Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
768/08.6TBPVZ.P2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
RESOLUÇÃO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
CONTRA-ALEGAÇÕES
REQUISITOS
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PROMITENTE-VENDEDOR
RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO, PARTES DO TRIBUNAL / PARTES / LEGITIMIDADE DAS PARTES – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO ADMINISTRATIVO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES EM GERAL / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESOLUÇÃO DO CONTRATO /ANTECIPAÇÃO DO CUMPRIMENTO, SINAL / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 34.º, N.º 3, 636.º, 638.º, N.º 8, 639.º, 640.º E 662.º, N.º 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 432.º, N.º 1, 440.º, 442.º E 808.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 22-03-2011, PROCESSO N.º 4015/07;
- DE 12-03-2013, PROCESSO N.º 6560/09;
- DE 08-05-2013, PROCESSO N.º 13/09;
- DE 14-04-2015, PROCESSO N.º 2733/10, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. O recorrido pode ampliar o objecto do recurso nas contra-alegações, nos termos do art. 636º do CPC, designadamente para suscitar a reapreciação de fundamentos em que tenha decaído, apesar do resultado final favorável.

II. O accionamento de tal mecanismo processual está sujeito a exigências idênticas às que estão previstas nos arts. 639º e 640º do CPC para as alegações de recurso, o que se mostra necessário tanto para a identificação do objecto da pretendida ampliação, como para o exercício do contraditório.

III. A resolução de contratos pode ser despoletada tanto a partir da verificação de uma situação de incumprimento definitivo, como a partir do preenchimento de uma cláusula resolutiva expressa.

IV. É de qualificar como cláusula resolutiva expressa a convenção inserida num contrato-promessa de compra e venda segundo a qual se consideraria em situação de incumprimento definitivo o promitente-comprador que, depois de faltar ao pagamento de pelo menos três prestações consecutivas, deixasse decorrer o prazo de três meses para efectuar o pagamento de todo o preço, facultando ao promitente-vendedor a declaração de resolução.

V. Verificado o condicionalismo contratualmente fixado pelas partes, deve considerar-se legitimamente exercitada a resolução do contrato-promessa de compra e venda comunicada pelo promitente-vendedor.

Decisão Texto Integral:

I - AA instaurou acção declarativa contra BB e mulher CC pedindo que, com base na declaração de resolução de contrato-promessa de compra e venda de um prédio urbano que foi celebrado, os RR. sejam condenados a restituírem-no e a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou perturbem o exercício pelo A. do seu direito de propriedade.

Alegou que celebrou com o R. marido um contrato-promessa de compra e venda de um prédio urbano. O RR. foram anteriormente proprietários desse prédio, o qual foi objecto de dação em pagamento a favor do BANCO DD. Entretanto os RR. e o procurador e pai do A. acordaram que, por via das relações de amizade que mantinham, agiriam no sentido de possibilitar que mais tarde o mesmo prédio fosse readquirido pelos RR. Na execução desse plano, foi acordado que o prédio seria adquirido pelo A. ao BANCO DD, o que veio a ocorrer, sendo também outorgado um contrato-promessa de compra e venda entre o A. (representado pelo seu pai e procurador) e o R.

Nos termos deste contrato-promessa, o R. comprometeu-se a efectuar o pagamento, por conta do preço acordado, de 60 prestações mensais e de uma última prestação. Ficou ainda clausulado que, em caso de falta de pagamento de 3 das referidas prestações e decorrido que fossem 3 meses sobre a última prestação incumprida sem que fosse efectuado o pagamento de todo o preço, era conferido ao A. o direito de resolver o contrato-promessa, posto que o A. devolvesse ao R. todas as prestações entretanto recebidas.

Os RR. efectuaram o pagamento de algumas prestações, tendo cessado o pagamento de mais de 3 prestações. Decorrido o prazo previsto no contrato, o A. comunicou aos RR. a resolução do contrato-promessa e pretende agora, através da presente acção, a condenação dos RR. na entrega do prédio.

Os RR. contestaram e deduziram reconvenção. Em impugnação alegaram que o R. não aceitou que o A. pudesse resolver o contrato nas condições que dele ficaram a constar e que o procurador do A. contribuiu para a instalação de confusão acerca do pagamento das prestações. Em reconvenção pediram a execução específica do contrato-promessa de compra e venda com base no incumprimento do contrato por parte do A.

O R. replicou.

Foi efectuado o julgamento e proferida sentença que julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção. Assim, foi reconhecido ao A. o direito de propriedade sobre o prédio urbano, sendo os RR. condenados a restituírem esse prédio e a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou perturbem o exercício pelo A. do seu direito de propriedade.

Os RR. apelaram e a Relação revogou a sentença, julgando improcedente também a acção com fundamento na falta de verificação das condições para a resolução do contrato-promessa de compra e venda.

O A. interpôs recurso de revista em que no essencial suscita as seguintes questões:

- Os RR., no recurso de apelação, não questionaram a situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa, de modo que a Relação não podia, com base alegada inverificação dessa situação, julgar improcedente o pedido do A. de entrega do imóvel na sequência da resolução do contrato que fora por ele operada;

- Tendo as partes convencionado uma cláusula resolutiva expressa, não se mostra necessário para accionar o direito de resolução converter uma situação de simples mora em incumprimento definitivo;

- A efectivação da resolução não está dependente da efectiva disponibilização por parte do A. das quantias recebidas ao abrigo do contrato-promessa nos termos que foram convencionados.

Os RR. contra-alegaram e nas contra-alegações suscitaram uma série de questões:

- O facto de no prédio urbano que é objecto da presente acção estar instalada a casa de morada de família, devendo o contrato-promessa de compra e venda ser autorizado pela R. mulher;

- Falta de notificação da declaração de resolução do contrato à R. mulher;

- A contradição entre a cláusula de resolução e a cláusula VII só poderia ser resolvida por aplicação do regime do nº 2 do art. 236º do CC;

- A cláusula de resolução só pode ser havida como “fonte de pressão” e “não para levar a sério” (sic);

- Consideração por acordo entre as partes do facto 48º da contestação;

- Ocorrência de uma alteração substancial quanto ao valor e lugar de pagamento das prestações que determinou a confusão do R. e criou a convicção de que não seria invocado o incumprimento do contrato;

- Verificação de uma situação de abuso de direito por parte do A. e seu procurador;

- Verificação de uma situação de incumprimento de obrigação de escassa importância que impede a declaração de resolução do contrato;

- Incumprimento por parte da Relação do art. 662º, nº 2, do CPC, na medida em que foi invocada pelos RR. a falta de credibilidade do testemunho do procurador do A., devendo determinar-se a remessa dos autos à Relação.

Cumpre decidir.


II – Factos que as instâncias consideraram provados:

1. O prédio referido em 6. foi adquirido pelo pai do R. marido, FF, que adquiriu por compra, conforme consta do registo a seu favor na CRP da Póvoa de Varzim - feito através da Ap. 18, de 22.7.92, em G-2 e G-3 (fls. 23 a 30) – I);

2. Esta casa foi depois adquirida pelo R. marido, por lhe ter sido adjudicada em partilhas, por óbito do seu pai, conforme consta do registo a seu favor na CRP da Póvoa de Varzim, feito através da ap. n° 37 de 16-4-98, em G-4 (fls. 23 a 30) e foi definitivamente registada a favor do A. pela inscrição G-6 (Ap. 03/20051010) (fls. 23 a 30) – J);

3. Desde pelo menos esta data (1998) até hoje, ininterruptamente e à vista de toda a gente, os RR. passaram a viver com os seus três filhos naquela casa, aí permanecendo, comendo, dormindo, recebendo os seus familiares e amigos, à vista de toda a gente, isto é, aí instalaram até hoje a sua casa de morada da família – 6º;

4. Desde há mais de 20 anos que o A., por si e antecessores, têm utilizado o terreno, bem como o prédio implantado no mesmo e referido em 1., usufruindo dos rendimentos do mesmo, pagando contribuições à Fazenda Nacional a ele inerentes, na frente de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição de ninguém e com o ânimo de serem seus exclusivos donos – 1º;

5. Em 13-1-03, o Banco DD, SA, os RR., casados no regime de comunhão de adquiridos, e a Construtora FF, Lda, representada pelo R. marido, intervieram na qualidade de outorgantes de um contrato-promessa de dação em cumprimento outorgado no 4o Cart. Not. do Porto, dele constando, nomeadamente na cláus. 2ª que o outorgante marido é dono e legítimo proprietário do prédio urbano composto de casa de cave, r/c e andar, com dependência e quintal, sito na R. …, …, Póvoa de Varzim, descrito na CRP respectiva sob o n° 01…5 da freguesia da Póvoa de Varzim, e que “nesta data o bem imóvel (...)encontra-se livre de quaisquer ónus ou encargos, não é objecto de qualquer contrato que limite o direito de propriedade sobre ele, designadamente de qualquer contrato de arrendamento e que não existe qualquer direito de preferência legal ou convencional na aquisição do mesmo, à excepção da hipoteca sobre ele constituída a favor do Banco ...” (fls. 51 a 56) – A);

6. Em 23-12-03, por escritura pública de dação em cumprimento outorgada no 4o Cart. Not. do Porto, o BANCO DD e os RR. intervieram na qualidade de outorgantes mediante e estes declararam dar ao referido Banco o prédio referido em 1. para pagamento de uma dívida que a Construtora FF, Lda, representada por pelo R., tinha para com o Banco, e com o consentimento da sua mulher, no valor de € 294.000,00 (fls. 47 a 50) – B);

7. O A., AA, é filho de GG e natural de F…; é …, foi criado com a mãe na …, trabalhou em M… e desde 2006 trabalha em …, V…, ao contrário do que acontecia com o pai do A. que era amigo do R. marido há largos anos, convidados nas respectivas festas de família, companheiros de viagem ao estrangeiro, ajudando-se mutuamente – 9º, P) e 10º;

8. O pai e procurador do A., GG, montou uma empresa de compra e venda de carros usados e de peças de carros novos e usados, com armazém e estaleiro na R. …, …, desta comarca, e ao longo de muitos anos o R. marido e o GG fizeram negócios entre si a crédito, sustentando-os com uma conta corrente existente entre ambos, sendo que de vez em quando aquele GG emitia extractos de conta corrente que em 19-10-05 tinha um saldo a favor do R. marido do montante de € 89.660,74 – M) e 11º;

9. Em inícios de 2005, mais precisamente aquando do negócio de 27-1-05, o R. marido propôs ao GG que este assumisse a dívida da Construtora FF ao BANCO DD fazendo ele um empréstimo ao banco, cujas prestações o R. marido se obrigava a pagar ao GG, dando-lhe aquele de garantia a sua casa e, no final do pagamento desse empréstimo, o GG transferiria a propriedade da casa para o R. marido ou para quem este indicasse e GG considerou tal proposta, atenta a relação de amizade com os RR. – 20º e 21º;

10. O interesse dos RR. em resgatar a casa ao BANCO DD pelo valor de € 294.000,00 advinha do facto do valor da casa ser muito superior ao valor daquela dívida ao BANCO DD e ainda ao facto de estar sediada nessa casa a casa de morada de família – 42º;

11. No dia 25-2-05, o A. AA, passou uma procuração a GG (seu pai), conferindo-lhe, entre outros, poderes para este “comprar e vender, prometer comprar e vender, pelo preço e condições que entender, quaisquer imóveis e ainda para em nome dele contrair empréstimos na CGD até ao montante de € 294.000,00 pelo prazo e condições que entendesse, dar de hipoteca para segurança dos empréstimos e acessórios quaisquer bens móveis, podendo assinar e outorgar as respectivas escrituras ...” (fls. 218 a 220) – L);

12. Em 15-7-05 o A., representado em tal acto pelo seu procurador GG, e o R. marido outorgaram entre si um documento que intitularam de contrato-promessa de compra e venda relativo ao prédio descrito em 6., nos termos do qual o R. marido prometeu comprá-lo ao A., estipulando-se que o R. pagaria o preço de € 304.266,00, em 60 prestações mensais e sucessivas de € 1.100,00 e uma última de € 239.366,00, e que o A. autorizava o R. a residir no imóvel a título gratuito, ficando este com a obrigação de pagar os impostos, taxas e demais contribuições relativas ao prédio, e que a falta de pagamento de 3 prestações consecutivas do preço do negócio faria o R. incorrer em incumprimento definitivo (cláus. 1ª, 2a, 3a, 6a e 7a do referido contrato) – C);

13. No escrito referido em 12. o A. e o R. marido fizeram constar nos “Considerandos”, sob as als. A) a F) que:

A - Por contrato de dação em cumprimento celebrado por escritura pública lavrada em 23-12-03 no 4o Cart. Not. do Porto, o Primeiro Outorgante deu ao BANCO DD o seu prédio urbano composto de casa de habitação de cave, r/c e andar, com dependência e quintal, sito na Rua …, n° …, da freguesia e Concelho da Póvoa de Varzim, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 6.202 e descrito na CRP da Póvoa de Varzim sob o n° 01…5, para pagamento de uma dívida de € 294.000,00.

B - Nos termos deste contrato de dação em cumprimento, a propriedade do prédio acima descrito pode reverter para o Primeiro Outorgante ou para quem este indicar.

C - O Primeiro Outorgante vai indicar o Segundo Outorgante para exercer a referida cláusula de reversão.

D - O Segundo Outorgante vai adquirir a propriedade do referido prédio, pelo valor de € 304.266,00, recorrendo a financiamento bancário para o efeito.

E - O Primeiro outorgante, em virtude do disposto no referido contrato de dação em cumprimento, está presentemente a habitar o imóvel com a família.

F - Os Outorgantes afirmam livre e conscientemente que o presente contrato é celebrado por motivo de relações de amizade que existem entre ambos e pelo intuito do Segundo Outorgante em auxiliar o Primeiro Outorgante a recuperar a propriedade do prédio em causa, não tendo aquele real interesse em adquirir a propriedade do imóvel, excepto no caso de ocorrer incumprimento definitivo do presente contrato por parte do Primeiro Outorgante nos termos da cláusula sexta infra, caso em que o Segundo Outorgante declara e manifesta expressamente a vontade de adquirir.” – F);

14. Nos “Considerandos A e B” do contrato-promessa referido em 12., assinado entre o R. marido e o A. (representado pelo procurador) (refere-se que) na sequência do contrato de dação em cumprimento de 23-12-03, em pagamento da dívida da Construtora FF, o R. marido deu ao BANCO DD a sua casa identificada em 6. e que a propriedade desse prédio podia reverter para o R. marido ou para quem este indicar, assim resgatando a casa, contra o pagamento da dívida dada em pagamento. Nos termos desse contrato, o R. marido indicou o A. como comprador do indicado prédio ao BANCO DD pelo preço de € 304.266,00, recorrendo a financiamento bancário para o efeito, o que veio a acontecer, depois, através da escritura de Compra e Venda e Mútuo de 20-9-05 – E);

15. Reza a Cláus. IV do contrato referido em 12. que:

A primeira prestação vence-se e será paga pelo Primeiro Outorgante no prazo máximo de 30 dias após a escritura de aquisição do prédio que o Segundo Outorgante vai celebrar com o BANCO DD e as restantes em igual dia dos meses subsequentes”, isto é, a cláus. IV versa sobre a data de vencimento das prestações (não se identificando nesta cláusula as prestações, v.g., o seu montante e o seu número) – V) e X);

16. Na Cláus. VI ficou escrito que:

O Segundo Outorgante autoriza o Primeiro Outorgante a continuar na posse do prédio a título gracioso".

§ único: “O Primeiro Outorgante obriga-se a pagar pontualmente todos os impostos, taxas e demais contribuições relativas ao prédio” – T);

17. Consta na Cláus. VII que, em caso de incumprimento, seria concedido ao R. um prazo de 3 meses a contar da data de vencimento da 3ª prestação para liquidar a totalidade do remanescente do preço em dívida ou para indicar pessoa para adquirir o prédio, sob pena do A. poder resolver o contrato através de carta registada a remeter ao R. marido, obrigando-se a deixar o imóvel livre de pessoas e bens no prazo de 30 dias a contar da recepção da notificação da resolução – D);

Mais concretamente, estipulou-se que:

A falta de pagamento pontual de 3 prestações consecutivas das referidas na Cláus. IV (e não Cláus. VI, como se refere no Considerando F) é considerado pelos outorgantes como incumprimento definitivo do contrato-promessa.

§ Um: Ocorrendo esta situação de incumprimento de 3 prestações consecutivas por parte do primeiro outorgante, este disporá do prazo de 3 meses, a contar da data de vencimento da 3ª prestação incumprida, para proceder à liquidação total do remanescente ainda em dívida ou para indicar terceira pessoa para adquirir o prédio.

§ Dois: Decorrido aquele prazo de 3 meses, poderá o segundo outorgante resolver o presente contrato através de manifestação de vontade por carta registada a remeter ao primeiro outorgante, tendo de restituir ao primeiro outorgante todas as importâncias já recebidas por conta do preço.

§ Três: No caso de ocorrer resolução do contrato por incumprimento do primeiro outorgante, este obriga-se a deixar o imóvel livre de pessoas e bens no prazo de 30 dias a contar da recepção da notificação de resolução”.

18. Mediante escritura pública de compra e venda datada de 20-9-05, lavrada a fls. 38 a 40v do Livro 17 E do Cart. Not. da Av. …, n°s 6…/6…, em Vila do Conde, o A. declarou comprar ao BANCO DD, SA, e este declarou vender o prédio urbano, composto de casa de cave, r/c e andar, com dependência e quintal, sito na R. …, …, Póvoa de Varzim, descrito na CRP respectiva sob o n° 01…5 da freguesia da Póvoa de Varzim, registado a favor do BANCO DD pela inscrição G-5 e inscrito no art. 6.202 da matriz urbana respectiva com o valor patrimonial de € 32.695,59 (fls. 31 a 46) – G) e H);

19. Após a realização do contrato referido em 12., o BANCO DD, S.A., permitiu que os RR. continuassem a habitar o imóvel; os RR. permaneceram a partir de 10-11-07 na habitação referida em 6. – 2º e 5º;

20. Na conta corrente (referida em 8.) feita pelo punho do GG em 27-1-05 e 19-10-05, com referência a “Ali, acerto de contas do terreno (contrato de promessa e venda)”, consta do seguinte extracto:

- “27-1-05 saldo actual a favor do BB ... 153.778,00”;

- “19-10-05 dinheiro que GG deu para o terreno 64.117,26, saldo 89.660,74” – 19º;

21. Doc. fls. 187 a 189 dos autos (contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o R. marido e GG) – 15º;

22. Em 15-6-05, o GG instaurou a acção ordinária n° 2194/05.4TBPVZ contra os RR. requerendo a execução específica do contrato-promessa de 27-10-04, que os RR. não contestaram, tendo sido proferida sentença em 21-12-05, já transitada em julgado em 19-1-06, mediante a qual a propriedade do prédio (terreno) identificado, ficou transferida para si (Manuel Alberto) – Q);

23. Por escritura de 6-7-05 outorgada no Cart. Not. de Vila do Conde, os RR. declararam vender a GG 5 fracções autónomas para comércio do prédio descrito na CRP da Póvoa de Varzim sob o n° 01…8 – N);

24. Doc. fls. 182 a 185 dos autos (escritura de compra e venda de uma fracção autónoma) – 12º;

25. Por instrumento de contrato 1-8-05 reconhecido notarialmente e na presença dos outorgantes, aquele GG e o R. marido declararam que o comprador GG não pagou nem o R. marido recebeu qualquer preço pelas fracções vendidas em 6-7-05 e que ambos jamais tiveram qualquer propósito de comprar ou vender quaisquer fracções e declararam ainda que a celebração de escritura de compra e venda (6-7-05) foi motivada por relações de amizade que existem entre ambos e pelo intuito do GG auxiliar o R. marido a proteger os seus bens, não tendo qualquer interesse em adquirir a propriedade dos imóveis – O);

26. Os RR. continuaram, durante algum tempo, após as respectivas escrituras, a receber as rendas das fracções referidas em  23. – 14º;

27. Em pagamento do preço do prédio objecto do contrato referido em 21., GG assumiu o pagamento de € 135.000,00 e pagou ao R. marido mais € 122.730,00, pelo que ficou a dever ao R. marido a quantia de € 153.778,00 – 16º;

28. Cláusula VII do doc. fls. 187 a 189 dos autos (obrigação de marcar a escritura relativa ao contrato referido em 21.) – 17º;

29. Docs. fls. 200 a 217 – 18º;

30. Pese embora todos os contactos e a instrução do negócio de resgate ao BANCO DD da casa do R. marido tivessem sido tratados entre este e GG, nomeadamente os termos do contrato promessa referido em 12., o GG pediu ao A. que o empréstimo bancário necessário para efectuar tal resgate fosse feito em nome dele, uma vez que o filho era economista e tinha um bom ordenado, o que este e o R. marido aceitaram, tendo nessa sequência sido subscrito o contrato referido em 12. pelo R. marido e pelo GG, na qualidade de procurador do A., e outorgada a escritura junta a fls. 32 a 45 – 22º (fls. 954);

31. O valor da prestação mensal prevista na Cláus. III do contrato-promessa referido em 12. correspondia ao valor estimado da prestação que o A. teria de pagar à CGD acrescida dos encargos bancários e de seguro obrigatório, pelo que o seu valor efectivo e variável em função da variação da taxa de juros, ascendia sempre a um valor mensal nunca superior a € 1.200,00 - 33º;

32. Logo após a escritura referida em 6., o R. marido ausentou-se para a …, para tentar ganhar a vida, deixando em Portugal e na casa referida em 1. a mulher e os 3 filhos, tendo o GG passado a exigir à R. mulher a entrega a ele (para melhor controle de entregas) de € 1.200,00 por cada prestação mensal;

33. A R. mulher entregou ao GG as quantias referidas nos docs. fls. 221 a 237 dos autos – 26º;

34. A R. mulher entregou ao GG as quantias referidas nos docs. fls. 231, 235, 236 e 237 dos autos;

35. Para pagamento das 1a a 7a prestações da casa, os RR. entregaram ao procurador do A., entre 20-10-05 e 20-4-06, a quantia de € 8.400,00 – 34º;

36. Depois daquela data os RR. entregaram a quantia de € 1.000,00 por conta da 8ª prestação vencida em 20-5-06, o que fizeram apenas em 16-11-06, através do endosso de dois cheques de € 500,00 cada um, emitidos à R. mulher – 35º;

37. Apenas em 2-2-07 os RR. voltaram a retomar os pagamentos, tendo então entregue a quantia de € 2.400,00, para pagamento do resto da 8ª prestação (€ 200,00), da 9a prestação vencida em 20 de Junho de 2006 e de parte da 10ª prestação (€ 1.000,00), vencida em 20 de Julho de 2006 – 36º;

38. Depois, em 19-3-07, os RR. entregaram ao procurador do Autor a quantia de € 1.400,00, para pagamento do resto da 10a prestação (vencida em 20-7-06) e da 11a prestação (vencida em 20-8-06) – 37º;

39. Em 24-4-07 os RR. pagaram a 12a prestação vencida em 20-9-06, tendo entregue mais € 1.200,00 – 38º;

40. Em 21-5-07 os RR. pagaram as 13a e 14a prestações vencidas respectivamente em 20 de Outubro e 20-11-06, tendo entregue mais € 2.400,00 – 39º;

41. Em 23-7-07 os RR. pagaram a 15a prestação vencida em 20-6-06, tendo entregue mais € 1.200,00 – 40º;

42. O R. não pagou as remanescentes prestações previstas no contrato-promessa referido em 12. – 4º;

43. O GG deslocou-se à Venezuela em Agosto de 2007 e, na presença do A., falou com o R. marido, dizendo-lhe que cumprisse o contrato e pagasse as prestações que se encontravam vencidas – 32º;

44. O R. marido falou com o A. e disse-lhe que no Natal próximo (de 2007) vinha a Portugal vender a casa – 28º;

45. Antes de regressar a Portugal no Natal de 2007, o R. marido falou com o próprio A. quanto à autorização de vender a casa e liquidar o seu empréstimo, tendo-lhe o A. respondido afirmativamente – Z);

46. O GG recusou-se a receber o R. quando este se deslocou a Portugal no Natal de 2007 – 29º;

47. GG exigia, para si, € 300.000,00, pelo terreno e, exigia € 300.000,00 para o A., seu filho, pela casa – 30º;

48. Chegado a Portugal na época do Natal de 2007, o R. marido pôs a casa à venda pelo preço de € 600.000,00, tendo existido interessados na sua aquisição mas por preço inferior – 47º;

49. O GG notificou os inquilinos para lhe pagarem a ele as rendas – 49º;

50. A partir de Janeiro de 2008 o GG passou a receber as rendas de cinco lojas/fracções do “Edifício …” – 50º;

51. A partir de Janeiro de 2008 o GG vem recebendo as rendas mensais das lojas/fracções do “Edifício …” num valor total não apurado – 31º;

52. Por carta registada datada de 3-10-07, assinada por GG (procurador e pai do A.) e remetida para a residência dos RR. referida em 1. e para a morada que naquela data o R. marido tinha na …, carta essa recebida em 9-10-07, foi-lhes dada conta da vontade do A. em por fim ao contrato e para em 30 dias desocuparem a habitação (fls. 63 e 64) – R);

Em concreto, refere-se nessa carta que “serve a presente carta, ao abrigo do estipulado no § Dois da Cláus. VI do contrato-promessa, para lhe manifestar expressamente a minha decisão de resolver o mesmo contrato-promessa entre nós celebrado …” e que “informo que ficam à v. disposição todas as importâncias por mim recebidas por conta do preço, devendo V. Exª indicar-me qual a forma por que pretende recebê-las ou indicar o NIB de conta bancária onde eu deva proceder ao respectivo depósito ou transferência”;

53. Todos os contratos traduzidos nos documentos de fls. 4, 5, 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial, foram redigidos e subscritos no escritório o advogado do A. e do GG, signatário da petição inicial – 43º.


III – Decidindo:

1. Antes de se proceder à apreciação das questões suscitadas pelo A. importa que verifiquemos se alguma das questões invocadas pelos RR. nas contra-alegações tem a veleidade de determinar uma ampliação do objecto do recurso de que importe conhecer.


1.1. Estamos perante uma acção declarativa em que essencialmente foi pedido a condenação dos RR. na entrega do prédio que ocupam e que foi objecto de um contrato-promessa de compra e venda cuja resolução foi declarada pelo A.

Tal acção foi julgada procedente na sentença de 1ª instância, tendo os RR. interposto recurso de apelação que foi provido, concluindo a Relação pela improcedência da acção por considerar que não se verificava uma situação que permitisse a resolução do contrato que foi declarada.

Contra tal acórdão da Relação insurgiu-se o A., suscitando as questões que acima foram enunciadas e que naturalmente integram o objecto da revista.

Porém, o objecto do recurso também pode ser ainda integrado por questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações, mediante a ampliação prevista no art. 636º do CPC, desde que revele uma manifestação de vontade de que sejam reapreciadas questões fundamentais que tenham sido resolvidas em seu desfavor, apesar do resultado final lhe ter sido favorável.

A lei não é explícita quanto ao modo como, nas contra-alegações, deve ser exercitado pelo recorrido este direito de natureza processual, mas naturalmente que deve exigir-se o mesmo rigor que é imposto ao recorrente pelos arts. 639º e 640º do CPC. É a clareza expositiva potenciada pelo cumprimento das formalidades legais que permitirá ao recorrente exercer o contraditório previsto no art. 638º, nº 8, do CPC, relativamente ao objecto da ampliação suscitada pelo recorrido.

Ora, no caso concreto, tendo os recorridos exposto longas considerações sobre o modo como foram apreciadas no acórdão recorrido diversas questões que haviam suscitado anteriormente, não manifestaram, de uma forma explícita, a vontade de que fosse ampliado o objecto do recurso, a não ser no que respeita à última questão relacionada com o alegado incumprimento pela Relação do dever que resultava do art. 662º do CPC.

Relativamente aos demais aspectos, os RR. não formularam qualquer pretensão nem de forma expressa, nem implícita, devendo ser encaradas as alegações e conclusões que apresentaram simplesmente como contra-argumentação relativamente à pretensão que foi deduzida pelo A. a partir das questões que este suscitou.

Por isso, sem embargo de algumas considerações que possam ser feitas em torno dos argumentos trazidos pelos recorridos, são as questões suscitadas pelo recorrente que integram o objecto do presente recurso de revista, com o acréscimo da única questão trazida pelos recorridos em torno da aplicação do art. 662º, nº 2, do CPC.


1.2. No que respeita ao alegado incumprimento do art. 662º, nº 2, do CPC, constata-se que no acórdão recorrido foi considerado que os RR. não haviam indicado os pontos concretos de facto que deveriam ser alterados, nem os concretos meios probatórios que justificavam essa alteração.

E, na verdade, nas alegações que apresentaram no âmbito da apelação, os RR. formularam a pretensão de que a partir “do exame crítico de toda a prova documental e gravada” deveria dar-se como provado que “após o contrato-promessa de fls. 58 o procurador do A. e o R. acordaram que quando o R. emigrado na …, não pudesse pagar as prestações do contrato, o procurador assegurava estes pagamentos, o que aconteceu até Dezembro de 2006, tendo após essa data o R. entregue, através da R., ao procurador, os valores constantes dos docs. de fls. 228 a 237”.

Ora, além de esta matéria não constar na base instrutória, não encontra correspondência em qualquer ponto da matéria de facto que foi considerada provada e não provada pelo tribunal de 1ª instância. Acima de tudo, pretendendo os RR. que se introduzisse uma alteração na decisão da matéria de facto, era necessário que identificassem o ponto ou pontos cuja decisão pretendiam impugnar, não fazendo sentido confrontar o Tribunal da Relação com uma proposta de alteração sem a devida objectividade.

Além disso, verifica-se que o facto que os RR. pretendem que seja considerada provado nem sequer encontra reflexo na matéria de facto alegada, ou seja, na versão dos factos que relataram nos arts. 48º e segs. da sua contestação, estando conexo com os factos que pretenderam introduzir no processo através da tréplica de fls. 271 e segs., cujo desentranhamento foi declarado por despacho de fls. 310.

Neste contexto, não tendo os RR. suscitado explicitamente a impugnação do acórdão da Relação na parte em que incidiu sobre a pretendida impugnação da decisão da matéria de facto e, além disso, constatando-se que a matéria de facto que os RR. pretenderam aditar não integra o objecto do processo, não existe motivo para determinar a remessa dos autos à Relação, improcedendo, deste modo, a ampliação do recurso de revista anteriormente enunciada.


2. Quanto ao objecto da revista delimitado pelas alegações do A.:


2.1. Discute-se essencialmente na presente revista se operou ou não a resolução do contrato-promessa de compra e venda que foi celebrado entre o A., como promitente-comprador (através do seu procurador) e o R., como promitente-vendedor.

De uma resposta positiva a tal questão depende a procedência do pedido que foi formulado pelo A. de condenação dos RR. na entrega do imóvel.

A natureza peculiar do caso não passa despercebida quando se alinham os factos nucleares:

- Os RR. eram donos de um prédio urbano que foi transmitido ao BANCO DD no âmbito de uma operação de dação em pagamento para satisfação da dívida de uma sociedade de que o R. era sócio-gerente, tendo as partes nesse negócio admitido, no entanto, a possibilidade de os RR. readquirirem o mesmo prédio;

- Para o efeito, os RR. vieram a indicar A. como a pessoa que iria adquirir do BANCO DD o direito de propriedade desse imóvel, com vista à sua transmissão posterior para a esfera dos RR.;

- Na execução deste projecto, foi celebrado entre o A. e o R. um contrato-promessa de compra e venda, através do R. se obrigou a comprar e o A. a vender o aludido prédio mediante o pagamento de 60 prestações mensais cujo valor fixaram, culminando com um outra prestação no valor remanescente, após o que seria outorgada escritura pública de compra e venda;

- Os contornos desta operação compreendem-se numa relação de amizade que existia entre o R. e o pai e procurador do A., o que até levou a consignar num dos “Considerandos” do contrato-promessa que o A. não pretendia ficar com a propriedade do imóvel, a não ser em caso de incumprimento definitivo por parte do R.; ademais, acordaram ainda as partes que, nesse caso de resolução, o A. restituiria ao R. todos os valores que tivessem sido pagos por este por conta do preço acordado;

- Relativamente à aludida situação de incumprimento, previram as partes que o A. poderia accionar o direito de resolução do contrato-promessa de compra e venda quando o R. estivesse em dívida com 3 das prestações acordadas e logo que tivessem decorrido 3 meses sobre o vencimento da 3ª prestação sem que fosse efectuado o pagamento total do valor remanescente ou que fosse indicada uma terceira pessoa para adquirir o prédio;

- O R. efectuou o pagamento de algumas prestações mensais, a última das quais em 23-7-07 (que incidiu sobre a prestação que se vencera em 20-6-06, tendo entregue mais € 1.200,00 por conta da prestação subsequente que se vencera em Julho de 2006), mas a partir de Julho de 2007, quando já estavam vencidas muito mais do que 3 prestações, cessou por completo os pagamentos, situação que até hoje se mantém;

- Com esse fundamento, o A., no dia 3-10-07, decorridos muito mais de 3 meses depois do vencimento da 3ª das aludidas prestações, comunicou ao R. a resolução do contrato-promessa de compra e venda, pedindo-lhe a entrega do imóvel.


2.2. Perante este quadro factual, a 1ª instância considerou que, na data em que o A. efectuou a comunicação de resolução do contrato-promessa de compra e venda, já estavam reunidos os pressupostos acordados, considerando operado o efeito extintivo pretendido pelo A. Já a Relação concluiu que a simples falta de pagamento das referidas prestações não implicava uma situação de incumprimento definitivo, mas de simples mora, tanto mais que não foi feita pelo A. qualquer interpelação admonitória. Ademais considerou ainda que, na ocasião em que o A. declarou a resolução do contrato, deveria ter posto à disposição do R. as quantias que dele recebeu.

Aprioristicamente estamos perante um resultado que não parece aceitável, tendo em conta que o A. reagiu em 2007, declarando a resolução do contrato, quando já estavam em dívida muito mais do que 3 das 61 prestações acordadas, e que pretende através da presente acção, que interpôs em 2008, a condenação dos RR. na entrega efectiva do prédio, prontificando-se a devolver as quantias recebidas dos RR.

A aceitar-se o que foi decidido pela Relação, no sentido de que ainda faltaria ao A. pôr fim a uma situação de simples mora, o mesmo seria conduzido à necessidade de proceder (agora, ao fim de 10 anos!) a uma interpelação admonitória do R., tendo em vista colocá-lo numa situação de incumprimento definitivo, apesar da clareza do que a tal respeito foi convencionado pelas partes no contrato-promessa de compra e venda.

Uma tal solução menos se compreende no quadro específico de um contrato-promessa de compra e venda que foi outorgado no interesse finalístico do R., atenta a relação de amizade que existia entre o R. e o pai e procurador do A. Seguramente que tal contexto relacional não poderá deixar de ser ponderado para qualquer efeito, mas não ao ponto de superar o que emerge do que foi explicitamente acordado pelas partes que preveniram inclusive a hipótese - remota - de verificação de uma situação de incumprimento grave (3 prestações) e de uma demora acentuada (3 meses) sobre o vencimento da última prestação.

Enfim, como parece evidente no caso, a actuação do R. traduzia com toda a inequivocidade o incumprimento definitivo e grave da obrigação principal a que se vinculara, ou seja, a de efectuar o pagamento das prestações mensais que foram agendadas, legitimando a resolução contratual que lhe foi comunicada e justificando, agora, que se extraiam da mesma os efeitos práticos que nos reconduzem à entrega do imóvel.


2.3. A resolução do contrato-promessa por parte do promitente-vendedor corresponde a um direito potestativo que pode ser despoletado a partir de uma situação de incumprimento definitivo (resolução de génese legal), nos termos do art. 808º do CC, ou a partir da verificação de uma cláusula resolutiva expressa (resolução de origem contratual), que encontra apoio no art. 432º do CC.

Respondendo a uma argumento lançado pelos recorridos nas contra-alegações, dir-se-á que uma vez que o contrato-promessa de compra e venda foi outorgado entre o A., como promitente-vendedor, e o R. marido, como promitente-comprador, a declaração de resolução apenas tinha que ser dirigida, como foi, ao cônjuge interveniente no contrato, sem necessidade de ser também comunicada à R. mulher.

É verdade que o contrato-promessa incidia sobre um prédio que constituía e constitui a casa de morada de família, mas, nesta medida, os interesses da R. mulher ficaram assegurados através da sua demanda litisconsorcial na presente acção, ao abrigo do art. 34º, nº 3, do CPC, tendo-lhe sido dada a possibilidade de exercer o contraditório relativamente à entrega efectiva do imóvel que o A. pretende através da presente acção.


2.4. A resolução de génese legal ocorre nos casos em que se verifica uma situação de incumprimento definitivo do contrato manifestada por diversas vias, designadamente a falta de cumprimento de obrigação que, pelas circunstâncias que a rodeiam, revele a clara intenção de não cumprir, a falta de cumprimento depois de ter sido expressamente interpelado para o efeito, a recusa de cumprimento, o desinteresse objectivo da contraparte ou mesmo, em determinadas circunstâncias, o decurso de um prazo excessivo revelador da falta de vontade de cumprir ou daquele desinteresse objectivo da contraparte (art. 808º, nºs 1 e 2, do CC).

A jurisprudência e doutrina tratam desta questão com muita profundidade a partir de uma diversidade de situações da vida corrente que, no entanto, aqui não interessa tratar, uma vez que outra realidade se nos apresenta e que simplifica a resposta judiciária.

Na verdade, como se disse, para além da verificação de uma condição resolutiva emergente de alguma das referidas circunstâncias, o efeito resolutivo pode ter uma génese contratual directa, nos termos previstos no art. 432º, nº 1, do CC.

Assim aconteceu no caso concreto em que nos defrontamos com uma condição resolutiva expressa que efectivamente se verificou.


2.5. Na Cláus. VII do contrato foi consignado pelas partes que:

A falta de pagamento pontual de 3 prestações consecutivas das referidas na Cláus. IV é considerado pelos outorgantes como incumprimento definitivo do contrato-promessa.

§ Um: Ocorrendo esta situação de incumprimento de 3 prestações consecutivas por parte do primeiro outorgante, este disporá do prazo de 3 meses, a contar da data de vencimento da 3ª prestação incumprida, para proceder à liquidação total do remanescente ainda em dívida ou para indicar terceira pessoa para adquirir o prédio.

§ Dois: Decorrido aquele prazo de 3 meses, poderá o segundo outorgante resolver o presente contrato através de manifestação de vontade por carta registada a remeter ao primeiro outorgante, tendo de restituir ao primeiro outorgante todas as importâncias já recebidas por conta do preço.

§ Três: No caso de ocorrer resolução do contrato por incumprimento do primeiro outorgante, este obriga-se a deixar o imóvel livre de pessoas e bens no prazo de 30 dias a contar da recepção da notificação de resolução” (sublinhado nosso).


Como se disse inicialmente, a intenção principal das partes foi no sentido de assegurar que os RR. pudessem recuperar o direito de propriedade sobre o prédio que habitavam. Para o efeito, numa espécie de negócio indirecto, o prédio foi adquirido formalmente pelo A. (através da intervenção do seu pai e procurador), mas com o objectivo final de ser posteriormente retransmitido aos RR. contra o pagamento de todo o preço acordado.

O especial contexto relacional em que se integra a negociação não impediu, no entanto, que as partes tivessem prevenido a possibilidade, ainda que remota e indesejada, de ocorrer uma situação de incumprimento definitivo por parte do R. do plano de pagamentos que fora acordado.

Assim, ficou expresso que no caso de o R. falhar ao cumprimento de pelo menos 3 das prestações fixadas e decorrido que fosse um prazo adicional de 3 meses para o cumprimento dessas prestações e de todas as remanescentes ou para a indicação de uma terceira pessoa a quem o prédio fosse vendido (de modo a permitir que por uma das vias alternativas o A. recuperasse todo o valor que investira na aquisição formal), seria legítimo ao A. declarar a resolução do contrato, constituindo-se o R. na obrigação de entregar o prédio, sem embargo da restituição pelo A. dos quantitativos entretanto recebidos (uma das peculiaridades do caso).

Tendo em vista afastar um argumento que foi arrolado pelos RR. nas contra-alegações, nenhum efeito contrário pode ser extraído do facto de no Considerando F do contrato se ter feito referência à Cláusula VI (responsabilidade pelo pagamento dos impostos, taxas e demais contribuições) e não à Cláusula IV (pagamento das prestações por conta do preço acordado).

Por um lado, é o texto do clausulado que prevalece, na medida em que define as condições contratadas e, por outro, é manifesto que a referência à Cláusula VI que foi feita no referido “Considerando” se deve a um manifesto erro que deve ser integrado, como o foi, dando prevalência à real vontade que as partes deixaram explícita no clausulado contratual.


2.6. O objectivo final consensualizado compreende-se no referido quadro de amizade que unia o R. e o pai e procurador do A., tal como se percebe a referida cláusula de prevenção relacionada com a resolução do contrato, na medida em que a negociação que entre aqueles sujeitos foi empreendida e que formalmente teve a intervenção do A., envolveu a aquisição do imóvel por partes deste, o desembolso imediato de uma parte do preço e o compromisso de efectuar o pagamento a uma entidade bancária de uma quantia que recebeu a título de mútuo, com garantia hipotecária.

Ou seja, o A., no quadro de uma relação de amizade que existia entre o seu pai e o R. viu-se envolvido numa negociação mais complexa, sendo levado a adquirir formalmente um bem imóvel que o R. continuou a habitar, mas cujo preço foi integralmente pago pelo A. ao BANCO DD, assumindo o A. perante terceiro um compromisso financeiro que o obrigava a efectuar o pagamento das prestações.

Neste contexto, as prestações mensais que, nos termos do contrato-promessa, ficaram a cargo do R. serviam afinal para que o A. pudesse fazer frente ao referido compromisso financeiro e recuperar, assim, todos os quantitativos que viesse a desembolsar com o negócio.

Bem avisado andou, pois, o A. ao assegurar o direito de resolução nos termos claros em que tal ficou expresso no contrato, uma vez que rapidamente se verificou que o R. não cumpriu o programa prestacional fixado. Os atrasos que logo se verificaram relativamente a prestações que se venceram ainda em 2005 e em 2006, culminaram, em meados de 2007, com a falta de cumprimento de diversas mensalidades anteriores.

Ora, foi precisamente para situações como esta (ainda que de uma gravidade inferior) que as partes estipularam a possibilidade de o A. declarar a resolução do contrato, decorridos 3 meses sobre o vencimento da 3ª prestação em dívida.


2.7. Perante este quadro o que decidiu a Relação?

Decidiu que i) não houve incumprimento do contrato-promessa, uma vez que o R. não faltou a cumprimento de um prazo absoluto para o pagamento das prestações; ii) não se verificava qualquer perda de interesse do A. na celebração do contrato prometido; iii) não existia incumprimento definitivo porque não ficou estabelecido quem marcaria a escritura pública de compra e venda, nem se verificou a falta do R. a qualquer marcação feita, mantendo-se pendente esta questão. Além disso, considerou ainda que o A. não se aprestou a restituir as quantias que recebeu do R.

Nenhum dos argumentos procede e, mais do que isso, nenhum dos argumentos encontra eco quer no que as partes convencionaram, quer no modo como questões de natureza semelhante têm sido tratadas e resolvidas pela jurisprudência, maxime a que emana deste Supremo Tribunal, sustentada em fortes e persuasivos argumentos de ordem legal e doutrinal.

Aliás, no âmbito de um recurso de apelação em que praticamente apenas interessava apreciar o efeito que é susceptível de produzir uma cláusula como aquela que as partes inseriram no contrato-promessa, de modo algum se compreende que a questão da legitimidade da resolução tenha sido apreciada tendo por base uma situação clássica e muito mais frequente em que se revela uma situação de simples mora a carecer de transformação em incumprimento definitivo, olvidando que, a par da resolução de contrato-promessa com base em situações de incumprimento definido pela lei, existe um outro plano em que o efeito resolutivo emana da verificação pura e simples da situação de facto expressamente convencionada pelas partes: a cláusula resolutiva expressa prevista no art. 432º do CC.


2.8. A resolução do contrato-promessa de compra e venda cujos efeitos típicos resultam do art. 442º do CC encontra um largo campo de aplicação através das regras que regulam a situação de incumprimento, designadamente nos casos previstos no art. 808º do CC.

Porém, tal figura contratual não está isenta da aplicação de outras regras como a que está contida no art. 432º do CC que, dentro da liberdade negocial que é característica dos assuntos de natureza privada, confere às partes a possibilidade de anteciparem as condições específicas de cuja verificação pode resultar a declaração de resolução do contrato.

Ambas as situações têm sido objecto de frequentes apreciações jurisdicionais, sendo disso exemplos o Ac. do STJ de 22-3-11 (4015/07) que estabelece bem a delimitação entre cada uma das formas de resolução, ou os Acs. de 12-03-13 (6560/09) ou de 14-4-15 (2733/10), distinguindo as situações em que o contrato apenas prevê uma cláusula de natureza genérica ou de estilo em matéria de resolução que, por exemplo, foi apreciada no Ac. de 8-5-13 (13/09), todos em www.dgsi.pt.


2.9. No caso concreto, a situação de incumprimento não foi directamente apontada à falta de cumprimento do contrato definitivo de compra e venda (que, aliás, não era desejado por nenhuma das partes), nem à falta de comparência ou de recusa na celebração da escritura pública. Tão pouco esteve relacionada com a distribuição da obrigação de marcação de data para a referida escritura pública.

Uma vez que o A. não pretendia a propriedade do imóvel e que o seu objectivo era tão só o de colaborar com o R. na recuperação do direito de propriedade do imóvel, o seu único interesse era o de receber o pagamento pontual das prestações fixadas com as quais poderia fazer frente aos compromissos financeiros que no interesse exclusivo daquele assumira perante uma instituição de crédito. Por isso, a situação de incumprimento com efeito resolutivo foi prevista apenas em função da falta de cumprimento do programa prestacional por parte do R.

Neste contexto, não faz o menor sentido centrar a discussão, como fez a Relação, na verificação ou não de uma situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa, tendo por base a situação tipicamente configurada no art. 808º do CC ou outras que lhe são equiparadas, como a perda de interesse objectivo do A. na outorga do contrato de compra e venda.

Tão pouco se justifica afastar uma situação de incumprimento definitivo a partir da observação de que as partes não fixaram data para a escritura pública de compra e venda, nem atribuíram a qualquer delas o ónus de proceder à sua marcação.

Estamos perante uma situação em que unicamente se configura a verificação ou não da situação que pelas partes foi antecipadamente configurada para a emissão eficaz de uma declaração resolutiva.


2.10. A resposta legal, fundada na convenção das partes, não poderia ser mais explícita.

A diversidade dos interesses que perpassam por cada quadro negocial ou por cada litígio leva a que nos confrontemos com uma diversidade de mecanismos através dos quais as partes auto-regulam os seus interesses. Especificamente no que respeita ao condicionalismo da resolução de génese contratual (e também de génese legal, no quadro do art. 808º do CC) existe uma variedade de modos pelos quais as partes previnem o direito de resolução, nuns casos utilizando uma cláusula genérica ou de estilo que porventura exija uma actuação complementar (interpelação admonitória), noutros casos optando por uma versão mais incisiva de cuja leitura – de acordo com as regras da boa fé – resulta o quadro objectivo que permite a qualquer delas a emissão da declaração resolutiva.

Poucas situações, entre aquelas que a leitura da multiplicidade de acórdãos revela, se apresentam com a inequivocidade reflectida pela cláusula contratual que agora se nos apresenta.

Não existe a menor dúvida de que ao A. foi conferido o direito potestativo de resolução se e quando se verificasse uma situação de falta de pagamento por parte do R. de, pelos menos, 3 prestações, acompanhada do decurso de um prazo suplementar de, pelo menos, 3 meses para efectuar o pagamento de todo o preço em falta (ou indicar uma terceira pessoa que o substituísse), com o que ficaria plenamente satisfeito o interesse do A., com reflexos na falta de interesse na resolução do contrato-promessa.

Também não há dúvidas de que, na data em que o A. comunicou ao R. a resolução do contrato, se verificavam os pressupostos objectivos da condição resolutiva que as partes acordaram, sem necessidade de fazer preceder a comunicação de resolução de qualquer interpelação admonitória visando o estabelecimento de um prazo adicional para ser efectuado os pagamentos em falta.


2.11. Para contrariar o que explicitamente decorre do contrato os RR. procuraram arrastar a situação para outro campo, intrometendo um acordo lateral que teria sido fora outorgado com o procurador do A. no sentido de este assegurar o pagamento das prestações através de dinheiro que tinha outras origens, ou seja, que advinha de outra relação contratual que ligava directa e exclusivamente o pai do A. ao R.

Esta versão dos factos tinha em vista sinalizar que não se verificara a situação de incumprimento prevista pelas partes, na medida em que, apesar de alguns atrasos no pagamento das prestações acordadas, na ocasião em que operou a declaração de resolução, não estariam ainda em dívida as 3 prestações referidas.

Noutro campo vieram alegar que, mesmo que se considerasse que estavam em dívida 3 das referidas prestações, a situação de incumprimento era de pequena importância, não justificando de modo algum o efeito extintivo do contrato.

Vieram ainda alegar que a culpa da situação é de imputar a alguma confusão que teve a sua origem no comportamento do procurador do A. e, por isso, que tal deveria obstar também ao efeito resolutivo.

Acrescentaram ainda que a declaração de resolução representa uma situação de abuso de direito que deve impedir o efeito extintivo que o A. pretendeu.

Outra versão dos factos assentava numa alegada revogação da declaração resolutiva que teria operado através de um acordo estabelecido directamente entre o A. e o R. na Venezuela.

Enfim, os autos revelam uma argumentação/imaginação diversificada mas a que falta apoio mínimo na matéria de facto alegada e/ou provada. Nuns casos, trata-se de matéria nova que não foi discutida nas instâncias; em todos os casos os argumentos não encontram sustentação nos factos provados, não subsistindo qualquer dúvida quanto a uma grave e prolongada situação de incumprimento contratual justificativa da resolução do contrato, nos termos em que tal foi clausulado e, agora, justificativa da condenação dos RR. na entrega do imóvel.

Neste contexto, importa julgar procedente a revista, repristinando a sentença da 1ª instância.


3. No contrato-promessa de compra e venda foi previsto que no caso de ser declarada a resolução do contrato por parte do promitente-vendedor este ficaria obrigado à restituição de todas as quantias recebidas por conta do preço acordado. Aliás, às quantias que foram pagas em prestações recusaram as partes a qualificação como sinal, sendo qualificadas como antecipação do pagamento, como o permitia a liberdade contratual salvaguardada pelo art. 440º do CC.

Trata-se de cláusula que igualmente se compreende num contexto de uma relação de amizade que unia o R. ao procurador e pai do A.

Todavia, na presente acção não há que tomar posição sobre a restituição convencionada, tanto mais que os RR. não formularam pedido reconvencional nesse sentido nem sequer veicularam essa questão através da dedução da correspondente excepção de não cumprimento do contrato.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a revista, revogando o acórdão da Relação e repristinando a sentença da 1ª instância.

Custas da revista e nas instâncias a cargo dos RR.

Notifique.


Lisboa, 16-11-17


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo