Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S2573
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: SUCUMBÊNCIA
JUROS DE MORA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: SJ2006121400200612144
Data do Acordão: 12/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO SE TOMOU CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário : 1. Os juros de mora vencidos na pendência da acção não relevam para a determinação do valor da causa, nem podem ser tidos em conta para achar o valor da sucumbência com vista a apurar se a decisão é recorrível ou não.
2. O recurso de revista é inadmissível, sendo o valor da sucumbência, face ao acórdão da Relação, inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre e não tendo por fundamento qualquer das situações previstas nos n.os 2, 3, 4, 5 e 6 do artigo 678.º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I
1. Em 4 de Julho de 2003, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB – SOCIEDADE PARA O DESENVOLVIMENTO INTERNACIONAL, S. A., na qual pede: (a) seja declarado como contrato sem termo, o contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré, sendo a primeira considerada trabalhadora efectiva da ré desde 2 de Julho de 2001; (b) seja declarada a ilicitude do seu despedimento, condenando-se a ré a reintegrá-la, na sua categoria, e com direito ao uso de telemóvel e automóvel; (c) a condenação da ré a pagar-lhe todas as prestações pecuniárias, incluindo uso de telemóvel e automóvel, que deveria receber desde o despedimento até à data da sua reintegração; (d) a condenação da ré a pagar-lhe € 2.250,00, correspondente ao valor que deixou de auferir por a ré lhe ter retirado o direito de uso de automóvel e telemóvel; (e) a condenação da ré a pagar-lhe juros até pagamento integral.

Na audiência de partes, realizada em 29 de Outubro de 2003, o mandatário da ré afirmou «[r]econhecer que o contrato de trabalho constante dos autos é um contrato sem termo, em consequência, tal como peticionado pela autora readmitia-[a] nas mesmas condições, sem prejuízo de quaisquer direitos ou regalias, designadamente a sua categoria ou antiguidade. Mantém que o uso do telemóvel e do automóvel a que se refere a petição inicial não é uma regalia ou direito subjectivo da autora, mas uma mera utilização vulgar de instrumentos de trabalho, pelo que essa utilização pela autora só ocorrerá se houver conveniência de serviço. Todavia assim não o entendendo a autora, poderá a mesma discutir esse seu suposto direito neste processo, não obtendo (será, obstando) essa diversidade de posições à sue (será, sua) reintegração, que a autora peticiona, desde já, se assim quiser.»

Uma vez que as partes não se conciliaram, a ré foi notificada para contestar, o que fez, por impugnação, e deduziu, ainda, reconvenção pela quantia de € 4.984,20, recebida pela autora como compensação pela não renovação do contrato a termo.

Por sentença proferida em 16 de Fevereiro de 2004 (fls. 61), foi homologada a confissão dos pedidos de declaração de nulidade da estipulação do termo do contrato, reintegração da autora e condenação da ré no pagamento das retribuições vencidas até à audiência de partes (29 de Outubro de 2003), prosseguindo os autos somente para apuramento dos demais pedidos.

Realizado o julgamento, foi exarada sentença que, julgando a acção parcialmente improcedente, condenou a ré a pagar à autora o valor correspondente ao subsídio de alimentação entre 4 de Junho de 2003 e 16 de Março de 2004, acrescido de juros de mora a contar do respectivo vencimento, e julgando procedente o pedido reconvencional, condenou a autora a pagar à ré a quantia de € 4.984,20, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar de 16 de Novembro de 2003.

2. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, tendo revogado a sentença proferida na primeira instância, na parte em que julgou improcedente o pedido de pagamento das retribuições vencidas entre 30/10/2003 e 15/3/2004, e condenado a ré a pagar à autora, a esse título, a quantia de € 7.462,50, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde 16/3/2004 e até integral pagamento, mantendo no restante a sentença recorrida.

É contra esta decisão que a ré se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões:
1) O credor a quem o devedor oferece a prestação e que a recusa sem motivo justificado entra em mora (artigo 813.º do Código Civil);
2) O devedor não tem de compensar o credor que está em mora pela dilação resultante dessa mora, por não haver ilicitude do devedor nem causa adequada de quaisquer eventuais danos imputável ao devedor (artigos 813.º a 816.º do Código Civil);
3) É ilegítimo, porque abusivo, o exercício de um direito, se o titular exceder manifestamente os limites da boa fé, dos bons costumes ou o fim social ou económico desse direito (artigo 334.º do Código Civil);
4) Ocorre esse abuso se o empregador na audiência de partes faculta ao trabalhador a sua imediata reintegração, e este declarar que recusa ser reintegrado imediatamente, mas mantém o pedido de condenação do empregador na sua reintegração mais retribuições vencidas até ao trânsito em julgado dessa decisão condenatória;
5) A este trabalhador não são já devidas quaisquer retribuições que se vençam após a sua recusa em ser reintegrado, porque só a si se deve aquele atraso na sua reintegração e porque o direito cessa onde o abuso começa, o comportamento abusivo é apenas o exercício de um direito aparente;
6) Nada mais abusivo que a posição da recorrida de recusar o trabalho mas reclamar o salário, de se manter desempregada por opção própria e depois, alegando o seu desemprego, reclamar retribuições vencidas por um tempo que quis fosse de ócio.

A recorrida não contra-alegou.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a revista deve ser negada, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta da recorrente para discordar daquela posição.

3. No caso vertente, a única questão suscitada cinge-se a saber se a autora tem direito às prestações retributivas vencidas entre a data da audiência de partes (29 de Outubro de 2003) e a da sua efectiva reintegração (16 de Março de 2004).

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

Em primeira linha, há que reapreciar a questão da admissibilidade do recurso de revista interposto pela ré, a qual se insurge contra o acórdão da Relação que a condenou a pagar ao autor a quantia de 7.462,50 euros, a título de pagamento das prestações retributivas vencidas entre 30 de Outubro de 2003 e 15 de Março de 2004), acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde 16 de Março de 2004 e até integral pagamento.

Prevalecendo-se do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Código das Custas Judiciais, a recorrente veio sustentar, no requerimento de interposição do recurso de revista, como valor da sucumbência, a quantia de «7.761,00 € (compreendendo capital e juros vencidos até à data do acórdão)».

O n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, aplicável nos processos de natureza laboral, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, estabelece que «[s]ó é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal; […]».

A admissibilidade de recurso está, assim, dependente da verificação cumulativa de um duplo requisito: (a) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; (b) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre.

Ora, à data da propositura da acção (4 de Julho de 2003), o valor da alçada dos tribunais da Relação era de 14.963,94 euros, nos termos do n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção conferida pelo artigo 3.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, sendo este o valor atendível para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 678.º citado.

No caso, o valor da sucumbência para o réu, face ao acórdão da Relação, é de € 7.462,50 euros, o qual é inferior a metade da alçada daquele tribunal (7.481,97 euros), sendo que não relevam para a determinação do valor da sucumbência os juros moratórios vencidos na pendência da acção, como pretende a recorrente.

Com efeito, nos termos do n.º 2, segunda parte, do artigo 306.º do Código de Processo Civil, «quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos».

Compreende-se, perfeitamente, a irrelevância do pedido de juros para a determinação do valor da causa. É que o pedido de condenação em juros não constitui o objecto próprio da acção e está fora do âmbito da controvérsia, emergindo, unicamente, como consequência da dedução do pedido principal.

Ora, se o pedido de condenação em juros não releva para a determinação do valor da causa, também não pode ser tido em conta para achar o valor do decaimento do pedido com vista a apurar se a decisão é recorrível ou não.

Tal como se ponderou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 19 de Março de 2002 (Revista n.º 4304/2001 da 2.ª Secção), «[a] não ser assim, bem podia acontecer que numa acção de valor inferior à alçada da Relação, portanto, sem recurso ordinário para o Supremo, o mesmo viesse, afinal, a ter lugar. Bastaria que em resultado do pedido acessório de juros a contar da citação, a soma destes com o valor da acção, ou com o da sucumbência, suplantasse a referida alçada.»

Assim, o recurso de revista interposto pela ré é inadmissível, porque o valor da sucumbência, face ao acórdão da Relação, é inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre e uma vez que não tem por fundamento qualquer das situações previstas nos n.os 2, 3, 4, 5 e 6 do artigo 678.º do Código de Processo Civil.

É certo que o recurso de revista foi admitido, e nenhuma questão prévia se suscitou acerca da sua admissibilidade, porém, isso não obsta a que o tribunal decida, agora, em colectivo, não conhecer do seu objecto, pois, o despacho que admite o recurso não vincula o tribunal superior (n.º 4 do artigo 687.º do Código de Processo Civil), nem o exame preliminar do relator forma caso julgado quanto à regularidade e admissibilidade do recurso (artigos 700.º, n.os 3 e 5, 708.º, n.º 1, e 672.º, in fine, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 726.º do mesmo Código).

III
Pelo exposto, decide-se julgar inadmissível a revista trazida pela ré e, em consequência, não tomar conhecimento do respectivo objecto.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2006

Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dins
Fernandes Cadilha