branco.

( e ) - Por ofícios de 4/8/82 a fls.18 e 19 dos autos, a Secretaria de Estado das Finanças comunicou aos ora recorrentes C e mulher e D e mulher que considerava rescindido o contrato de empréstimo celebrado em 28/9/77 e que deveriam proceder ao pagamento imediato da quantia de 4.698.000$00 em dívida àquela Secretaria, actual titular do crédito concedido pelo Comissariado para os Desalojados.

( f ) - Em 2/11/94, através da carta registada com A/R a fls.85, endereçada à A - Cooperativa Agro-Pecuária, SCRL, a Secretaria de Estado do Tesouro comunicou que na sequência da rescisão do contrato de empréstimo celebrado em 28/9/77, a livrança subscrita para garantia do mesmo se considerava vencida em 17/11/94, encontrando-se a pagamento nos serviços daquela Secretaria em Lisboa, e que o capital em dívida era de 4.698.000$00, acrescendo juros à taxa legal ( então de 15% ) contados a partir daquela data, o que traduzia um agravamento diário de 1.931$00.

( g ) - Conforme documentos a fls.86 a 95, a Secretaria de Estado do Tesouro ( Direcção Geral do Tesouro ) enviou aos ora recorrentes carta registada com A/R com data de 4/11/94 relativa ao financiamento CIFRE concedido a A - Cooperativa Agro-Pecuária, SCRL, em que se dava conhecimento, para eventual actuação dos mesmos, na qualidade de co-responsáveis, do ofício dirigido à sociedade mutuária de que ia junta fotocópia.

( h ) - Posteriormente à sua emissão, o exequente apôs na livrança referida, como data de vencimento, o dia 17/11/94.

Convém aditar ao facto referido em ( c ), supra, que as assinaturas do Presidente e do Vice-Presidente foram apostas no anverso da livrança imediatamente a seguir à menção " A Cooperativa Agro-Pecuária A, S.C.R.L.", e que a dos demais se mostra aposta no anverso de folha anexa (alonge). Segue-se-lhes o reconhecimento notarial das assinaturas, em que se menciona a referida qualidade dos dois primeiros.

Na sentença apelada discorreu-se, em resumo, assim :

Por Resolução do Conselho de Ministros de 21/10/76 e despacho conjunto da Presidência do Conselho de Ministros publicados no DR, I Série, de 3/11/76 e de 2/12/76, respectivamente, foi instituído no âmbito da actuação do Comissariado para os Desalojados organismo criado pelo DL 683-B/76, de 10/9 ) um programa de crédito destinado a financiar projectos de actividade económica apresentados pelos cidadãos desalojados, o programa de crédito CIFRE.

Esse programa de crédito foi, conforme DL 179/79, de 8/6, transferido para a Secretaria de Estado das Finanças, incluindo-se nessa transferência a titularidade dos créditos concedidos e dos actos praticados na prossecução do programa.

Emitida em branco quanto à data do vencimento, a livrança ajuizada seria uma livrança ( pagável ) à vista ( art.76º-II , isto é ), pagável à sua apresentação, nos termos dos arts.34º e 77º LU.

Como se vê da escritura mencionada, foi emitida em função do crédito concedido ao abrigo do programa referido.

Na falada escritura foi, consoante artigo 1º, § 2º, desse contrato, estabelecido entre o Estado e a mutuária um verdadeiro pacto de preenchimento, que, válido e nunca revogado, rescindido ou por qualquer forma posto em causa, atribuía àquele o poder de apor no título aludido a data de vencimento que entendesse.

Ao apor nessa livrança a data de 17/11/94, do que deu conhecimento aos embargantes, o Estado não violou o pacto de preenchimento, antes agiu em conformidade com o mesmo, no exercício de direito que lhe assistia.

Os embargantes figuram no título em causa como subscritores, e não, como pretendem, como avalistas.

Mesmo, porém, que tivessem intervindo nessa qualidade, vinculada a subscritora da livrança pelo pacto de preenchimento referido, sempre seriam responsáveis do mesmo modo que aquela, como determinado nos arts.32º e 77º LU.

Validamente aposta a data de vencimento - 17/11/94 - e tendo a execução sido instaurada em 26/ 6/95, não se verifica a prescrição arguida, cujo prazo é de 3 anos, conforme arts.70º e 77º LU.

Ora :

As questões agora de novo suscitadas nas conclusões da alegação dos recorrentes são as seguintes : - nas primeiras quatro, a da inexistência de título executivo contra os recorrentes, antes qualificada como ilegitimidade ; - nas duas seguintes, a da prescrição da obrigação cambiária exequenda ; - nas quatro restantes, a do abuso de direito.

A simples inspecção do título dado à execução basta para arredar a primeira dessas questões, menos bem reportada agora, com invocação, ainda, do art. 493º, nº2º, à previsão dos arts. 45º e - aparentemente - 813º, al.a), todos do CPC (cfr. conclusão 4ª da alegação dos recorrentes ). Com efeito :

A legitimidade das partes na acção executiva - em função da qual se determina esse mesmo pressuposto processual na oposição que lhe for deduzida por meio de embargos - afere-se, como decorre do art. 55º, nº1º ( v.também art.56º, nº1º) CPC, em vista do título executivo.

Representada a cooperativa subscritora ( cfr. art. 75º, nº7º, LU ), como resulta do título dado à execução - v.cópia a fls. 218 -, pelos respectivos Presidente e Vice-Presidente, a responsabilidade cambiária dos recorrentes decorre, claramente, da subscrição da livrança em nome próprio não (em representação daquela sociedade ).

E tal assim, se bem parece, como avalistas, conforme arts.31º- III e 77º-III LU - cfr. Abel Pereira Delgado, " LULL Anotada ", nota 2. ao art.13º, relativa à folha anexa (alonge), e nota 1. ao art.31º, onde se esclarece que o aval simples, isto é, resultante da simples aposição da assinatura, pode ser escrito no anverso da folha anexa.

A segunda questão a resolver é a da prescrição excepcionada.

Destinada a livrança ajuizada, como se vê do artigo 1º, § 2º, do contrato de abertura de crédito celebrado em 28/9/77, a assegurar o pagamento da dívida em caso de falta de cumprimento, esse incumprimento constituía, realmente, a causa de que dependia o preenchimento da livrança quanto à data do seu vencimento.

Mas não foi estabelecido para esse efeito qualquer prazo a contar da falta de cumprimento, podendo o exequente, a partir de então, indicar livremente aquela data.

Verificado incumprimento do contrato, o exequente podia apor na livrança a data de vencimento que entendesse e, como igualmente julgado na Relação, nada obstava ao pacto de preenchimento assim estabelecido, que era válido.

Como se diz no acórdão recorrido, neste contexto, resulta irrelevante a comunicação de 4/8/82, de que se considerava rescindido o contrato, mesmo se feita, como, de facto, foi, com a cominação de que, na falta de pagamento, haveria recurso à via judicial.

Em 2/11/94 foi feita comunicação de que a livrança subscrita para garantia do empréstimo iria ser considerada vencida em 17/11/94.

Aposta essa data naquele título como data do seu vencimento, é nela que se inicia o prazo de prescrição estabelecido nos arts.70º e 77º LU - e tal assim seja qual for a natureza da obrigação cambiária dos ora recorrentes ( cfr. arts.31º, 32º, e 77º dessa mesma lei ).

Intentada a execução em 28/6/95, esse prazo estava então longe de estar esgotado.

Vem, em terceiro e último lugar, arguido abuso no exercício do direito de preenchimento da livrança por este só ter sido levado a efeito mais de 12 anos depois de comunicada a rescisão do contrato e de reclamado, nessa base, o pagamento do capital mutuado, tendo-se por esse modo cria do nos recorrentes a convicção de que seria essa a data do vencimento da obrigação cambiária.

Como observado pela Relação, vale, em tese geral, a consideração de que o não exercício de um direito durante muito tempo pode criar na contraparte fundada expectativa de que esse direito já não será exercido, revelando-se, por isso, intolerável o posterior exercício do mesmo.

Todavia não acordada data de vencimento, nem prazo para o preenchimento da livrança nessa parte, não é, na verdade, a simples não exigência do seu pagamento no prazo de 3 anos a contar da comunicação da rescisão do contrato e da reclamação do pagamento da quantia constante da livrança emitida em seu cumprimento que pode criar convicção fundada da prescrição do direito cambiário.

Ainda como feito notar no acórdão recorrido, " o Código Civil adoptou uma concepção objectiva do abuso de direito, exigindo a verificação objectiva do excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé, mais do que a aquisição da convicção subjectiva do não exercício do direito por parte do respectivo titular ", inexistindo, no caso dos autos, o clamoroso excesso dos limites impostos pela boa fé que caracterizam o abuso de direito.

Não se justifica a condenação dos recorrentes por litigância de má fé pretendida na contra-alegação do recorrido.

Alcança-se, na conformidade do exposto, a decisão que segue :

Nega-se a revista.
Custas pelos recorrentes

Lisboa, 29 de Novembro de 2005
Oliveira Barros, relator
Salvador da Costa,
Ferreira de Sousa.
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(1) Citou assim Abel Pereira Delgado, " LULL Anotada ", 5ª ed., 116, 3º par.

(2) Citou deste modo Oliveira Ascensão, " Direito Comercial ", III (1992), 26-27 )

(3) Citou neste ponto Ferrer Correia, " Lições de Direito Comercial ", III ( 1966 ), 106.
(4) Completou-se a transcrição feita pela Relação - de envolta já, aliás, com a apreciação de direito, e em contravenção, pois, também do determinado no art.659º, nº2º, então aplicável ex vi do art.713º, nº2º, CPC, que exige a discriminação - isto é, a indicação em separado - da matéria de facto e da respectiva apreciação de direito.

(5) Indiscutível que letras e livranças são títulos rigorosamente formais ( como diz das letras Ferrer Correia, ob., vol., e ed. cits, 22 ), daí, porventura, o excesso assacado no falado ARL de 26/2/98 à invocação do " rigor da LU " no acór.-dão deste Tribunal em que, sem mais, vinha apoiado o saneador-sentença apelado. Foi, a outro tempo, com menos a-propósito que a Relação, no acórdão de 27/6/2002 que se vem referindo, invocou Ac.STJ de 27/1/98, CJSTJ, VI, 1º, 40-II e 42-X-2), pois as livranças então em questão se reportavam explicitamente a contratos de empréstimo. Não é esse o caso do título de que há cópia junta a fls.83, e também a fls.218, destes autos.

(6) Sobre a parte final desta conclusão e das subsequentes conclusões 6ª e 10ª, ora omitida, v. Rodrigues Bastos, " No-tas ao CPC ", III, 299-3.

(7) Esta conclusão é do seguinte teor : " Como defende MENEZES CORDEIRO, há suppressio quando uma posição jurídica, não tendo sido exercida durante certo tempo, não mais possa sê-lo ( , ) por, de outra forma, se atentar contra a boa fé, pois, ao não exercer o seu direito, o sujeito iria facultar ao agente uma situação de confiança em que tal exercí- cio não mais teria lugar : ao actuar subitamente, ele iria contrariar a sua primeira inacção, defrontando a confiança ".