Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
175/12.6GBLLE.E1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO PENAL
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA DA PENA
PENA DE PRISÃO
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
CÚMULO JURÍDICO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
EXTORSÃO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
DOLO
ILICITUDE
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PLURIOCASIONALIDADE
REINCIDÊNCIA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA - CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO / CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE - CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROÍBIDA.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 290-292.
- Oliveira Mendes, in “Código de Processo Penal” comentado, 2014, Almedina, p. 1183
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 660.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 379.º, N.º2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 70.º, 71.º, 77.º, 78.º, 152.º, N.º 1, 203.º, N.º 1, 223.º, N.º 1.
LEI N.º 5/06 DE 23-02: - ARTIGO 86.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21-04-1994, PROC. N.º 46.045-3ª;
-DE 23-06-1994, PROC. Nº 46860 -3ª;
-DE 20-06-1996, IN BMJ, 458, 119;
-DE 27-06-2001, PROC. Nº 1790/01-3ª, SASTJ, Nº 52, 48;
-DE 27-03-2003, PROC. Nº 4408/02 - 5ª;
-DE 02-06-2004, PROC. N.º 1391/04 - 3.ª, CJSTJ, 2004, TOMO 2, PÁG. 217;
-DE 11-10-2006 E DE 15-11-2006, PROC. N.º 1795/06 E PROC. N.º 3268/04, RESPECTIVAMENTE, AMBOS DA 3.ª;
-DE 22-11-2006, PROC. N.º 3126/96 - 3.ª;
-DE 10-01-2007, PROC. N.º 4051/06 - 3.ª;
-DE 06-02-2008, PROC. N.º 4454/07-3ª.
Sumário :
I - As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP, para a determinação da medida da pena, devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral, como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial, ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

II - O conjunto dos factos praticados fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os actos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade do agente revelará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade; só no primeiro caso, não já no segundo será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo é também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.

III- É necessário que uma decisão que efectue um cúmulo jurídico de penas, descreva ou resuma todos os factos pertinentes de forma a habilitar os destinatários da decisão e o tribunal superior, a conhecer a realidade concreta dos crimes cometidos, bem como os factos provados, que demostrem qual a personalidade, modo de vida e inserção social do agente, com vista a poder compreender-se o processo lógico, o raciocínio da ponderação conjunta dos factos e personalidade do mesmo que conduziu o tribunal à fixação da pena única.

IV - O arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica na pena de 3 anos de prisão, de um crime de furto simples na pena de 10 meses de prisão, de um crime de detenção de arma proibida na pena de 10 meses de prisão, de um crime de extorsão na pena de 2 anos de prisão e na pena única de 6 anos de prisão.

V - O arguido aproveitou-se da ofendida, pessoa frágil, que vivia só com a mãe, para se instalar na casa desta a para viver à sua custa. Logo desde o início da relação amorosa com a mesma a maltratou física e psicologicamente, fazendo-a viver sob constantes ameaças de morte, exigindo-lhe dinheiro para gastos pessoais.

VI - As exigências de prevenção geral são intensas face à natureza dos bens jurídicos atingidos e a elevada gravidade que daí resulta. São fortes as exigências de prevenção especial, nomeadamente na prevenção da reincidência, sendo que os ilícitos criminais em concurso associados à vida pregressa do arguido (condenações anteriores), denotam que provêm de tendência criminosa.

VII - Não obstante a condenação pela prática de crimes dolosos e a pena de prisão que em consequência cumpriu, assim que o arguido se viu em liberdade (condicional) logo decidiu retomar a sua actividade criminosa, cometendo crimes dolosos. Não tomou, desde os factos até esta data, qualquer atitude de onde se retire que está arrependido. Conclui-se que a pena única aplicada na decisão recorrida é de manter.

Decisão Texto Integral:

                                      Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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No processo comum com o n.º 175/12.6GBLLE. do 1º Juízo criminal de Loulé, foi submetido a julgamento pelo Tribunal Colectivo o arguido AA, nos autos identificado, mediante acusação formulada pelo Ministério Público que lhe imputava a prática, em autoria material e concurso real, de: um crime de violência doméstica p. e p. pelo art° 152°, nº 1, aI. b) e nº 2 CP, um crime de furto, p. e p. pelo artº 203º, nº 1 CP, um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo arte 86º, nº 1, aI. c) da Lei nº 5/06 de 23.02, um crime de extorsão, p. e p. pelo art° 223°, nº 1 CP e um crime de coacção, p. e p. pelo art0 154º, nº 1 e 155°, nº 1, aI. a) CP.

Não se constituiu assistente quem para tal tinha legitimidade, e a ofendida BB deduziu nos autos pedido de indemnização.

Após produção de prova, em incidente próprio lavrado nos autos, foi alterada a qualificação de direito dos factos

            Realizado o julgamento, foi proferido acórdão em 6 de Fevereiro de 2013, que decidiu:

“- absolve-se o arguido da prática de um crime de coacção, p. e p. pelo art0 154º nº 1, e art0 155º, nº 1, ai. a) do CP;
~ condena-se o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, em concurso real, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº 152º, nº 1, ai. b) e nº 2 do CP na pena de 3 anos de prisão, um crime de furto, p. e p. pejo arte 203º, nº 1 do CP na pena de 10 meses de prisão, um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo arte 86º, nº 1, a!. c) da Lei nº 5/2006 de 23~02 na pena de 10 meses de prisão e um crime de extorsão, p. e p. pelo artº 223º, nº 1 do CP na pena de 2 anos de prisão;
- procedendo ao CÚMUIO JURÍDICO das penas concursais, condena-se o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão;
- considerando procedente e provado o pedido de indemnização deduzido pela demandante, condenar o arguido a pagar àquela a quantia de 4.800€ (quatro mil e oitocentos euros) a título de danos patrimoniais e morais causados.
Custas criminais a cargo do arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 Uc's, e demais encargos legais.
Custas civis a cargo do arguido/demandado.
Determina-se a devolução à demandante/ofendida do dinheiro apreendido ao arguido nos autos (580€).
"Notifique e proceda a depósito legal e nos termos da deliberação do CSM de 21.06.05 e Provimento Nº 2/2005 do Círculo.”
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Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Évora, que por sua vez, por decisão sumária declarou-se “incompetente para conhecer do presente recurso, determinando o envio dos autos para o Supremo Tribunal de Justiça, competente para o analisar e julgar.”
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São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
1. Ao arguido deve ser aplicada em cúmulo jurídico a pena única que deve ser encontrada somando à pena concreta mais grave metade de cada uma das penas concretas aplicadas aos restantes crimes em concurso (Neste sentido vide Comentário ao Código Penal - Paulo Pinto de Albuquerque).
2. O arguido foi condenado em 3 anos de prisão pelo crime do art. 152, n01 do C. P. , em 10 meses de prisão pelo crime p. e p. pelo art. 203, n° 1 do c.P., em 10 meses de prisão pelo crime p. e p. pelo art. 86°, nº 1 da lei das armas e numa pena de 2 anos de prisão pelo crime p. e p. pelo art. 223° do C.P. 
3. Ora, somando 3 anos a metade de 10 meses pelo crime do artigo 203°, mais metade de 10 meses pelo crime do art. 86° da lei das armas e finalmente metade de 2 anos pelo crime de extorsão, chegamos à pena única de 4 anos e 10 meses de prisão
4. Pelo que sob pena de violação do disposto no art. 77.° do Código Penal deverá a pena aplicada ao arguido ser alterada para a pena única de 4 anos e 10 meses de prisão.
TERMOS EM QUE:
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
A) Deverá determinar-se a alteração da pena aplicada ao recorrente, substituindo-a por uma pena não superior a 4 anos e 10 meses de prisão.
Vossas Excelências, porém, farão a costumada JUSTIÇA!
Respondeu a Exma Magistrada do Ministério Público da Instância Criminal do Tribunal Judicial de Faro à motivação do recurso, concluindo:
1.         Não se conformando o arguido AA, com o douto Acórdão, proferido a 06.02.2013, no qual veio o mesmo a ser condenado, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. nos termos do art. 152, nº. 1 do C. P.; pelo crime de furto, p. e p. pelo art. 203°, n" 1 do C.P; pelo crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 186°, n.º 1 da lei das armas e um crime de extorsão, p. e p. nos termos do art. 223º n.º1, do C.P., em cúmulo, numa pena de seis anos de prisão, veio o mesmo interpor recurso para o Tribunal da Relação de Évora.
2.         Refere o recorrente, muito sucintamente, que ao arguido deve ser aplicada, em cúmulo jurídico, a pena única que deve ser encontrada somando à pena concreta mais grave metade de cada uma das penas concretas aplicadas aos restantes crimes em concurso (Neste sentido vide Comentário ao Código Penal - Paulo Pinto de Albuquerque).
3.         Alega para o efeito, que o arguido foi condenado em: 3 anos de prisão pelo crime do art. 152, nº1 do C. P.; em 10 meses de prisão, pelo crime p. e p. pelo art. 203, n" 1 do C.P.; em 10 meses de prisão, pejo crime p. e p. pelo art. 86°, n.º 1 da lei das armas e numa pena de 2 anos de prisão pelo crime p. e p. pelo art. 223º do CP.
4.         Ora, somando 3 anos a metade de 10 meses pelo crime do artigo 203°, mais metade de 10 meses pelo crime do art. 86° da lei das armas e finalmente metade de 2 anos pelo crime de extorsão, chegamos à pena única de 4 anos e 10 meses de prisão.
5.         Ora da análise do acórdão recorrido consta-se que o Tribunal "a quo" condenou o arguido, na pena única de seis anos de prisão, pela prática de diversos crimes, tendo para o efeito especificado cada uma das penas por cada crime que foi imputado ao arguido.
            6.         No que a esta questão concerne, preconiza o art. 77.º, n.º 1, do Código Penal que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, sendo nesta considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Ora, nos termos do art. 77.º, n.º 2 do CP, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas.
            7.         Ora, nos termos do art. 77.°, n.º 2 do CP, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas.
            8.         A pena aplicável será assim constituída a partir das penas singulares concretamente aplicadas aos vários crimes. O sistema não prescinde da determinação concreta das penas aplicáveis aos vários crimes, as quais serão norteadas pelos critérios da culpa e da prevenção (geral e especial), segundo os vários factores que vêm enumerados, de forma exemplificativa, no n.º 2 do art. 71.º do CP.
9.         A medida concreta da pena será por sua vez definida em função da imagem global dos crimes imputados e da personalidade do agente, São considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art. 77.º, n.º 2, parte final C. Penal).
            10.       Por outro lado e analisando o acórdão recorrido, importa ter em atenção as circunstâncias em que o Tribunal "a quo" se balizou e que militaram a favor e contra o arguido. Entre elas ressaltou o acórdão o elevado grau de i1icitude dos factos em si mesmos considerados; o dolo directo e muito intenso com que o arguido actuou; a situação pessoal do arguido, designadamente o facto de não ter colaborado e a existência de antecedentes criminais consideráveis.
            11.       Em circunstância alguma resulta da lei que a determinação das penas tenha de ser feita segundo o cálculo indicado pelo recorrente.
12.       Tendo em conta os critérios utilizados e a pena que efectivamente foi aplicada, desde já salientamos não ter ocorrido qualquer violação dos preceitos legais que regulam a determinação da pena, tendo a mesma sido fixada em cumprimento das normas legais vigentes.
 
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado improcedente e a douta decisão recorrida mantida na íntegra.
Vossas Excelências, no entanto, melhor apreciarão e decidirão como for de Justiça!
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Neste Supremo, o Digníssimo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer onde assinala:
“Os crimes praticados – nomeadamente os de violência doméstica, furto, e extorsão – , num período de cerca de 4 meses, tem um denominador comum: foram dirigidos contra a mesma vítima, pessoa frágil.
 Revelam, de igual modo, uma especial insensibilidade por pessoa com quem namorava e à custa de quem vivia, bem como uma personalidade violenta.
 Não se detectando quaisquer circunstâncias atenuantes, verifica-se, em sentido inverso o elevado número de actuações criminosas anteriores que determinaram a sua condenação em 7 anos e 6 meses de prisão, e, posteriormente, a revogação da liberdade condicional que lhe fora concedida.
 Não obstante, e na consideração de que nos deparamos com uma acentuada tendência criminosa, cremos que a pena fixada é excessiva, aproximando-se da soma material das penas.
 Daí que deva ser reduzida para a proximidade inferior dos 5 anos, ainda adequada à medida da culpa e da prevenção.
 A ser provido este entendimento, e perante a manifesta a prognose desfavorável sobre a evolução comportamental do arguido, é de afastar liminarmente a opção por uma pena de substituição.
II Em síntese: A medida da pena única, embora adequada ao ilícito global e personalidade do agente, à luz dos princípios da culpa e da necessidade da prevenção – muito forte, quer de prevenção geral, quer especial -, deverá ser reduzida nos termos propostos”

Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP.

Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais.

Consta do acórdão recorrido:
II – Os FACTOS
DO JULGAMENTO RESULTARAM PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
1. o arguido e a ofendida BB conheceram-se em  Outubro de 2011, num baile em Quarteira.
2. O arguido logo decidiu que iria aproveitar-se da ofendida/ uma senhora frágil/ e que vivia só com a mãe/ idosa e acamada, para se instalar na casa que esta disponibilizou e viver à sua custa.
3. Assim, o arguido começou por convencê-la a pintar a casa onde esta vivia, tendo-se introduzido na sua vida/ vivendo na casa disponibilizada por esta, com a desculpa que assim a ofendida não tinha de lhe pagar as deslocações de e para Faro, onde este morava.
4. Pouco depois, o arguido e a ofendida iniciaram uma relação amorosa.
5. Sucede que o arguido Jogo começou/ desde o inicio da relação, a maltratar física e psicologicamente a ofendida/ desferindo-lhe estaladas/ pontapés/ controlando os movimentos e telefonemas da companheira, fazendo-a viver sob constantes ameaças de morte, exigindo-lhe dinheiro para gastos pessoais/ e injuriando-a/ dizendo-lhe que tinha amantes e que ia "para o engate" chamando-lhe "velha", "cabra", "vadia"/ "puta do caralho"/ "vaca", "mentirosa"/ "desconfiada" entre outros impropérios de idêntica jaez.
6. Assim, em data que se desconhece, mas que se situa entre Novembro de 2011 e Fevereiro de 2012, quando o arguido e a ofendida se encontravam no centro comercial Fórum Algarve, sito em Faro, o arguido exigiu à ofendida que esta efectuasse uma consulta de movimentos num terminal de multibanco, a fim de se inteirar do valor que esta tinha na sua conta à ordem.
7. Em data que se situa entre Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012/ no interior da residência da ofendida/ o arguido dirigiu-se a esta e exigiu que lhe entregasse as peças em ouro que tinha/ uma vez que a ofendida as tinha mudado de lugar, já receando que o arguido se apropriasse delas, dizendo-lhe, em tom de ameaça: "Onde guardaste o ouro/ eu encontro-o" "tu tens muito, não tens falta daquilo", mais lhe dizendo que já lhe tinha tirado a pistola, que a iria usar para matar a ofendida e que só descansava quando lhe tirasse o ouro.
8. Em Janeiro de 2012, no interior da residência da ofendida, o arguido dirigiu-se mesma e disse-lhe: "onde é que foste, és uma vadia", entre outros impropérios de idêntica jaez.
9. De seguida, o arguido desferiu uma bofetada que atingiu a ofendida no rosto, do lado esquerdo, e um pontapé que a atingiu nas nádegas.
10. Como consequência, a ofendida sofreu dores e hematomas no rosto e nas nádegas.
11. A ofendida tem registada a sua favor a arma de fogo - pistola - de marca ERM 143, nº 002459, com um cano, Iivrete H01036.
12. Tal arma de fogo estava devidamente guardada no interior da residência da ofendida.
13. Sucede que, em data que se situa entre Novembro de 2011 e Fevereiro de 2012, o arguido, num momento em que a ofendida não estava em casa, encontrou a referida arma e apoderou-se da mesma, fazendo-a sua, bem sabendo que agia contra a vontade e sem o conhecimento da proprietária.
14. Uns dias mais tarde vendeu a referida arma a um sujeito que não se logrou identificar.
15. O arguido não é titular de licença de porte e uso de arma e bem sabia que não podia deter a arma supra descrita nestas condições.
16. Igualmente, durante a relação e por diversas vezes, o arguido disse à ofendida que nunca mais via a pistola que este subtraíra e que esta ''já está preparadinha com os chumbos para te matar".
17. Desde que iniciaram a relação que o arguido, por diversas vezes, exigiu que a ofendida lhe entregasse montantes em dinheiro, ameaçando-a que a matava, utilizando a pistola supra descrita que subtraíra à ofendida, se esta não lhe desse dinheiro.
18. Assim, entre Novembro de 2011 e 08.02.2012, o arguido apoderou-se de cerca de 3.500€, em notas e moedas do Banco Central Europeu, pertença da ofendida, tendo para o efeito ameaçado de morte a ofendida para alcançar os seus intentos.
19. No dia 08,02.2012, o arguido dirigiu-se, com a ofendida, a um terminal multibanco; sito em Almancil, e disse-lhe que ela tinha de lhe entregar a quantia de 600€, naquele momento.          
20. A ofendida, temendo a violência crescente do arguido, que não parava de lhe dizer, aos gritos, para lhe dar dinheiro senão "dava-lhe um murro nos cornos", acabou por efectuar diversos levantamentos, num total de 420€r que entregou de imediato ao arguido.
21. Durante o tempo em que a ofendida efectuava os levantamentos, a mando do arguido e porque temia pela sua vida e integridade física, este disse-lhe ainda, por diversas vezes: "Puta, vaca, eu parto-te os cornos se fores fazer queixa de mim", "Tens de me dar os 600€ senão dou-te um murro nos cornos".
22. O arguido fez suas essas quantias, que usou em seu proveito, sendo que a quantia de 580€ foi apreendida na posse do arguido no dia 09.02.2012.
23. Como consequência do descrito nos pontos 5 a 7 e 16, a ofendida temeu pela sua vida e integridade física, sentindo medo e inquietação.
24. Sabia o arguido que as palavras que lhe dirigia eram adequadas a esse fim que quis e logrou alcançar.
25. Como consequência directa e necessária do comportamento do arguido, BB sentiu-se, ainda, ofendida na sua honra e dignidade.
26. Agiu o arguido com intenção concretizada de ofender a honra e consideração da ofendida, bem sabendo que as palavras que lhe dirigiu, descritas nos pontos 5, 8 e 21 eram adequadas a esse fim.
27. Bem sabia o arguido que a lesada era sua namorada, e que lhe devia respeito e consideração e ainda assim quis o que conseguiu, molestá-la física e psicologicamente.
28. Agiu o arguido com o propósito de causar, o que conseguiu, todas as lesões supra descritas à ofendida,
29. Bem sabia o arguido que praticava os factos supra descritos no domicilio da ofendida.
30. Quis o arguido com o seu comportamento, pela sua gravidade e repetição, inferiorizar e atemorizar a ofendida perante ele causando-lhe um sentimento permanente de medo e ansiedade, garantindo deste modo a sua superioridade e domínio sobre ela, o que conseguiu.
31. Mais sabia o arguido que estava a constranger a ofendida através de ameaças de morte a entregar-lhe quantias em dinheiro às quais não tinha direito e que estava a obter um enriquecimento ilícito à custa de BB, o que quis e conseguiu.
32. O arguido agiu quis, ainda, evitar que a ofendida denunciasse os factos ilícitos por si praticados, mantendo-a limitada na sua liberdade de determinação pessoal, situação que se manteve até 09.02.2012, data em que a GNR se deslocou a casa da ofendida e deteve o arguido.
33. Sabia o arguido que ameaçava a ofendida com a prática de crimes contra a vida.
34. Por douto acórdão de cúmulo jurídico transitado em julgado no dia 07.02.2005, do processo 240/97.8GBSLV do 1° juízo do Tribunal de Silves (furto, falsificação), que englobava os processos: 94j99.0TBSLV do 1° Juízo do Tribunal de Silves (falsificação), 339j97.0PTLSB da 3ª Vara, 3a Secção Criminal de Lisboa, 121/99,OTBSLV do 2º juízo do Tribunal de Silves (subtracção de documentos, falsificação e burla), 409/98.8GDPTM do 1° juízo criminal de Portimão (falsificação e burla), 452j95.9PATVR do 3º juízo do Tribunal de Torres Vedras (furto, falsificação e burla), 2850/97.4GBABF do 3º juízo do Tribunal de Albufeira (falsificação e burla), 183/98.8GBGDL do Tribunal de Grândola (furto, falsificação e burla), 372/00.7GBSLV do 1º juízo do Tribunal de Silves (condução ilegal) e 886/97.4JDLSB do 6° juízo, 3ª secção do Tribunal criminal de Lisboa (falsificação e burla), foi o arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão, Nos processos englobados pelo cúmulo o arguido havia sido condenado pela prática, em autoria material, de diversos crimes de falsificação de documentos, burla, condução sem habilitação legal e furto, praticados entre 1996 e 2000; além destes, o arguido foi condenado por crime de falsificação de documentos (proc. 28/99 do 3° juízo da 3ª secção do Tribunal Criminal de Lisboa).
36. O arguido esteve preso em cumprimento da supra referida pena de prisão desde 24.01.2001 até ao dia 03.11.2006, data em que foi colocado em liberdade condicional.
37. Tal liberdade condicional foi revogada em Abril de 2008, estando ainda por cumprir cerca de dois anos de prisão.
38, Assim que o arguido se viu em liberdade (condicional), logo decidiu retomar a sua actividade criminosa, cometendo crimes dolosos.
39. Não obstante a condenação pela prática dos crimes dolosos supra descritos, e a pena de prisão que em consequência cumpriu, o seu comportamento é especialmente censurável pois tal não foi suficiente para afastar o arguido da prática da mesma actividade criminosa, e ainda de crimes mais graves acima descritos que sabia serem proibidos e punidos por lei penal.
40. Em tudo o acima descrito agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente sabendo serem as suas condutas punidas e proibidas por lei penal, às quais foi indiferente.

PROVOU-SE AINDA,
41.       O arguido não compareceu a julgamento, apesar de devidamente notificado.
42.       Não tomou, desde os factos até esta data, qualquer atitude de onde se retire que está arrependido.
43.       Revela uma personalidade alheia a todos os valores sociais e familiares, de vida em sociedade, uma total falta de respeito pelo próximo e pela vida em comunidade, bem como uma personalidade alheia ao respeito pela ordem pública e bem estar social, tendo-lhe sido indiferentes as condenações anteriores que sofreu.
44.       O arguido nunca devolveu à ofendida a quantia de 3.920€ acima referida.
45.       A ofendida teve medo e ansiedade, viveu o pânico destas situações, que lhe provocaram sofrimento e lhe causaram desgosto.
46. O dinheiro aprendido ao arguido (580€) em 09.02.12 fazia parte do dinheiro que obrigou a ofendida a levantar da sua própria conta em 08.02.12.
 
RESULTARAM POR PROVAR OS SEGUINTES FACTOS:
47.       Que o arguido e ofendida vivessem em comunhão de habitação.
48.       Que a casa onde o arguido se instalou fosse a casa onde vivia a ofendida.
49. Vivendo ambos em comunhão de vida e habitação como se de marido e mulher se tratassem, de Novembro de 2011 até 09 Fevereiro de 2012, residindo na casa da ofendida sita no Sitio da Franqueada, 8100-302 Loulé, área desta comarca de Loulé.
50. Que o arguido tenha constrangido a ofendida directamente para não apresentar denúncia às autoridades competentes.
51. Que o arguido nutrisse algum afecto peja ofendida.
 

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Cumpre apreciar e decidir:

Inexistem vícios ou nulidades de que cumpra conhecer

O recorrente pretende que a pena aplicada seja “alterada para a pena única de 4 anos e 10 meses de prisão” “que deve ser encontrada somando à pena concreta mais grave metade de cada uma das penas concretas aplicadas aos restantes crimes em concurso (Neste sentido vide Comentário ao Código Penal - Paulo Pinto de Albuquerque).

Analisando:

Como se sabe, o artigo 77º nº 1 do Código Penal, ao estabelecer as regras da punição do concurso, dispõe: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

            Por sua vez, o artº 78º do mesmo diploma substantivo prescreve:

            1, Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

            2. O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

O caso julgado relativo à formação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale rebus sic stantibus, ou seja nas circunstâncias que estiverem na base da sua formação, Se as circunstâncias se alterarem por, afinal, do concurso fazer parte outro crime e outra pena, há uma modificação que altera a substância do concurso e a respectiva moldura penal, com a consequente alteração da pena conjunta. Daí que, não subsistindo as mesmas circunstâncias ou elementos que presidiram à formação da primitiva pena única, o caso julgado em que esta se traduziu tenha de ficar sem efeito, adquirindo as penas parcelares nela contidas toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura penal do concurso. V. Ac. do STJ de 27 de Junho de 2001, proc. nº 1790/01-3ª; SASTJ, nº 52, 48.

O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes – v.  Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 06-02-2008 Proc. n.º 4454/07.

Com efeito, deve proceder-se a cúmulo jurídico das penas – mesmo em caso de cúmulo superveniente - quando o crime de que haja conhecimento posteriormente tenha sido praticado antes da condenação anteriormente proferida, de tal modo que esta devia tê-lo tomado em conta, ou seja quando a prática dos crimes concorrentes tenha tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles – v..Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção de 21 de Abril de 1994, proc. nº 46.045).

Daqui resulta que, não há que proceder a cúmulo jurídico das penas quando os crimes foram cometidos depois de transitadas em julgado as anteriores condenações (AC. deste Supremo e desta 3ª Secção de 23 de Junho de 1994, proc. nº 46860)

Ou seja, as penas dos crimes cometidos depois de uma condenação transitada em julgado não podem cumular-se com as penas dos crimes cometidos anteriormente a essa condenação - v. ac. do STJ de 20 de Junho de 1996 in BMJ, 458, 119.

Para efeito de aplicação de uma pena única, o limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes anteriormente praticados – v. Acs. do STJ de 02-06-2004, Proc. n.º 1391/04 - 3.ª, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 217, e de 10-01-2007, Proc. n.º 4051/06 - 3.ª.

            Como se sabe, dispõe o artº 40º do C.Penal

1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

O artigo 71° nº 1 do Código Penal, estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo no nº 1 que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção..

O n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

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A segunda parte do nº 1 do artº 77º do CP determina que "na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".

E, de harmonia com o nº2 do preceito, “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassa 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”

São estes os critérios legais de determinação da pena conjunta, pelo que como refere a Exma Magistrada do Ministério Público na conclusão 11 da sua resposta à motivação do recurso “Em circunstância alguma resulta da lei que a determinação das penas tenha de ser feita segundo o cálculo indicado pelo recorrente “

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. – v.Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, Proc. n.º 4454/07

Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993,; . Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo  e 3ª Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04.


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     Volvendo ao caso concreto, fundamentou a decisão recorrida:

“Verificados todos estes elementos, importa ponderar as circunstâncias do artº 71º CP.

Tendo em atenção as molduras penais abstractas para os tipos legais em causa, há a ponderar entre as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, contam a favor e contra os arguidos:

- quanto à execução dos factos: o elevado grau de ilicitude dos factos em si mesmos considerados que envolvem a intervenção do arguido num contexto de abuso da dignidade humana de terceira pessoa, que tinha para com ele um relacionamento afectivo, tendo-a agredido, insultado, tendo-a forçado a situações de stress, subtraindo bens da sua casa, os danos pessoais que acabaram por ser provocados, a violação dos deveres de cidadania em geral com reporte à comunidade envolvente, a culpa acentuadíssima do arguido;

- quanto ao dolo: o dolo directo e muito intenso em qualquer destes comportamentos, tendo em conta a persistência;

- quanto às condições pessoais: o facto de ser o arguido pessoa de formação média, assim se presumindo a seu favor, uma vez que não compareceu, não colaborou, foi-lhe indiferente a sindicância do seu comportamento pelo Tribunal, aliás, numa espécie de impunidade que o mesmo vem assumindo descaradamente, como se percebe pelos factos provados; quanto à personalidade: nada se apurou em concreto, com antecedentes criminais consideráveis, desde logo por crimes de burla e falsificação;

- quanto ao comportamento anterior e posterior: o arguido não colaborou com a actividade do Tribunal, não assumindo os factos constantes da mesma, sendo que os factos, qualquer deles, revelam uma personalidade violenta;

Assim, além do limite da prevenção e àquem do da culpa, entende o Tribunal! ponderado o regime penal vigente:

-           nos termos do art° 70º do CP que tem que ser aplicada ao arguido penas de prisão por qualquer dos crimes em análise e que se situem nos limites médios legais, atenta a previsão da norma e a manifesta gravidade dos factos;

-           nos termos do art° 71° e 152º, nº 1, 203º, nº 1, 223º, nº 1 do CP e arte 86º da Lei das Armas: decide-se fixar a pena de 3 anos de prisão pelo crime do artº 152º, nº 1 do CP fixar a pena de 10 meses de prisão pelo crime p. e p. pelo art0 203º, nº 1 do CP, fixar a pena de 10 meses de prisão pelo crime p. e p. pelo artº 86º, nº 1 da Lei das Armas e fixar a pena em 2 anos de prisão pelo crime p. e p. pelo artº 223º do CP. atenta a relação concursal dos crimes citados, procedendo ao cúmulo jurídico das penas de multa (artº 77° cp), ponderada a personalidade do arguido, a gravidade dos factos e sua natureza e o tempo entretanto decorrido, bem como o facto de o divórcio entretanto decretado e separação fazerem crer que os factos serão repetíveis, atento o contexto da sua repetição, entre o mínimo de 3 anos de prisão e o máximo de 6 anos e 8 meses de prisão, fixa-se a pena única em 6 anos de prisão.”

Com base na fundamentação exposta, para a determinação da medida concreta da pena do cúmulo, poderia dizer-se ser a mesma incompleta, insuficiente, e a omissão de tal avaliação do ilícito global daí resultante, seria susceptível de implicar omissão pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir, o que determinaria a nulidade da respectiva decisão - art. 379.º do CPP. -Ac. deste Supremo, de  22-11-2006, Proc. n.º 3126/96 - 3.ª Secção

Na verdade, a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

Contudo, não pode dizer-se que o acórdão recorrido seja totalmente omisso quanto ao tal dever de especial fundamentação, imposto pelo critério legal, na fixação da pena conjunta.

Aliás, constando da matéria de facto apurada os elementos necessários à realização do cúmulo, pode o tribunal de recurso suprir eventual nulidade decorrente nos termos do nº 2 do artº 379º do CPP.

Como bem observa Oliveira Mendes, Código de Processo Penal comentado, 2014, Almedina , pág. 1183:

“Por efeito da alteração introduzida ao texto do nº 2 pela Lei nº 20/203, de 21 de Fevereiro, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida (é o que decorre da actual letra da lei «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las…»), razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido […]”

Para tanto é necessário que a decisão que efectue o cúmulo, descreva ou resuma todos os factos pertinentes de forma a habilitar os destinatários da decisão e o tribunal superior, a conhecer a realidade concreta dos crimes cometidos, bem como os factos provados, que demonstrem qual a personalidade, modo de vida e inserção social do agente, com vista a poder compreender-se o processo lógico, o raciocínio da ponderação conjunta dos factos e personalidade do mesmo que conduziu o tribunal à fixação da pena única.(v. Ac. deste Supremo de 27 de Março de 2003, proc. nº 4408/02 da 5ª secção)

Ora a decisão recorrida descreve a factualidade necessária donde se possa efectuar  uma ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido, sendo que a valoração dos factores fundamentantes das penas parcelares reflectem-se na determinação da pena conjunta,

A decisão recorrida regista ainda a vida pregressa do arguido.

Por outro lado respiga-se da mesma decisão que pretendeu demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação conjunta dos factos e da personalidade., com as exigências de prevenção especial, e o efeito previsível da pena única  aplicar, no comportamento futuro do arguido.

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Tendo em conta o exposto, e ainda que:

As exigências de prevenção geral são intensas face à natureza dos bens jurídicos atingidos, e a elevada gravidade que daí resulta, e modo de execução na acção desenvolvida pelo arguido.

As fortes exigências de prevenção especial, nomeadamente na prevenção da reincidência, e o efeito previsível da pena no comportamento futuro do condenado, sendo que os ilícitos criminais em concurso associados à vida pregressa do arguido denotam que provêm de tendência criminosa do arguido, e não de mera pluriocasionalidade, da mesmas sendo que face ás demais condenações anteriores, o arguido vem revelando falta de preparação para manter conduta lícita,

A culpa, limite da pena, é intensa, face ao dolo específico.
          Sublinhe-se que, como vem provado, o arguido e a ofendida BB conheceram-se em  Outubro de 2011, num baile em Quarteira. E, logo decidiu que iria aproveitar-se da ofendida/ uma senhora frágil/ e que vivia só com a mãe/ idosa e acamada, para se instalar na casa que esta disponibilizou e viver à sua custa. Assim, o arguido começou por convencê-Ia a pintar a casa onde esta vivia, tendo-se introduzido na sua vida/ vivendo na casa disponibilizada por esta, com a desculpa que assim a ofendida não tinha de lhe pagar as deslocações de e para Faro, onde este morava.
Pouco depois, o arguido e a ofendida iniciaram uma relação amorosa. Sucede que o arguido Jogo começou/ desde o inicio da relação, a maltratar física e psicologicamente a ofendida/ desferindo-lhe estaladas/ pontapés/ controlando os movimentos e telefonemas da companheira, fazendo-a viver sob constantes ameaças de morte, exigindo-lhe dinheiro para gastos pessoais/ e injuriando-a/ dizendo-lhe que tinha amantes e que ia "para o engate" chamando-lhe "velha", "cabra", "vadia"/ "puta do caralho"/ "vaca", "mentirosa"/ "desconfiada" entre outros impropérios de idêntica jaez.

             Sublinhe-se ainda que
             Por douto acórdão de cúmulo jurídico transitado em julgado no dia 07.02.2005, do processo 240/97.8GBSLV do 1° juízo do Tribunal de Silves (furto, falsificação), que englobou penas de outros processos que decorreram na área do Algarve, e m outras comarcas do Pais (Grândola e Lisboa), foi o arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão, Nos processos englobados pelo cúmulo o arguido havia sido condenado pela prática, em autoria material, de diversos crimes de falsificação de documentos, burla, condução sem habilitação legal e furto, praticados entre 1996 e 2000; além destes, o arguido foi condenado por crime de falsificação de documentos (proc. 28/99 do 3° juízo da 3ª secção do Tribunal Criminal de Lisboa), e que o arguido esteve preso em cumprimento da supra referida pena de prisão desde 24.01.2001 até ao dia 03.11.2006, data em que foi colocado em liberdade condicional, a qual foi revogada em Abril de 2008, estando ainda por cumprir cerca de dois anos de prisão.
Assim que o arguido se viu em liberdade (condicional), logo decidiu retomar a sua actividade criminosa, cometendo crimes dolosos.
Não obstante a condenação pela prática dos crimes dolosos supra descritos, e a pena de prisão que em consequência cumpriu, o seu comportamento é especialmente censurável pois tal não foi suficiente para afastar o arguido da prática da mesma actividade criminosa, e ainda de crimes mais graves acima descritos que sabia serem proibidos e punidos por lei penal.
Em tudo o acima descrito agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente sabendo serem as suas condutas punidas e proibidas por lei penal, às quais foi indiferente.

O arguido não compareceu a julgamento, apesar de devidamente notificado.
Não tomou, desde os factos até esta data, qualquer atitude de onde se retire que está arrependido.
Revela uma personalidade alheia a todos os valores sociais e familiares, de vida em sociedade, uma total falta de respeito pelo próximo e pela vida em comunidade, bem como uma personalidade alheia ao respeito pela ordem pública e bem estar social, tendo-lhe sido indiferentes as condenações anteriores que sofreu.

Valorando, pois, o ilícito global perpetrado na ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido, tendo ainda em conta os limites abstractos da pena conjunta aplicável – 3 (três) anos de prisão como limite mínimo, e 6 (seis) anos e 8 (oito) meses, de prisão, como limite máximo, conclui-se que não se revela desproporcional nem desadequada a pena aplicada na decisão recorrida., que é, assim, de manter,

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           Termos em que, decidindo

           Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em negar provimento ao recurso e, confirmam a decisão recorrida.

 Tributam o recorrente em 5 UC de taxa de Justiça.
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   Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Fevereiro de 2015
                                              
Elaborado e revisto pelo relator
Pires da Graça
Raul Borges