Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
589/06.OTVPRT.P1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: FRANCHISING
CONTRATO DE FRANQUIA
PRESCRIÇÃO
CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO EQUITATIVA
JUROS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
1) Se o prescribente reconhece o direito do titular, perde o benefício do prazo prescricional já decorrido, já que o reconhecimento traduz-se na renúncia a prevalecer-se daquele prazo, e indicia a vontade de cumprir.

2) No contrato de franquia, o franquiador concede a outrem – o franquiado – a utilização, (mediante contrapartidas, normalmente a “initiation fee” e as “royalties”) em certa zona, conjunta ou isoladamente, de marcas, nomes, insígnias, processos de fabrico ou técnicas comerciais, sob o controlo e fiscalização do primeiro.

3) O “franchising” é um “species” do “genus” contrato de distribuição indirecta integrada e, sendo atípico, são lhe aplicáveis, por analogia, as regras que disciplinam o contrato matriz de distribuição – o contrato de agência – sem prejuízo da inaplicação de normas exclusivas deste (Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho) e da não colisão com o clausulado no “franchising”, nos termos do artigo 405.º do Código Civil.

4) No contrato de franquia as rendas (“royalties”) não representam, apenas, a contrapartida de utilização de um bem, como acontece no contrato de locação, mas incluem várias outras, como a assistência, a colocação no mercado de um produto com nome comercial firmado, e ainda amortização de equipamento, custos de gestão e da assistência prestada.

5) É inaplicável a essas rendas o regime da alínea b) do artigo 310.º do Código Civil, mas sim o prazo ordinário da prescrição do artigo 309.º do mesmo diploma.

6) Suspender uma actividade comercial é interromper o seu exercício por um período pré determinado, enquanto cessá-lo é pôr-lhe termo definitivo, encerrando o negócio.

7) A redução da cláusula penal, a que se refere o artigo 812.º do Código Civil, é feita segundo critérios de equidade (“jus aequum”), que não por aplicação do “jus strictum”, embora na sua ponderação deva atentar-se no processo de negociação, estipulação e na adequação (entre o seu montante e o escopo visado).

8) A redução não pode ser feita oficiosamente devendo ser solicitada pelo devedor que se só o fizer em sede de revista suscita questão nova não cognoscível neste recurso.

9) Tratando-se de crédito líquido na responsabilidade contratual, é com a interpelação judicial (citação) – não tendo havido intimação prévia – que o devedor se constituiu em mora, só a partir dessa data sendo devidos juros.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

“AA, SL” intentou acção, com processo ordinário, contra BB e sua mulher CC pedindo a sua condenação solidária a pagarem-lhe a quantia de 110.268, 65 euros com juros (à taxa legal supletiva dos créditos comerciais) sobre 76.843,72 euros.

Na contestação, e para além de ter impugnado os factos do petitório, o Réu pediu a suspensão da instância, por existir causa prejudicial, e a condenação da Autora como litigante de má fé.

Na 7.ª Vara Cível da Comarca do Porto a acção foi julgada procedente e os Réus condenados no pedido.

Apelaram para a Relação do Porto que confirmou a sentença.

O Réu pede revista assim concluindo as suas alegações:

- Nos termos da Cláusula 8.ª do Contrato – ver na al. N) dos factos assentes – o recorrente obriga-se a pagar, contra apresentação de factura, todos os serviços e fornecimentos realizados;
- Não se mostra verificada nos autos que a recorrida tenha apresentado ao recorrente a factura referente à segunda parte da decoração, pressuposto necessário da exigibilidade da mesma:
- Tendo sido dado como provado o reconhecimento da dívida das rendas por parte do recorrente, o que é certo é que a forma que permitiu concluir por esse reconhecimento – motivação para as respostas dadas aos quesitos 6 e 7 – não releva juridicamente para efeitos de se considerar como constituindo uma forma válida de interrupção da prescrição.
- De acordo com o constante do ponto 14.3, a cláusula penal inserta no contrato será nula em caso de suspensão de actividade;
- A nulidade da cláusula penal verificar-se-á quer a suspensão da actividade seja temporária quer definitiva, pois essa é a leitura que se afigura mais conforme ao sentido do texto.
- Não pode o Recorrente ser condenado a pagar uma indemnização decorrente de uma cláusula penal cuja aplicação é excluída nos casos de suspenso de actividade, seja esta temporária ou definitiva, como acontece no caso presente.
- Acresce ainda o facto de a cláusula penal constante do ponto 14.3 do contrato de franquia se tratar de uma cláusula penal compensatória.
- O n° 1 do art° 811° do C.C. proíbe o cúmulo do cumprimento e da cláusula penal compensatória;
- A cláusula penal no é aplicável no caso de resolução do contrato em que está em causa apenas o interesse contratual negativo, como é o caso presente.
A não ser este o entendimento do Tribunal – o que só por hipótese se admite.
- No caso presente, verificam-se cumulativamente os dois pressupostos previstos nos n°s 1 e 2 do art° 812° do CC que podem levar, bastando apenas a verificação de um deles, à redução equitativa da cláusula penal, a saber:
1) Há uma causa superveniente – a incapacidade económica do recorrente para continuar com o negócio – que leva à resolução do contrato e ao funcionamento da cláusula penal: e
2) A obrigação foi cumprida pelo menos em 2/3 da sua totalidade.
- Verificados os pressupostos para a redução equitativa, deverá Tribunal proceder à mesma para um valor que jamais deverá exceder os € 5.000,00 (Cinco mil euros).
- Se o recorrente viesse, por hipótese, a ser condenado no pagamento de qualquer quantia, só haveria lugar ao pagamento de juros moratórios a partir da citação:
- O Acórdão recorrida violou os arts. 805, n° 2, 325°, 334°, 811, n° 1 e 812°, n°s 1 e 2, todos do CC.

Contra alegou a recorrida, em defesa do julgado.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto:

1.1.Em 07/12/99 foi celebrado entre a autora e o réu o acordo junto aos autos como doc. n.° 1 com a petição inicial, cujo teor dou aqui por reproduzido, e mediante o qual a primeira concedeu ao segundo o direito de fazer uso , mediante licença limitada, da marca “Tintoterias Rápidas Pressto” (aL A)
1.2. Por contrapartida o Réu marido estava obrigado a pagar à autora:
- uma jóia de acesso, estipulada em € 8.978,36 representativa do pagamento da licença de marca e dos serviços iniciais postos à disposição do réu marido pela autora;
- o custo correspondente à decoração e arranjo do local onde iria funcionar a lavandaria;
- uma renda mensal no montante de € 179,57 , denominada renda de concessão fixa;
- uma outra renda mensal no montante de € 149,64 denominada renda de marketing;
- o preço das máquinas, respectiva assistência técnica e dos produtos a adquirir pelo Réu marido à autora (al. B)
1.3. Na data da celebração do acordo referido em A) o Réu marido pagou à autora a quantia de € 17.632,94, soma da jóia de adesão no montante de € 8.978,36, com metade do custo da decoração e arranjo local, € 8.654,58 (al. C)
1.4. Mais pagou o Réu marido à autora € 64.824,37, correspondentes ao preço de aquisição de maquinaria diversa (al. D)
1.5. Durante o tempo em que o réu manteve o estabelecimento a funcionar, a autora, ocasionalmente, não entregou em tempo parte do que o réu lhe encomendava (al. E)
1.6. Em Dezembro de 2001, o autor encerrou o estabelecimento em virtude dos prejuízos que o mesmo acumulava (al. F)
1.7. O Réu despendeu ainda na adaptação do aludido imóvel para a actividade em causa a quantia de € 7.587,79 (al. G)
1.8. A autora e o réu acordaram que feito o pagamento das máquinas, aquele teria de aguardar até 25 dias úteis pela sua instalação (al. H)
1.9. E que tal instalação se faria em conjunto com os trabalhos de decoração (al. 1)
1.10. A dita instalação e os aludidos trabalhos careciam, para serem efectuados, que o réu marido desse andamento aos trabalhos de canalizações e instalação eléctrica do estabelecimento (al. J)
1.11. A 17 de Maio de 2000, o Réu não tinha ainda terminado os trabalhos relativos à instalação eléctrica (al. L)
1.12. Quando a autora quis montar as máquinas e efectuar os trabalhos de decoração, o réu não tinha ainda terminado todos os trabalhos de electricidade e canalizações (al. M)
1.13. Nos termos da cláusula 8.ª do acordo referido em A) o Réu marido obrigou-se a pagar, contra a apresentação da factura correspondente que reunirá os requisitos legais, todos os serviços e fornecimentos realizados, seja pelo franquiador seja pelos fornecedores que este tenha nomeado (al. N)
1.14. O ora Réu intentou no Tribunal Judicial da Figueira da Foz uma, acção ordinária contra a ora autora, que correu os seus trâmites no 1° Juízo sob o n° 264/02, posteriormente remetida às Varas Cíveis do Porto, onde correu os seus termos na 3.ª secção da 9.ª vara deste tribunal com o n° 5805/03, e cuja decisão final da 1.ª instância, que transitou em julgado, encontra-se junto aos autos a fls. 334 a 345, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (al. O)
1.15. O R. marido não pagou à Autora qualquer das prestações a que se refere os pontos 7.1 e 7.2 do acordo referido em A) (al. P)
2.1. A autora só tomou conhecimento de que o R marido cessou a actividade comercial de lavandaria que estava associada ao acordo em 16.04.2002, data em que a autora foi citada numa acção judicial intentada pelo Réu marido contra a mesma em que pretendia a anulação judicial do contrato (resposta ao art° 2°)
2.2. A autora prestou ao Réu marido, a solicitação deste, os serviços melhor discriminados na factura que se juntou por fotocópia como doc. n° 51 junto à p.i. , os quais ascenderam a €49,85 ( resposta ao art° 3°)
2.3. E efectuou-lhe também, a solicitação sua, entre outros, os fornecimentos melhor discriminados nas facturas que se juntam como doc. n° 52 e 53 com a p.i., os quais ascenderam a € 351,79 (resposta ao art° 4°)
2.4. Em Novembro de 2001 quando manifestou à Autora a sua intenção de fechar o estabelecimento, o R. reconheceu que lhe devia as rendas vencidas até então (resposta ao art° 6°)
2.5. Nessa altura o R. propôs à Autora a retoma por esta das máquinas que lhe adquirira e deu-lhe a hipótese de fixar o respectivo preço e assim pagar-se do que o R. até então lhe devia (resposta ao art° 7°).
3.1. A presente acção deu entrada em juízo em 24.02.2006 (fls 2).
3.2. A divida reclamada na presente acção foi contraída pelo R. marido no exercício e por causa da sua actividade comercial de lavandaria, na qual auferia os proventos necessários ao sustento do agregado familiar que constitui com a Ré mulher.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,
1- Prescrição e contrato de franquia.
2- Cláusula Penal.
3- Redução equitativa e juros.
4- Conclusões.


1- Prescrição e contrato de franquia

Delimitado, que foi, o objecto do recurso pelo acervo conclusivo, como inequivocamente impõem os artigos 690.º e 684.º, n.º 3 do Código de Processo Civil na redacção aqui aplicável, há que analisar, para decidir, as questões suscitadas pelo recorrente.

E se, no início, insinua a sua discordância quanto à natureza interruptiva da prescrição do reconhecimento da divida, o certo é que põe toda a tónica na validade da cláusula penal e, caso se entenda ser de a aceitar como boa, pugna pela sua redução.

Serão, em consequência estes dois últimos pontos a mais relevar na economia do Acórdão, sem prejuízo de se analisar a prescrição.

1.1. Louvando-se nas respostas aos quesitos 6.º e 7.º, se foi decidido que, em Novembro de 2001, quando manifestou à Autora a sua intenção de fechar o estabelecimento, o Réu reconheceu que lhe devia as rendas até então vencidas, sendo certo que, nessa altura, lhe propôs a retoma das máquinas que adquirira dando-lhe a possibilidade de fixar o respectivo preço e, assim, pagar o que lhe devia.

Houve, pois, um reconhecimento expresso da divida, facto interruptivo da prescrição nos termos do n.º 1 do artigo 325.º do Código Civil.

Como nota o Prof. Vaz Serra (“Prescrição e Caducidade” – BMJ 107-296- e “Excertos da exposição de motivos”- BMJ 106-220) “o efeito interruptivo do reconhecimento é justificável pois, se o prescribente reconhece o direito do titular, é razoável que perca o benefício do prazo prescricional já decorrido: tal reconhecimento pode interpretar-se como renúncia da sua parte a prevalecer-se desse prazo, visto supor a vontade de cumprir.”

Das respostas aos quesitos 6.º e 7.º resulta, inequivocamente, que o Réu reconheceu a existência do direito da Autora ao propor-lhe a retoma das máquinas, sendo o respectivo preço levado em conta nas rendas vencidas que, obviamente e assim, reconheceu como não pagas.

Nestas circunstâncias não seria admissível que valesse para a prescrição o tempo anterior, já que se tal acontecesse se perfilaria uma contradição no afirmado, sendo que, de outra banda, se frustraria uma expectativa do titular que, face à declaração do prescribente, entenderá, razoavelmente, a desnecessidade de interromper a prescrição por acto seu.

1.2. Concordamos, outrossim, que o prazo de prescrição é de 20 anos, como decidiu a 1.ª instância, e adiante melhor detalharemos, sendo que o recorrente nem questiona este ponto.

Também não é controvertida a natureza do contrato como sendo de franquia.

Na definição do Prof. Menezes Cordeiro, neste contrato “uma pessoa – o franquiador – concede a outra – o franquiado – a utilização em certa área, cumulativamente ou não, de marcas, nomes, insígnias comerciais, processos de fabrico e técnicas empresariais e comerciais, mediante contrapartidas.” (in “Do Contrato de Franquia – ‘Franchising’: Autonomia Privada versus Tipicidade Negocial”, ROA – 1988-67 e “Do Contrato de Concessão Comercial”, ROA, 2000 – 600).

Ou, na noção do Prof. A. Pinto Monteiro (apud “Contratos de Distribuição Comercial”, 2002, 121) é “o contrato pelo qual alguém (franquiador) autoriza e possibilita que outrem (franquiado) mediante contrapartida actue comercialmente (produzindo e/ou vendendo produtos ou serviços) de modo estável, com a fórmula de sucesso do primeiro (sinais distintivos, conhecimentos, assistência...) e surja aos olhos do público com a sua imagem empresarial, obrigando-se o segundo a actuar nestes termos, a respeitar as indicações que lhe forem sendo dadas e a aceitar o controlo e a fiscalização a que for sujeito.”

Então, o franquiador garante ao franquiado o uso da marca, insígnias, designações na comercialização de serviços ou produtos que este adquire e fabrica, propicia-lhe os conhecimentos técnicos para essa actividade tal como os seus processos produtivos.

O franquiado paga-lhe direitos de entrada, “royalties” (ou prestações periódicas), adquire os produtos que lhe são indicados, devendo manter a qualidade, o bom-nome e o sigilo comercial dos produtos franquiados.

Aquele tem direito a receber a referida entrada inicial, as “royalties”e a proceder á fiscalização, controlo, e aprovação.

O franquiado pode usar marcas, insígnias, nomes comerciais, conhecimentos técnicos do franquiador e a sua assistência. (cf., a propósito, a Dr.ª Elsa Vaz de Sequeira, in “Contrato de Franquia e Indemnização de Clientela”, in “Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida e Costa, 2002, 446).

O franquiador tem como objectivo tirar proveito da notoriedade da sua marca e da sua imagem de marca, (e por vezes adjuvantemente escoar os seus produtos) recebendo por isso não só a “initial fee” como as “royalties”. E é para preservar essa imagem que presta toda a assistência técnica e comercial ao franquiado.

Para aquele, contrato é um meio de expandir o bom-nome daquele sinal distintivo. Por sua vez, franquiado beneficia da assistência do franquiador, coloca no mercado um produto já testado e geralmente aceite pelo consumidor, correndo, em consequência, um menor risco comercial e garantindo um melhor acolhimento empresarial.

O “franchising” situa-se, como atrás se acenou, no âmbito dos contratos de distribuição, embora também possa prever a venda de produtos concebidos pelo franquiador ao franquiado para que este os coloque no mercado, na forma por aquele indicada. (cf., v.g., e por todos, o Acórdão desta Conferência de 9 de Janeiro de 2007 – 06 A4416).

Sendo um contrato atípico é-lhe aplicável o modelo do contrato de agência regulado pelo Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, sem que tal aplicação possa colidir com o regime clausulado nos termos do artigo 405.º do Código Civil, existindo, por outro lado, normas que só ao contrato de agência se aplicam.

No contrato em apreço a “renda” paga não tem a natureza das rendas e alugueres a prestar nos contratos de locação, pois não se trata de mera relação locativa.

Daí a inaplicabilidade da alínea b) do artigo 310.º do Código Civil, mas sim do prazo ordinário da prescrição do artigo 309.º do mesmo diploma. (cf. neste sentido, embora reportados aos contratos de locação financeira, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2005 – 05 B378 – , de 11 de Dezembro de 2003 – 03B3516, e de 15 de Fevereiro de 2001 – P.º 1124/00).

Melhor explicitando esta conclusão dir-se-á que, no contrato de franquia, e como acima ficou expresso, o franquiado paga várias contrapartidas (direitos de entrada – “initial fee”; “royalties” – ou prestações periódicas) mas o franquiador obriga-se a prestar-lhe assistência e permite-lhe a colocação no mercado de um produto com o nome comercial firmado.

As “royalties” (ou “rendas”) não representam, como num contrato de locação típico uma contrapartida da utilização de um bem, mas o valor também correspondente à amortização de equipamento (tantas vezes essencial para a comercialização do produto), custos de gestão e da assistência prestada.

Na mera retribuição locativa (pagamento pelo simples gozo da coisa) a retribuição não é unitária, pré fixada, dividida e com múltiplos componentes, mas sim a simples contrapartida pela utilização de um bem que é fraccionada, integrando obrigações periódicas, reiteradas e com trato sucessivo.

Além do mais, no “franchising” não estamos perante um contrato de natureza jurídica civil comum, sendo este mais argumento “ex abundantia” para afastar a aplicação do artigo 1022.º do Código Civil.

2- Cláusula penal

Insiste o recorrente na nulidade da cláusula penal, uma vez que esta só operaria no caso de cessação de actividade, que não na de mera suspensão.

Isto nos termos da cláusula 14.3 do contrato junto (fls. 25).

Ora o recorrente não suspendeu a sua actividade antes a cessando, pondo termo ao seu negócio.

É o que resulta da matéria de facto provada onde se assentou que o Réu “cessou a actividade comercial de lavandaria que estava associada ao acordo” e intentou acção judicial contra a Autora pedindo a anulação do contrato (alínea a) dos factos assentes e resposta ao artigo 2.º).

Também das respostas aos artigos 6.º e 7.º (acima referidos) resulta claramente que em Novembro de 2001 “manifestou à Autora a intenção de fechar o estabelecimento” e lhe propôs a retoma das máquinas que adquirira.”

Suspender uma actividade é interromper, por um período pré determinado, o seu exercício.

Cessá-la, é pôr-lhe definitivamente termo, encerrando o negócio.

E não restam dúvidas que o que o recorrente fez foi cessar a actividade.

Aliás, na sua alegação, o recorrente afirmou-o expressamente (“Há uma causa superveniente – a incapacidade económica do recorrente para continuar o negócio…”) não se compreendendo porque vem dizer agora ter-se tratado de mera suspensão, devendo ainda ponderar-se a esclarecedora carta de 13/11/01, enviada pelo Réu à Autora e que foi junta com a petição inicial (doc. n.º 1).

A cláusula penal é, em consequência, válida.

2.2. Refere, ainda, tratar-se de cláusula compensatória, não exigível nos termos do artigo 811.º do Código Civil, e não ser aplicável no caso de resolução do contrato, em que está em causa apenas o interesse contratual negativo.

É questão que o recorrente não suscitou na apelação, onde apenas se refere à situação do n.º 3 daquele preceito (que aqui não surge no acervo conclusivo) e que as instâncias, por isso, não abordaram.

Tratando-se de questão nova – e sendo os recursos destinados a reapreciar as já julgadas – fica fora dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal.

Ou seja, e detalhando: na apelação o Réu só questionou que “o valor estipulado para esta cláusula colide com o disposto no n.º 3 do artigo 811.º do Código Civil, sendo, por essa razão, nula”.

Considerou que, nos termos do preceito que citou, a Autora não podia “exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do pagamento da obrigação principal.”

E foi sobre esta questão que a Relação se pronunciou.

Porque tal não lhe foi pedido, não emitiu pronuncia sobre a proibição do “cúmulo do cumprimento e da cláusula penal compensatória” (n.º 1 do citado artigo 811.º) e sobre a sua inaplicabilidade “no caso de resolução do contrato em que está em causa apenas o interesse contratual negativo”, como agora o Réu conclui em sede de revista.

3- Redução equitativa e juros

3.1. “In cauda”, o recorrente pede a redução equitativa da cláusula penal por verificação cumulativa dos dois pressupostos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 812.º do Código Civil.

Mais uma vez, trata-se de questão nova por não suscitada na apelação e consequentemente não conhecida no aresto recorrido.

É que, e mau grado o n.º 1 do artigo 812.º do diploma substantivo faça apelo à equidade, a verificação da natureza não equitativa da cláusula penal não é de conhecimento oficioso.

Como nota o Prof. Pedro Paes de Vasconcelos (in “Contratos Atípicos”, 2.ª ed., 2009, p. 433) a referência à equidade pressupõe o “distinguo” entre “jus strictum” e “jus aequum”.

Aquele “corresponde à actuação normativa do Direito” enquanto este “corresponde à busca do direito concreto da solução do problema posto in casu, à realização não necessariamente lógica, mas necessariamente justa do direito.”

Mas o recurso à equidade terá de ser autorizado por lei e pressupõe os mesmos princípios permissivos da utilização e controlo dos que informam o direito estrito.

Ora, se em determinada situação o julgador está impedido de conhecer “ex officio” com aplicação do “jus strictum”, de igual modo ficará impedido de fazer apelo ao “jus aequum”, que, de todo o modo, a lei tem de admitir casuisticamente.

Tratando-se de reduzir uma cláusula penal por alegação de ser manifestamente excessiva o juiz terá “de atender à natureza e condições de formação do contrato” e “à situação respectiva das partes, nomeadamente a sua situação económico social, os seus interesses legítimos patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao efectivo prejuízo do credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor (aspecto importante, senão mesmo determinante); ao carácter forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório”, como ensina o Prof. Calvão da Silva, apud “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 274.

Na mesma linha, o Prof. António Pinto Monteiro enfatiza o escrutinar do fim tido em vista aquando da estipulação da cláusula penal para assim averiguar “se existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos contraentes” a encontrar no cotejo “entre o dano efectivo e o montante pré fixado” (in “Cláusula Penal e Indemnização”, 741).

Deve, contudo, e na esteira do Prof. Almeida Costa, considerar que a revisão da cláusula só se justifica em “situações excepcionais” (cf. “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 690).

O afirmado implica, contudo, que o devedor, afirmando qualquer daquelas circunstâncias, peça a redução da cláusula penal não podendo o julgador reduzi-la “ex officio” (cf., neste sentido, os Profs. Calvão da Silva e A. Pinto Monteiro, obs. cits. respectivamente, 275 – nota 501 – “o juiz não pode reduzir a pena convencionada oficiosamente, sob pena de estar a julgar ultra petitum” – e 734 – o devedor deve solicitar a redução “ainda que de forma indirecta ou mediata, contestando o seu elevado valor” – e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 2006 – P.º n.º 3965/05 – 1.ª Secção).

Do exposto, e por se tratar de questão nova e insusceptível de conhecimento oficioso, não será de apreciar nesta sede.

3.2. Finalmente, o recorrente entende só serem devidos juros a partir da citação.

Tem razão.

Não tendo sido provada qualquer interpelação anterior, certo que só a interpelação judicial – citação – fixa o “terminus a quo” para o vencimento dos juros que só a partir desta data são devidos, por constituição em mora (artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil).

Movemo-nos no âmbito da responsabilidade contratual.

Tratando-se de crédito ilíquido não há mora enquanto o mesmo não for liquidado, excepto se a falta de liquidez for imputável ao devedor, nos termos do artigo 805.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil.

Não é líquida a obrigação cuja existência, não se questione, mas em que esteja em causa apenas o respectivo montante.

É o que aqui não ocorreu, valendo a regra da interpelação e sendo com este acto interpelativo que o devedor foi intimado para cumprir, só a partir de então se constituiu em mora (cf., Prof. A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, II, 5.ª ed., 114/115).

4- Conclusões

Pode concluir-se que:

a) Se o prescribente reconhece o direito do titular, perde o benefício do prazo prescricional já decorrido, já que o reconhecimento traduz-se na renúncia a prevalecer-se daquele prazo, e indicia a vontade de cumprir.

b) No contrato de franquia, o franquiador concede a outrem – o franquiado – a utilização, (mediante contrapartidas, normalmente a “initiation fee” e as “royalties”) em certa zona, conjunta ou isoladamente, de marcas, nomes, insígnias, processos de fabrico ou técnicas comerciais, sob o controlo e fiscalização do primeiro.

c) O “franchising” é um “species” do “genus” contrato de distribuição indirecta integrada e, sendo atípico, são lhe aplicáveis, por analogia, as regras que disciplinam o contrato matriz de distribuição – o contrato de agência – sem prejuízo da inaplicação de normas exclusivas deste (Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho) e da não colisão com o clausulado no “franchising”, nos termos do artigo 405.º do Código Civil.

d) No contrato de franquia as rendas (“royalties”) não representam, apenas, a contrapartida de utilização de um bem, como acontece no contrato de locação, mas incluem várias outras, como a assistência, a colocação no mercado de um produto com nome comercial firmado, e ainda amortização de equipamento, custos de gestão e da assistência prestada.

e) É inaplicável a essas rendas o regime da alínea b) do artigo 310.º do Código Civil, mas sim o prazo ordinário da prescrição do artigo 309.º do mesmo diploma.

f) Suspender uma actividade comercial é interromper o seu exercício por um período pré determinado, enquanto cessá-la é pôr-lhe termo definitivo, encerrando o negócio.

g) A redução da cláusula penal, a que se refere o artigo 812.º do Código Civil, é feita segundo critérios de equidade (“jus aequum”), que não por aplicação do “jus strictum”, embora na sua ponderação deva atentar-se no processo de negociação, estipulação e na adequação (entre o seu montante e o escopo visado).

h) A redução não pode ser feita oficiosamente devendo ser solicitada pelo devedor que se só o fizer em sede de revista suscita questão nova não cognoscível neste recurso.

i) Tratando-se de crédito líquido na responsabilidade contratual, é com a interpelação judicial (citação) – não tendo havido intimação prévia – que o devedor se constituiu em mora, só a partir dessa data sendo devidos juros.

Nos termos expostos, acordam conceder parcialmente a revista, revogando o Acórdão recorrido no tocante aos juros que só são devidos a partir da citação, mas mantendo-o no restante.

Custas pelo recorrente 4/5 e recorrido 1/5.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2010

Sebastião Povoas (Relator)

Moreira Camilo

Alves Velho