Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B1379
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: CONTRADIÇÃO DE ACÓRDÃOS
ALÇADA
AGRAVO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
VALOR DA CAUSA
Nº do Documento: SJ200705170013797
Data do Acordão: 05/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: INDEFERIMENTO
Sumário :
1. A uniformização da jurisprudência opera por via do recurso de revista ou de agravo na segunda instância ampliado com a intervenção no julgamento do plenário dos juízes das secções cíveis, inexistindo para o efeito recurso autónomo.
2. É pressuposto do funcionamento do nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil que da decisão concernente não caiba recurso do acórdão da Relação por motivo diverso da insuficiência do valor da causa no confronto com o da alçada do tribunal.
3. A limitação que decorre do nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil não é afectada pela circunstância cumulativa de não ser admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por virtude do disposto no nº 4 do artigo 111º do Código de Processo Civil.
4. Excluídos os recursos fundados na violação das regras de competência absoluta do tribunal, na ofensa do caso julgado e no excesso de valor da causa face ao da alçada do tribunal recorrido, a admissibilidade de recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça depende de o valor da causa ser superior ao da alçada da Relação, pretenda ou não o recorrente a uniformização da jurisprudência
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I
O Banco M. SA agravou, no dia 23 de Fevereiro de 2007, para este Tribunal, com fundamento na contradição com outros acórdãos proferidos pela Relação, do acórdão da Relação proferido no dia 30 de Janeiro de 2007, confirmativo do despacho proferido no tribunal da 1ª instância que declarou a sua incompetência em razão do território para conhecer de uma acção declarativa de condenação com processo especial intentada no dia 11 de Agosto de 2006.
O relator da Relação recebeu o recurso por despacho proferido no dia 28 de Fevereiro de 2007 com o referido fundamento, e o agravante alegou no dia 15 de Março de 2007, requerendo a uniformização da jurisprudência.
Suscitou o relator neste Tribunal ao recorrente a questão da inadmissibilidade do recurso por virtude do disposto no artigo 111º, nº 4, do Código de Processo Civil e de o valor da causa ser, na espécie, inferior ao da alçada do tribunal da Relação.
O recorrente, invocando o artigo 678º, nº 4, do Código de Processo Civil, respondeu ser admissível o recurso para uniformização de jurisprudência por haver oposição de acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito.

II
É a seguinte a dinâmica processual que releva no recurso:
1. O Banco M. SA intentou, no dia 11 de Agosto de 2006, no 5º Juízo Cível, 1ª Secção, da Comarca de Lisboa, contra AA, residente no Porto, acção declarativa de condenação com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, nos termos do Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 10 571,63, juros vencidos no montante de € 394,66, imposto de selo no valor de € 15,79, juros vincendos à taxa anual de 19,69% desde 12 de Agosto 2006 e o imposto de selo à taxa de 4% sobre esses juros, com fundamento na omissão por aquele do pagamento de prestações de capital relativas a um contrato de mútuo para aquisição de um veículo automóvel.
2. O Banco M. Ldª atribuiu à acção mencionada sob 1 o valor processual de € 10 571,63.
3. O tribunal da primeira instância, por despacho liminar proferido no ida 11 de Outubro de 2006, declarou-se incompetente em razão do território para conhecer da acção e ordenou a remessa do processo ao tribunal judicial da Comarca do Porto, com fundamento na nulidade das convenções de competência decorrente da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, ser de aplicação imediata às acções interpostas após a sua entrada em vigor.
4. O Banco M. SA agravou do referido despacho para a Relação, e esta, por acórdão proferido no dia 30 de Janeiro de 2007, negou provimento ao recurso, do qual aquele agravou para este Tribunal.

III
A questão a decidir nesta sede liminar é a de saber se ocorre alguma circunstância que obste ao conhecimento do objecto do recurso, nomeadamente se ele é ou não admissível.
A resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- está ou não o Supremo Tribunal de Justiça vinculado à solução de admissão do recurso pelo relator da Relação;
- lei relativa à alçada aplicável no caso vertente;
- regime geral de admissibilidade de recursos;
- regime de admissibilidade e de proibição do recurso de agravo dos acórdãos da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça;
- síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma as referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela problemática da vinculação ou não deste Tribunal à solução de admissão do recurso pelo relator da Relação.
Distribuído o processo, cabe ao relator verificar, além do mais, se ocorre alguma circunstância que obste ao conhecimento do objecto do recurso (artigo 701º, n.º 1, do Código de Processo Civil)
Os despachos que incidam sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se, por sua natureza, não admitirem recurso de agravo (artigo 672º do Código de Processo Civil).
Inexiste, porém, caso julgado formal, face aos tribunais superiores no que concerne ao despacho do juiz ou do relator que admita o recurso ou uma sua determinada espécie, certo que a lei expressa que o mesmo os não vincula (artigo 687º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Assim, o facto de o relator da Relação ter admitido o recurso de agravo para este Tribunal não implica que nesta sede liminar se não possa questionar a sua admissibilidade.

2.
Vejamos agora a lei relativa à alçada do tribunal da Relação aplicável no caso vertente.
Considerando que a acção declarativa em que se suscitou a questão processual invocada pelo recorrente foi instaurada no dia 11 de Agosto de Abril de 2006, o valor da alçada do tribunal da Relação a considerar na espécie é o de € 14 963, 94 (artigos 24º, n.º 1 e 3 da Lei de Organização de Funcionamento dos Tribunais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).

3.
Atentemos, ora, no regime geral de admissibilidade e de proibição de recursos.
Expressa a lei a regra de só ser admissível recurso ordinário nas causas de valor superior ao da alçada do tribunal de que se recorre e as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal (artigo 678º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
O referido normativo não esgota, porém, os casos de não admissibilidade de recurso de decisões proferidas nos tribunais de 1ª instância e nas Relações, certo que várias são as normas que estabelecem essa inadmissibilidade por razões diversas dos limites de alçada dos referidos tribunais.
Mas a lei geral, nos nºs 2, 3, 5 e 6 do artigo 678º do Código de Processo Civil, consagra excepções à regra da inadmissibilidade do recurso por razões de alçada, e, no nº 4 daquele artigo, à inadmissibilidade de recurso por outras causas.
Nesta última situação, estabelece a lei ser sempre admissível recurso do acórdão da Relação em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito, do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (artigo 678º, nº 4, do Código de Processo Civil).
A mencionada excepção de admissibilidade de recurso dos acórdãos da Relação – de revista ou de agravo – depende, pois, da verificação dos seguintes pressupostos:
- contradição de acórdão de uma Relação com outro dela ou de outra Relação sobre a mesma questão fundamental de direito;
- inexistência de jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça harmónica com o decidido;
- proibição de recurso por motivo diverso da insuficiência de valor da causa em relação ao da alçada do tribunal da Relação.
Assim, neste contexto geral, a lei só admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos das Relações proferidos em recursos de apelação ou de agravo com fundamento na contradição de acórdãos se o valor da causa for superior a € 14 963, 94 e não houver jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça conforme com o último dos referidos acórdãos.
O nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil, ao invés do afirmado pelo recorrente, não comporta a admissão do recurso em análise, porque a inadmissibilidade não resulta apenas do disposto no artigo 111º, nº 4, do mesmo diploma, mas também de razões de alçada, ou seja, porque o valor da causa não é superior ao da alçada da Relação.

4.
Vejamos agora o regime específico de admissibilidade e de proibição de recurso de agravo de acórdãos das Relações para o Supremo Tribunal de Justiça.
Prescreve a lei a esse propósito, em termos de regra, caber recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber revista ou apelação (artigo 754º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Assim, um dos requisitos da admissibilidade do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de justiça é a circunstância de o valor da causa ser superior ao da alçada da Relação (artigo 678º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A excepção à proibição do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça a que alude a segunda parte nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil está, naturalmente, subordinada ao normativo do seu nº 1, o que se conforma, aliás, com o escopo de restrição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões sobre matéria processual.
Assim, são requisitos da admissibilidade do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos da Relação o positivo da sua susceptibilidade no quadro da valor da causa e o negativo da inaplicabilidade na espécie da revista ou da apelação.
Acresce que a lei proíbe o recurso de agravo dos acórdãos da Relação sobre decisões proferidas em recursos de agravo vindos da 1ª instância (artigo 754º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil).
Consequentemente, a regra é no sentido de ser inadmissível recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos pelo tribunal da Relação em recursos de agravo de decisões sobre matéria processual proferidas nos tribunais de 1ª instância.
É uma restrição motivada pelo desiderato de obstar a que o Supremo Tribunal de Justiça, tribunal essencialmente de revista, seja constantemente chamado a resolver questões meramente processuais já objecto de dupla apreciação jurisdicional, como ocorre no caso vertente.
Excepcionam-se, porém, dessa proibição, por um lado, os recursos de agravo que tenham por fundamento a violação das regras de competência absoluta ou de caso julgado ou que incidam sobre decisões respeitantes ao valor da causa, dos incidentes ou dos procedimentos cautelares, com fundamento em que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre e das decisões que ponham termo ao processo (artigo 754º, nº 3, do Código de Processo Civil).
E, por outro, os acórdãos da Relação que estiverem em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme (artigo 754º, nº 2, 2ª parte, do Código de Processo Civil).
A mencionada excepção de admissibilidade de recurso de agravo dos acórdãos da Relação depende, pois, da verificação dos seguintes pressupostos:
- acórdão da Relação sobre recurso de agravo de decisão proferida na 1ª instância;
- contradição desse acórdão com outro da mesma ou de outra Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no domínio da mesma legislação sobre alguma questão de direito;
- inexistência de jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça harmónica com o decidido.
Assim, é neste contexto de excepção que a lei admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos da Relação com soluções opostas sobre a mesma questão de direito às de outros acórdãos da mesma ou de outra Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, todos proferidos no domínio da mesma legislação, se não tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência nesse sentido.
O nº 3 do artigo 754º do Código de Processo Civil não se reporta à segunda parte do seu nº 2, mas à primeira, ou seja, refere-se à proibição que é a regra e não à admissão que é a excepção.
Resulta da primeira parte do nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil, que, não obstante o valor da causa ser superior ao da alçada do tribunal da Relação, a
lei proíbe o recurso de agravo dos acórdãos da Relação sobre a decisão proferida em recurso de agravo vindo da 1ª instância.
Não estamos, no caso vertente perante qualquer das excepções de admissibilidade do recurso a que se reporta o nº 3 do artigo 754º do Código de Processo Civil.
Ocorre, porém, na espécie, a situação de excepção à proibição da admissibilidade do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça a que alude a segunda parte do nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil.
Todavia, face ao disposto no nº 1 do artigo 754º do Código de Processo Civil, porque o valor da causa é inferior ao da alçada do tribunal da Relação, certo é que a referida situação de excepção é insusceptível de funcionar no caso vertente.

5.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.
A uniformização da jurisprudência é realizada por via do recurso de revista ou de agravo de 2ª instância, ampliados com a intervenção no julgamento do plenário dos juízes das secções cíveis.
Assim, não tem o nosso sistema jurídico um recurso autónomo para uniformização da jurisprudência, certo que esta se processa por via do recurso de revista ou de agravo ampliados.
É requisito da admissibilidade do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, além do mais, a circunstância de o valor da causa ser superior ao da alçada da Relação.
No caso vertente, o valor da causa é manifestamente inferior ao da alçada do tribunal da Relação, cifrando-se tal diferencial negativo no montante de € 4 392,32.
Por isso, a conclusão é no sentido de que, por força do disposto no artigo 754º do Código de Processo Civil, o recurso em causa é inadmissível.
Acresce que o disposto no nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil é insusceptível de comportar a solução inversa, porque se trata, na espécie, de uma situação em que o recurso ordinário não é admissível por motivo que não é estranho à alçada do tribunal.
A circunstância de este recurso também não ser admissível por virtude do disposto no nº 4 do artigo 111º do Código de Processo Civil não afecta a referida solução negativa, porque ela não permite a desvalorização do elemento relativo ao défice do valor da causa no confronto do valor da alçada da Relação.
O desiderato de uniformização da jurisprudência motivado pela contradição de acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito não pode ser conseguido por via de recurso de decisão proferida em causa de valor inferior ao da alçada da Relação, ainda que a lei também proíba o recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal.

Improcede, por isso, a reclamação.
Vencido, é o reclamante responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Considerando a natureza e a estrutura da reclamação em causa e o princípio da proporcionalidade, julga-se adequada a fixação da taxa de justiça no montante correspondente a três unidades de conta (artigos 16º, nº 1 e 18º, nº 3, do Código das Custas Judiciais).
IV
Pelo exposto, indefere-se a reclamação formulada pelo Banco M. SA e condena-se este no pagamento das custas respectivas, com taxa de justiça de duzentos e oitenta e oito euros.


Lisboa, 17 de Maio de 2007

Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís