Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3848/04.3TVLSB.L1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA FONSECA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO DO LOCATÁRIO
AUTORIZAÇÃO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
ACÇÃO DE DESPEJO
FUNDAMENTOS
RENDA
MORA DO CREDOR
PRAZO DE CADUCIDADE
DEPOIMENTO DE PARTE
FORÇA PROBATÓRIA
CONFISSÃO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
Data do Acordão: 01/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, Volume II, 4ª edição, p. 387.
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pp. 573/574.
- Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, artigo 729º, II.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 249.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, N.º1, 352.º, 358.º, N.ºS 1 E 4, 361.º, 424.º, N.ºS 1 E 2, 813.º, 841º, N.º 1, ALÍNEA B), 1022.º, 1023.º, 1029.º, N.º3, 1038.º, ALÍNEAS A), F) E G), 1049.º, 1057.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 722.º, N.º 3, 729.º, N.º3.
REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (RAU), APROVADO PELO DL N.º 321-B/90, DE 15 DE OUTUBRO: - ARTIGOS 5.º, 6.º, 22.º, N.º1, 64.º, N.º1, ALS. A), F), 121.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 28/06/2012.
*
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 25/11/2004, PROCESSO 04B4053, WWW.DGSI.PT.
-DE 10/05/2012.
Sumário :
I - O depoimento de parte quando não possa valer como confessório, pode ser livremente apreciado pelo tribunal, não tendo, neste caso, de ser reduzido a escrito.

II - O contrato de arrendamento, celebrado em 1985, para o exercício de profissão liberal, estava sujeito a escritura pública, sendo que tal inobservância da forma legalmente prescrita conduz a uma invalidade mista, por só poder ser invocada pelo locatário (artigo 1029º, n.º 3, CC).

III - Ainda que em simultâneo com a celebração do contrato, o senhorio haja autorizado a alteração do destinatário do contrato de arrendamento (para uma sociedade que estava em processo de constituição e de que o arrendatário era sócio fundador) esta, para ser válida, quanto ao locador, carecia da outorga da cessão e ainda da sua comunicação ao locador, no prazo de quinze dias – artigo 1038º, alíneas f) e g), do CC.

IV - A sua falta constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento, a não ser que se venha a demonstrar que houve reconhecimento da transmissão.

V - Verifica-se tal reconhecimento se a sociedade X, beneficiária da cedência, é constituída no prazo previsto aquando da autorização referida em II, o que é do conhecimento dos então senhorios, passa a usar e fruir do locado, o que faz desde 1986 com o conhecimento e consentimento destes, pagando as rendas, com o consentimento do primitivo arrendatário.

VI - Não afasta tal reconhecimento, nem afecta ou impossibilita a correcta decisão do pleito – susceptível de determinar a remessa dos autos ao tribunal a quo para suprir contradições na matéria de facto, nos termos do artigo 729º, n.º 3, do CPC – a circunstância de em 1987 os (primitivos) senhorios notificarem o réu C (e não a sociedade X) para exercer a preferência na venda do imóvel, em 2003 os então senhorios, pretendendo novamente alienar o imóvel, voltarem a notificar aquele réu e apenas em Março de 2004 – após, por um lado, declaração da sociedade X de querer exercer o direito de preferência e que vai depositar as rendas em nome próprio e, por outro, o falecimento do senhorio –, a senhoria procede à devolução das rendas, solicitando ao réu C a declaração de que autoriza a sociedade a ocupar o imóvel: a tal data já o direito de resolução havia caducado, por o conhecimento do seu fundamento ser do primitivo senhorio desde 1986 e a senhoria, ora autora, suceder-lhe nos direitos e obrigações (artigo 1057º do CC).

VII - Nas circunstâncias referidas, a senhoria carecia de fundamento para recusar o recebimento das rendas, recusa que a faz incorrer em mora e afasta o direito à resolução do arrendamento nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 64.º do RAU.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

AA, BB e CC intentaram, a 22 de Junho de 2004, na 17ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra DD e 2.1 – EE, L.da, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que fosse declarada a resolução do contrato de arrendamento, que tem por objeto o 1º andar direito, com entrada pelo nº …, do prédio urbano sito no ..., n.os …, …, …, … e …, em Lisboa, e os Réus condenados a despejar o referido andar e a restituir-lho imediatamente e o 1º Réu condenado ainda a pagar-lhes a quantia de € 6.547,80 e ainda o valor das rendas vincendas.

Para tanto, alegaram em síntese, que foi celebrado um contrato de arrendamento com o Réu, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1986, e destinado a “atelier” de arquitectura do inquilino, mediante renda mensal, actualmente correspondente a € 736,30. A Ré, desde 1986, vem usando e fruindo na íntegra, com o consentimento do Réu, o locado. O Réu, desde há mais de dez anos, não usa o locado e, desde Outubro de 2003, deixou de pagar as rendas.

Contestou a Ré, alegando que, desde o início do contrato, ficara acordada a transferência, sem outras formalidades, da titularidade do arrendamento para si, então em processo de constituição, tendo sido sempre reconhecida como verdadeira e única inquilina, para além do Réu ter comunicado a cedência da sua posição contratual, e que a Autora FF se recusou a receber as rendas. Conclui pela improcedência da ação.

Contestou também o Réu, alegando que a atividade exercida no andar arrendado quer pela Ré, quer por GG – Consultoria, Planeamento, Gestão e Fiscalização, L.da, das quais foi sócio e continua a ser quanto à última, sempre foi do conhecimento e anuência dos proprietários. Conclui pela sua absolvição do pedido.

Replicaram os Autores, respondendo à matéria de excepção e ampliando a causa de pedir, com a alegação da fruição do locado também pela sociedade “GG, L.da”, desde Maio de 1997, sem que tal tivesse sido comunicado.

Treplicou ainda o Réu, alegando que o contrato de arrendamento permitia ainda a sublocação parcial do locado.

Prosseguindo os autos, foi proferido o despacho saneador e realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação.

A sentença, com o fundamento de que o réu, desde há mais de um ano, não usava o local dado de arrendamento, declarou, na parcial procedência da acção, a resolução do contrato de arrendamento e condenou o Réu a restituir de imediato o arrendado aos Autores, livre de pessoas e bens, bem como a pagar-lhes a quantia de € 58 167,70, a título de rendas vencidas.

Inconformado com tal decisão, recorreu o Réu, pretendendo a revogação da decisão recorrida e, consequentemente, a sua absolvição do pedido, ou, no caso de resolução do contrato, a condenação da Ré no pagamento das rendas.

A Relação, por acórdão de 20 de Outubro de 2011, com fundamento na cessão da posição de arrendatário do Réu, sem qualquer transmissão da sua posição contratual e também com fundamento na falta de pagamento das rendas, confirmou a decisão da 1ª Instância.

De novo inconformado, recorreu o Réu para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 10 de Maio de 2012, decidiu “remeter os autos ao Tribunal da Relação, para efeitos de apreciar a impugnação da decisão de facto suscitada pelos Recorridos nas suas contra-alegações ao abrigo do citado n.º 2 do artigo 684º-A do CPC e decidir de direito em conformidade com a factualidade apurada”.

O Tribunal da Relação, por acórdão de 28 de Junho de 2012, confirmou a decisão recorrida.

De novo inconformado, o Réu volta a recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, finalizando a alegação com as seguintes conclusões:

1ª – Por escritos particulares de 18/12/1985, os proprietários anteriormente inscritos como senhorios e o Réu DD Taboada, como inquilino, acordaram no arrendamento do 1º andar do n.º 262 do ..., em Lisboa, destinado a este ou à firma a constituir de que fosse sócio, destinando-se o locado a “atelier” (fls. 29 e 30, alíneas D e F).

2ª – A 2ª Ré, Sociedade 2.1. EE L.da, passou a usar e fruir do locado, desde Março de 1986, com o consentimento do Réu DD Taboada (Quesitos 11º, 12º e 37º).

3ª – A Ré Sociedade 2.1. EE L.da desde logo passou a pagar as rendas de acordo com o Réu DD Manuel Taboada, sócio daquela (Alínea N e Quesito 13º).

4ª - O contrato de arrendamento só não foi celebrado desde logo com a 2ª Ré por esta estar em processo de constituição.

5ª - Os primitivos senhorios souberam da constituição da Sociedade; não ignoravam que era a Sociedade que efectivamente ocupava o andar; e que dele fazia a sua sede social; sabiam e consentiram que no locado exercesse a actividade a Ré Sociedade (Quesitos 25º e 29º).

6ª - Não carece da comunicação prevista no artigo 1038º do CC, o arrendamento feito a um inquilino ou a quem este indicar, como no caso dos autos.

7ª - Em Março de 1997, os Réus DD e a Sociedade sublocaram, em parte, o locado à GG, L.da (Quesito 37º).

8ª - Em 24 de Junho de 1997, os anteriores proprietários deram conhecimento ao Réu DD e mulher do projecto da venda do locado aos Autores, por efeito de preferência, respondendo este não estar interessado nessa compra e venda a HH, em razão de que prevalecera a condição de arrendatário (Alínea G).

9ª - HH, entretanto falecido e FF adquiriram o imóvel em causa em Setembro de 1997 (artigo 1º da petição inicial e doc. de fls. 13 e seguintes).

10ª - O Réu DD cedeu a sua quota na 2.1. EE L.da, em 3 de Abril de 2003 e é sócio da GG (Quesito 40º).

11ª - Em 12/09/2003, os proprietários HH e mulher comunicaram ao 1º Réu e sua mulher o seu propósito de venda global de diversas fracções no imóvel sito no nº 262 do ..., projecto que não vieram a concretizar (Alínea H).

12ª - Por carta de 26/09/2003, a Ré Sociedade 2.1. EE L.da, que se assumiu como inquilino desde Março de 1986, e como tal ocupava o locado na concretização do contrato de arrendamento em 18/12/1985, comunicou à 1ª Autora e seu marido a sua intenção de exercer o direito de preferência em relação à venda anunciada e relevante desde sempre fora ela a pagar as rendas referentes ao locado, quer aos Autores, quer aos anteriores primitivos proprietários, pagamento até efectuado por transferência bancária para uma conta de depósito bancário titulado em nome do falecido marido da 1ª Autora, (e assim desde Setembro de 1997) sempre custeando o pagamento das rendas posteriores a Março de 1986, efectuando as correspondentes transferências bancárias (Alíneas I, J e L).

13ª – Os Autores “solicitaram" uma declaração escrita do 1º Réu a autorizar a 2ª Ré a utilizar o locado, tendo a Sociedade 2.1. EE L.da, por carta de 27/10/2003, comunicado à 1ª Autora e ao seu marido que estava a diligenciar pela obtenção da declaração do 1.º Réu, através da qual este manifestasse por escrito a vontade de se fazer substituir pela 2ª Ré na titularidade do arrendamento (Artigo 29º da PI).

14ª - Só após o falecimento, em 29/12/2003, de HH, é que a viúva, a Autora FF se constitui na pressuposição de assumir que não reconhece a 2ª Ré Sociedade, corno inquilina (Alínea P).

Porque,

15ª – Esta, referiu-se, no decorrer dos articulados, na pressuposição de que as rendas transferidas para a conta depósito bancário da 1.ª Autora e do seu falecido marido haviam sido efectivamente pagas pela 2ª Ré, e como esta em 26/09/2003 anunciara pagar em nome próprio, a 1ª Autora, mediante carta de 11/03/2004, solicitou à 2ª Ré que fizesse cessar imediatamente as transferências e pagamentos da renda, procedendo do mesmo passo à devolução à 2ª Ré da importância de € 4.338,90 indevidamente transferido pela 2ª Ré para a conta depósito da 1.ª Autora e seu marido desde 1/10/2003 (Alínea P).

16ª - Face ao teor do contrato de arrendamento titulado pelos escritos particulares datados de 18/12/1985, os Réus não careciam de comunicar aos senhorios previamente a cessão autorizada;

E,

17ª - Os senhorios desde sempre (Março de 1985) sabiam da constituição da Sociedade 2.1. EE L.da, o que acontecera até antes do decurso do prazo de 90 dias após a data do contrato de arrendamento em 18/12/1985. Não ignoravam que era a Sociedade quem efectivamente ocupava o andar dele fazendo a sua sede social e conheceram e consentiram que, no locado, exercesse a actividade a Ré 2.1. EE L.da e assim aconteceu sempre.

Ora,

18ª - As convicções, as pressuposições desatempadas e subsequentes actuações da 1ª Autora, após o falecimento do marido, não poderão justificar o despejo desejado e arbitrariamente fundamentado e invocado pelos Autores nem na base da motivação que as instâncias utilizaram para o decretar.

19ª - Já porque, repete-se, não se impunha no caso dos autos, o cumprimento do artigo 1038º do CC e, mesmo que se pudesse entender que se impunha ao 1º Réu comunicar aos senhorios a cessão previamente autorizada pelos mesmos, sempre teriam caducado os direitos a que os Autores tão tardiamente, se arrogam.

20ª - Já porque, como se lê, vem provado que só após o falecimento do HH em 29/12/2003 é que a viúva entendeu actuar na base de não reconhecer a Ré Sociedade como inquilina.

21ª – O Réu DD usou do estipulado no contrato de arrendamento, celebrado a 18/12/1985, e as rendas, com o seu consentimento e conhecimento, sempre foram pagas através da 2.1. EE L.da (aliás dos autos até consta prova destes pagamentos, inicialmente efectuados por cheque, onde se lê a sua assinatura) (Documento de fls. 65).

22ª – Os Autores recusaram-se a receber as rendas, mas só depois da morte do marido da 1.ª Autora, constituindo-se assim em mora, e a 2ª Ré foi depositando as rendas que se foram vencendo na C.G.D. (Alínea P).

23ª - É injustificada a recusa em receber as rendas pelos Autores, constituindo-se esta mora, nos termos do artigo 813º do CC e do disposto no artigo 841º, nº 1, alínea b) do CC.

24ª - Não assistindo aos Autores, efectuado como se provou o depósito liberatório, o direito de resolver o contrato, com fundamento na falta de pagamentos das rendas.

25ª - A obrigação do pagamento da renda compete inequivocamente à 2ª Ré Sociedade, inquilina reconhecida do locado desde 1986, ocupação que é pública, notória e se mantém desde há mais de 18 anos.

26ª - O que obviamente determina, como se requer, a caducidade do direito que os Autores pretendem exercer.

E assim,

27ª - O conhecimento por parte dos Autores da entidade pagadora das rendas com a consequente identificação com a entidade que, “de pleno direito” ali exerce a sua actividade há mais de 18 anos, é inevitável e determina a improcedência da presente acção, revogando-se o Acórdão recorrido.

Os autores contra – alegaram, com ampliação do objecto do recurso nos termos do artigo 684º-A do CPC, finalizando a alegação com as seguintes conclusões:

QUANTO AO RECURSO

1ª - A cedência de posição do Réu recorrente no contrato de arrendamento em que foi originariamente investido, para ser eficaz, teria de ter sido comunicada aos Autores ou aos antecessores senhorios (nº 2 do artigo 424º e alíneas f) e g) do artigo 1038º, ambos do CC).

2ª - Ainda que se tratasse de contrato para pessoa a nomear, tornar – se - ia indispensável, para efeitos da sua eficácia, a comunicação da nomeação.

3ª - Está, porém, assente, definitivamente, que nunca foi efectuada tal comunicação;

4ª - Pelo que se manteve incólume a investidura do Réu recorrente na titularidade do arrendamento dado aos autos.

5ª - O facto de os senhorios antecessores dos Autores conhecerem a ocupação do locado, feita pela sociedade Ré, não tem a virtualidade de investir esta última na titularidade do arrendamento;

6ª - Pois que, por um lado, o Réu recorrente bem poderia ter constituído uma outra sociedade, que não a sociedade Ré, para lhe suceder no arrendamento;

7ª - E, por outro lado, essa ocupação não mais representaria senão uma sublocação parcial, expressamente autorizada no título do arrendamento.

8ª – O Réu recorrente é, pois, o único e legítimo arrendatário do locado.

9ª - Está assente que, por acordo com o Réu recorrente, a sociedade Ré passou a custear as rendas devidas a partir de Março de 1986.

10ª - Porém, quando a sociedade Ré, declaradamente em nome próprio, manifestou aos Autores a intenção de proceder ao pagamento das rendas, os Autores recusaram recebê-las.

11ª - Tal recusa era legítima.

12ª - Em consequência, as rendas devidas deixaram de ser pontualmente pagas.

13ª - Sendo a mora imputável ao inquilino, que não aos Autores.

14ª - O depósito de rendas feito à ordem dos autos, se bem que corresponda à obrigação que a sociedade Ré assumiu perante o Réu recorrente, não é liberatório;

15ª - Pois que não contempla a indemnização legal respectiva.

16ª - Não obstante o depósito não ter natureza liberatória, os valores depositados devem reverter a favor dos Autores, por corresponderem a valores que a sociedade Ré se obrigou a custear perante o Réu recorrente.

17ª - O Réu recorrente terá de ser condenado no pagamento das rendas em causa que não foram pontualmente pagas, mas por via da outorga aos Autores dos valores depositados, até ao montante de € 58.167,70, ficarão saldadas as responsabilidades por que o Réu vem condenado.

18ª - O acórdão recorrido considerou também provado que não só a sociedade Ré mas também o Réu recorrente proporcionaram, desde Maio de 1997, à GG, L.da a utilização do locado.

19ª – E a cedência de uso assim feita do locado a favor da GG, L.da nunca foi comunicada aos Autores ou aos senhorios antecessores.

20ª - O que igualmente constitui causa resolutiva do arrendamento [alínea g) do artigo 1038º do CC e alínea f) do nº 1 do artigo 64º do RAU].

B) - QUANTO À AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DE RECURSO

21ª - Na presente ampliação do objecto do recurso, previne-se, a título subsidiário, a possibilidade de se concluir, como sufraga o recorrente, pela investidura da sociedade Ré na titularidade do arrendamento dado aos autos e, noutra vertente, pela caducidade da ação.

22ª - O Réu recorrente atribui a titularidade do arrendamento à sociedade Ré (ao arrepio do que sempre propugnou nos autos) com base na factualidade inserta nas respostas dadas aos quesitos 16, 21, 25 e 29).

23ª - Todavia, tais respostas têm por base, exclusivamente, o depoimento de parte do Réu recorrente (tal como resulta da fundamentação da decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto).

24ª - Os factos em apreço são favoráveis ao Réu recorrente e suportavam a excepção de caducidade da acção por si deduzida na contestação.

25ª - Ora, nos termos do artigo 352º do Código Civil, a prova por confissão (depoimento de parte) só releva na medida em que seja desfavorável ao confitente.

26ª - Ao invés do que se sufragou no douto acórdão recorrido, a norma do artigo 361º do CC não é aplicável ao caso dos autos.

27ª - Com efeito, no caso vertente, o Réu não reconheceu, no seu depoimento de parte, factos que lhe fossem desfavoráveis.

28ª - Nesse seu depoimento, o Réu depoente "reconhece, sim, factos que lhe eram favoráveis e que, por isso, não podiam ser valorados livremente pelo Tribunal a seu favor como, em circunstâncias diametralmente opostas, o permitiria a norma do artigo 361º do CC.

29ª - Permitir que o depoente produza, em juízo, declarações que lhe são favoráveis e dar como provados os factos respectivos conduz a uma insanável colisão com a natureza da prova por confissão obtida judicialmente em depoimento de parte.

30ª - O acórdão recorrido, ao manter as respostas dadas aos quesitos 16º, 21º, 25º e 29º, violou disposições expressas de lei contidas nos artigos 352º, 358º nº 1 e 361 º do CC.

31ª - Os factos vertidos nas respostas dadas aos quesitos 16º, 21º, 25º e 29º, porque em violação de disposição legal expressa, hão-se ser eliminados do elenco fáctico da acção.

32ª - A questão assim suscitada é uma pura questão de direito, podendo este Alto Tribunal, por isso, dela conhecer (cf. nº 2 do artigo 722º do CPC).

33ª - A ampliação do objecto do recurso é, ainda, deduzida a título subsidiário, prevenindo a hipótese de não obterem acolhimento os fundamentos de resolução locatícia invocados no douto acórdão recorrido.

34ª - Estando assente que o Réu recorrente não usa o locado desde há mais de um ano antes da propositura da acção, a sublocação feita a favor da sociedade Ré e da GG, L.da é uma sublocação total e, por isso, não autorizada e ilícita.

35ª - Pois que, no título de arrendamento, só se autorizou a sublocação parcial.

36ª - Mesmo que se atendesse à factualidade constante das respostas dadas aos quesitos 16º, 21º, 25º e 29º, daí só resultaria que os senhorios antecessores dos Autores sabiam que o locado era ocupado pela sociedade Ré (sublocação parcial), mas não também que esse uso fosse feito sem concomitante utilização pelo Réu recorrente (sublocação total), não tendo a acção caducado.

37ª - Tal circunstância ocasionaria ainda (e mesmo assim) a resolução do contrato de arrendamento com esse acrescido fundamento.

38ª - De qualquer modo, como supra se concluiu, os factos constantes das respostas dadas aos referidos quesitos 16º, 21º, 25º e 29º são inatendíveis por violação do artigo 352º do CC.

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se o douto acórdão recorrido ou, assim se não entendendo e a título subsidiário, conhecendo-se das questões suscitadas no âmbito da ampliação do objecto do recurso (conclusões 21ª a 38ª supra), em qualquer caso se mantendo o douto acórdão recorrido na parte em que confirmou a decretação da resolução do contrato de arrendamento e o consequente despejo do locado e bem assim a condenação no pagamento das rendas em dívida no montante de € 58.167,79, a solver através dos valores depositados à ordem dos autos.

O Réu respondeu à ampliação do objecto do recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1ª - Em sede de contra-alegações de recurso, vieram os Autores sustentar que, na eventualidade da procedência da apelação na parte atinente à invocada caducidade da acção, devem ser impugnadas as respostas dadas aos supra referidos quesitos – 16º, 21º, 25º, e 29º, alegando, em suma, que "as respostas dadas aos citados quesitos assentaram na convicção que a 1ª Julgadora da causa formou com base num único meio de prova, a saber: o depoimento de parte do Réu, ora Apelante".

- O que desde já se esclareça e resulta da fundamentação da matéria de facto não corresponde à verdade.

E assim,

3ª - Por requerimentos apresentados em 20/12/2004 e 4/01/2005, (Fls. 167 e 186),) a Ré 2.1 EE L.da, e os Autores vieram requerer o depoimento de parte do 1º Réu DD à matéria dos n.os 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 25º e 26º e 1º a 5º, 7º, 9º a 12º, 14º, 31º, 32º, 37º e 38º.

4ª - O que foi admitido por despacho de 21/01/2005, (Fls. 197), tendo o 1º Réu prestado assim o seu depoimento de parte à matéria indicada quer pelos Autores quer pela 2ª Ré na audiência e julgamento de 9/06/2010, (fls. 334).

5ª - Em 13/07/2010, foi proferido despacho quanto à matéria de facto provada, especificando a Exc.ma Juiz os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção e de que então nenhuma das partes reclamou (Fls. 335).

6ª - E por acórdão da Relação de Lisboa de 20/10/2011, foi indeferida tal impugnação, uma vez que o ora Recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto, o que no entendimento sufragado no referido acórdão, constituía um pressuposto para tal ampliação, como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 684º do CPC.

A verdade é que,

7ª - Tampouco os Autores indicaram qualquer outro meio de prova constante dos autos que consentisse ao Tribunal decidir de modo diverso quanto aos citados quesitos.

8ª - Inconformados sustentaram novamente os Autores, desta feita para este Supremo Tribunal, a ampliação do objecto do Recurso quanto às respostas dadas aos quesitos n.os 16, 21, 25 e 29, "que devem ser eliminadas do elenco da matéria de facto provada nos Autos, por alegada violação de lei expressa, a saber o artigo 352º do CC”.

Ora,

9ª - Conforme decidido no Acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 10/05/2012:

"Analisados os apontados quesitos (16º, 21º, 25º, 29º) facilmente se pode concluir que estamos perante uma matéria que se mostra fulcral para a decisão do presente pleito, isto porque é susceptível de configurar um verdadeiro reconhecimento por parte dos primitivos senhorios que verdadeiramente, aqui, interessa em relação ao contrato de arrendamento e não tanto a posição dos ora autores e, isto, porque, está perante um arrendamento que lhes foi transmitido pelos anteriores proprietários".

E a ser assim, ou seja, havendo, aqui um reconhecimento por banda dos primitivos senhorios da qualidade de inquilina da sociedade, a cedência além de cobertura contratual na aponta cláusula, exclui o direito de resolução conforme se depreende do artigo 1049º do C. Civil, que estatui expressamente "o locador não tem direito à resolução do contrato com fundamento na violação do disposto nas alínea f) e g) do artigo 1038ºº se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal, ou ainda, no caso da alínea g) se a comunicação lhe tiver sido feita por este (...).

10ª - E como se trata de matéria de facto que não cabe nos poderes deste Supremo Tribunal sindicar e também com vista a acautelar o segundo grau de jurisdição nessa matéria, os Autos devem voltar ao Tribunal da Relação a fim de aí ser apreciada a impugnação da decisão de facto requerida em conformidade com o citado n.º 2 do artigo 684º-A do CPC”.

11ª - E em 28/06/2012, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto suscitada pelos Autores, nos seguintes termos: "Embora o depoimento de parte tenha como finalidade obter a respectiva confissão, como resulta expressamente da epígrafe da secção do CPC que contempla este meio de prova (artigo 552º) pode o mesmo quando não tenha valor confessório, valer como elemento probatório a apreciar livremente pelo Tribunal, como se admite no artigo 361º do CC.

12ª - Reconhece-se que, neste ultimo caso, o interesse do depoimento de parte possa ser reduzido ou até mesmo nulo, dada a natural propensão da parte para declarar aquilo que é já a sua posição nos autos, e, por isso, ser mais rara a sua admissão, quando não seja possível obter um efeito confessório. Neste caso, todavia, fica sujeito à liberdade de julgamento, decidindo o juiz segundo a sua prudente convicção (artigo 655º, n.º 1 do CPC).

13ª - Sendo admissível o depoimento de parte, sem ser para efeitos confessórios, podia o Tribunal a quo, sendo essa a sua prudente convicção, fundamentar no depoimento de parte a resposta à matéria de facto.

14ª - Ora, não tendo os Apelados alegado qualquer outro fundamento, nomeadamente o erro na apreciação do depoimento de parte que não tivesse sido a simples inadmissibilidade legal do depoimento de parte senão para a confissão, carece de justificação a modificação da decisão relativa à matéria de facto, quanto à resposta dos mencionados quesitos, nomeadamente no sentido negativo.

15ª - Assim, improcedendo a impugnação da matéria de facto, mantém-se esta, nos termos anteriormente descritos".

16ª - Sem embargo do que vêm, novamente, os Autores suscitar a ampliação do objecto do recurso nas contra-alegações a que se responde, com o mesmo fundamento!

Ora,

17ª - No dizer de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, página 249) o depoimento de parte que não possa valer como confissão é um simples elemento probatório a apreciar segundo o prudente critério do julgador: «[mas, neste plano, pode ter valor probatório decisivo (...) [o]s modos do depoente e as entrelinhas do respectivo depoimento, mesmo quando não verbalizado, podem, v. g., convencer plenamente o tribunal da insinceridade das suas negações (e portanto, normalmente, da veracidade das opostas afirmações da contraparte)».

18ª - Deste modo, com base no depoimento do Réu, bem como no escrito particular, de 18/12/85, o documento de FIs. 30, e reproduzido na alínea F) da matéria assente, não se vislumbra obstáculo legal a que o Tribunal desse como provados os quesitos 16º, 21º, 25º e 29º, nos termos em que o deu.

19ª - Pelo que, carece de fundamento legal a ampliação do âmbito do Recurso quanto a esta matéria já amplamente decidida pelos Tribunais de Recurso.

Mais,

20ª - Conforme resulta claramente dos Autos a 2ª Ré, 2.1 - EE, L.da, ocupa licitamente o locado porque o recebera do 1º Réu, ora recorrente, DD que em Dezembro de 1985 fora devidamente autorizado pelos, ao tempo, proprietários do imóvel e seus senhorios a proceder à alteração no contrato de arrendamento para a denominação da firma em que o mesmo será um dos sócios (documento de fls. 29 e 30).

E,

21ª - Os primitivos senhorios sempre autorizaram, sempre reconheceram, souberam e aceitaram a situação e assim que no locado exercia actividade a Ré Sociedade (Facto 29);

22ª - E, apesar de a Ré Sociedade ter sido constituída antes do decurso do prazo de 90 dias após a data do contrato de arrendamento, desde Março de 1986 a Sociedade 2.1 - EE, L.da passa a utilizar o local, ali exercendo a sua actividade, bem como o Réu DD como sócio.

23ª - E depois a GG, já que o 1 º Réu DD e sócio, igualmente fora devidamente autorizado em 18/12/1985 pelos senhorios, e então proprietários do imóvel onde se situa o locado em causa, também a sublocar, em parte, o locado, conforme está provado, em Maio de 1997 - facto ocorrido anteriormente à aquisição do imóvel pelos Autores.

24ª - O contrato de arrendamento celebrado em 18/12/1985 contém a autorização para o inquilino se fazer substituir e também a autorização expressa do inquilino (o Réu DD e quem o substituísse) sublocar, em parte, o locado.

25ª - Ora, é inquestionável e incontroverso que, simultaneamente à feitura do contrato de fls. 29, entre os primitivos senhorios e o 1º Réu, ora Recorrente, autorizam este a alterar o destinatário do contrato de arrendamento, fIs. 30, e a sublocar em parte;

26ª - Que o Réu cedeu, transmitiu, e alterou o contrato de fls. 29, com o conhecimento dos proprietários, com a sua total anuência e aceitação.

27ª - E assim, que o Réu DD destinou ou melhor utilizou o locado como inquilino e com a total amplitude que lhe foi consentido.

28ª - Situação que vem de 1986 e assim há 16 anos, considerando à data da propositura da presente acção ordinária que é movida ao Réu DD, e à Ré Sociedade, 2.1 - EE, L.da

29ª - Condicionalismo aliás corroborado pelo conteúdo e alcance das respostas aos quesitos 9º e 10º.

30ª - Os ora Autores adquiriram o imóvel em Setembro de 1997, ou seja após a referida cessão à GG, ocorrida em Maio de 1997.

E,

31ª - Por escritura de 11 de Março de 2003, o Réu DD cedeu a quota que detinha na 2ª Ré, mantendo-se na Sociedade GG - (quesito 33º) - Sociedade que ocupava em igualdade de circunstâncias, como sublocatária em parte, e devidamente autorizada no contrato e anexo de fls. 29 e 30, pelo que o Réu continuou assim a utilizar o locado, não se verificando assim qualquer cessão total do locado como os Autores vêm alegar.

32ª - Os Autores, ao adquirirem o locado, adquiriram também os direitos e obrigações dos primitivos senhorios, e nunca ignoraram ou poderiam ignorar que a Sociedade Ré foi constituída antes do decurso do prazo de 90 dias após a data do contrato de arrendamento, nem nunca ignoraram que era a 2ª Ré, 2.1 - EE, L.da, que efectivamente ocupou o locado, dele fazendo a sua sede social e sabem e sempre souberam e consentiram que no locado exercesse a sua actividade a dita Sociedade 2ª Ré.

Sendo certo que,

33ª – “Na pressuposição de que as rendas transferidas para a conta de depósito bancário da 1ª Autora e de seu falecido marido haviam sido efectivamente pagas pela 2ª Ré, como esta, a 26/09/03, anunciara ir fazer em nome próprio, a 1ª Autora, mediante carta de 11/03/04, solicitou à 2ª que fizesse cessar imediatamente as transferências e pagamentos da renda, procedendo do mesmo passo à devolução à 2ª Ré da importância de 4.338,90 transferida pela 2ª Ré para a conta de depósito da 1ª Autora e de seu marido desde 1110/03" (P).

Finalmente,

34ª - Importa referir que o locado já se encontra livre e devoluto, tendo a 2ª Ré, 2.1 EE Lda. e a GG L.da, procedido à sua entrega aos Autores logo em Setembro de 2010, razão pela qual cessaram os depósitos das respectivas rendas junto da CGD, como vinha sucedendo até então, pelo que por todas as razões já alegadas carece de fundamento o presente Recurso.

Termos em que se requer e espera ver revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que reconheça a 2ª Ré, 2.1. EE L.da, como inquilina, e assim obrigada ao pagamento das rendas em dívida, com custas e procuradoria condigna a cargo dos Autores, ora recorridos.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2.

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1º - A fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao 1º andar direito do prédio sito no ..., nº …, …, …, … e …, em Lisboa, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha … (freguesia do ...), encontra-se registada a favor de HH e da Autora, casada com aquele no regime da comunhão geral de bens (alínea A).

2º - Em consequência do falecimento de HH, a 29/12/2003, os Autores são os únicos donos e legítimos possuidores, em comum e sem determinação de parte ou direito, da fração autónoma referida (alínea B).

3º - Os antecessores de HH e da Autora, no domínio da fração autónoma identificada, II e marido, JJ, fizeram registar a sua propriedade sobre a mesma por a haverem adquirido aos titulares então registralmente inscritos (alínea C).

4º - Por escrito particular, datado de 18/12/85, e com efeitos a partir de 1/01/86, os proprietários anteriormente inscritos, como senhorios, e o Réu, como inquilino, declararam ajustar entre si, o arrendamento da fração identificada, com entrada pelo n.º 264, pela renda mensal então fixada em 60 000$00 (e que actualmente, na sequência de sucessivas atualizações, se cifra em € 736,30 mensais), a pagar adiantadamente em casa do senhorio ou no local por este indicado, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que a renda dissesse respeito (alínea D).

5º - Mais foi ajustado que o local arrendado se destinava a “atelier” do inquilino, arquitecto de profissão (alínea E).

6º - Mediante escrito particular, com a mesma data, 18/12/85, os senhorios e o Réu, na qualidade de inquilino, declararam acordar “entre si a autorização para posterior alteração, no contrato de arrendamento, do nome do inquilino para a denominação da firma, em que DD será um dos sócios, a constituir num prazo de 90 dias, que será prorrogado no caso de dificuldade na constituição da mesma”, bem como declararam acordar “que o atelier, objecto do contrato de arrendamento, poderá ser subalugado em parte” (alínea F).

7º - A 24/06/97, o Réu subscreveu e entregou à anterior proprietária da fração, II, que lhe proporcionara a possibilidade de preferir na venda que a mesma levou a efeito a favor da Autora e marido, uma carta em que declara o seguinte:

Em resposta à proposta que me fez para a opção, por mim, na compra do primeiro andar direito, em que sou inquilino, no prédio sito no ..., n os … a …, venho para todos os efeitos declarar-lhe que não estou interessado nessa compra, podendo, assim, V.ª Exc.ª, até à data que anunciou de 19/07/97, outorgar a respectiva escritura pública de venda ao Sr. HH, pelo preço que me ofereceu de Esc. 7.800.000$00, em razão do que prevalecerá a minha condição de arrendatário perante este último Senhor” (alínea G).

8º - Mediante carta de 12/09/03, a Autora e marido comunicaram ao Réu, para efeito de exercício do respectivo direito de preferência, o seu propósito de venda global de diversas frações autónomas integradas no prédio identificado, projecto esse que não veio a ser concretizado (alínea H).

9º - Mediante carta de 26/09/03, a Ré, assumindo-se como legítima inquilina do locado, comunicou à Autora e ao marido a intenção de exercer “direito de preferência em relação à venda anunciada” (alínea I).

10º - Na mesma carta, a Ré declara expressamente ter sido ela, desde a data da sua constituição, (Março de 1986), a proceder ao pagamento das rendas (alínea J).

11º - As rendas eram pagas por transferência efectuada para uma conta de depósito bancário titulada em nome do marido da Autora (L).

12º - Todos os recibos respeitantes às rendas foram sempre emitidos pelos Autores (e/ou pelos senhorios antecessores) em nome pessoal e exclusivo do Réu (alínea M).

13º - A Ré custeou o pagamento das rendas posteriores a Março de 1986, efectuando as correspondentes transferências bancárias (alínea N).

14º - Mediante carta de 27/10/03, a Ré comunicou à Autora e ao marido desta que estava a diligenciar pela obtenção da declaração do Réu através da qual este manifestasse a vontade de se fazer substituir pela Ré na titularidade do arrendamento (alínea O).

15º - Na pressuposição de que as rendas transferidas para a conta de depósito bancário haviam sido pagas pela Ré, como esta, a 26/09/03, anunciara ir fazer em nome próprio, a Autora, mediante carta de 11/03/04, solicitou à Ré que fizesse cessar imediatamente as transferências e pagamentos da renda, procedendo do mesmo passo à devolução à Ré da importância de € 4.338,90, transferida pela Ré desde 1/10/03 (alínea P).

16º - A renda que vigorou entre 1/10/03 a 31/12/03 era de € 710,00, a qual foi actualizada a partir de 1/01/04 para € 736,30 (alínea R).

17º - Perante a recusa da Autora em receber as rendas, a Ré procedeu, no mês de Abril de 2004, ao depósito respectivo na C.G.D. (alínea T).

18º - GG, L.da tem a sua sede no locado, desde Maio de 1997 (alínea V).

19º - Nunca o Réu declarou ou comunicou aos Autores (e/ou aos senhorios antecessores) ter cedido, onerosamente ou não, a terceiros o uso e gozo, parcial ou total, do locado, designadamente para a Ré (quesito 4º).

20º - Os Autores nunca reconheceram a Ré como inquilina do locado, nem como entidade pagadora, em nome próprio, das rendas (quesito 6º).

21º - O Réu nunca solicitou que os recibos das rendas fossem passados em nome de outrem que não o seu (quesito 7º).

22º - O Réu, desde há mais de um ano, que não usa o locado (quesito 10º).

23º - A Ré vem usando e fruindo, desde Março de 1986, o locado (quesito 11º).

24º - A Ré passou a usar e fruir o locado a partir de 1986, com o consentimento do Réu (quesito 12º).

25º - A Ré passou a pagar as rendas a partir de Março de 1986, com o consentimento e acordo do Réu (quesito 13º)

26º - O contrato de arrendamento referido em 4º e 5º só não foi celebrado, desde logo, com a Ré, por esta estar em processo de constituição e pela necessidade de instalação profissional dos seus sócios fundadores, um dos quais o Réu, (quesito 16º).

27º - Os primitivos senhorios souberam da constituição da Ré, a qual foi constituída antes do decurso do prazo de 90 dias após a data do contrato de arrendamento (quesitos 21º e 22º).

28º - Os primitivos senhorios não ignoravam que era a Ré que efectivamente ocupava o andar, dele fazendo a sua sede social (quesito 25º).

29º - Apenas após o falecimento de HH é que a Autora assumiu a atitude de “não reconhecer” a Ré como inquilina (quesito 27º).

30º - Os primitivos senhorios sabiam e consentiram que, no locado, exercesse actividade a Ré (quesito 29º).

31º - Não foi feita a alteração a que alude o documento referido em 6º (quesito 31º).

32º - O Réu não abdicou da autorização referida em 6º (quesito 32º).

33º - O Réu é sócio da GG, L.da (quesito 36º).

34º - Os Réus proporcionaram, desde Maio de 1997, à GG., L.da, a utilização do locado (quesito 37º).

35º - Tal utilização nunca foi comunicada aos Autores ou aos anteriores senhorios (quesito 38º).

36º - O Réu foi sócio da Ré até 2 de Abril de 2003, data em que foi registada a cessão de quotas (quesito 40º).

3.

A pretensão dos autores, ao proporem esta acção, é a resolução do contrato de arrendamento firmado pelo 1º Réu, por incumprimento do locatário resultante da cedência do locado à 2ª Ré sem comunicação ao locador e da falta de pagamentos das rendas, nos termos das alíneas a) e f) do n.º 1 do artigo 64º do RAU, conjugado com as alíneas a), f) e g) do artigo 1038º do Código Civil.

Na réplica, os autores ampliaram a causa de pedir, fundamentando ainda a resolução do contrato no facto de nunca ter sido comunicado aos autores por quem quer que seja o facto de a GG, L.da ter passado a usar o locado e de aí exercer a sua actividade.

Embora, com fundamentos distintos, a 1ª Instância e a Relação decretaram a resolução do contrato de arrendamento, ordenando o despejo dos réus e condenando o 1º réu ao pagamento das rendas vencidas, a partir de 2003, data em que a autora recusou o pagamento das rendas.

A insatisfação do Réu quanto ao decidido subsiste, recorrendo, por isso, a este Supremo Tribunal de Justiça, pretendendo a revogação do acórdão recorrido, por, em seu entender, não haver fundamento para a resolução, ou, caso assim se não entenda, por haver caducado o direito à resolução por reconhecimento da qualidade de arrendatária da Ré, por parte dos primitivos senhorios.

As questões a decidir resolver-se-ão à luz do regime do arrendamento urbano (RAU), aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, por ainda estar em vigor à data da propositura da acção, por aplicação do princípio geral de aplicação das leis no tempo consagrado no artigo 12º, n.º 1 do Código Civil.

Tendo em conta as conclusões do Recorrente, no recurso principal e dos Autores, no recurso subordinado, as questões que, importa dirimir, são as seguintes:

1ª – Se, face ao teor do contrato de arrendamento titulado pelos escritos particulares datados de 18/12/1985, o Réu carecia de comunicar aos senhorios a cedência da sua posição contratual a favor da Ré.

2ª – Se, apesar do Réu não haver comunicado ao locador a cedência do gozo da coisa a favor da Ré, os primitivos senhorios reconheceram a transmissão da titularidade do arrendamento para a Ré, deixando caducar o direito à resolução do contrato.

3ª – Se é injustificada a recusa dos Autores em receberem as rendas, depositadas pela 2ª Ré.

4ª – Se o acórdão recorrido, ao manter as respostas dadas aos quesitos 16º, 21º, 25º e 29º, violou disposições expressas da lei contidas nos artigos 352º, 358º, n.º 1 e 361º, todos do Código Civil.

5ª – Se a falta de comunicação aos autores do subarrendamento do locado a favor da “GG, L.da” constitui fundamento de resolução.

4.

4.4.

Por uma razão de ordem lógica, importará começar por apreciar se o acórdão recorrido, ao manter as respostas dadas aos quesitos 16º, 21º, 25º e 29º, violou disposições expressas da lei contidas nos artigos 352º, 358º, n.º 1 e 361º, todos do Código Civil.

Em sede de recurso subordinado, vieram os autores sustentar que, na eventualidade da procedência da revista na parte atinente à invocada caducidade da acção, devem ser impugnadas as respostas dadas aos supra referidos quesitos, alegando, em suma, que as respostas dadas a tais quesitos assentaram na convicção que a Sr.ª Juiz da 1ª Instância alcançou, com base num único meio de prova – o depoimento de parte do Réu, ora Recorrente, sendo certo que, “nos termos do artigo 352º do Código Civil, a prova por confissão (depoimento de parte) só releva na medida em que seja desfavorável ao confitente e, ao invés do que se sufragou no acórdão recorrido, a norma do artigo 361º do Código Civil, não é aplicável ao caso dos autos”.

Segundo eles, “no caso vertente, o Réu não reconheceu, no seu depoimento de parte, factos que lhe fossem desfavoráveis”. Nesse seu depoimento, o Réu depoente "reconhece, sim, factos que lhe eram favoráveis e que, por isso, não podiam ser valorados livremente pelo Tribunal a seu favor como, em circunstâncias diametralmente opostas, o permitiria a norma do artigo 361º do Código Civil”.

Deste modo, continuam, “permitir que o depoente produza, em juízo, declarações que lhe são favoráveis e dar como provados os factos respectivos conduz a uma insanável colisão com a natureza da prova por confissão obtida judicialmente em depoimento de parte”, pelo que os factos vertidos nas respostas dadas aos quesitos 16º, 21º, 25º e 29º, porque em violação de disposição legal expressa, deverão ser eliminados do elenco fáctico da acção, a que não poderá obstar o n.º 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil por se tratar de uma pura questão de direito.

Vejamos:

Por requerimentos apresentados a 20/12/2004 e 4/01/2005, (Fls. 167 e 186),) a Ré e os Autores vieram requerer o depoimento de parte do 1º Réu à matéria dos quesitos 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 25º e 26º e 1º a 5º, 7º, 9º a 12º, 14º, 31º, 32º, 37º e 38º, o que foi admitido por despacho de fls. 197, vindo o 1º Réu a prestar o seu depoimento de parte à matéria indicada quer pelos Autores quer pela 2ª Ré (vide fls. 323 a 325).

Em 13/07/2010, foi proferido despacho quanto à matéria de facto provada, especificando a Exc.ma Juiz os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção e de que então nenhuma das partes reclamou (Fls. 335).

Por acórdão da Relação de Lisboa de 20/10/2011, foi indeferida tal impugnação, uma vez que o ora Recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto o que, no entendimento sufragado no referido acórdão, constituía um pressuposto para tal ampliação, como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 684º do CPC.

Inconformados sustentaram novamente os Autores, desta feita para este Supremo Tribunal, a ampliação do objecto do Recurso quanto às respostas dadas aos aludidos quesitos, pretendendo a sua eliminação, face ao disposto no artigo 352º do Código Civil.

Ora, a este propósito foi decidido no Acórdão deste Supremo Tribunal de 10/05/2012 que, "analisados os apontados quesitos (16º, 21º, 25º, 29º) facilmente se pode concluir que estamos perante uma matéria que se mostra fulcral para a decisão do presente pleito, isto porque é susceptível de configurar um verdadeiro reconhecimento por parte dos primitivos senhorios que verdadeiramente, aqui, interessa em relação ao contrato de arrendamento e não tanto a posição dos ora autores e, isto, porque, está perante um arrendamento que lhes foi transmitido pelos anteriores proprietários".

E a ser assim, ou seja, havendo, aqui um reconhecimento por banda dos primitivos senhorios da qualidade de inquilina da sociedade, a cedência, além de cobertura contratual na aponta cláusula, exclui o direito de resolução conforme se depreende do artigo 1049º do C. Civil, que estatui expressamente que "o locador não tem direito à resolução do contrato com fundamento na violação do disposto nas alínea f) e g) do artigo 1038ºº se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal, ou ainda, no caso da alínea g) se a comunicação lhe tiver sido feita por este (...).

E como se trata de matéria de facto que não cabe nos poderes deste Supremo Tribunal sindicar e também com vista a acautelar o segundo grau de jurisdição nessa matéria, os Autos devem voltar ao Tribunal da Relação a fim de aí ser apreciada a impugnação da decisão de facto requerida em conformidade com o citado n.º 2 do artigo 684º-A do CPC”.

No seguimento desta decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se, em 28/06/2012, quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto suscitada pelos Autores, nos seguintes termos:

"Embora o depoimento de parte tenha como finalidade obter a respectiva confissão, como resulta expressamente da epígrafe da secção do CPC que contempla este meio de prova (artigo 552º) pode o mesmo quando não tenha valor confessório, valer como elemento probatório a apreciar livremente pelo Tribunal, como se admite no artigo 361º do Código Civil.

Reconhece-se que, neste ultimo caso, o interesse do depoimento de parte possa ser reduzido ou até mesmo nulo, dada a natural propensão da parte para declarar aquilo que é já a sua posição nos autos, e, por isso, ser mais rara a sua admissão, quando não seja possível obter um efeito confessório. Neste caso, todavia, fica sujeito à liberdade de julgamento, decidindo o juiz segundo a sua prudente convicção (artigo 655º, n.º 1 do CPC).

Sendo admissível o depoimento de parte, sem ser para efeitos confessórios, podia o Tribunal a quo, sendo essa a sua prudente convicção, fundamentar no depoimento de parte a resposta à matéria de facto.

Ora, não tendo os Apelados alegado qualquer outro fundamento, nomeadamente o erro na apreciação do depoimento de parte que não tivesse sido a simples inadmissibilidade legal do depoimento de parte senão para a confissão, carece de justificação a modificação da decisão relativa à matéria de facto, quanto à resposta dos mencionados quesitos, nomeadamente no sentido negativo.

Assim, improcedendo a impugnação da matéria de facto, mantém-se esta, nos termos anteriormente descritos".

Não se conformando, os Autores vêm, novamente, suscitar a ampliação do objecto do recurso nas contra-alegações, com o mesmo fundamento.

Apreciando:

Como é sabido, ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, não pode pronunciar-se sobre “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa”, “salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (artigo 722º, n.º 3 do CPC).

Ora, in casu, ao contrário do que sustentam os autores, o Tribunal da Relação não violou as normas apontadas.

Como salienta Manuel de Andrade[1], “o depoimento de parte que não possa valer como confissão é um simples elemento probatório a apreciar segundo o prudente critério do julgador – uma prova livre, portanto (artigo 361º do Código Civil). Mas, neste plano, pode ter valor probatório decisivo (...). Os modos do depoente e as entrelinhas do respectivo depoimento, mesmo quando não verbalizado, podem, v. g., convencer plenamente o tribunal da insinceridade das suas negações (e portanto, normalmente, da veracidade das opostas afirmações da contraparte)”.

Refere Antunes Varela[2] que “o depoimento prestado na audiência final, sujeito à livre apreciação do tribunal, não necessita de ser reduzido a escrito.

Se houver, porém, confissões feitas pelo depoente, o depoimento deve ser nessa parte reduzido a escrito, na acta da audiência, sob pena de a confissão não gozar de força probatória pleníssima própria da confissão judicial escrita (artigo 358º, n.º 1 do Código Civil).

Não sendo reduzida a escrito, a confissão feita no depoimento de parte ficará sujeita à regra da livre apreciação da prova pelo tribunal (artigo 358º, n.º 4 do Código Civil).

Deste modo, com base no depoimento do Réu, que não foi reduzido a escrito, bem como no escrito particular, de 18/12/85, o documento de FIs. 30, e reproduzido na alínea F) da matéria assente, não se vislumbra obstáculo legal a que o Tribunal desse como provados os quesitos 16º, 21º, 25º e 29º, nos termos em que o deu, pelo que carece de fundamento legal a ampliação do âmbito do Recurso quanto a esta matéria já amplamente decidida pelos Tribunais de Recurso.

4.1.

Se, face ao teor do contrato de arrendamento titulado pelos escritos particulares, datados de 18/12/1985, o Réu carecia de comunicar aos senhorios a cedência da sua posição contratual a favor da Ré.

Em Dezembro de 1985, entre os então proprietários do prédio e primitivos senhorios e o réu DD, foi celebrado um contrato de arrendamento urbano, destinado a “atelier” do inquilino, com a profissão de arquitecto.

Trata-se, por isso, de um contrato de arrendamento para o exercício de profissão liberal (artigos 1022º e 1023º do Código Civil e 121º do RAU).

Por efeito desse contrato, cuja validade não foi impugnada, as partes vincularam-se, reciprocamente, a certas obrigações, que, quanto ao locatário, estão enumeradas no artigo 1038º do Código Civil.

Muito embora os arrendamentos para o exercício de profissão liberal devessem, na altura da celebração do contrato, ser reduzidos a escritura pública, o certo é que de harmonia com o disposto no artigo 6º do DL 321-B/90, de 15 de Outubro, que aprovou o Regime de Arrendamento Urbano (RAU), o n.º 3 do artigo 1029º do Código Civil, que fora aditado pelo DL n.º 67/75, de 19 de Fevereiro e revogado pelo artigo 5º do citado DL 321-B/90, continuava a ser aplicável aos arrendamentos celebrados no domínio da respectiva vigência, em obediência ao regime - regra fixado no artigo 12º quanto à aplicação das leis no tempo.

Segundo tal norma, “no caso da alínea b) do n.º 1, a falta de escritura pública é sempre imputável ao locador e a respectiva nulidade só é invocável pelo locatário que poderá fazer a prova do contrato por qualquer meio”. Trata-se de uma invalidade mista.

Tendo este contrato sido celebrado no domínio da vigência da citada norma (artigo 1029º, n.º 3 CC), é-lhe aplicável essa disposição, pelo que, não tendo a falta da escritura sido invocada pelo locatário, o contrato é plenamente eficaz inter partes.

Simultaneamente à feitura do contrato de arrendamento, entre os primitivos senhorios e o 1º Réu, aqueles autorizaram que este pudesse alterar o destinatário do contrato de arrendamento, contanto que este seja a firma, em que o DD seja um dos sócios, a constituir num prazo de 90 dias, prorrogável no caso de dificuldade de constituição dessa Sociedade (vide alínea F).

Aliás, o contrato de arrendamento só não foi celebrado, desde logo, com a Ré sociedade por esta estar em processo de constituição e pela necessidade de instalação profissional dos seus sócios fundadores, um dos quais o Réu DD (quesito 16º).

Estando embora definitivamente assente que o arrendamento em apreço foi firmado com o Réu/recorrente, agindo este na qualidade de inquilino e que, nessa qualidade, obteve autorização para “posterior alteração, no contrato de arrendamento, do nome do inquilino para a denominação da firma” em que o Réu/recorrente fosse um dos sócios, o certo é que, em qualquer circunstância, a «autorização» assim concedida carecia de ser ulteriormente concretizada, quer através da sua formalização, quer, sobretudo, da sua comunicação aos senhorios para adquirir eficácia, caso não haja reconhecimento (vide artigo 64º, n.º 1 do RAU, alínea f), artigo 424º, n.os 1 e 2 e alíneas f) e g) do artigo 1038º do Código Civil).

Acontece que, não obstante, a Ré sociedade ter sida constituída antes do decurso do prazo de 90 dias após a data do contrato de arrendamento, figurando o Réu como gerente da mesma, e ter passado, desde Março de 1986, a usar e a fruir o arrendado e a pagar as rendas, o certo é que Réu não abdicou de conceder a necessária autorização à cessão da posição de arrendatário a favor da 2ª Ré e o mesmo nunca comunicou aos senhorios ter cedido á Ré sociedade o uso e gozo do arrendado (quesito 4º).

Tal cessão nunca chegou, portanto, a ser comunicada ao locador, apesar da constituição da sociedade como previsto, não tendo, consequentemente, sido feita a alteração do nome do inquilino, no contrato de arrendamento (vide quesitos 31º e 32º).

Ora, como muito bem salientou o acórdão recorrido, “a previsão da cessão da posição do arrendatário, sem a sua posterior formalização, não é idónea a produzir a alteração subjectiva do contrato de arrendamento quanto ao arrendatário, estando excluída qualquer transmissão da sua posição contratual. Esta, para ser válida, quanto ao locador, carece da outorga da cessão e ainda da sua comunicação ao locador, no prazo de quinze dias – artigo 1038º, alíneas f) e g), do CC”.

Haverá, portanto, fundamento para pedir a resolução do contrato de arrendamento, a não ser que se venha a demonstrar que houve reconhecimento da transmissão da titularidade do arrendamento para a Sociedade Ré, por parte dos senhorios.

4.3.

Se, apesar do Réu não haver comunicado ao locador a cedência do gozo da coisa a favor da Ré, os primitivos senhorios reconheceram a transmissão da titularidade do arrendamento para a Ré.

O direito de resolução do contrato de arrendamento por parte do locador com os citados fundamentos encontra-se limitado pela salvaguarda do artigo 1049º do Código Civil.

Segundo tal norma, o locador não tem direito à resolução do contrato, com os aludidos fundamentos, se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal, ou ainda, no caso da alínea g), se a comunicação lhe tiver sido feita por este.

Como se referiu, nas alíneas f) e g) do artigo 1038º do Código Civil prevêem-se duas obrigações do locatário: não proporcionar a outrem o gozo da coisa, a não ser que a lei o permita ou o locador o autorize; e comunicar ao locador a cedência efectuada, mesmo quando permitida ou autorizada.

No primeiro caso, cessa o direito de resolução, se o locador reconhecer o beneficiário da cedência (artigo 1049º).

Mas, como ensina Antunes Varela[3], “reconhecer o beneficiário não é simplesmente ter conhecimento da cessão e da pessoa do cessionário, pois de outro modo poderia o locador ser forçado a reagir precipitadamente contra a cedência da coisa, sob pena de perder o seu direito; é necessário que o locador aceite o beneficiário da cedência como tal, recebendo dele, por exemplo, as rendas ou alugueres”.

“No segundo caso – falta de comunicação -, também é relevante, para o efeito de fazer cessar o direito de resolução, o reconhecimento do beneficiário da cessão. Mas, além disso, é igualmente relevante o de a comunicação ter sido feita pelo próprio beneficiário. Não deve, na verdade, importar que seja um ou outro a fazer a comunicação; o que interessa é que ela seja feita, para conhecimento do locador”.

Continuando a analisar os factos provados, constata-se que a sociedade Ré se constituiu antes do decurso do prazo de 90 dias após a data do contrato de arrendamento e os primitivos senhorios souberam da sua constituição (quesitos 22º e 21º).

Além disso, a Ré Sociedade passou a usar e a fruir o locado, a partir de Março de 1986, com o consentimento do Réu DD, passando a Ré, a partir de então, a pagar as rendas, também com o consentimento do Réu (quesitos 11º, 12º e 13º).

Ficou, ainda provado, que os primitivos senhorios sabiam e consentiram que, no locado, a Ré Sociedade exercesse a sua actividade (quesito 29º).

Estes factos, em si, permitem concluir que o Réu DD, apesar de nunca o haver comunicado aos senhorios, cedeu a sua posição contratual à Ré sociedade, com o conhecimento dos proprietários, com a sua total anuência e aceitação. Ou seja, estes não só souberam dessa cedência como também consentiram que a Ré exercesse a sua actividade no locado, o que implica o reconhecimento desta por parte dos senhorios.

Em aparente contradição, com estes factos que, isoladamente, permitem retirar a referida conclusão, impedindo o direito de resolução por parte dos Autores, importa realçar que, em Março de 1997, os anteriores proprietários deram conhecimento ao réu DD e mulher, (que não à Ré), do projecto da venda do locado aos ora autores, por efeito da preferência, tendo este respondido que, sendo inquilino, não estava interessado nessa compra e venda a HH, em razão de que prevalecerá a condição de arrendatário (alínea G).

Além disso, apesar das rendas referentes ao locado serem pagas pela Ré, quer aos primitivos senhorios, quer aos autores, todos os recibos foram sempre emitidos pelos Autores e/ou pelos senhorios antecessores destes em nome pessoal e exclusivo do 1º Réu (alínea N).

Acontece que, em Setembro de 1997, os anteriores proprietários venderam a HH, entretanto falecido, e a FF a fracção em causa, sendo certo que o Réu DD cedeu a sua quota à Sociedade Ré, em 3 de Abril de 2003.

Não obstante, em 12/09/2003, foi ao 1º Réu e à sua mulher que os proprietários HH e mulher comunicaram o seu propósito de venda global de diversas fracções no imóvel sito no n.º 262 do ..., onde se englobava a fracção locada.

A 2ª Ré, que se assumiu como inquilina desde Março de 1986 e, como tal, ocupava o locado na concretização do contrato de arrendamento de 18/12/1985, comunicou à 1ª Autora e seu marido, por carta de 26/09/2003, a sua intenção de exercer o direito de preferência em relação à venda anunciada e, como relevante, salientava que, desde sempre, fora ela a pagar as rendas referentes ao locado, quer aos autores, quer aos anteriores proprietários e primitivos senhorios, pagamento efectuado por transferência bancária para uma conta de depósito bancário titulado em nome do falecido marido da 1ª Autora, desde Setembro de 1987, como antes fizera para a conta dos anteriores proprietários, sempre custeando o pagamento das rendas posteriores a Março de 1986 (vide alíneas I, J e L).

Entretanto, a 11 de Março de 2004, o marido da 1ª Autora solicita à 2ª Ré uma declaração subscrita pelo Réu DD de que este aceitava que a Sociedade exercesse a sua actividade no locado, quando bem sabiam e conheciam que tal situação se mantinha desde 1986 o que nem os mesmos, nem os primitivos senhorios desconheciam ou impugnaram até 2003.

Ao exigir esta declaração, poder-se-á argumentar que o falecido marido da 1ª Autora não reconhecia a Ré como inquilina. Mas se é assim, pergunta-se por que “só após o falecimento, em 29/12/2003, de HH, é que a viúva, a Autora FF, se constitui na “pressuposição” de assumir que não reconhece a 2ª Ré Sociedade, como inquilina”, quando, repete-se, os Autores bem sabiam, conheciam e consentiram que a Ré exercesse a sua actividade no locado, como se mantinha desde 1986.

Como conheciam inevitável e inquestionavelmente que as rendas devidas pelo locado eram e foram desde Maio de 1986 liquidadas pela Ré Sociedade.

E, se assim é, por que só, através de carta de 11/03/2004, exige a Autora que a Ré fizesse cessar imediatamente as transferências e os pagamentos da renda, procedendo do mesmo passo à devolução à 2ª Ré das importâncias depositadas na conta da 1ª Autora e de seu marido por transferência da Ré, mas apenas desde 1/10/2003, numa altura em que o Réu já havia cedido a sua quota à sociedade Ré (vide alínea P)?

Esta actuação poder-se-á aceitar, na medida em que os Autores, com vista à resolução do contrato, que pretendiam, teriam de demonstrar que não haviam reconhecido a Ré Sociedade, como inquilina.

Algo contraditoriamente, resultou provado, por um lado, que as rendas transferidas para a conta de depósito bancário da 1ª Autora e de seu falecido marido haviam sido efectivamente pagas pela 2ª Ré e, por outro lado, considera-se provado que esta Ré, apenas em 26/09/2003, (data em que o Réu já havia cedido a sua quota) anunciou aos Autores que ia fazer o pagamento das rendas em nome próprio.

Serão estas contradições susceptíveis de inviabilizar a decisão jurídica do pleito?

Como é sabido ao Supremo Tribunal de Justiça assiste a faculdade de remeter os autos ao Tribunal a quo em caso de contradições da matéria de facto. Importará, porém, salientar que não são quaisquer contradições na matéria de facto que permitem a remessa do processo ao tribunal recorrido. O artigo 729º, n.º 3 restringe essa possibilidade à ocorrência de contradições na matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.

Como nota Lopes do Rego[4], os poderes agora conferidos ao STJ estão “funcionalmente orientados para um correcto enquadramento jurídico do pleito: o STJ conhece das insuficiências, inconcludências ou contradições da decisão proferida acerca da matéria de facto se e enquanto tais vícios afectarem ou impossibilitarem a correcta decisão jurídica do pleito”.

No mesmo sentido, decidiu o Acórdão do STJ de 25/11/2004[5], ao considerar que “o artigo 729º, n.º 3, do CPC, na sua redacção actual, é aplicável quando o STJ, legalmente vocacionado para julgar de direito, conclui que não está em condições de cumprir a sua específica tarefa de controlar o aspecto jurídico das decisões das instâncias, por haver contradição essencial da matéria de facto ou esta carecer de ser ampliada”.

Afigura-se-nos, porém, que tais contradições não inviabilizam a correcta decisão jurídica do pleito.

Como é sabido, no caso de venda do prédio arrendado, o adquirente sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo dos efeitos do registo (vide artigo 1057º do Código Civil), razão por que o conhecimento pelos anteriores senhorios de uma situação de facto geradora de caducidade no direito de acção de resolução é um princípio oponível ao novo senhorio.

Ou seja, a Autora e o seu falecido marido não podem arrogar-se detentores de mais direitos sobre o imóvel em causa do que aqueles que os anteriores proprietários detinham e lhes transmitiram.

Tendo caducado, como se salientou, o direito à resolução do contrato, com os aludidos fundamentos, face ao reconhecimento da Ré, como inquilina, por parte dos primitivos senhorios, o tardio entendimento da 1ª Autora de não reconhecer a Ré como inquilina (quesito 4º) nunca teria a virtualidade de conduzir ao despejo, até porque os actuais senhorios mais não receberam, ao adquirir por escritura pública o locado, que a situação jurídica e fáctica descrita na matéria de facto assente e provada.

Ou seja, o direito invocado pela Autora, a existir, já teria caducado e não renascia só porque a 1ª Autora não assumiu reconhecer a 2ª Ré, como inquilina, ao fim de sete anos.

Improcede, pois, a resolução do contrato de arrendamento com os fundamentos atrás enunciados, face ao disposto no artigo 1049º do Código Civil.

4.4.

Se é injustificada a recusa dos Autores em receberem as rendas, depositadas pela 2ª Ré.

Outro fundamento invocado pelos autores para a resolução do contrato de arrendamento foi a falta de pagamento de rendas por parte do Réu.

Quanto a este fundamento, é obrigação do locatário pagar a renda no tempo e lugar próprios – alínea a) do artigo 1038.º do Código Civil e artigo 64º, n.º 1, alínea a) do RAU).

No caso sub judicio, foi a autora a recusar o pagamento da renda, que era efectuado pela Ré mediante transferência bancária, que o fazia desde Março de 1986, com o consentimento e acordo do Réu.

Ora, atenta a matéria de facto provada, é ponto assente que os Autores, em Setembro de 1997, adquiriram o imóvel em causa e, durante mais de 7 anos, receberam da 2ª Ré Sociedade as rendas que se vêm vencendo, como anteriormente a essa data eram os primitivos senhorios que recebiam essas rendas, até que, em Março de 2004, na pressuposição de que as rendas transferidas para a conta de depósito bancário da Autora FF e de seu falecido marido haviam efectivamente sido pagas pela Ré Sociedade, aquela procedeu à devolução a esta da importância de € 4.338,90 (vide alínea P). Perante a recusa da Autora FF, em receber as rendas, a Ré sociedade procedeu, no mês de Abril de 2004, ao depósito respectivo na CGD (alínea T).

Se, após a aquisição do imóvel pelos autores, em Setembro de 1997 e durante mais de sete anos, as rendas continuaram a ser pagas pela Ré Sociedade, carecia a Autora de motivo justificado para recusar o pagamento, sendo irrelevante se este era efectuado por conta do Réu ou pela própria Ré, na qualidade de locatária desde 1986, e reconhecida, enquanto tal, pelos primitivos senhorios, que a tal nunca se opuseram.

Pelo que, sendo injustificada a recusa do pagamento da renda pelo credor, há mora deste, como decorre do disposto no artigo 813º do Código Civil, verificando-se, assim, os pressupostos para a consignação em depósito (artigo 841º, n.º 1, alínea b) e artigo 22º, n.º 1, do RAU).

Efectuado que se encontra o depósito liberatório, não assiste aos senhorios o direito de resolver o contrato de arrendamento, também com este fundamento e nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 64º do RAU).

4.5.

Se a falta de comunicação aos autores do subarrendamento do locado a favor da “GG, L.da” constitui fundamento de resolução.

Sustentam os Autores que, mesmo que se considerasse a sociedade Ré como arrendatária do locado, está assente que a cedência de uso do locado à GG foi consentida também pela sociedade Ré, sem que houvesse sido feita qualquer comunicação dessa cedência aos senhorios e sem que se mostre provado que estes tivessem tido conhecimento desta cedência, continuando, nesse cenário, a verificar-se justa causa de resolução do contrato de arrendamento, com consequente procedência da acção nesse domínio.

Vejamos:

Simultaneamente à feitura do contrato de arrendamento, celebrado em 18/12/1985, os primitivos senhorios, através do documento de fls. 30, autorizaram o Réu DD a alterar o destinatário do contrato de arrendamento e concederam também autorização expressa ao inquilino (o Réu DD e quem o substituísse) de sublocar, em parte, o locado.

Como se referiu, o Réu cedeu a sua posição contratual a favor da Ré com o conhecimento dos primitivos proprietários, com a sua total anuência e aceitação, situação que vem de 1986.

Mais tarde, a Ré, que havia assumido a posição de arrendatária, sendo certo que o Réu era gerente dessa sociedade, sub – arrendou em parte o locado a favor da GG, L.da, sociedade de que o Réu era também gerente, em Maio de 1997.

Os Autores adquiriram o imóvel em Setembro de 1997, ou seja após a referida cessão à GG, pelo que, ao adquirirem o locado, adquiriram também os direitos e obrigações dos primitivos senhorios.

Ora, se os primitivos senhorios vieram a reconhecer a Ré como arrendatária, não pode constituir fundamento para a resolução do contrato de arrendamento a cedência que, segundo os autores, o Réu efectuou a favor da GG, não obstante tal utilização nunca ter sido feita aos primitivos proprietários.

Os Autores, como contra – partida da utilização do locado pela Ré, têm direito ao levantamento das quantias que esta depositou, na Caixa Geral de Depósitos, até à entrega do locado.

5.

Concluindo:

I - O depoimento de parte quando não possa valer como confessório, pode ser livremente apreciado pelo tribunal, não tendo, neste caso, de ser reduzido a escrito.

II - O contrato de arrendamento, celebrado em 1985, para o exercício de profissão liberal, estava sujeito a escritura pública, sendo que tal inobservância da forma legalmente prescrita conduz a uma invalidade mista, por só poder ser invocada pelo locatário (artigo 1029º, n.º 3, CC).

III - Ainda que em simultâneo com a celebração do contrato, o senhorio haja autorizado a alteração do destinatário do contrato de arrendamento (para uma sociedade que estava em processo de constituição e de que o arrendatário era sócio fundador) esta, para ser válida, quanto ao locador, carecia da outorga da cessão e ainda da sua comunicação ao locador, no prazo de quinze dias – artigo 1038º, alíneas f) e g), do CC.

IV - A sua falta constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento, a não ser que se venha a demonstrar que houve reconhecimento da transmissão.

V - Verifica-se tal reconhecimento se a sociedade ré, beneficiária da cedência, é constituída no prazo previsto aquando da autorização referida em II, o que é do conhecimento dos então senhorios, passa a usar e fruir do locado, o que faz desde 1986 com o conhecimento e consentimento destes, pagando as rendas, com o consentimento do primitivo arrendatário.

VI - Não afasta tal reconhecimento, nem afecta ou impossibilita a correcta decisão do pleito – susceptível de determinar a remessa dos autos ao tribunal a quo para suprir contradições na matéria de facto, nos termos do artigo 729º, n.º 3, do CPC – a circunstância de em 1987 os (primitivos) senhorios notificarem o réu (e não a sociedade ré) para exercer a preferência na venda do imóvel, em 2003 os então senhorios, pretendendo novamente alienar o imóvel, voltarem a notificar aquele réu e apenas em Março de 2004 – após, por um lado, declaração da sociedade ré de querer exercer o direito de preferência e que vai depositar as rendas em nome próprio e, por outro, o falecimento do senhorio –, a senhoria procede à devolução das rendas, solicitando ao réu a declaração de que autoriza a sociedade a ocupar o imóvel: a tal data já o direito de resolução havia caducado, por o conhecimento do seu fundamento ser do primitivo senhorio desde 1986 e a senhoria, ora autora, suceder-lhe nos direitos e obrigações (artigo 1057º do CC).

VII - Nas circunstâncias referidas, a senhoria carecia de fundamento para recusar o recebimento das rendas, recusa que a faz incorrer em mora e afasta o direito à resolução do arrendamento nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 64.º do RAU.

6.

Pelo exposto, na procedência da revista, revoga-se o acórdão recorrido, absolvendo os Réus dos pedidos.

Custas pelos Autores nas instâncias e neste recurso.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Pires da Rosa


[1] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, página 249.
[2] Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 573/574.
[3] Código Civil Anotado, Volume II, 4ª edição, página 387.
[4] Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, artigo 729º, II.
[5] Processo 04B4053, www.dgsi.pt