Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELENA MONIZ | ||
Descritores: | REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA NOTIFICAÇÃO TRÂNSITO EM JULGADO APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO | ||
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Data do Acordão: | 06/08/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | DEFERIDO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / MEDIDAS ADMISSÍVEIS / TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA / REVOGAÇÃO, ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO DAS MEDIDAS / EXTINÇÃO DAS MEDIDAS. DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS / HABEAS CORPUS. | ||
Doutrina: | -Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. I, Coimbra Editora, 20074, anotação ao art. 31.º/ I, p. 508; anotação ao art. 31.º/ V, p. 510. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 5.º, 196.º, N.º 3, ALÍNEA E) E 214.º, N.º 1, ALÍNEA E). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 31.º, N.ºS 1 E 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 6/2010, IN DR, 1.ª SÉRIE, N.º 99, 21.05.2010, P. 1747-1759. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 422/2005; - ACÓRDÃO N.º 109/2012. | ||
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Sumário : | I - Resulta dos autos que o requerente foi condenado numa pena de prisão de 2 anos e 6 meses, tendo esta sido suspensa, todavia mais tarde foi revogada esta pena de substituição, assim se determinando o cumprimento efetivo da pena principal que lhe tinha sido aplicada. II - Porque a prisão foi decretada após julgamento do arguido, por autoridade competente, e depois de transitada em julgado, porque o despacho de revogação também foi prolatado pela autoridade competente e porque a pena é baseada em factos pelos quais a lei permite - a prática de crime de violência doméstica e violação da integridade física - não parecem existir dúvidas quanto à legalidade da prisão. III - Porém, podemos assim não entender se considerarmos que a notificação do despacho de revogação da suspensão não foi a adequada, pelo que não transitou em julgado. Ou seja: 1) o arguido tinha o dever de vir aos autos indicar nova morada; não tendo o arguido indicado nova morada, devem as notificações, por força da lei, ser realizadas para a morada indicada no termo de identidade e residência; 2) em dois momentos não esteve presente o arguido - no momento em que foi lida a sentença e no momento em que se realizou a audiência para revogação da pena de substituição; todavia, em ambos os momentos esteve representado pelo seu defensor. IV - Embora aparentemente as modificações da lei processual penal em 2013 (por força da Lei 20/2013, de 21-01) pareçam ter seguido o entendimento consignado no AFJ 6/2010 - segundo o qual o despacho de revogação da pena de substituição deve ser notificado para a morada constante do termo de identidade e residência -,o certo é que não se limitou a estender a eficácia do termo de identidade e residência até à extinção da pena (art. 214.º, n.º 1, al. e), 2.ª parte, do CPP, na redação dada pela referida lei). Para além disto, houve a necessidade de expressamente consagrar, no art. 196.º, n.º 3, al. e), do CPP, a obrigação de advertência ao arguido de que o TIR só se extingue com a extinção da pena (advertência que não ocorria antes desta alteração legislativa). Nos presentes autos, esta advertência não foi realizada ao requerente dado que esta não constava da decisão de fixação de jurisprudência, nem da lei. V - Sabendo que nos termos do art. 5.º, do CPP, a nova lei se aplica imediatamente, e sabendo que a nova lei assegura de forma mais eficaz o direito de defesa do arguido do que a jurisprudência fixada anteriormente, entendemos que, em atenção ao princípio in dubio pro libertate deve considerar-se que aquela notificação, para a morada do TIR após o trânsito em julgado da decisão, sem que o arguido tenha sido advertido da supra-validade daquele após o referido trânsito, é inexistente. Na verdade, o requerente só tomou conhecimento daquele despacho de revogação aquando da detenção a 15 de maio passado, pelo que ainda decorre o prazo para a interposição de recurso. VI - Assim sendo, considera-se que a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão ainda não transitou em julgado, pelo que não pode entender-se como válida a prisão do arguido, devendo ser de imediato libertado. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I Relatório 1. AA, preso no Estabelecimento Prisional de ... à ordem do processo n.º 47/11.1PFAMD (desde 15.05.2017 – cf. fls. 65 e 68 destes autos), vem, por intermédio de mandatário, requerer a providência de habeas corpus, ao abrigo dos arts. 222.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal (CPP), com os seguintes fundamentos: «AA, cidadão ... nascido em ..., - “Consultado o Sistema Estratégico de Informação (S.E.I.), apurou-se que no dia 03/09/2015, o sr. AA indicou como sua morada a seguinte: ...”, negrito nosso. se requer, a concessão imediata da Providência de Habeas Corpus em razão de prisão ilegal e a consequente e imediata libertação do Arguido.» 2. Foi prestada a informação, nos termos do art. 223.º, n.º 1 do CPP, nos seguintes termos: «- no dia 05.10.2011, AA foi constituído arguido, no âmbito de um processo de violência domestica, (fls. 102) - no dia 05.10.2011, prestou Termo de Identidade e Residência, indicando como morada para notificações a "...". - no dia 15.02.2012, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em que o arguido esteve presente e no que à identificação diz respeito, voltou a referir residir na "...". - no dia 14.03.2012, realizou-se a segunda sessão de julgamento, em que o arguido esteve novamente presente. - no dia 11.04.2012, foi lida a sentença, na ausência do arguido,, tendo o mesmo sido condenado pela prática de um crime de violência domestica e de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com sujeição a regime de prova com obrigação de frequência de programa especifico de prevenção de violência doméstica, com particular incidência sobre os consumos aditivos. - no dia 02.05.2012, transitou em julgado a sentença proferida nestes autos. - no dia 19.03.2013, foi solicitada à DGRSP a elaboração de Plano de Reinserção Social. - no dia 30.05.2013, a DGRSP informa os autos que foram enviadas duas convocatórias para a morada indicada nos autos para duas entrevistas no dia 22 e 30 de Maio de 2013, não tendo o arguido comparecido. Além disso, foram feitas tentativas para o número de telemóvel constante dos autos, que se mostraram também elas infrutíferas. - no dia 17.06.2013, foi determinada a notificação do arguido, para no prazo de 10 dias, vir aos autos prestar os esclarecimentos que entender convenientes. - no dia 02.07.2013, o defensor oficioso do arguido, informa os autos que não conhece a atual morada ou telefone do arguido, requerendo que o Tribunal proceda a pesquisas nas bases de dados disponíveis. - no dia 04.02.2014, foi determinada a pesquisa nas bases de dados disponíveis ao Tribunal, não se tendo apurada qualquer nova morada. - no dia 03.02.2015, foi determinada a audição do condenado, a realizar-se no dia 04.03.2015, pelas 9horas. - no dia 04.03.2015, realizou-se a diligencia para audição do arguido, não tendo no entanto o mesmo comparecido, porquanto não foi possível notificá-lo pessoalmente, havendo informação policial de que o seu paradeiro é desconhecido. - no dia 25.06.2015, o Digno Magistrado do Ministério Publico, promove a revogação da pena de prisão suspensa na execução aplicada ao arguido. - no dia 07.07.2015, é determinada a notificação quer do defensor do arguido, quer do próprio arguido, sendo este por via postal registada na morada "...", do conteúdo da promoção do MP. - no dia 05.10.2015 é proferida decisão determinando a revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao condenado e o cumprimento efetivo dessa mesma pena nos termos do artigo 56.° n.°1 e 2 do Código Penal. - no dia 20.10.2015, é certificada pela PSP que não foi possível notificar o condenado na ..., nem na ..., por o condenado já não ali residir. É acrescentado ainda que consultado o SEI, apurou-se que no dia 03.09.2015, o condenado indicou como morada, uma residência na ... e um contato telefónico, no âmbito de uma participação por si efetuada na PSP, por extravio de documentos - no dia 13.09.2016, foi determinada uma nova pesquisa nas bases de dados disponíveis, que se mostraram infrutíferas. - no dia 06.10.2016, foi determinada a notificação do condenado por via postal simples, com prova de depósito, na morada constante do TIR, sufragando o entendimento vertido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.° 6/2010 do STJ. - no dia 24.11.2016 foi expedida a notificação por via postal simples para a morada constante do TIR, - no dia 06.02.2017, foram emitidos os mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão aplicada ao arguido. - no dia 15.05.2017, foram cumpridos os mandados de detenção do arguido. - no dia 18.05.2017, foi homologada a liquidação de pena. * Vejamos então quanto ao "Habeas Corpus» em virtude de prisão ilegal requerido pelo arguido, nos termos do art.° 222° do CPP. [transcrição do art. 222.º, do CPP] Ora, quanto ao aqui disposto, verifica-se haver total falta de fundamentos por parte do arguido, quanto à "ilegalidade" da prisão decretada. Não foi ordenada por entidade incompetente, nem foi motivada por facto que a lei não permite, antes pelo contrário, bem como não se manteve para além do permitido por lei. Vossas Excelências contudo, Colendos Conselheiros, decidirão quanto à petição de Habeas Corpus conforme entenderem ser de Justiça.» 3. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Publico e o defensor, teve lugar a audiência pública, nos termos dos art.ºs 223.º, n.º 3, e 435.º do CPP. Há agora que tornar pública a respetiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.
II Fundamentação 1. Nos termos do art. 31.º, n.º 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, o interessado pode requer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de detenção ou prisão ilegal. “Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade” constituindo uma “garantia privilegiada” daquele direito (cf. Gomes Canotilho, /Vital MOREIRA, Constituição da República Portuguesa — Anotada, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 20074, anotação ao art. 31.º/ I, p. 508). Esta providência pode ser utilizada em casos de decisões irrecorríveis, mas “não é de excluir a possibilidade de habeas corpus em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal” (idem, anotação ao art. 31.º/ V, p. 510, sublinhado nosso). Exigem-se cumulativamente dois requisitos: 1) abuso de poder, lesivo do direito à liberdade, enquanto liberdade física e liberdade de movimentos e, 2) detenção ou prisão ilegal (cf. neste sentido, ibidem, anotação ao art. 31.º/ II, p. 508). Nos termos do art. 222.º, n.º 2, a ilegalidade da prisão deve ser proveniente de aquela prisão “a) ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”. 2. O requerente desta providência entende que deve ser libertado, por considerar que a privação da liberdade a que está sujeito foi motivada por facto que a lei não permite. Na verdade, compulsados os autos, verifica-se que: - o requerente foi condenado, no âmbito do processo n.º 47/11.1PFAMD, em uma pena única de prisão de 2 anos e 6 meses [resultante das penas parcelares de 2 anos e 4 meses, — pela prática de um crime de violência doméstica, nos termos do art. 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código Penal (CP) — e de 4 meses de prisão — pela prática de um crime de violação da integridade física, nos termos do art. 143.º, n.º 1, do CP]; esta pena foi substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão, pelo período de 2 anos e 6 meses, nos termos do art. 50.º, n.º 5, do CP; a suspensão da execução foi sujeita a regime de prova com obrigação de frequência de programa específico de prevenção de violência doméstica, com particular incidência sobre os consumos aditivos, nos termos do art. 152.º, n.º 4, do CP; - a sentença transitou em julgado a 02.05.2012; - o arguido prestou termo de identidade e residência a 05.10.2011, nunca tendo vindo ao processo alterar a morada que, então, indicou, e para onde foram realizadas as sucessivas notificações; - o arguido nunca compareceu perante a DGRSP para que fosse dado cumprimento à execução da pena de substituição, apesar de ter sido notificado e terem sido feitas tentativas de contacto com o arguido para o telemóvel indicado nos autos; - e não só não veio indicar outros contactos diferentes, como o próprio defensor oficioso informa, a 02.07.2013, que desconhece a morada e o telefone do arguido (cf. informação apresentada pelo Senhor Juiz); - foi mandado notificar para a audiência (por ofício de 10.02.2015 — cf. fls. 46 destes autos) nos termos do art. 495.º, n.º 2, do CPP, pese embora aquela notificação não tenha sido possível (cf. fls 45 onde a PSP, a 19.02.2015, informa que desconhece o paradeiro do arguido); a audiência é realizada 04.03.2015 apenas com a presença do defensor oficioso do arguido, cf. fls. 47 e s destes autos); - é revogada a pena de substituição aplicada, por decisão de 05.10.2015 (cf. fls 51-2 destes autos); - após diligências para notificar o arguido desta última decisão, a 20.10.2015, a PSP informa que o arguido não reside na morada apresentada no TIR (morada que constava do despacho de notificação da decisão de revogação da pena de substituição e enviada àquela entidade — cf. fls. 58 destes autos), e que “Consultado o Sistema Estratégico de Informação (S.E.I.), apurou-se que no dia 03/09/2015, o Srº AA indicou como sua morada a seguinte: ...” (cf. fls. 55 destes autos); - e em momento posterior (por despacho de 29.09.2016), ao abrigo do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 6/2010 (DR, 1.ª série, n.º 99, 21.05.2010, p. 1747-1759), é mandado proceder-se à notificação “por via postal simples co p.d. na morada constante do TIR — ac. de uniformização de jurisprudência n.º 6/2010”; notificação realizada a 24.11.2016 (cf. fls. 61 destes autos) e depositada a 28.11.2016 (cf. fls. 62 destes autos); - a 06.02.2017 foram emitidos os correspondentes mandatos de detenção (cf. fls. 63 destes autos, e cumpridos a 15.05.2017 (cf. fls. 65 e 68 destes autos); - a 23.05.2017 foi homologada a liquidação de pena, sendo a metade da pena atingida a 15.08.2018, os 2/3 a 15.01.2019 e o termo da pena a 15.11.2019 (cf. fls. 70- 1 e 72, destes autos). Do exposto resulta que o requerente foi condenado numa pena de prisão de 2 anos e 6 meses, tendo esta sido suspensa, todavia mais tarde foi revogada esta pena de substituição, assim se determinando o cumprimento efetivo da pena principal que lhe tinha sido aplicada. Sabendo que o despacho de revogação foi notificado, por via postal simples com prova de depósito a 28.11.2016, parece que há muito a decisão de revogação da suspensão da pena de prisão transitou em julgado. Assim sendo, e porque a prisão foi decretada após julgamento do arguido, por autoridade competente, e depois de transitada em julgado e que o despacho de revogação também foi prolatado pela autoridade competente e porque a pena é baseada em factos pelos quais a lei permite – a prática de crime de violência doméstica e violação da integridade física — não parecem existir dúvidas quanto à legalidade da prisão. 3. Porém, podemos assim não entender se considerarmos que a notificação do despacho de revogação da suspensão não foi a adequada, pelo que não transitou em julgado. Em primeiro lugar, deve salientar-se que o termo de identidade e residência ao qual o arguido se sujeitou indicando a morada para onde, no futuro, gostaria de receber as notificações, serve exatamente para que se possa proceder a notificações postais simples (cf. art. 196.º, n.º 2, do CPP). Para além disto, aquando da realização deste foi dado conhecimento ao arguido que tem a “obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado”, nos termos do art. 197.º, n.º 3, al. b), do CPP (e termo de identidade que o arguido assinou a fls. 23 destes autos); foi‑lhe ainda comunicado que “as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra que entretanto vier a indicar, através de requerimento, entregue ou remetido por via postar registada à secretaria do Tribunal ou dos serviços onde o processo correr termos nesse momento” (cf. termo de identidade e residência assinado pelo arguido a fls. 23 destes autos); por fim, foi ainda advertido que “do incumprimento do disposto nas alíneas anteriores [e aqui transcritas], legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente, e bem assim a realização da audiência, nos termos do art. 333.º do Código de Processo Penal [isto é, realização na ausência do arguido]” (cf. loc. cit.). Ou seja, 1) o arguido tinha o dever de vir aos autos indicar nova morada; não tendo o arguido indicado nova morada, devem as notificações, por força da lei, ser realizadas para a morada indicada no termo de identidade e residência; 2) em dois momentos não esteve presente o arguido — no momento em que foi lida a sentença e no momento em que se realizou a audiência para revogação da pena de substituição; todavia, em ambos os momentos esteve representado pelo seu defensor. Assim sendo, o tribunal tendo notificado para a morada indicada no TIR parece ter cumprido o legalmente estabelecido. 4. Sabe-se, no entanto, que o arguido presta o termo de identidade e residência em 2011, e até 2013 suscitou-se a dúvida de saber se após a decisão final dos autos aquela medida de coação (o termo de identidade e residência) se extinguia com o trânsito em julgado ou não. Para quem entendia que a medida se extinguia com o trânsito em julgado isto determinava que qualquer notificação — nomeadamente, para a comparência para audição do arguido em momento anterior à revogação da pena de suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art. 495.º, n.º 2, do CPP, e notificação da decisão de revogação da pena de substituição — não poderia ser apenas por via postal simples com prova de depósito, ou por via postal registada, para a morada fornecida no termo de identidade e residência, pois se a medida de coação se tinha extinguido, também as obrigações dele decorrentes (e referidas supra) se tinham extinguido. Vale por dizer que o arguido já não tinha obrigação de se não ausentar por mais de 5 dias da morada indicada, ou que já não tinha obrigação de indicar outra morada. Assim sendo, para quem defendia esta perspetiva as notificações teriam que ser realizadas pessoalmente. Para quem tinha o entendimento contrário, isto significava que mesmo após o trânsito em julgado da decisão, as notificações, nomeadamente a notificação de decisão que revogasse a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, poderiam ser realizadas por via postal simples com prova de depósito ou via postal registada para a morada do termo de identidade e residência. Foi a posição que fez vencimento no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 6/2010, apesar do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 422/2005, segundo o qual se julgou inconstitucional “por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 335.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, conjugadas com o artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, interpretadas no sentido de que o prazo de interposição de recurso, pelo condenado, de decisão que revogou a suspensão da execução de pena de prisão se conta da data em que se considera efectivada a sua notificação dessa decisão por via postal simples”. Apesar disto, a 15.04.2010 fixou-se a seguinte jurisprudência: «I — Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. II — O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de ‘as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada’). III — A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ (16) ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).» (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 6/2010). E em decisão posterior, o Tribunal Constitucional veio também considerar que “a norma dos artigos 113.º, n.º 3, e 196.º, n.º 3, alíneas c) e d) do CPP, interpretados no sentido de que a notificação do despacho revogatório da suspensão ao arguido, por via postal simples, com depósito na morada fornecida aquando da prestação de termo de identidade e residência, a par da notificação ao defensor nomeado, é suficiente para desencadear o prazo dos meios de reação contra o despacho revogatório, não viola o disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.” (acórdão n.º 109/2012). É que, tal como afirma o Tribunal Constitucional, “o não conhecimento pelo arguido do ato notificado nestas situações é imputável ao próprio arguido, uma vez que, a partir da prestação do termo de identidade e residência, passou a recair sobre ele o dever de verificar assiduamente a correspondência colocada no recetáculo por si indicado e de comunicar ao tribunal qualquer situação de impossibilidade de acesso a esse local. Se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos argui- dos, nesta modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne efetivo esse conhecimento. Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir. Estas considerações são transponíveis para a notificação do despacho que designa dia para audição do condenado em pena de prisão cuja execução ficou suspensa e — o que sobretudo ao caso interessa — do despacho revogatório da suspensão, suposto, como se disse que persistam nessa fase, por determinação legal, os compromissos e as consequências previstas no n.º 3 do artigo 113.º e nas alíneas b), c) e d) do n.º 3 do artigo 196.º do CPP. Como no mesmo acórdão se ponderou, “[s]e o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne efetivo esse conhecimento. Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir.” Por maioria de razão, é constitucionalmente legítimo impor tais encargos a quem foi judicialmente convencido da prática de um crime e no âmbito da execução da pena correspondente.” (idem) Todavia, embora aparentemente as modificações da lei processual penal em 2013 (por força da Lei n.º 20/2013, de 21.01) pareçam ter seguido este entendimento, o certo é que não se limitou a estender a eficácia do termo de identidade e residência até à extinção da pena (cf. art. 214.º, n.º 1, al. e), 2.ª parte, do CPP, na redação dada pela referida lei). Para além disto, houve a necessidade de expressamente consagrar, no art. 196.º, n.º 3, al. e), do CPP, a obrigação de advertência ao arguido de que o termo de identidade e residência só se extingue com a extinção da pena. Advertência que não foi realizada ao requerente dado que esta não constava da decisão de fixação de jurisprudência, nem da lei. Ora, atenta a nova redação legal cumpre questionar se basta seguir o determinado no acórdão n.º 6/2010 ou se, pelo contrário, aquele só deve ser seguido se concomitantemente o arguido for advertido, aquando da prestação do termo de identidade e residência, de que aquele se mantém válido até ao final da execução da pena em que tiver sido condenado. Sabendo que nos termos do art. 5.º, do CPP, a nova lei se aplica imediatamente, e sabendo que a nova lei assegura de forma mais eficaz o direito de defesa do arguido do que a jurisprudência fixada anteriormente, entendemos que, em atenção ao princípio in dubio pro libertate deve considerar-se que aquela notificação, para a morada do termo de identidade e residência após o trânsito em julgado da decisão, sem que o arguido tenha sido advertido da supra-validade daquele após o referido trânsito, é inexistente. Na verdade, o requerente só tomou conhecimento daquele despacho de revogação aquando da detenção a 15 de maio passado, pelo que ainda decorre o prazo para a interposição de recurso. Assim sendo, considera-se que a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão ainda não transitou em julgado, pelo que não pode entender-se como válida a prisão do arguido, devendo ser de imediato libertado. Pelo exposto, concluímos que o requerente se encontra ilegalmente preso pelo que procede a petição de habeas corpus.
III Decisão Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em deferir a providência de habeas corpus requerida pelo recluso AA determinando a sua imediata libertação.
Sem custas.
Supremo Tribunal de Justiça, 8 de junho de 2017 Os Juízes Conselheiros,
Helena Moniz Nuno Gomes da Silva
Santos Carvalho |