Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1544/16.8T8ALM.L1.S2
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: CASO JULGADO PENAL
OPONIBILIDADE
TERCEIRO
PRESUNÇÃO
VALOR EXTRAPROCESSUAL DAS PROVAS
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
EQUIDADE
Data do Acordão: 11/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário :
I - Quanto a terceiros, quanto a todos aqueles que são alheios ao contraditório no processo penal, prescreve a lei, no art. 623.º do CPC, uma presunção ilidível da ocorrência dos factos que foram apreciados e considerados provados no âmbito do processo penal, presunção esta que vale e pode ser invocada em qualquer ação de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infração.
II - Presunção (de existência) dos factos, apurados em processo penal, que, sendo ilidível, apenas significa que a parte que dela beneficia fica desonerada do labor probatório conducente à prova do facto presumido – que se cumpre mediante a junção da certidão da sentença condenatória – mas que não significa que tal parte fique a coberto da parte contrária poder provar o contrário, ou seja, da parte contrária poder provar que os factos não existiram e/ou que não ocorreram exatamente do modo que consta da fundamentação da sentença penal.
III - Pode pois – e a partir de meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador – dar-se como provada uma dinâmica do acidente diferente da fixada na sentença penal, uma vez que, por força do preceituado no art. 623.º do CPC, o interesse público da não prolação de decisões de conteúdo contraditório não prevaleceu perante a necessidade de garantir que sujeito algum possa suportar prejuízos emanados de um processo no qual não participou ou não foi colocado em condições de participar.
IV - O dano biológico, ainda que lhe possa ser conferida autonomia, cabe no dualismo dano patrimonial / dano não patrimonial (não é um “tertium genus”), podendo ter e traduzir-se numa vertente patrimonial e numa vertente não patrimonial, sendo que, quando apenas está em causa e se pretende indemnizar o dano causado por uma incapacidade permanente geral (que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão, mas que não se repercute numa perda da capacidade de ganho), se está perante a vertente patrimonial do “dano biológico”, cuja indemnização também cobre a perda de potencialidades e de oportunidades profissionais (não havendo lugar à fixação dum montante indemnizatório por uma IPP que, em tal hipótese, nem sequer existe).
V - O único critério legal para a fixação da indemnização do dano biológico (dano futuro) é a equidade (cfr. art. 566.º, n.º 3, do CC), o que não significa, que não se usem, como auxiliar, como instrumento de trabalho, fórmulas matemáticas, que têm o mérito de impedir “ligeirezas decisórias” ou involuntárias leviandades e subjetivismos, na medida em que obrigando o julgador à externalização, passo a passo, do seu juízo decisório e a uma maior “densificação” da fundamentação da decisão, contribuem para impedir raciocínios mais ligeiros e/ou maquinais na fixação de indemnização.
VI - Tendo o lesado 26 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 19 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (“personal trainer”), é equitativo fixar (por reporte à data da formulação do pedido, ocorrida em 30-03-2014, um ano e meio após o acidente) a indemnização por tal dano biológico em € 80 000,00; montante este a que – estando-se “apenas” perante uma IPG, que exige esforços suplementares no exercício da atividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho do lesado – não pode acrescer outro e autónomo montante indemnizatório com base no dano futuro da perda de ganho.
Decisão Texto Integral:


Proc. 1544/16.8T8ALM.L1.S1

6.ª Secção

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – Relatório

AA e BB, ambos com os sinais dos autos, intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Seguradoras Unidas, SA, atualmente, Generali Seguros, SA., também identificada nos autos, pedindo a condenação desta a pagar:

Ao 1.º autor:

 - a quantia de € 373.512,36, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde 30.03.2014 até integral pagamento;

 - a quantia de € 100 000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde 30.03.2014 até integral pagamento;

 - as despesas futuras com cirurgias, medicamentos, equipamentos, tratamentos, ajudas de terceiros e deslocações que se venham a revelar necessários por força das lesões sofridas em consequência do acidente;

Ao 2.º autor:

 - a quantia de € 25 735,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde 30.03.2014 até integral pagamento.

Alegaram para tal, em resumo, que, no dia 22/09/2012, na ..., ..., o 1.º A., quando conduzia um motociclo pertencente ao 2.º A., teve intervenção num acidente de viação, que, segundo os AA., foi da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo automóvel também nele interveniente e “seguro” na R., uma vez que, circulando este veículo automóvel em sentido contrário ao motociclo, virou à esquerda e atravessou a hemi-faixa em que circulava o motociclo, dando assim origem ao embate entre ambos; embate que causou ao 1.º A. os inúmeros danos, de natureza patrimonial e não patrimonial, cuja indemnização peticionou e à inutilização do motociclo pertencente ao 2.º R..

A R. contestou, impugnando a factualidade respeitante à dinâmica do acidente, cuja produção, em seu entender, se ficou a dever à negligência do 1.º A., impugnando a extensão dos danos alegados e reputando de excessivos os montantes indemnizatórios pedidos; e concluiu pela improcedência da ação.

Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém; tendo-se identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência, o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, se condenou “ (…) a R. a pagar 1.º A., a indemnização de € 258.370,96, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, contados desde a data da citação, sobre a quantia de € 188.370,96, e desde a data da decisão sobre a quantia de € 70 000,00”; e se condenou a R., em relação ao 2.º A. “a pagar a indemnização de € 7.285,00”.

Inconformados com tal decisão, interpuseram recursos de apelação, quer o 1.º A. quer a R., recursos que, por Acórdão da Relação de Lisboa de 12/07/2021[1], foram:

Julgado totalmente improcedente o recurso do 1.º A.

Julgado parcialmente procedente o recurso da R. e, em consequência,

Condenada a pagar 1.º A.:

“a) a quantia a liquidar em incidente de liquidação relativa ao valor devido a título de indemnização por perdas salariais, pelo período de 368 (trezentos e sessenta e oito) dias, calculada com base na remuneração auferida na data do acidente, quantia à qual será deduzida de 35%, correspondente à percentagem da responsabilidade do autor na produção do acidente de viação, a que acrescem os juros de mora à taxa legal de 4%, devidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;

b) A quantia de € 81 043,11 (oitenta e um mil e quarenta e três euros, e onze cêntimos), da qual € 41 042,11 (quarenta e um mil e quarenta e dois euros, e onze cêntimos), são a título de dano biológico, e € 40 000,00 (quarenta mil euros), como compensação pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, incidentes sobre a quantia de € 41 042,11 (quarenta e um mil e quarenta e dois euros, e onze cêntimos), devidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, e sobre a quantia de € 40 00,00 (quarenta mil euros), devidos desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento, mantendo-se, no mais, o decidido pelo tribunal a quo.”

Condenada a pagar ao 2.º A:

a) A quantia de € 3.937,05 (três mil, novecentos e trinta e sete euros, e cinco cêntimos), a título de indemnização pela perda do veículo e de privação de uso, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.”

Ainda inconformado, interpõe agora o 1.º A. o presente recurso de revista, visando a revogação do Acórdão da Relação e “condenação da R. no pagamento ao A. das quantias infra discriminadas, acrescidas de juros de mora vencidos desde 30.3.2014:

        Pela perda de rendimento do trabalho, a quantia de 12.833,00 €;

        Pelos gastos em exames, cirurgia, medicação e consultas, a quantia de 4.151,36 €;

        Pelo dano patrimonial futuro, a quantia de 400.518,21 €, calculada nos termos do art.º 73º das conclusões ou, assim se não entendo, sucessivamente, as quantias calculadas nos termos dos arts. 74º a 76º das conclusões;

        Indemnização a título de dano biológico na vertente não relacionada com a capacidade de ganho no valor 20.000,00 €

        Compensação por danos não patrimoniais no valor € 70.000,00 €.”

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“(..)

DA REMESSA DAS PARTES PARA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
1) É unânime a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido da inexistência de qualquer enriquecimento sem causa quando, por exemplo, é reconhecido o direito à indemnização por perda de capacidade de ganho a vítimas menores, estudantes, aposentadas ou desempregadas. Neste sentido, a título exemplificativo, o Ac. STJ de 25.11.2009 (Proc. 397/03.0GEBNV.S1 – Raúl Borges, em www.dgsi.pt).
2) No que respeita ao valor da retribuição a considerar em tais casos, para determinação do dano correspondente à perda de capacidade de ganho, parte da jurisprudência opta pelo critério do salário mínimo nacional e outra pelo chamado salário médio previsível” ou “salário médio acessível”.
3) É este o critério preconizado pelo A. e que foi seguido nos seguintes acórdãos:
Acórdão de 27-02-2003, Revista n.º 80/03 - 2.ª Secção, Acórdão de 03-06-2003, Revista n.º 1270/03 - 1ª Secção, Acórdão de 23-09-2003, Revista n.º 2259/03 - 2.ª Secção, Acórdãode14-12-2004, Revistan.º 3810/04 -1.ªSecção, Acórdão de02-10-2007,revista n.º 2657/07 - 1ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 68, Acórdão de 07-02-2008, revista n.º 4598/07-1ª Secção, Acórdão de 16-10-2008, revista n.º 2362/08 - 1ª Secção, Acórdão de 13-01-2009, revista n.º 3747/08 -1ª Secção, Acórdão de 05-07-2001, revista n.º 1523/01-7.ª Secção, STJSAC, Edição anual 2001, pág. 245, Acórdão de 06-11-2001, revista n.º 2592/01-1.ª Secção, STJSAC, Edição anual 2001, pág. 328, Acórdão de 12-12-2002, revista n.º 3627/02 – 6.ª Secção, STJSAC, Edição anual 2002, pág. 373, Acórdão de 23-09-2004,  revista n.º 2209/04 2.ª Secção, Acórdão de 07-04-2005, revista n.º 280/05 - 6.ª Secção, Acórdão de 17-11-2005, revista n.º 3050/05 - 2ª Secção, Acórdão de 29-03-2007, revista n.º 110/07 - 7ª Secção, Acórdão de14-06-2007, revista n.º 947/07 -7ªSecção,Acórdãode18-10-2007,revistan.º 2734/07 - 1.ª Secção, Acórdão de 22-11-2007, revista n.º 3829/07 - 7ª Secção, Acórdão de 08-05-2008, revista n.º 3818/07 - 7ª Secção, Acórdão de 19-03-2009, revista n.º 56/09 - 7ª Secção, e Acórdão de 01-10-2009, processo n.º 1311/05.4TAFUN.S1 - 5ª Secção.
4) Ora, foi dado como provado que após voltar ao mercado de trabalho e antes de emigrar para o ... o A. auferiu vencimentos mensais de 3.000,00 €, tendo naquele país auferido em média 1.625,77 €/mês, entre Julho de 2015 e Novembro de 2015 (facto 2.1.31.),
5) Pelo que, considerando tal jurisprudência e a factualidade mencionada, é manifesto que o pedido formulado a título de perdas salariais no período de 368 dias de incapacidade total peca por defeito em relação ao salário médio auferido pelo A. imediatamente após reiniciar a atividade profissional.
6) Por tal motivo, dando por reproduzido o bem decidido neste segmento da sentença
de primeira instância, deverá a R. ser condenada no pagamento ao A. da quantia de 12.833,00 €, a título de perdas do rendimento do trabalho, pelo período de 368 dias.
VIOLAÇÃO DA PRESUNÇÃO LEGAL DECORRENTE DO DISPOSTO NO ART.º 623º DO CPC
7) Ambas as instâncias incorreram em violação do disposto no art.º 623º do CPC, ao considerarem como provado que o trânsito na faixa onde seguia o A. se encontrava imobilizado para ceder passagem a peões (facto 2.1.54 (parte final)) e que “antes desse embate o 1º autor contornou os peões que atravessavam a faixa de rodagem e prosseguiu a sua marcha, ultrapassando pela esquerda os veículos que estavam imobilizados na faixa por onde seguia” (2.1.56).
8) Tais factos contrariam a matéria dada como provada no supra mencionado processo crime, mais concretamente, os factos 4 a 8 e 13 a 18, todos no sentido de que o acidente se deu exclusivamente pelo facto de o condutor segurado pela R. ter mudado de direção inopinadamente, invadindo a faixa de rodagem do motociclo conduzido pelo A., cortando-lhe o sentido de marcha e qualquer escapatória possível.
9) Para além da própria Lei impor ao tribunal recorrido um juízo de confiança no decidido pelo decisor penal, era a própria prudência e bom senso que impunham tal confiança, face à acrescida distância temporal em relação à data dos factos, ao facto de o arguido ali beneficiar de presunção de inocência não tendo recorrido da sentença, conformando-se, pois, com a mesma, e à muito mais extensa e rigorosa prova ali produzida, nomeadamente com mais prova testemunhal sobre os factos ora em crise e confirmada com inspeção ao local.
10) Ora, sem qualquer motivo aparente, para além da convicção do decisor cível sobre os mesmos meios de prova, foi alterada substancialmente a decisão sobre a matéria de facto, levando à conclusão de que o A., afinal, concorreu para a produção do acidente, e isto com base, APENAS, no depoimento que o decisor penal considerou não ser credível.
11)O próprio art.º 350º, nº 2, do CC, admitindo a produção de prova em contrário relativamente ao facto sobre o qual opera a presunção legal, não pode ser interpretado no sentido de que tal prova em contrário possa ser a mesma que aquela que conduziu, precisamente, à consolidação da presunção legal.
12)Mas ainda que assim se não entenda certo é que em tal hipótese terá de impender um dever acrescido de justificação e indagação sobre o juiz que considera a presunção ilidida com base na mesma prova que fez operar tal presunção por decisão anterior de outro juiz.
13)Aliás, o tribunal de primeira instância e o tribunal recorrido consideraram tal prova credível e suficiente para ilidir a presunção legal decorrente do art.º 623º do CPC, apesar de resultar da motivação da sentença penal (junta aos autos como documento n.º 1 com a p.i.) que “no que concerne ao depoimento de CC, prestou um depoimento que até não foi consentâneo com o seu próprio depoimento prestado em sede de inquérito”.
14)Pelo que é manifesto que resultava dos autos que a testemunha CC, tendo apresentado, sobre os mesmos factos, mais do que uma versão, não era credível.
15) Ora, o tribunal recorrido não estava apenas vinculado à presunção legal decorrente do art.º 623º do CPC, mas, à semelhança do juiz penal, ao próprio princípio da descoberta da verdade material (art.º 411º do CPC). Ou seja, existia um duplo dever de confirmar a credibilidade daquele depoimento.
16)E, como se tal não bastasse, o próprio tribunal de primeira instância nos diz, relativamente a esta testemunha, que “não foi convincente quanto à simultaneidade do seu olhar em direção ao veículo BX para se ter apercebido que se imobilizara antes de iniciar a manobra de direção, tanto mais que à frente do jipe conduzido pela testemunha se encontravam outros dois veículos, razões pelas quais não se aceitou este segmento do seu depoimento, tanto mais que não foi confirmado por qualquer outro elemento probatório. Ademais há que salientar que a testemunha não só tinha, conforme referido, dois veículos à sua frente, entre si e a passadeira, que, apesar do veículo por si conduzido ser mais alto ainda assim nas circunstâncias concretas de dois veículos à sua frente -, seguramente que a sua visibilidade estava prejudicada, para além de que o veículo BX estava do lado oposto, para lá da passadeira, posicionamento que sempre lhe afetaria o campo de visão à sua frente, a que acresce a diminuição da luminosidade à hora em que o embate se deu.”
17)À luz do disposto no art.º 674º, nº 3, do CPC, cabe nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, aferir se existiu erro na fixação daqueles factos materiais (2.1.54 (parte final) e 2.1.56), considerando que a apreciação da prova produzida sobre tal matéria estava vinculada ao disposto no art.º 623º do CPC.
18)Relativamente ao depoimento da testemunha ocular DD, resulta da motivação da decisão sobre a matéria de facto, que o mesmo “depôs acerca da dinâmica do acidente, tendo como ponto de observação a varanda da sua residência onde se encontrava no momento do sinistro, da qual avistou o BX a aproximar-se das bombas de abastecimento da ... e a virar para a esquerda ao mesmo tempo que se apercebeu da aproximação do motociclo a tentar travar e a atirar-se para o chão acabando por embater já no limite da berma com o espaço pertencente ao posto de abastecimento” (págs. 15).
19)A págs. 16, diz-nos a sentença de primeira instância que esta testemunha era credível, sem relação com qualquer das partes, tendo prestado depoimento com objetividade.
Ora,
20)A instâncias do signatário, questionada sobre se circulava algum carro à frente do motociclo antes do embate, a testemunha respondeu: “Não, não vinha nenhum carro à frente do motociclista” (23:00 minutos da gravação constante do ficheiro ...).
21)E, questionada, também pelo signatário, sobre se antes do acidente o A. se desviou de algum peão, a testemunha respondeu: “Não, não” (23:50 minutos da gravação constante do ficheiro ...).
22)Finalmente, questionada pelo signatário sobre se no momento do acidente algum peão atravessava a passadeira, a mesma testemunha respondeu: Não. (24:05 minutos da gravação do ficheiro ...).
23)Pelo que, contrariamente ao resumo deste depoimento constante do acórdão recorrido, esta testemunha em momento algum afirmou que não se lembrava de ver um peão na passadeira: o que esta testemunha afirmou foi que não se encontrava qualquer peão na passadeira nem existiam veículos à frente do motociclo.
24)Acresce que a testemunha EE, à semelhança do que afirmou no inquérito criminal e no julgamento penal, referiu, sem margem para dúvidas, que assistiu ao acidente, que não existiam outros veículos na faixa de rodagem em que circulava o motociclo e à frente deste, que não se encontrava ninguém a atravessar a via na passadeira e, finalmente, que foi o condutor do ligeiro de passageiros a invadir a faixa contrária de repente, cortando a escapatório ao A. (Minuto 24:00 a 27:05 da gravação constante do ficheiro ...).
25)Quanto à credibilidade deste depoimento, importa ainda referir que em 11.4.2019, por requerimento com a ref.ª ..., foi junto pelo A. o auto de inspeção ao local realizada em 16.10.2015 nos autos nº 3449/12..., do J... da Secção ..., do qual consta (em referência às testemunhas DD e EE) que: “do ... referido pelas testemunhas, o mesmo permite ver, de alguns ângulos, a entrada do posto de abastecimento” (junção que foi admitida).
26)E bem assim, no seu depoimento, a testemunha DD confirmou que a EE se encontrava ao seu lado, na janela da cozinha, quando ocorreu o acidente (aos 47:00 minutos da   gravação constante do ficheiro ...).
27)Por seu lado, a testemunha “chave”, Dr. CC, afirmou nestes autos, em 2019 (Minuto 24:50 a 25:27 do Ficheiro...):
“Vejo a moto numa inclinação, a virar para a bomba. Neste momento, a moto, quando faz a inclinação, entra em queda. Há um momento em que eu a perco de visão. Porque com a inclinação e a reta o carro da frente tapou. Eu tinha a visão mais ampla enquanto a moto ia em pé. Conforme a moto faz a inclinação e digamos se dirige para a bomba eu há um momento em que o carro da frente me tapa. Pronto. E nisso, ouço depois o embate já no carro.”
28)Sucede que, como resulta do relatório técnico de acidente de viação elaborado pela PSP nos referidos de autos de processo crime, e junto aos documento n.º 4 com a p.i., esta testemunha afirmou em sede de inquérito: “VIU o motociclista todo atrapalhado a tentar desviar-se do peão que atravessava a passadeira, a ir ao chão com a mota, embatendo no ligeiro que já estava a entrar nas bombas de combustível (…) sobre qual a parte do veículo ligeiro de passageiros que sofreu PRIMEIRO o embate, respondeu que foi a parte lateral direita e, DE SEGUIDA, a roda da frente do lado direito” (cfr. págs. 12 do dito documento n.º 4 com a p.i.).
29)É, pois, inequívoco que, em 2013, esta testemunha referiu ter visto TODO o acidente, inclusivamente o momento do próprio embate, pois não só disse que viu, mas ainda referiu quais as partes do ligeiro embatidas pelo motociclo e por que ordem (quem ouve não pode saber a ordem… a menos que tenha um qualquer dom sobrenatural).
30)Para cúmulo, no julgamento realizado nos presentes autos, esta testemunha afirmou ao minuto 30:40 do Ficheiro...: “O senhor estava consciente. Queria levantar-se para tirar o capacete. As pessoas é que o sustiveram para que ele não tirasse o capacete. Até falava e tudo e queria levantar-se e tirar o capacete. Porque até estava, até falava e tudo. Queria levantar-se e tirar o capacete.”
31)Ora, resulta dos elementos clínicos e relatórios periciais que o A. sofreu graves lesões crânio encefálicas e toráxicas, entre outras, por força das quais sofreu paragem cardio-respiratória e teve de ser reanimado (cfr. factos provados ns. 2.1.9 a 2.1.13 da sentença recorrida), e bem assim, nos autos de processo crime, foi dado como provado que o A. ficou inanimado, sangrando da cabeça e de diversas partes do corpo, até ser transportado por uma ambulância (facto 9 da sentença penal).
32)O que torna impossível a afirmação produzida pelo Dr. CC no sentido de que o A. dizia coisas, se levantou e queria tirar o capacete…
33)E, do depoimento desta testemunha, extrai-se que a mesma afirmou que o A. não circulava a velocidade excessiva (Minuto 49:30 do Ficheiro...);
34)Ora, como resulta do documento n.º 3 com a petição inicial (mais concretamente a fls. 5 da participação de acidente) esta testemunha assinou, em 22.9.2012, a seguinte declaração: “Sou testemunha do acidente em causa. A moto desde o ... que vinha a fazer cavalinhos, a ultrapassar fora de mão e em velocidades elevadas, na rotunda anterior não bateu em dois carros por pouco e não atropelou duas pessoas na passadeira por pouco. O embate da moto deu-se já dentro do posto de abastecimento da ..., na sua entrada e já fora da faixa de rodagem pois o condutor da moto vinha a serpentear e fez vários desvios, inclusiva para não colher pessoas na passadeira, tendo até o descanso da moto a roçar pelo chão após algumas manobras mais arriscadas”.
35)Finalmente, quando questionada, pelo Tribunal, sobre onde se encontrava o peão de que o A. se teria desviado, a testemunha respondeu (Minuto 18:00 do Ficheiro...):
Testemunha: A senhora parou mal entrou na passadeira. A senhora que ia a atravessar parou no barulho da aproximação da moto.
Tribunal: Parou em que ponto?
Testemunha: Praticamente no início, tinha dado uns dois 3 passos na passadeira. Tribunal: Desculpe?
Testemunha: Tinha dado uns dois, três passos na passadeira. Ainda estava, digamos, à frente do carro que vinha em sentido contrário.
36)A afirmação de que o A. se desviou do peão é uma conclusão daquela testemunha.
37)O que é certo é que a intenção do A. não é sindicável e os factos, na própria versão desta testemunha, contrariam aquela conclusão: o A. não circulava a velocidade excessiva, o peão iniciara a travessia da faixa contrária e, como sabemos, foi nesse momento que o veículo segurado pela R. se atravessou à frente do A. (facto 2.1.54 (primeira parte)).
38)Como se constata facilmente, este depoimento não é credível, por estar eivado de contradições e inverosimilhanças gritantes.
39)Pelo que o mesmo era manifestamente insuficiente para ilidir a presunção legal resultante do disposto no art.º 623º, do CPC, e, por maioria de razão, mais insuficiente era em confronto com o depoimento da testemunha DD (corroborado pelo da testemunha EE), considerado credível e objetivo pela própria sentença de primeira instância, e do qual resulta uma versão totalmente contrária dos factos, coincidente com a dinâmica do acidente alegada pelo A.: não circulava qualquer veículo à frente do A. e não se encontravam quaisquer peões na passadeira.
DA INEXISTÊNCIA DE CULPA DO LESADO
40)De quanto antecede, a primeira consequência que se retira, obviamente, é a de que não se pode dar como provado qualquer facto no sentido de que tenha ocorrido culpa do lesado, a qual, aliás, como vimos supra, foi expressamente excluída pela sentença penal transitada em julgado.
41)De onde se concluirá, forçosamente, que a R. deverá ser condenada na totalidade dos pedidos formulados e não apenas em 65% dos mesmos.
42)Mas ainda que assim não fosse, certo é que os factos dados como provados no processo crime relativamente aos quais não foi feita qualquer contraprova nem muito menos ilidida a presunção legal resultante do caso julgado penal condenatório são oponíveis à R..
43)E, como se deu como provado no processo penal, o A. circulava na sua faixa de rodagem quando viu o seu sentido de marcha cortado repentinamente pela manobra do ligeiro de passageiros segurado pela R. (é isto que consta dos factos ns. 1 e 14 da decisão sobre a matéria de facto na sentença proferida no processo penal).
44)Acresce que, abstraindo do que disseram as testemunhas EE e DD (no sentido da inexistência de peões) foi a própria testemunha CC a afirmar que o A. não circulava a velocidade excessiva e que os peões se encontravam a meio da travessia da faixa de rodagem contrária àquela em que circulava o A.
45)Ora, perante o que antecede, é manifesto que o acidente ocorreu exclusivamente porque o ligeiro de passageiros se atravessou à frente do motociclo cortando-lhe qualquer escapatória.
46)Pelo que deverá ser alterado o sentido da decisão das instâncias, determinando-se que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo ligeiro de passageiros segurado pela R..
47)Ainda que, por hipótese que não se admite, se mantenha como provada a matéria constante dos pontos 2.1.54 e 2.1.56, certo é que, sempre a culpa do lesado seria residual, ou não superior a 5%, pois, como vimos, o A. circulava na sua faixa de rodagem, a velocidade que não era excessiva, encontrando-se os peões no início da travessia da via, na faixa contrária, e que “ao aproximar-se da área de serviço da “...” o condutor do BX executou a mudança de direção à esquerda, sem confirmar todo o trânsito do sentido oposto” (facto 2.1.54 (primeira parte)).
DA PERDA DE CAPACIDADE DE GANHO
48)O acórdão recorrido operou uma redução substancial e inusitada do valor indemnizatório fixado em primeira instância a título de dano patrimonial na vertente de perda de capacidade de ganho, de 310.493,33 € para 63.143,24€ (antes até de operada a redução de 35% por culpa do lesado), sem fornecer quaisquer regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida que à luz do caso concreto permitam concluir que o valor base de cálculo a título de remuneração mensal, de 699,55 €, é equitativo.
49)Não obstante ter admitido que há perda de rendimento e uma remuneração que não irá ser obtida no futuro fruto das lesões sofridas, não atendeu à concreta remuneração demonstrada pelo A. para calcular o dano.
50)Evidentemente, tal entendimento viola o princípio, ínsito no art.º 59º, n.º 1, al. a), da CRP: para trabalho igual, salário igual. E bem assim, ao negar a reparação da diminuição da força de trabalho do A., tal entendimento é também violador do disposto na al. f) do mesmo preceito.
51)Como é lógico, se para obter um determinado nível de rendimento o A. tem que se esforçar ou trabalhar mais do que teria se não tivesse sofrido qualquer lesão, tal significa que o valor da sua mão de obra se depreciou.
52)No caso concreto, o A. foi demonstrando, no uso do direito previsto no art.º 569º do CC, a evolução do seu nível de rendimento, no decurso da ação, à medida que foi recuperando as suas capacidades, e não obstante os esforços acrescidos resultantes das lesões sofridas.
53)Ora, à luz da teoria da diferença, consagrada no art.º 566º, n.º 2, do CC, a medida da depreciação da sua capacidade de ganho teria de ser encontrada, evidentemente, com recurso ao nível de rendimento demonstrado.
54)Ao utilizar o valor de 699,55 €, a título de rendimento mensal, como base de cálculo apriorística sem qualquer conexão com os factos do caso concreto, com desconsideração pelos factos assentes, o acórdão recorrido viola aquele preceito, produzindo um resultado que prejudica o A. e favorece a R., de forma injusta.
55)Na esteira do Ac. STJ de 4.12.2007 (Mário Cruz, emwww.dgsi.pt), em contrário da adoção de critérios abstratos e apriorísticos como o que é seguido no acórdão recorrido, dir-se-á que “tais fórmulas ou tabelas não contemplam a tendência de melhoria do nível de vida, a ascensão da produtividade, o aumento progressivo dos salários, as despesas que por via das incapacidades geradas o lesado vai ter que efetuar e não efetuaria se não fosse a lesão, não conta com a inflação nem com o aumento da longevidade, e parte do pressuposto que a situação profissional do lesado se manteria definitivamente estática, sem progressões na carreira, e não contempla também os danos que se projetam para além da idade de reforma, designadamente aqueles em que o lesado ainda poderia continuar a trabalhar se assim o desejasse.”
56)Deverá, pois, ter-se por base o rendimento demonstrado pelo lesado, na linha da jurisprudência mais prudente e conforme ao direito aplicável, em nome da segurança e certeza jurídicas, da unidade do ordenamento jurídico e uniformidade das decisões dos tribunais: Ac. STJ de 10.12.2019 (Maria do Rosário Morgado), Ac. STJ de 29.10.2019 (Ricardo Costa), Ac. do STJ de 19/6/2019 (Oliveira Abreu), Ac. STJ de 21.3.2019 (Nuno Pinto Oliveira), Ac. STJ STJ 21.3.2013 (Salazar Casanova), Ac. STJ de 4.12.2007 (Mário Cruz), todos em www.dgsi.pt.
57)Por outro lado, a R. não se insurgiu contra o entendimento perfilhado na sentença de primeira instância, segundo o qual haveria que reduzir o valor da indemnização em 20% para evitar um enriquecimento sem causa do lesado (por recebimento antecipado).
58)Pelo que ao proceder a uma redução de 33%, a tal título, o acórdão recorrido padece do vício previsto no art.º 615º, n.º 1, al. e), do CPC, sendo.
59)De qualquer modo, a redução, por enriquecimento sem causa, do valor indemnizatório a título de perda de capacidade de ganho, para além de não ter qualquer suporte legal, não tem, na atualidade, qualquer sustentação factual: o País encontra-se em crise desde 2011, com congelamento de salários e carreiras, a par de um custo de vida que aumenta exponencialmente ano após ano (veja-se, nomeadamente, o efeito do programa de “vistos gold” e dos benefícios fiscais a estrangeiros no dramático aumento do preço da habitação), atravessando uma recessão sem precedentes, e com as rendibilidades de aplicações financeiras seguras praticamente nulas.
60)Neste sentido, o Ac. STJ de 19.4.2018, revista n.º 196/11.6TCGMR.G2.S1 (António Piçarra), em www.dgsi.pt, e mais recentemente, o Ac. revista n.º 2098/18.8T8PNF.P1.S1 (Fátima Gomes), em www.dgsi.pt:
“Conforme orientação deste STJ, nomeadamente no acórdão referido, é de afirmar ainda que a esta quantia não há que fazer qualquer dedução (a fim de, alegadamente, se evitar um enriquecimento injustificado resultante do recebimento antecipado de valores que o autor apenas receberia ao longo da vida), uma vez que se trata de indemnização fixada segundo a equidade (n.º 3 do art. 566.º do CC) e não de indemnização calculada de acordo com a fórmula da diferença (n.º 2 do art. 566.º do CC).”
61)Tal entendimento era já sufragado pelo acórdão do STJ, da 3ª Secção Criminal, de 9.9.2015, Proc. 146/08.7PTCSC.L1.S1 (Sousa Fonte) e pelo acórdão do STJ, de 6.6.2013 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza – Proc. 303/09.9TBVPA.P1.S1): “as circunstâncias concretas do caso aconselham a que se não proceda a uma redução do montante da indemnização por danos patrimoniais futuros, decorrentes da acentuada perda de capacidade de ganho, como compensação pelo seu recebimento antecipado e de uma só vez. A condenação segundo a equidade está limitada pela prova produzida.”
62)No caso concreto, a própria sentença de primeira instância admitiu que os depósitos a prazo não acarretam qualquer rendimento, e o acórdão recorrido não nos fornece a mais ínfima pista para justificar de que forma o A. poderia rentabilizar o valor recebido, e muito menos rentabilizá-lo em 33%.
63)Ora, o juízo de equidade tem de obedecer a um raciocínio lógico, sindicável, e adequado às características do caso concreto, sob pena de se cair numa espécie de lógica de casino, em que o lesado fica à mercê do “humor” do juiz, o que é totalmente contrário ao princípio da certeza e segurança jurídicas que exigem que a casos semelhantes se apliquem critérios idênticos, aliás em nome da unidade do ordenamento jurídico.
64)Se considerarmos que uma rendibilidade líquida de 1,5%/ano é, nos dias de hoje, um excelente retorno, teríamos que aquilo que o acórdão recorrido entende como abusivo por antecipado (33%), demoraria, afinal, não menos do que 22 anos a ser obtido.
65)E o tribunal recorrido não considerou, nesta ponderação, a maior dificuldade na obtenção de rendimentos e a perda de qualidade de vida que, manifestamente, sempre anulariam qualquer benefício pelo recebimento antecipado.
66)Assim como não considerou que já lá vão 9 anos sem que ao A. tenha sido feita justiça, na forma da atribuição da indemnização a que tem direito.
67)Na ponderação do “corte” pelo “benefício antecipado” não é vislumbrado, também, o grotesco resultado em que se traduz o reverso da medalha: não se cogita que os 33% que se retiram ao A. podem por sua vez ser utilizados pela R. em rentabilização de um capital que, nos termos do art.º 566º do CC, nem sequer lhe deveria pertencer.
68)Conclui-se, pois, que apenas poderia ser comprimido o direito do A. à justa compensação pelos danos patrimoniais efetivamente sofridos caso se demonstrasse, EM CONCRETO, que o recebimento de tal quantia poderia acarretar enriquecimento sem causa. Ora, a R. nada alegou nesse sentido.
69)Posto o que é manifestamente ilícita a redução do capital indemnizatório, seja em que proporção for, por violação do disposto no art.º 566º, n. 2 e 3, do CC.
70)Caso, por hipótese, assim se não entenda, sempre deverá a parcela correspondente ao hipotético enriquecimento sem causa ser paga ao A. sob a forma de renda mensal, à luz do disposto no art.º 567º, n.º 1, do CC, por um prazo de 5 anos, que se estima suficiente para diluir ou afastar tal mirífico enriquecimento sem causa pelo recebimento antecipado.
71)Pelo que, em face de tudo o que antecede, deverá a R. ser condenada no pagamento de indemnização pela perda de capacidade de ganho calculada com base no rendimento demonstrado pelo A., o défice funcional permanente (19 %) e a esperança de vida à data do acidente.
72)É hoje unânime na jurisprudência dos tribunais superiores que se deverá atender, em tal cálculo, à esperança média de vida, a qual, para a população masculina, se situa nos 78 anos. Pelo que tendo o A. 26 anos à data do acidente, tal esperança de vida é de 52 anos.
73)Pelo que deverá a R. ser condenada no pagamento de indemnização, a título de perda de capacidade de ganho no valor de 400.518,21 € (52 x 3.378,19 € x 12 x 19%).
74)Ainda que assim se não entendesse, sempre deveria ser considerado o valor mensal de 3.000,00 €, que o A. demonstrou auferir em Portugal, antes de viajar para o ..., e que se mostra dado como assente (ponto 2.1.31 da matéria assente, correspondente ao 20º tema de prova). Por aplicação dos mesmos critérios, sempre teríamos um valor indemnizatório de 355.680,00 €.
75)Uma vez mais assim se não entendendo, haveria que se lançar mão do valor mensal de 2.795,71 €, correspondente à média dos rendimentos auferidos entre Maio e Novembro de 2017 (facto 2.1.31.A). E, por aplicação de tal critério e dos restantes já enunciados, chegaríamos a um valor indemnizatório de 331.459,37 €.
76)Finalmente, ainda que, uma vez mais, assim se não entendesse, deveria ter-se como base de cálculo o valor mensal de 2.474,77 € (seguido pela primeira instância), dado como provado no facto 2.1.31. Segundo os supra mencionados critérios, o resultado seria um dano patrimonial a título de perda de capacidade de ganho no valor de 293.408,73 €.
DO DANO BIOLÓGICO NA VERTENTE NÃO RELACIONADA COM A PERDA DE CAPACIDADE DE GANHO
77)Os factos dados como provados 2.1.22 a 2.1.28, 2.1.36, 2.1.47 e 2.1.48, permitem concluir que o A. sofre limitações no dia a dia nas tarefas de natureza extra-profissional e nas atividades de lazer, tendo sofrido “repercussão permanente das lesões nas actividades desportivas e de lazer de grau 4 (quatro) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente” (facto 2.1.48).
78)Tais limitações que acompanharão o A. ao longo de toda a sua vida, traduzem-se num dano patrimonial autónomo, o qual se afigura equitativo fixar em 20.000,00 €, atendendo à natureza das lesões dadas como provadas, à idade do A., e à luz dos valores arbitrados pelos Acs. do STJ de 20.1.2011, 20.5.2010, 11.11.2010 e o citado acórdão de 9.9.2015, que estabeleceram, a tal título, valores de 40.000,00 €, 30.000,00 €, 5.000,00 € e 60.000,00 €, para IPPs de 40%, 30%, 5% e 90%, e esperanças de vida de 32, 20, 41 e 22 anos, respetivamente.
79)Pelo que deverá a R. ser condenada, a tal título, no pagamento ao A. de uma indemnização não inferior a 20.000,00 €.
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
80)Finalmente, sem qualquer justificação discernível, foi reduzido de 70.000,00 € para 40.000,00 € o valor da indemnização a título de danos morais.
81)Em primeiro lugar, relembram-se os seguintes acórdãos, apenas no que toca à quantificação do medo de morrer: Ac. STJ de 12-03-2009, Processo n.º 611/09-3.ª (20.000,00 €); Ac. STJ de 14-05-2009, Revista n.º 1240/07TBVCT-6.ª (15.000,00 €); Ac. STJ de 21-05-2009, Revista n.º 114/04.8TBSVV.C1.S1-1.ª (15.000,00 €); Ac. STJ de 14-10-2009, Processo n.º 3452/08 -5.ª (20.000,00 €); Ac. STJ de 27-09-2011, Revista n.º 425/04.2TBCTB.C1.S1-6.ª (20.000,00 €) e Ac. STJ de 19-04-2012, Revista n.º 569/10.1TBVNG.P1.S1-2.ª (35.000,00 €).
82)Por outro lado, a intensidade dos danos não patrimoniais que se inferem dos factos dados como provados (e elencados no acórdão) é elevadíssima.
83) E, em casos mais recentes, foram arbitrados os seguintes valores indemnizatórios respeitantes a danos morais de gravidade semelhante à dos que constam dos factos provados supra transcritos: 140.000,00 €, pelo Ac. STJ de 5.7.2017 (Grabriel Catarino), 80.000,00 pelo Ac. 8.6.2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), 50.000,00 pelo Ac. STJ de 25.5.2017 (Lopes do Rego), e 45.000,00 €, pelo Ac. 26.1.2006 (Fonseca Ramos), todos em www.dgsi.pt.
84)Pelo que considerada esta jurisprudência, referente à quantificação dos danos relativos ao medo de morrer, quantum doloris, prejuízo de afirmação pessoal, dano estético e perda de alegria de viver, temos que o valor global de 70.000,00 €, fixado pela primeira instância, é equitativo (motivo pelo qual, aliás, o A. se conformou com tal montante).
85)Deve em conformidade ser revogado o acórdão recorrido e a R. condenada no pagamento ao A. da quantia de 70.000,00 €, a título de danos morais, conforme decidido, e bem, pela primeira instância.
CÁLCULO DOS JUROS DE MORA
86)Por último, e como resultava do art.º 144º da p.i., importa ter presente que a ré foi notificada, em 30.3.2014, no âmbito dos citados autos nº 3449/12..., para contestar idêntico pedido cível idêntico ao ora formulado (as partes acabaram por ser remetidas para os meios comuns já na fase de julgamento), como resulta da certidão judicial, junta aos autos com o requerimento com a ref.ª ..., de 11.1.2017.
87)Pelo que, nos termos do disposto no art.º 805º, nº 3, do CC, e no que respeita aos danos patrimoniais, o valor dos juros vencidos remonta a 30.3.2014 e não à data da citação para a presente ação. (…)”

A R. seguradora respondeu, sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente, as referidas pelo recorrente, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

Terminou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões.

(…)

1) Não tem razão o Autor na censura que imputa ao Acórdão proferido nos presentes autos, que manteve a decisão de remeter para liquidação o valor relativo às perdas salariais.

2) O recurso da Recorrente subdivide-se em vários capítulos, mas o objectivo do recurso é ver a matéria de facto ser alterada no que respeita à repartição de responsalidades no acidente e em relação aos valores indemnizatórios atribuídos pelo tribunal, sendo evidente a necessária improcedência do mesmo a estes dois níveis.

3) Não assiste razão ao Recorrente quando entende que o Tribunal se devia guiar pelo valor do rendimento médio após reiniciar a atividade até porque não é essa a regra que vigora no nosso regime jurídico.

4) E o Autor também não tem razão quando faz apelo ao caso julgado da decisão do processo-crime, uma vez que as normas do artigo 623.º do CPC tratam da eficácia probatória da fundamentação da sentença penal e não da força do caso julgado.

5) O Autor contribuiu efetivamente para a produção do acidente, pelo que a culpa do lesado deve manter-se.

6) Resulta da fundamentação do Acórdão que os argumentos apresentados pelo Recorrente, quanto à perda de capacidade de ganho que de resto são repetidos e já foram apreciados e afastados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, devem improceder.

7) Ora os argumentos apresentados pelo Recorrente, com respeito aos danos não patrimoniais em nada justificam a alteração desta fundamentação, pelo que o pedido deve improceder.

8) O Autor ainda vem alegar que os juros deveriam contar desde a notificação no âmbito do processo-crime ao invés da citação da presente ação em completo arrepio das normas legais. (…)”

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação de Facto

II – A – Nas Instâncias foram dados como provados os seguintes Factos:

A) No dia 22 de setembro de 2012, pelas 20.00 horas, o 1.º autor conduzia o motociclo de marca ..., modelo ... com a matrícula XX-FI-XX, na Rua ..., em ..., ..., no sentido .../... (al.A).

B) O piso estava seco, o tempo bom e as condições de visibilidade eram boas, havendo ainda luz do dia (al.B).

C) A estrada naquela zona apresenta-se como uma reta com dois sentidos de tráfego, estando o pavimento em bom estado (al.C).

D) No sentido contrário ao do motociclo – .../... – circulava o veículo automóvel, de marca ..., modelo ..., com a matrícula XX-BX-XX, conduzido por FF (al.D).

E) Ao aproximar-se do posto de abastecimento de combustível da “...” adjacente à Rua ..., do lado inverso à sua faixa de rodagem, o veículo XX-BX-XX virou para a esquerda e atravessou com a sua viatura a faixa de rodagem contrária para aceder à referida estação de serviço (al.E).

F) Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, deu-se o embate entre o motociclo conduzido pelo 1º autor e o veículo BX (al.F).

G) Em razão desse sinistro, correu termos na secção ..., Tribunal da Comarca de ..., um procedimento criminal com o nº 3449/12... que culminou com a sentença transitada em julgado em 10 de Dezembro de 2015, certificada de fls. 20 a 28 e que aqui se dá por reproduzida, que condenou o condutor do veículo automóvel BX como autor de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelo artº 148º, nº 1 do Código Penal na pena de 90 dias de multa à razão diária de 5 euros (al.G).

H) Na fundamentação de facto dessa sentença foram dados como provados os factos enunciados nas alíneas A) a E) supra e, além de outros, os seguintes:

“(…) 5. O arguido efetuou esta manobra sem parar o automóvel, mudando de direção para a esquerda e atravessando a faixa de rodagem do lado esquerdo da via, sem verificar previamente se vinha algum veículo em sentido contrário ao seu, sem se certificar que não se atravessava à frente doutro veículo que seguisse na faixa de rodagem do lado esquerdo da via.

6. Nesse instante, vinha na respetiva faixa de rodagem naquela rua, no sentido ...-o este, o ofendido conduzindo o referido motociclo.

7. Vendo o automóvel conduzido pelo arguido à sua frente, no exato momento em que passava junto às bombas da ..., o ofendido não conseguiu travar a tempo nem desviar o motociclo para evitar a colisão com o carro do arguido que virava à esquerda atravessando a sua faixa de rodagem.

8. Em consequência dessa manobra do arguido que virou repentinamente à esquerda sem olhar e sem verificar se vinha algum veículo no sentido contrário, e se a travessou à frente do motociclo conduzido pelo ofendido, este motociclo embateu com a roda dianteira na parte lateral direita do automóvel conduzido pelo arguido, e caiu projetado no chão, sofrendo diversos danos na parte lateral esquerda e no depósito.

9. Em resultado do embate sofrido, o ofendido foi projetado para fora do motociclo, vindo a cair no chão violentamente, onde ficou inanimado, sangrando da cabeça e de diversas partes do corpo, até ser transportado por uma ambulância para o Hospital ... em ..., para ser assistido de urgência. (…)” (al.H).

I) Em consequência da queda provocada pelo acidente o 1º autor sofreu diversas fraturas, escoriações e lesões em várias partes do corpo, designadamente as seguintes:

1. Traumatismo crânio-encefálico com fratura esfenoidal e fatura do complexo orbito-zigométrico malar esquerdo;

2 Traumatismo torácico com fratura da clavícula direita;

3 Fratura do arco posterior direito da primeira costela;

4 Contusão pulmonar bilateral com lesão traumática da traqueia;

5. Seroma da coxa esquerda e seroma extenso da coxa direita (al.I).

J) A responsabilidade civil inerente à circulação do veículo automóvel de matrícula XX-BX-XX encontrava-se transferida para a ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...(al.J).

k) Em 15 de Novembro de 2012 a ré comunicou que não assumia a responsabilidade do seu segurado na produção do sinistro (al.K).

L) O 1º autor nasceu no dia XX/XX/1986 (al.L).

M) No local do acidente, o 1º autor sofreu paragem cardiorrespiratória e teve que ser reanimado pelo INEM que o sedou e ventilou no local por descida rápida da escala de Glasgow de 10 para 4 (1º).

N) O mesmo ficou internado na unidade de cuidados intensivos de 23 de setembro a 4 de outubro de 2012 com ventilação mecânica e em coma induzido devido a agitação motora e a um quadro de pneumonia nosocomial de trombocitopenia reativa (2º).

O) Em 4 de Outubro de 2012, foi transferido para a unidade de cuidados intermédio s onde permaneceu até 8 de outubro seguinte (3º).

P) Após, foi transferido para a enfermaria, de onde saiu com alta hospitalar em 9 de outubro de 2012 e referenciado à consulta de otorrino para estudo auditivo completo (4º).

Q) Em 10 de Outubro seguinte, teve que regressar à urgência por tumefação e prurido correspondente a presença de coleções aparentemente puras na coxa esquerda com indicação para drenagem eco guiada (5º).

R) Após, o mesmo passou a ser assistido no Hospital ..., onde foi submetido a cirurgia de osteossíntese da clavícula direita e drenagem de seroma na coxa direita, tendo ficado internado nesse hospital desde 12 a 13 de outubro de 2012 (7º).

S) Na sequência dessa intervenção, o autor iniciou reabilitação que se prolongou até 24.09.2013 (8º).

T) Dois meses após o sinistro, fez estudo auditivo completo, tendo sido dado como curado a nível auditivo (9º).

U) Em agosto de 2013, o mesmo regressou à sua atividade profissional com limitações do membro superior direito e membro inferior esquerdo, fixando-se nessa data a consolidação médico-legal das seguintes lesões causadas pelo acidente:

c) Dor no tornozelo e ombro direitos.

e) Ligeiro desvio do septo nasal à esquerda, com obstrução nasal ligeira lenoftalmia direita.

f) Cicatriz angular medindo 14x0,5 cm na região clavicular direita.

g) Cicatriz de abrasão nacarada, medindo 6 x 0,7 cm no terço superior da face lateral externa da coxa.

h) Dois seromas móveis com 4 cm3 cada na face posterior da coxa.

j) Cicatriz de abrasão nacarada no terço médio da face posterior da coxa, medindo 6/10cm (10º).

V) Atualmente o 1º autor continua a ter pesadelos com o acidente, dificuldades em dormir, em concentrar-se, apenas sendo capaz de escrever frases curtas e básicas (11º).

X) O mesmo revive o acidente, sendo também acometido de episódios de raiva e ansiedade quando algo o preocupa (12º).

Y) Essas manifestações são sintomas da síndrome pós-comocional que foi causada pelo sinistro (13º).

W) No início de 2014, com o aumento da carga de trabalho, o 1º autor começou a sentir dores de ciatalgia e lombalgia com irradiação sobre os músculos da perna e braço esquerdos tendo tentado debelar essas dores com fisioterapia e osteopatia, sem sucesso (14º).

Z) Esses sintomas são causados por hérnia discal (L4-L5) que é consequência provável do acidente (15º).

AA) A consolidação médico-legal das lesões causadas pelo acidente ocorreu em 24 de setembro de 2013, tendo o 1º autor sofrido um período de défice funcional temporário total de 22 dias, um período de défice funcional temporário parcial de 346 dias, e um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 368 dias (16º).

BB) Em consequências das lesões que lhe foram infligidas pelo sinistro o autor está afetado de um défice funcional permanente da sua integridade físico -psíquica de 19 pontos, por perturbação de stress pós - traumático com moderada repercussão na autonomia pessoal, social profissional, dores frequentes com limitação funcional da coluna lombar charneira lombo sagrada , parestesia associada às cicatrizes, perturbação unilateral da ventilação nasal por desvio do septo pós fratura da face ,tendo que desenvolver esforços suplementares para poder exercer a sua atividade profissional (17º).

CC) À data do sinistro o autor exercia, como exerce atualmente, a atividade profissional de “...” por conta própria (18°).

DD) O mesmo praticou as modalidades de ... e enduro. Tendo sido treinador de participantes do ‘’...).

EE) O mesmo reiniciou a sua atividade profissional, de modo gradual, em agosto de 2013, tendo auferido desde essa data até janeiro de 2014 um rendimento médio mensal de Euros 3.000 (três mil euros) (20º).

FF) Desde julho de 2015, o mesmo exerce essa atividade no ..., onde aufere um rendimento fixo de base equivalente a Euros 849,00 (oitocentos e quarenta e nove euros) e uma remuneração variável que entre julho e novembro de 2015 se cifrou, em média, na quantia de Euros 1.625,77 (21º).

GG) O autor auferiu no ..., no exercício da sua atividade profissional, as seguintes quantias:

No mês de maio de 2017, a quantia total de 2045 dinares baremitas, correspondentes a € 4409,88;

No mês de junho de 2017, a quantia total de 500 dinares baremitas, correspondentes a € 1078,00;

No mês de julho de 2017, a quantia total de 740 dinares baremitas, correspondentes a € 1595,74;

No mês de agosto de 2017, a quantia total de 1810 dinares baremitas, correspondentes a € 3903,10;

No mês de setembro de 2017, a quantia total de 14280 dinares baremitas, correspondentes a € 3062,10;

No mês de outubro de 2017, a quantia total de 1440 dinares baremitas, correspondentes a € 3105,22;

No mês de novembro de 2017, a quantia total de 1120 dinares baremitas, correspondentes a € 2415,17.

HH) O 1º autor aceitou o projeto no ... com a expectativa de um acréscimo gradual do número de sessões como “...” e de auferir uma remuneração não inferior a Euros 3.000,00 (três mil euros) (22º).

II) O mesmo teve despesas com tratamentos, internamentos, exames, consultas, cirurgias e medicamentos no valor de Euros 4.151,36 (quatro mil cento e cinquenta e um euros e trinta e seis cêntimos) (23º).

JJ) O mesmo necessitará no futuro de ser sujeito a cirurgia de remoção do material de osteossíntese da clavícula direita, sendo necessários dois dias de internamento correspondente a défice funcional temporário total e 15 dias de repercussão temporária na atividade profissional total, para além de carecer de medicação analgésica de acordo com prescrição médica e consultas das especialidades de Neurocirurgia e Psiquiatria (24º).

KK) O 1º autor vê-se obrigado a reduzir a intensidade de trabalho, pela necessidade de efetuar amiúde alongamentos e relaxamento muscular para aliviar as dores causadas pelas lesões do acidente, no que tange à dor lombar (25º).

LL) O 1º autor sente dores no braço direito, perna esquerda e coluna cervical (26º).

MM) Nos momentos imediatamente anteriores ao embate, o 1º autor sentiu pânico e medo de morrer, o qual se intensificou quando foi projetado e embateu no chão (27º).

NN) O medo de morrer manteve-se nos dias que se seguiram quando teve que ser submetido a coma induzido (28º).

OO) Nos primeiros dias de internamento, o 1º autor alternou estados de inconsciência com períodos de confusão e mesmo em coma induzido chorava e reagia a estímulos externos (29º).

PP) Por diversas vezes acordou sem saber onde estava, em pânico por se encontrar entubado, com respiração assistida e cateteres nas pernas e braços, sem conseguir falar por causa da entubação (30º).

QQ) Em tais situações, o mesmo tentava desintubar-se, engasgava-se no próprio sangue e perdia os sentidos, o que levou à mudança de sedação (31º).

RR) Durante o período em que esteve ventilado, era sujeito diariamente à remoção de secreções e à limpeza do tubo de ventilação, ficando em dor e pânico por ser incapaz de respirar (32º).

SS) Durante o internamento no Hospital ... perdeu aproximadamente 20kgs (33º).

TT) O 1º autor sofreu dores de grau 5 (cinco) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente (34º).

UU) Após o acidente, o 1º autor sofreu de episódios de perda de memória, alternados com acessos em que não distinguia a realidade dos sonhos e era incapaz de acompanhar uma conversa ou de se concentrar (35º).

VV) Entre 22/09/2012 e 13/10/2012 o mesmo necessitou da ajuda de terceiros para tomar banho e vestir-se, o que lhe causava frustração (36º).

XX) À data do acidente o 1º autor competia em “...” e “...”, treinava “...” e praticava ..., o que lhe trazia alegria de viver (37º).

YY) Atualmente em consequência das lesões infligidas pelo acidente o mesmo está impedido de praticar esses desportos, o que lhe causa desgosto, sendo a repercussão permanente das lesões nas atividades desportivas e de lazer de grau 4 (quatro) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente (38º).

WW) O 1º autor sente-se triste e angustiado em virtude do desvio no septo nasal, da assimetria da face, das cicatrizes e das limitações funcionais, os quais representam um dano estético de 4 (quatro) numa escala de 7 (sete) graus (39º).

ZZ) O motociclo valia, à data do sinistro, Euros 7.000,00 (sete mil euros) e por consequência desse evento ficou totalmente inutilizado, tendo sofrido danos cuja reparação é de valor superior àquele outro (40º).

AAA) O mesmo motociclo tinha matrícula de março de 2008 e 10.000 Km à data do sinistro (42º).

BBB) As duas faixas de trânsito que compõem a Rua ... na ..., ..., são delimitadas por uma linha longitudinal descontínua (44º).

CCC) No sentido de marcha do motociclo existia, à data do sinistro, um sinal vertical de passagem para peões e a passadeira desenhada no pavimento (45º).

DDD) Ao aproximar-se da área de serviço da “...” o condutor do BX executou a mudança de direção à esquerda, sem confirmar todo o trânsito do sentido oposto estava imobilizado para permitir a travessia de peões naquela passadeira (46º).

EEE) Ao efetuar a mudança de direção, o BX veio a ser embatido na parte lateral direita pela parte esquerda do motociclo conduzido pelo 1º autor (47º).

FFF) Antes desse embate, o 1º autor contornou os peões que atravessavam a faixa de rodagem e prosseguiu a sua marcha, ultrapassando pela esquerda os veículos que estavam imobilizados na faixa por onde seguia (48º).

GGG) Quando se apercebeu da presença do veículo BX o 1º autor tentou travar, mas o motociclo entrou em despiste, tombou e deslizou no pavimento até embater naquele outro (49º).

HHH) Antes da data referida em K), a seguradora de danos próprios do motociclo informou o 2º autor ter colocado à sua disposição a quantia de € 5.600,00, já deduzida da franquia de € 1400,00, ficando o salvado para a seguradora, proposta não aceite pelo 2º autor (52º).

III) O salvado, avaliado em € 1228,00, ficou na propriedade do 2.º autor.

*

II – B – Factos não Provados

Não se provou que:

a) Devido à crise de ansiedade e à agitação em que o 1º autor se encontrava por ter regressado ao hospital, foi-lhe dada alta nesse dia com indicação de cuidados médicos em casa (6º).

b) Para suprir a falta desse motociclo, o 2º autor recorreu à ajuda de terceiros nas suas deslocações (41º).

c) O valor de aluguer de um motociclo novo ou seminovo com características semelhantes ao interveniente no sinistro situa-se entre Euros 45 (quarenta e cinco euros) e 152,06 (cento e cinquenta e dois euros e seis cêntimos) por dia (43º)

d) Esse embate ocorreu quando o veículo BX já se encontrava no interior do parque da área de serviço da ... (50º)

e) Antes do sinistro e quando circulava na ..., no sentido ..., o 1º autor conduzia o motociclo fazendo ultrapassagens e “cavalinhos”, comportamento que manteve na Rua ..., serpenteando por entre os veículos e fazendo desvios para evitar colisões com os mesmos e com peões (51º)

*

III – Fundamentação de Direito

A presente ação, efetuando um muito breve e “tabelar” enquadramento jurídico, funda-se nas regras da responsabilidade civil e, em princípio, é responsável civilmente quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem causando-lhe danos.

Competia pois aos AA. alegar e provar os vários requisitos da responsabilidade civil (cfr. 483º e ss. do C. C.), ónus que o acórdão recorrido considerou cumprido, pelo menos parcialmente, a ponto da presente revista[2], como resulta do relato/transcrição das respetivas conclusões, se centrar, no essencial, sobre os montantes indemnizatórios, pretendendo-se, no fundamental, o incremento quer do montante indemnizatório que há de reparar a IPG de que o 1.º A. ficou a padecer quer do montante indemnizatório que há de compensar os danos não patrimoniais sofridos por tal 1.º A..

Assim sendo, começando por resumir e recapitular o que foi pedido e o que foi sendo concedido/decidido, temos:

Solicitou tal A. a condenação da R. seguradora no pagamento de:

- € 12.761,00, pelo dano emergente decorrente dos 368 dias em que, após o acidente, esteve impossibilitado de desenvolver a sua atividade profissional;

- € 9.000,00, pelo dano emergente que terá, no futuro, quando, em razão da cirurgia para remoção dos parafusos no ombro e limpeza cirúrgica de seromas na coxa direita, ficar imobilizado e sem trabalhar durante 3 meses;

- € 4.151,36, pelas despesas suportadas com tratamentos, internamentos, exames, consultas, cirurgias e medicamentos;

 - € 327.600,00, pelo dano patrimonial futuro;

 - € 20.000,00, pelo dano biológico; e

 - € 100.000,00, por danos não patrimoniais.

Tendo-lhe a 1.ª Instância concedido tão só os seguintes montantes:

 - €12.833,00, pelos 368 dias que esteve impossibilitado de desenvolver a sua atividade profissional;

- € 4.151,36, pelos gastos com tratamentos, internamentos, exames, consultas, cirurgias e medicamentos;

 - € 310.493,33 pelo dano patrimonial futuro; e

 –€ 70.000,00 pelos danos não patrimoniais;

Montantes estes (totalizando € 397.477,64) que, considerando ter o A. contribuído com a percentagem de 35% para a eclosão do acidente, levaram a 1.ª Instância a conceder ao 1.º A. a indemnização global de € 258.370,96 (e juros).

E tendo-lhe o acórdão recorrido – na sequência da apelação da R. seguradora (já que a apelação do 1.º A. foi totalmente improcedente) – baixado os dois seguintes montantes indemnizatórios:

- para € 41.043,11 (mais exatamente, para € 63.143,24, montante que degradou para € 41.043,11 pela aplicação da referida percentagem de 35% de culpa de tal 1.º A. na eclosão do acidente), pelo dano patrimonial futuro (a título de dano biológico); e

 – para € 40.000,00, pelos danos não patrimoniais;

Relegando para incidente de liquidação a indemnização devida pelos 368 dias em que o A., após o acidente, esteve impossibilitado de desenvolver a sua atividade profissional; e “mantendo” – não foi objeto de apelação por parte da R. – os € 4.151,36, pelos gastos com tratamentos, internamentos, exames, consultas, cirurgias e medicamentos.

Daí que o foco da revista incida sobre o montante indemnizatório que há de reparar a IPG de que ficou a padecer e sobre o montante indemnizatório que há de compensar os danos não patrimoniais sofridos – sem prejuízo do recorrente também suscitar a imediata condenação (sem necessidade de prévio incidente de liquidação) da R. nas perdas de ganho correspondentes aos 368 dias e que lhe sejam concedidos juros moratórios desde data anterior à data da citação – para o que, num momento logicamente anterior, ou seja, tendo em vista considerar o segurado da R. o único e exclusivo responsável pelo acidente, sustenta ter havido “violação da presunção legal decorrente do disposto no art. 623.º do CPC” e que “inexiste culpa do lesado”.

Podemos, pois, dizer que a revista do 1.º A. coloca as seguintes 5 questões:

 - uma primeira, respeitante aos factos fixados – onde entra a invocada violação do art. 623.º do CPC – e à culpa do recorrente na produção do acidente;

 - uma segunda, respeitante ao montante indemnizatório que há de reparar a IPG;

 - uma terceira, respeitante à compensação pelos danos não patrimoniais;

 - uma quarta, respeitante às perdas de ganho dos 368 dias; e

 - uma quinta, quanto ao termo inicial dos juros moratórios sobre os montantes que indemnizam os danos patrimoniais.

Quanto à 1.ª questão:

O condutor do veículo automóvel interveniente no acidente (e segurado na R.), como resulta das alíneas G) e H) dos factos provados, foi por sentença, transitada em julgado, condenado por crime de ofensa à integridade física por negligência, tendo-se, na fundamentação de facto de tal sentença, dado como provado que:

 - mudou de direção para a esquerda e atravessou a faixa de rodagem do lado esquerdo da via, sem verificar previamente se vinha algum veículo em sentido contrário ao seu, sem se certificar que não se atravessava à frente doutro veículo que seguisse na faixa de rodagem do lado esquerdo da via.

 - nesse instante, vinha na respetiva faixa de rodagem naquela rua, no sentido oposto, o aqui recorrente conduzindo um motociclo.

 - o aqui recorrido não conseguiu travar a tempo nem desviar o motociclo para evitar a colisão com o veículo automóvel que virava à esquerda, atravessando a sua faixa de rodagem.

 - em consequência, o motociclo embateu com a roda dianteira na parte lateral direita do veículo automóvel e caiu projetado no chão

Entretanto, neste processo, em razão da prova testemunhal produzida em audiência, foi dado como provado pela 1.º Instância – factualidade essa que foi confirmada no acórdão recorrido, na âmbito da reapreciação da matéria de facto (na sequência da impugnação da matéria de facto suscitada pelo 1.º A e aqui recorrente) – que, o condutor do veículo segurado na R. “executou a mudança de direção à esquerda, sem confirmar que todo o trânsito do sentido oposto estava imobilizado para permitir a travessia de peões naquela passadeira” e que, “antes do embate, o 1º autor contornou os peões que atravessavam a faixa de rodagem e prosseguiu a sua marcha, ultrapassando pela esquerda os veículos que estavam imobilizados na faixa por onde seguia” (alíneas DDD e FFF dos factos deste acórdão), sustentando o recorrente (conclusões 7.ª a 39.ª) que as instâncias, ao darem estes factos como provados, “incorreram em violação do disposto no art.º 623º do CPC”, uma vez que tais factos “contrariam a matéria dada como provada no processo crime (…), toda no sentido de que o acidente se deu exclusivamente pelo facto de o condutor segurado pela R. ter mudado de direção inopinadamente, invadindo a faixa de rodagem do motociclo conduzido pelo A., cortando-lhe o sentido de marcha e qualquer escapatória possível.

Vejamos:

Diz-se no art. 623.º do CPC (sob a epígrafe “Oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória”) que “a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.

Trata, pois, tal preceito do relevo da sentença/condenação penal em relação a um terceiro que, embora titular duma relação jurídica em que estão em discussão os mesmos factos que foram apreciados e considerados provados no processo penal (como é caso típico da seguradora para quem o segurado/arguido transferiu a sua responsabilidade civil), não teve qualquer intervenção no processo penal.

Em relação ao condenado/arguido no processo penal constitui a sentença penal caso julgado, ou seja, em relação ao condenado/arguido, que teve oportunidade de exercer o direito de defesa, existe uma presunção de cariz inilidível quanto aos factos ali dados como provados, porém, quanto aos terceiros, quanto a todos aqueles que são alheios ao contraditório no processo penal, prescreve a lei, em tal art. 623.º do CPC, uma presunção ilidível da ocorrência dos factos que foram apreciados e considerados provados no âmbito do processo penal, presunção esta que vale e pode ser invocada (perante os terceiros) em qualquer ação de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infração.

Não se trata aqui, diretamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes.[3]

Trata-se, claramente, de uma presunção especial (…). Os factos presumidos não são realmente factos “desconhecidos”. São factos que constam (ou devem constar) da fundamentação da sentença penal. Estas presunções assentam na tendencial coincidência entre o facto presumido e a verdade, sendo esta, nas hipóteses em análise, a “verdade penal”. Estamos, por conseguinte, perante uma situação sui generis, cuja consagração não tem em consideração tanto a dificuldade de prova dos factos “presumidos”, mas sim uma “confiança” na averiguação dos factos feita pelo juiz penal. A ilação assenta na tese de que é provável que existam os factos, apurados pelo juiz penal, que têm concomitantemente relevância civil.[4]

E, segundo o próprio preâmbulo do DL 329-A/95 (que está na origem do anterior e idêntico 674.º-A), pretendeu-se adequar “o âmbito da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em mera presunção, ilidível por terceiros, da existência do facto e respetiva autoria[5], ou seja, o interesse público da não prolação de decisões de conteúdo contraditório não prevaleceu perante “a necessidade de garantir que sujeito algum possa suportar prejuízos emanados de um processo no qual não participou ou não foi colocado em condições de participar[6].

Daí que a presunção (de existência) dos factos, apurados em processo penal, seja ilidível, o que significa que a parte que dela beneficia fica desonerada do labor probatório conducente à prova do facto presumido – a prova da base da presunção cumpre-se mediante a junção da certidão da sentença condenatória – mas não significa que tal parte fique a coberto da parte contrária poder provar o contrário, ou seja, da parte contrária poder provar que os factos não existiram e/ou que não ocorreram exatamente do modo que consta da fundamentação da sentença penal.

E foi exatamente isto (esta 2.ª hipótese) que no caso dos autos aconteceu.

Em vez de se dar como provado o que consta da sentença penal (e acima reproduzido), deu-se como provado:

- que o motociclo e o veículo automóvel circulavam na mesma rua em sentidos opostos;

- que o veículo automóvel virou para a esquerda e atravessou a faixa de rodagem contrária para aceder à estação de serviço da ...;

 - que foi em tal circunstâncias de tempo e lugar que se deu o embate;

 - que, no sentido de marcha do motociclo, existia um sinal vertical de passagem para peões e a passadeira desenhada no pavimento;

 - que o condutor do veículo automóvel executou a mudança de direção à esquerda sem confirmar que todo o trânsito do sentido oposto estava imobilizado para permitir a travessia de peões naquela passadeira

 -  que, antes do embate, o 1º autor contornou os peões que atravessavam a faixa de rodagem e prosseguiu a sua marcha, ultrapassando pela esquerda os veículos que estavam imobilizados na faixa por onde seguia.

E – é a primeira conclusão – o disposto no art. 623.º do CPC, em face do que se vem de referir, não constitui obstáculo legal a tal possibilidade: podia ser dada como provada uma dinâmica do acidente diferente da fixada na sentença penal.

Questão diferente – mas que não é passível de revista, de constituir objeto válido da presente e revista – é a de saber se o que foi dado como provado pelas instâncias (a dinâmica diferente do acidente) foi bem dado como provado (ou seja, se corresponde à exata apreciação da prova produzida).

Efetivamente, a competência do Supremo, como é sabido, é dirigida à aplicação do direito aos factos fixados pelas instâncias, razão pela qual o recurso de revista tem como fundamento a violação da lei, substantiva ou processual (cfr. art. 674.º/1/a) e b) CPC), sendo o julgamento da matéria de facto pela Relação, em princípio, definitivo, apenas se limitando o Supremo, em sede de fixação dos factos, a verificar a ofensa de regras de direito probatório material (sem prejuízo de poder ordenar a ampliação da matéria de facto quando ela seja insuficiente para a decisão de direito ou nela ocorram contradições que a inviabilizem) – cfr. art. 674.º/3 do CPC.

Significa o que se acaba de dizer que foge ao controlo do e pelo Supremo, como o recorrente pretende, uma 2.ª reapreaciação [7] das provas sujeitas à livre apreciação do julgador, como é/foi o caso da prova testemunhal em que as instâncias se basearam para dar-se como provada uma dinâmica do acidente diferente da fixada na sentença penal, ou seja, está ao Supremo vedada a possibilidade de sindicar a decisão de facto quando o tribunal inferior toma como referente prova não vinculada ou não ofenda regras de produção de prova que a lei prescreva.

Em síntese, tudo o que recorrente diz (repetindo o que já havia dito da apelação e reeditando a impugnação da decisão de facto que suscitou na sua apelação) sobre a incorreta apreciação da prova produzida e/ou sobre a maior ou menor densificação e justificação da motivação de facto (tudo o que consta das conclusões 10.ª a 39.º) extravasa de todo a competência deste Supremo (estabelecida no citado art. 674.º do CPC).

Dito de outro modo, de tudo o que o recorrente diz e invoca nas conclusões 7.ª a 39.ª, o Supremo apenas pode e tem que apreciar se, na fixação dos factos, foi por algum modo ofendida alguma regra de direito probatório material – sendo nesta perspetiva que a invocada violação do disposto no art. 623.º do CPC foi apreciada – o que, como explicámos não aconteceu, uma vez que, repete-se, o art. 623.º do CPC apenas estabelece uma presunção ilidível (de existência) dos factos, não colocando o recorrente a coberto da parte contrária poder provar, como aconteceu, uma versão algo diferente da dinâmica do acidente, sendo que a factualidade que compõe tal dinâmica diferente, baseando-se em prova não vinculada e de “livre apreciação” (cfr. art. 396.º do C. Civil), foge ao controlo do Supremo.

E mantendo-se os factos tal como foram fixados pelas instâncias, há que referir, quanto à ora invocada “inexistência de culpa do recorrente” (a que se referem as conclusões 40.º a 47.º), que nenhuma reapreciação, em sede de culpa pela eclosão do acidente, poderá ter lugar.

Efetivamente, o recorrente, na delimitação objetiva do seu recurso de apelação, não suscitou, a partir dos factos dados como provados (na 1.ª Instância e que se mantiveram intocáveis da Relação), a incorreta repartição da culpa na produção do acidente, antes se limitando a suscitar (como agora repete nas conclusões 40.º a 46.º) que, não podendo/devendo ser dada como provada uma diferente dinâmica do acidente, devia o acidente ser considerado como tendo ocorrido por culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na R., pelo que, não o tendo suscitado na apelação, não pode agora (como faz na conclusão 47.º) suscitar, a partir dos factos dados como provados nas instâncias, a incorreta repartição da culpa na produção do acidente e que a sua culpa, mesmo a partir de tais factos, não é superior a 5%.

Por outras palavras, a delimitação objetiva do seu recurso de apelação, não incluiu, a partir dos factos dados como provados, uma qualquer divergência (do recorrente) em relação à repartição da culpa (de 35%) que lhe foi atribuída em 1ª Instância na produção do acidente, pelo que agora – tendo deixado estabilizar no processo a apreciação da culpa que foi feita, em 1.ª Instância, a partir de tais factos – não pode incluir ex novo (em relação à apelação) tal divergência no objeto da revista[8].

Improcedem assim as conclusões 7.ª a 47.ª da revista.

Quanto à 2.ª questão:

Além de não estar já em causa a questão da culpa pela eclosão do acidente (que as instâncias atribuíram em 35% ao 1.º A. e em 65% ao condutor do veículo automóvel segurado na R.) e a responsabilidade da R. (em virtude do proprietário do veículo automóvel ter para ela transferido a sua responsabilidade civil), também não está verdadeiramente em causa saber se os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo recorrente são danos indemnizáveis: a essência das questões suscitadas está tão só em saber se foram equitativamente fixados os montantes indemnizatórios atribuídos e, em caso negativo, a que montantes indemnizatórios se pode/deve chegar.

E o primeiro tema a dilucidar tem a ver com a circunstância do 1.ª A e recorrente pretender ao longo de todo o processo – quer na PI, quer na apelação, quer agora na revista – que lhe seja concedido um montante indemnizatório a título de perda futura de capacidade de ganho (a quantia de € 400.518,21, incluindo juros) e um outro montante indemnizatório a título de dano biológico (€ 20.000,00), quando o acórdão recorrido apenas lhe concedeu um montante indemnizatório (€ 41.043,11) a título de indemnização por dano biológico.

Hoje – antes mesmo do preambulo da Portaria 377/2008, de 26-05, falar em “dano biológico”[9] – fala-se em “dano biológico” para aludir à lesão causada ao corpo e à saúde do lesado, à lesão causada à integridade física e psíquica que a todos assiste; e reconhece-se que o dano causado por tal lesão merece ser reparado independentemente de repercussões sobre a sua capacidade de ganho.

Acrescentando-se, em abono de tal tese, que o homem, na sua integridade psico-somática, desenvolve a sua existência terrena na sua vida e realização profissionais e na sua vida relacional – relacionando-se e interagindo com os demais seres humanos – pelo que pode haver dano corporal, nesta faceta da sua vida relacional, tenha ou não havido qualquer rebate anátomo-funcional.

Porém, também se refere e avisa, que há que evitar “super-equações” de danos (com indemnizações em duplicado ou em triplicado), importando não esquecer “que há zonas de tangência e até de intersecção entre vetores diferenciados e autonomizados duma mesma realidade[10].

Tradicionalmente, a análise dualista – patrimonial / não patrimonial – sempre abarcou todo o campo da discussão que os danos corporais comportavam, situando-se toda a discussão em volta da parametrização ressarcitória de tal tipo de danos e da autonomização de um ou outro parâmetro de avaliação, sempre inserido num dos termos da referida dualidade; e, agora, ainda que se erija em categoria autónoma de dano o que (dano biológico), antes, não passava dum parâmetro de avaliação doutro dano, importa que avaliação global não dê lugar a duplicações.

Daí que, após um momento inicial – em que alguns chegaram a admitir que o “dano biológico” seria um “tertium genus”, com um lugar próprio que não caberia no clássico dualismo patrimonial/não patrimonial – se tenha passado a entender que o mesmo (autónomo ou não) cabe em tal dualismo, sem prejuízo de poder ter uma vertente patrimonial e uma vertente não patrimonial[11], sendo que, quando está em causa e se pretende indemnizar o dano causado por uma incapacidade permanente geral (que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão, mas que não se repercute numa perda da capacidade de ganho), se está perante a vertente patrimonial do “dano biológico”.

Em síntese, a lesão do direito ao corpo e à saúde é, enquanto dano autónomo, fonte de obrigação de indemnização, a suportar pelo autor do facto ilícito e em benefício de quem viu a sua integridade corporal beliscada, independentemente de quaisquer consequências pecuniárias ou atuais repercussões patrimoniais de qualquer natureza, mas a sua avaliação tem que ser acompanhada duma correta delimitação de realidades e conceitos, para que não haja sobreposições.

E é justamente por tudo isto que:

Estando provado que, “em consequências das lesões que lhe foram infligidas pelo sinistro, o autor está afetado de um défice funcional permanente da sua integridade físico -psíquica de 19 pontos, por perturbação de stress pós - traumático com moderada repercussão na autonomia pessoal, social profissional, dores frequentes com limitação funcional da coluna lombar charneira lombo sagrada , parestesia associada às cicatrizes, perturbação unilateral da ventilação nasal por desvio do septo pós fratura da face, tendo que desenvolver esforços suplementares para poder exercer a sua atividade profissional”; e

Não estando provada qualquer perda da capacidade de ganho,

Que aquilo que o recorrente pretende ver indemnizado a título de perda futura de capacidade de ganho (com a quantia de € 400.518,21, incluindo juros) e a título de dano biológico (com € 20.000,00) só pode ser indemnizado como dano biológico, na sua vertente patrimonial (como acertadamente foi considerado e decidido no acórdão recorrido).

Daí que, ao enunciar esta 2.ª questão, a tenhamos designado como respeitante ao montante indemnizatório que há de reparar a IPG (também chamado de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica) de 19 pontos de que o recorrente ficou a padecer.

Temos, pois, que o dano indemnizável ora sob apreciação – olhado nas suas várias vertentes, nas várias limitações que tal dano gera e gerará – decorre do recorrente, como se refere no facto BB) deste acórdão, por força “(…) das lesões que lhe foram infligidas pelo sinistro, estar afetado de um défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica de 19 pontos (…) tendo que desenvolver esforços suplementares para poder exercer a sua atividade profissional”.

E temos, como único critério legal para a sua fixação – nunca é demais enfatizá-lo, para que não paire a menor dúvida – tão só a equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil).

O que não significa que em situações como a presente – isto é, sempre que se visa encontrar um capital que se vai diluir ao longo de vários anos – se rejeite a ajuda da lógica matemática; que não se usem, como auxiliar, como instrumento de trabalho, fórmulas matemáticas, que podem ter o mérito de impedir involuntárias discricionariedades e subjetivismos, na medida em que obrigando o julgador à externalização, passo a passo, do seu juízo decisório e a uma maior “densificação” da fundamentação da decisão, contribuem para impedir raciocínios mais ligeiros e/ou maquinais na fixação de indemnização (e, como é o caso dos autos/recurso, para responder a vários argumentos apresentados pelo recorrente contra o decidido no acórdão recorrido demonstrar quão excessiva era e é a pretensão indemnizatória do recorrente).

Permita-se-nos, pois, sempre cientes que o único critério legal é a equidade e não ignorando que estamos “apenas” perante uma IPG – compatível com o exercício da sua profissão, exigindo “esforços acrescidos no exercício da sua atividade profissional” – e não perante uma incapacidade com repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho do A/lesado, que façamos um “ensaio/estimativa” do que seria a indemnização caso estivéssemos perante esta última hipótese.

Então:

Ia o A. nos 26 anos na data em que ocorreu o acidente; “trabalhemos” em tal estimativa com um salário líquido de € 1.200,00 mensais (14 vezes por anos); admitamos uma esperança de vida de mais 50 anos; “funcionemos” com os 19 pontos de IPG como se fossem 19% de incapacidade de ganho e recorramos, instrumentalmente, ao auxílio de fórmulas e cálculos matemáticas que, encontrada a prestação anual a que o lesado teria direito e conhecido o número de anos por que a mesma se deve manter, nos dizem qual o capital que será necessário deter no ano inicial para, esgotando-se totalmente no final, obter em cada um dos anos a prestação anual[12].

E, tudo considerado, chegamos ao valor (aplicando a fórmula matemática referida em nota[13]) de € 125.685,09 (fator de 39,37503025 X a hipotética pensão anual de € 3.192,00, correspondente a 19% X € 16.800,00).

Assim, não esquecendo nunca que o que estamos a indemnizar é “apenas” a vertente patrimonial do dano biológico (com os contornos supra traçados e sem “duplicações” e “sobreposições”) e não, como no ensaio/estimativa feito, um dano com rebate e repercussão na perda de ganho, reputamos num julgamento “ex aequo et bono” – tomando em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida[14] – como inteiramente justo e equilibrado, como a boa justiça do caso concreto, não perdendo também de vista que, além do esforço acrescido, poderão estar em causa a privação de oportunidades profissionais futuras, fixar a indemnização por tal dano em não mais de € 80.000,00.

Para o que se acrescenta e explicita que:

 - o resultado que a fórmula matemática nos deu – uma vez que a fórmula está apenas vocacionada para auxiliar no cálculo de incapacidades com atual repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho – merece e suscita, num julgamento “ex aequo et bono”, que o seu valor seja comprimido/reduzido, como foi, em não menos de 1/3.

 - embora o acidente haja ocorrido há 9 anos – e, na lógica do cálculo efetuado, o capital encontrado ficaria disponibilizado ao lesado na data do acidente – o certo é que, em linha com o que vem decidido nos autos, a atualização de tal montante indemnizatório reporta-se à data da citação (melhor, como infra diremos, à data da notificação do pedido cível, ocorrida há 7 anos e meio), pelo que o uso da equidade não tem que refletir/incorporar (no montante indemnizatório) os frutos civis que lhe seriam creditados caso o montante indemnizatório fosse atualizado a uma data bem posterior (como a data da sentença da 1.ª Instância).

 - um montante indemnizatório superior não estaria de acordo como o modo como este STJ vem perspetivando e indemnizando os danos que dão tão só lugar a uma incapacidade permanente geral, conforme resulta dos seguintes Acórdãos (todos disponíveis in ITIJ):

Acórdão de 19/02/2015 (relator Oliveira Vasconcelos)

Tendo resultado provado que a IPP de 12 pontos que o autor ficou a padecer é compatível com o exercício da sua atividade profissional habitual, e não estando provado que esse défice tenha reduzido a sua capacidade de ganho em 12%, nenhuma relevância tem, para a fixação da indemnização, o montante da sua retribuição profissional, posto que o que está em causa não é essa específica atividade, mas antes a sua atividade em geral.

Resultando dos autos apenas que em virtude das sequelas das lesões provocadas no acidente o autor passou a ter que empregar “esforços suplementares”, resta recorrer à equidade para determinar o quantum indemnizatório – art. 566.º, n.º 3, do CC, afigurando-se adequado o montante fixado pela Relação de € 25000.

Acórdão de 21/03/2013 (relator Salazar Casanova)

O dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho.

Constitui dano patrimonial a perda de capacidade de trabalho permanente geral de 15 pontos que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do art. 564.º, n.º 2 do CC, indemnização correspondente ao acrescido custo do trabalho que o lesado doravante tem de suportar para desempenhar as suas funções laborais.

Acórdão de 06/12/2011 (relator Lopes do Rego)

A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevantes limitações funcionais, inelutavelmente decorrentes das lesões físicas causadas e manifestamente impeditivas ou limitativas do direito de trabalhar e prover à sua própria subsistência - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectido numa perda actual de rendimentos profissionais, da relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão ou de mudança ou reconversão de emprego - e, portanto, do leque de oportunidades profissionais à sua disposição - bem como da acrescida penosidade e esforço no futuro e eventual exercício de qualquer actividade corrente.

2. Deverá tal compensação do dano biológico, a fixar com apelo a juízos de equidade, ter em consideração, quer a perda inelutável de potencialidades laborais decorrentes do grau de incapacidade permanente parcial apurado, quer o longo período de incapacidade temporária absoluta imediatamente posterior ao acidente, apesar de, à data deste, o lesado não exercer actividade profissional remunerada - tendo, porém, ( ponderada a sua idade -32 anos - e os projectos e intenções de vida, documentados na factualidade apurada) uma efectiva potencialidade laboral, drasticamente afectada pelas sequelas do sinistro.

Acórdão de 10/12/2019 (relatora Maria do Rosário Morgado)

O dano resultante da incapacidade permanente (ainda que parcial), na medida em que representa uma diminuição somática e funcional do lesado, não pode deixar de ser considerado um dano patrimonial (futuro), tanto mais, que, em regra, essa «capitis diminutio» obriga a um maior esforço na realização de tarefas;

No que toca ao dano biológico, deve ser fixada indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente, ainda que, no imediato, a diminuição funcional não tenha reflexo no montante dos rendimentos auferidos pelo lesado e mesmo que o lesado não fique impossibilitado de continuar a exercer a sua profissão;

Não contendo a nossa lei ordinária regras precisas destinadas à fixação da indemnização pelo dano futuro, tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, e se não puder, ainda assim, apurar-se o seu exato valor, deve o tribunal julgar segundo a equidade, nos termos enunciados no art. 566°, n.º 3, do C.C..

Acórdão de 10/11/2016 (relator Lopes do Rego)

Ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado.

A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas – em adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes dio grau de incapacidade fixado ao lesado

Acórdão de 04/06/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza)

O critério fundamental para a fixação, tanto das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) como por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais), é a equidade.

A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.

É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz uma incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.

Os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física, pelo que não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar.

Para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais, nos termos do n.º 1 do art. 496.º do CC, o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”, o que, desde logo, revela a natureza também sancionatória da obrigação de indemnizar.

Tendo ficado provado que as sequelas decorrentes de um acidente ocorrido em 2005 determinaram para a autora, então com 17 anos de idade, uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16,9 pontos – e, por isso, com efectiva repercussão na actividade laboral –, nada há a censurar à utilização de tabelas e à introdução das correcções habitualmente citadas na jurisprudência, nem ao recurso ao valor de € 800,00 ilíquido auferido pela lesada a título de salário, a partir de 2013, para fixar o valor da indemnização devida por danos patrimoniais futuros em € 55 000,00, como decidiu a Relação.

Acórdão de 03/11/2016 (relator Lopes do Rego)

O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.

A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas - não se revelando desproporcionado ao quadro atrás definido, em lesado jovem, afectado na sua integridade psicossomática plena e cuja capacidade futura de angariar meios de subsistência ficou – segundo a própria matéria de facto – afectada, implicando ainda esforços relevantes para o exercício das suas funções habituais, o valor pecuniário de €25.000,00

Acórdão de 26/01/2021 (relator Fernando Samões)

O juízo de equidade de que se socorrem as instâncias para a fixação de indemnizações por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, alicerçado na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

Deve ser mantido o juízo de equidade formulado pela Relação na fixação das indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais, quando o mesmo, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso, como o presente, não se revela colidente com os critérios jurisprudenciais nos termos referidos.

Acórdão de 29-10-2019 (relator Ricardo Costa)

Na fixação dos valores de lucros cessantes, os montantes obtidos através da aplicação de processos objetivos assentes em fórmulas e tabelas matemáticas constituem auxiliar e indicador relevante para uma tradução do quantum indemnizatório, sem que tal obste nem de todo impeça o papel corrector e de adequação da ponderação judicial assente na equidade, perante a gravidade objetiva e subjetiva dos prejuízos sofridos, as circunstâncias específicas do facto e do agente e as variantes dinâmicas que escapam aos referidos cálculos objectivos.

A avaliação e quantificação do lucro cessante traduzido no dano biológico patrimonial implica não só atender às perdas salariais resultantes da interrupção de uma carreira profissional motivada pela incapacidade definitiva (resultante de acidente de viação) para o exercício da profissão, mas também reflectir, na indemnização arbitrada com recurso à equidade (art. 566º, 3, para fixar os danos no contexto de aplicação do art. 483º, 1, sempre do CCiv.), a privação de oportunidades profissionais futuras por parte do lesado e o esforço acrescido de reconversão profissional que (nomeadamente se relevante) o grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional e económico-empresarial.

Acórdão de 29-10-2019 (relator Henrique Araújo)

Ao dano biológico não pode ser conferida autonomia enquanto tertium genus e, por essa razão, todas as variantes do dano-consequência terão de traduzir-se sempre num dano patrimonial e/ou num dano não patrimonial.

Assim, o défice funcional, ou dano biológico, representado pela incapacidade permanente resultante das lesões sofridas em acidente de viação, é suscetível de desencadear danos no lesado de natureza patrimonial e/ou de natureza não patrimonial.

Numa situação em que ao lesado, com 34 anos, foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), afigura-se ajustado o montante de € 36 000,00 para indemnizar tal dano futuro.

Acórdão de 05/12/2017 (relatora Ana Paula Boularot)

O dano biológico não constitui uma nova categoria de dano à pessoa, mas constitui sua própria essência; a inovação está na sua reparabilidade em qualquer caso e independentemente das consequências morais e patrimoniais que, da redução da capacidade laborativa, dele possam derivar.

O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial, já que constitui um dano de esforço, porquanto o sujeito para conseguir desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de um maior empenho, de um estímulo acrescido.

Acórdão de 19/04/2018 (relator António Joaquim Piçarra)

A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”, dano primário, do qual podem derivar, além de incidências negativas não susceptíveis de avaliação pecuniária, a perda ou a diminuição da capacidade do lesado para o exercício de actividades económicas, como tal susceptíveis de avaliação pecuniária.

A vertente patrimonial do dano biológico tem como base e fundamento a substancial e relevante restrição às possibilidades de exercício de uma profissão ou de uma futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pela lesada, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente a vai afectar.

Em conformidade com a jurisprudência consolidada na matéria, os valores obtidos através da aplicação de auxiliares matemáticos fornecem apenas uma orientação com o objectivo de uniformização de soluções para casos idênticos ou de contornos semelhantes, sem prejuízo da indemnização dever ser sempre ajustada ao caso concreto, recorrendo o julgador, para alcançar esse desiderato, à equidade.

No cálculo do dano patrimonial futuro, deverá ser ponderada a incapacidade da lesada para exercer a profissão habitual bem como a impossibilidade de, na prática, obter um novo emprego, apesar de as limitações funcionais sofridas, em consequência do acidente, não serem impeditivas de exercer uma outra actividade.

Essa impossibilidade, no caso concerto, advém do previsível agravamento do seu estado de saúde e necessários tratamentos, mas também da ausência de formação profissional, de competências laborais, da idade, das exigências e dificuldades do mercado de trabalho, que inviabilizam, na prática, a empregabilidade da lesada.

Acórdão de 06-12-2017 (relator Manuel Tomé Gomes)

O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis

Um défice funcional genérico permanente de 25,6%, apesar de não representar incapacidade para o exercício da atividade profissional habitual do lesado mas apenas um esforço acrescido nesse exercício, não pode deixar de traduzir, ainda assim, redução na sua capacidade económica geral na medida em que constitua limitação relevante para o desempenho de outras atividades económicas, concomitantes ou alternativas, que lhe pudessem entretanto surgir, na área da sua formação profissional, ou mesmo na realização de tarefas pessoais quotidianas.

Neste tipo de situações, a indemnização reparatória não deve ser calculada com base no rendimento anual do lesado auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares nesse exercício.

Em tais casos, a solução seguida pela jurisprudência do STJ é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando a expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma.

A comparação com os diversos casos já tratados na jurisprudência nem sempre se mostra fácil, dada a multiplicidade de fatores variáveis e as singularidades de cada caso, relevando, em especial, o impacto concreto que determinado grau de défice funcional genérico é suscetível de provocar no contexto da atividade económica que estava ao alcance da iniciativa do sinistrado com a inerente perda de oportunidade de ganho.

No caso vertente em que as limitações de mobilidade de que o lesado ficou afetado, correspondentes a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 25,6%, a partir da alta médica em 14-03-2012 (data em que o A. contava quase 60 anos de idade), além do acréscimo de esforço físico no exercício do tipo de atividade profissional habitual que vinha então desenvolvendo, implicam inegável redução da sua capacidade económica geral para se dispor ao desempenho de atividades económicas, concomitantes ou alternativas, que, presumivelmente, ainda lhe pudessem surgir na área da sua formação profissional e até para a execução de tarefas quotidianas, ao longo da sua expetativa de vida, mesmo para além da idade-limite da reforma.

Nessas circunstâncias, sem esquecer o tempo decorrido entre a data da alta médica (14-03-2012) e a data da sentença da 1.ª instância (09/06/2016), no quadro dos padrões da jurisprudência mais recente, tem-se como razoável valorar o dito dano biológico, na respetiva vertente patrimonial, na quantia de € 100.000,00, tida por atualizada à data da sentença.

Acórdão de 14/12/2017 (relatora Fernanda Isabel)

Resultando da factualidade provada que o autor, em consequência do acidente de viação de que foi vítima: (i) sofreu diversas fracturas dos membros superiores e inferiores; (ii) apresenta diversas sequelas, designadamente, rigidez, limitações e cicatrizes nalguns membros; (iii) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 20 pontos, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (iv) terá de ser submetido a novas intervenções cirúrgicas à mão direita e ao tornozelo esquerdo e a tratamentos de fisioterapia; (v) tinha 34 anos de idade na data do acidente; (vi) exercia as funções de enfermeiro num centro hospitalar e num hospital privado e auferia, em média, o total de € 2 010 líquidos mensais; (vii) tem dificuldades em levantar, deitar, dar banho e fazer transferência de doentes; (viii) sente dificuldades na condução automóvel e não consegue fazer as caminhadas que antes fazia, e deixou de jogar futebol e de andar de bicicleta, tem-se como adequado e equitativo fixar a indemnização pelo dano biológico em € 90 000.

Acórdão de 14-12-2016 (relatora Graça Trigo)

O STJ tem admitido, de forma reiterada, que as consequências danosas que resultam da incapacidade geral permanente (“dano biológico”) são, em abstracto, reparáveis como danos patrimoniais, ainda que essa incapacidade não tenha repercussão directa no exercício da profissão habitual, por aquelas poderem compreender igualmente a afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais.

Tendo ficado provado que: (i) o lesado tinha 43 anos de idade à data do acidente que o vitimou; (ii) apresenta lesões às quais é de atribuir uma IPP de 11 pontos; (iii) esta limitação se repercute na sua actividade profissional (agente de inseminação artificial de bovinos) já que, estando esta dependente de elevados níveis de força e destreza física, o seu exercício acarreta, actualmente, um esforço suplementar; (iv) faz esforços acrescidos para o exercício das actividades comuns por os movimentos do braço estarem condicionados; (v) antes do acidente era um homem robusto e saudável, apto para qualquer tipo de trabalho e colaborava na exploração agrícola da sua mulher, é de concluir que a incapacidade geral permanente de que ficou a sofrer afecta as possibilidades da sua progressão na profissão habitual, assim como a futura mudança ou reconversão profissional e até mesmo as possibilidades da prossecução da sua colaboração na referida exploração agrícola familiar (…) a indemnização pelo dano biológico, na vertente patrimonial, poderia ascender – em função dos parâmetros adoptados por este STJ – a quantia superior a € 30 000; porém, não tendo o autor recorrido do acórdão da Relação, fica a mesma limitada ao valor de € 22 000 que aí foi fixado a esse título.

Acórdão de 28-01-2016 (relatora Graça Trigo)

O aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que tenha como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos no exercício da actividade profissional ou de outras actividades económicas.

Tendo ficado provado que, em consequência de acidente de viação, o lesado, então com 17 anos de idade, sofreu uma lesão de um membro inferior que o deixou incapacitado para a sua profissão habitual, da qual se reformou, e com uma incapacidade geral permanente de 23%, atenta a esperança de vida média à data do acidente (70 anos para os homens nascidos em 1977), e uma vez que teria ainda pela frente várias décadas com a oportunidade de “progredir na vida” - mesmo desconhecendo-se as suas habilitações, mas havendo indícios de que as mesmas não seriam elevadas - considera-se adequado fixar, a título de indemnização por danos patrimoniais derivados da perda de capacidade de ganho, o valor de €50.000,00, o qual se reduz para €45.186,50, devido à limitação do pedido.

Acórdão de 21/01/2021 (relatora Mara dos Prazeres Beleza)

Para o cálculo de indemnizações por danos patrimoniais, passados ou futuros, nos quais o montante das remunerações auferidas à data da lesão assume um relevo determinante, deve ser considerada a remuneração líquida do lesado.

A limitação funcional em que se traduz a incapacidade permanente de que ficou afectada a vítima de um acidente de viação, mesmo quando não implica a redução da capacidade de ganho, mas obriga a um esforço acrescido para a evitar, é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.

Em ambos os casos, a indemnização deve ser calculada segundo a equidade.

Procedem, pois, em parte – majorando-se o montante indemnizatório pelo dano biológico de € 63.143,24 para € 80.000,00 – as conclusões 48.ª a 79.ª.

Quanto à 3.ª questão (danos não patrimoniais):

O Acórdão recorrido atribuiu ao recorrente, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, o montante indemnizatório de € 40.000,00 (montante este reportado/atualizado à data da sentença da 1.ª Instância).

O recorrente pretende € 70.000,00.

Como é sabido e resulta do art. 496.º/1 do C. Civil, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; sendo o montante da indemnização “fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º” (cfr. art. 496.º/4 do C. Civil), ou seja, o montante de indemnização é fixado equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias que o caso justifique (art. 494º do C. Civil).

Assim, serão a tal título indemnizáveis as dores físicas, os sofrimentos físicos (traumatismos, fraturas, tratamentos e reabilitações), os desgostos morais, os vexames, as perdas de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética, etc. que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser ressarcidos com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização, razão pela qual não estamos aqui perante uma verdadeira indemnização, mas sim perante uma compensação, que terá como finalidade primacial a satisfação do lesado pelo sofrimento causado pelo evento traumático sofrido (ou seja, a indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, o que é impossível, visando sim atenuar, minorar ou compensar de alguma forma o lesado pelo dano sofrido, atribuindo-se ao lesado utilidades que lhe irão permitir obter alguma compensação pelas dores físicas ou morais sofridas, para além de também se reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do lesante).

Temos pois – não existem dúvidas e não constitui sequer matéria que ainda se mantenha controvertida nesta fase dos autos (a R. já não o discute) – que as consequências do sinistro, relativamente ao recorrente, revestem a gravidade que justifica o seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais.

A questão, repete-se, está apenas no quantum indemnizatório / compensatório a atribuir-lhe.

E, respondendo-lhe, afirmamos, antecipando a conclusão, que se nos afigura inteiramente ajustado e equilibrado (cfr. art. 496.º/1 e 4 e 494.º, ambos do CC) compensar com os € 40.000,00[15] fixados no acórdão recorrido todas as dores, receios e angústias (passados e futuros), tratamentos, hospitalizações e internamentos (todo o quantum doloris considerado de grau 5/7), toda a espécie de limitações e sequelas (todo o dano estético considerado de grau 4/7), toda a repercussão permanente das lesões nas atividades desportivas e de lazer (de grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente), todo o dano biológico, na vertente não patrimonial, que o recorrente, com 26 anos à data do acidente sofreu; e que os factos deste acórdão detalham – os diversos traumatismos, fraturas e sequelas típicos dum embate entre um velocípede e um automóvel, sendo o recorrente o condutor do motociclo – e de que, aqui, se respiga e salienta em termos de “gravidade” merecedora da tutela do direito (cfr. 496.º/1) o seguinte:

- em consequência da queda provocada pelo acidente o recorrente sofreu diversas fraturas, escoriações e lesões em várias partes do corpo, designadamente as seguintes:

1. Traumatismo crânio-encefálico com fratura esfenoidal e fatura do complexo orbito-zigométrico malar esquerdo;

2 Traumatismo torácico com fratura da clavícula direita;

3 Fratura do arco posterior direito da primeira costela;

4 Contusão pulmonar bilateral com lesão traumática da traqueia;

5. Seroma da coxa esquerda e seroma extenso da coxa direita (al.I).

 - no local do acidente, sofreu paragem cardiorrespiratória e teve que ser reanimado pelo INEM que o sedou e ventilou no local por descida rápida da escala de Glasgow de 10 para 4.

 - ficou internado na unidade de cuidados intensivos de 23 de setembro a 4 de outubro de 2012 com ventilação mecânica e em coma induzido devido a agitação motora e a um quadro de pneumonia nosocomial de trombocitopenia reativa.

 - em 4 de Outubro de 2012, foi transferido para a unidade de cuidados intermédios onde permaneceu até 8 de outubro seguinte;

 -após, foi transferido para a enfermaria, de onde saiu com alta hospitalar em 9 de outubro de 2012 e referenciado à consulta de otorrino para estudo auditivo completo;

 - em 10 de Outubro seguinte, teve que regressar à urgência por tumefação e prurido correspondente a presença de coleções aparentemente puras na coxa esquerda com indicação para drenagem eco guiada;

 - após, passou a ser assistido no Hospital ..., onde foi submetido a cirurgia de osteossíntese da clavícula direita e drenagem de seroma na coxa direita, tendo ficado internado nesse hospital desde 12 a 13 de outubro de 2012;

 - na sequência dessa intervenção, iniciou reabilitação que se prolongou até 24.09.2013;

 - em agosto de 2013, regressou à sua atividade profissional com limitações do membro superior direito e membro inferior esquerdo, fixando-se nessa data a consolidação médico-legal das seguintes lesões causadas pelo acidente:

Dor no tornozelo e ombro direitos.

Ligeiro desvio do septo nasal à esquerda, com obstrução nasal ligeira lenoftalmia direita.

Cicatriz angular medindo 14x0,5 cm na região clavicular direita.

Cicatriz de abrasão nacarada, medindo 6 x 0,7 cm no terço superior da face lateral externa da coxa.

Dois seromas móveis com 4 cm3 cada na face posterior da coxa.

Cicatriz de abrasão nacarada no terço médio da face posterior da coxa, medindo 6/10cm;

 - atualmente, continua a ter pesadelos com o acidente, dificuldades em dormir, em concentrar-se, apenas sendo capaz de escrever frases curtas e básicas;

 - revive o acidente, sendo também acometido de episódios de raiva e ansiedade quando algo o preocupa;

 - tais manifestações são sintomas da síndrome pós-comocional que foi causada pelo sinistro;

 - no início de 2014, com o aumento da carga de trabalho, começou a sentir dores de ciatalgia e lombalgia com irradiação sobre os músculos da perna e braço esquerdos tendo tentado debelar essas dores com fisioterapia e osteopatia, sem sucesso;

 - tais sintomas são causados por hérnia discal (L4-L5) que é consequência provável do acidente;

 - em consequências das lesões que lhe foram infligidas pelo sinistro o autor está afetado de um défice funcional permanente da sua integridade físico -psíquica de 19 pontos, por perturbação de stress pós - traumático com moderada repercussão na autonomia pessoal, social profissional, dores frequentes com limitação funcional da coluna lombar charneira lombo sagrada , parestesia associada às cicatrizes, perturbação unilateral da ventilação nasal por desvio do septo pós fratura da face ,tendo que desenvolver esforços suplementares para poder exercer a sua atividade profissional;

 - necessitará no futuro de ser sujeito a cirurgia de remoção do material de osteossíntese da clavícula direita, sendo necessários dois dias de internamento correspondente a défice funcional temporário total e 15 dias de repercussão temporária na atividade profissional total, para além de carecer de medicação analgésica de acordo com prescrição médica e consultas das especialidades de Neurocirurgia e Psiquiatria;

 - vê-se obrigado a reduzir a intensidade de trabalho, pela necessidade de efetuar amiúde alongamentos e relaxamento muscular para aliviar as dores causadas pelas lesões do acidente, no que tange à dor lombar;

 - sente dores no braço direito, perna esquerda e coluna cervical;

 - nos momentos imediatamente anteriores ao embate, sentiu pânico e medo de morrer, o qual se intensificou quando foi projetado e embateu no chão;

 - o medo de morrer manteve-se nos dias que se seguiram quando teve que ser submetido a coma induzido;

 - nos primeiros dias de internamento, o 1º autor alternou estados de inconsciência com períodos de confusão e mesmo em coma induzido chorava e reagia a estímulos externos;

 - durante o período em que esteve ventilado, era sujeito diariamente à remoção de secreções e à limpeza do tubo de ventilação, ficando em dor e pânico por ser incapaz de respirar;

 - sofreu dores de grau 5 (cinco) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente;

 - sofreu de episódios de perda de memória, alternados com acessos em que não distinguia a realidade dos sonhos e era incapaz de acompanhar uma conversa ou de se concentrar;

 - à data do acidente o 1º autor competia em “...” e “...”, treinava “...” e praticava ..., o que lhe trazia alegria de viver;

 - atualmente em consequência das lesões infligidas pelo acidente, está impedido de praticar esses desportos, o que lhe causa desgosto, sendo a repercussão permanente das lesões nas atividades desportivas e de lazer de grau 4 (quatro) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente;

 - sente-se triste e angustiado em virtude do desvio no septo nasal, da assimetria da face, das cicatrizes e das limitações funcionais, os quais representam um dano estético de 4 (quatro) numa escala de 7 (sete) graus.

Tratando-se duma indemnização fixada, de acordo com 496.º/4 do C. Civil, segundo juízos de equidade, vem este STJ observando que os seus poderes de controlo se restringem à verificação da adequação e coerência dos critérios de cálculo (uma vez que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução duma questão de direito), não lhe competindo a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente a verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias, face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto, ou seja, vem entendendo que o juízo prudencial e casuístico feito pelas instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adotados numa jurisprudência evolutiva e atualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

O que é exatamente o caso: tendo em conta a extensão e gravidade dos danos causados, o grau de culpabilidade do agente (65%), a situação económica deste e do lesado e tomando-se em conta, na fixação da indemnização, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida e da recente jurisprudência deste STJ, em casos análogos[16], é inteiramente ajustado e equilibrado, repete-se, compensar com € 40.000,00 (como foi fixado no acórdão recorrido) todos os danos não patrimoniais sofridos pelos recorrente.

Improcedem assim as conclusões 80.º a 85.º da revista.

Quanto à 4.ª questão, respeitante às perdas de ganho dos/nos 368 dias:

Decorre tal questão do referido nos artigos 65.º e 66.º da PI, em que o recorrente alega que se “viu impossibilitado de desenvolver a sua atividade profissional, durante 368 dias e como tal privado de toda e qualquer remuneração”, pelo que, ainda segundo o recorrente, “sofreu um prejuízo patrimonial correspondente a 368 dias de remuneração, de acordo com o salário médio nacional em 2013, de € 911,50, no total de € 12.761,00”.

Tendo-se provado, com relevo para tal questão, o seguinte:

 - a consolidação médico-legal das lesões causadas pelo acidente ocorreu em 24 de setembro de 2013, tendo o 1º autor sofrido um período de défice funcional temporário total de 22 dias, um período de défice funcional temporário parcial de 346 dias, e um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 368 dias;

 - à data do sinistro o autor exercia, como exerce atualmente, a atividade profissional de “...” por conta própria.

E observando-se, a tal propósito, no acórdão recorrido:

“(…) o autor tinha direito, no momento da lesão, a um ganho que se frustrou, ou melhor, à titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho, isto é, a continuar a desempenhar a sua atividade profissional de “...” por conta própria.

Tendo estado impossibilitado de exercer a sua atividade profissional durante 368 dias, diminuindo, em consequência, o seu o ativo patrimonial, tem direito a ser indemnizado por tal dano emergente, decorrente da perda da sua capacidade de ganho (aliás, nem a apelante ré contesta que é devida indemnização a tal título).

Como o cálculo dos danos emergentes obedece a uma pura operação aritmética, para se determinar quais os decorrentes da perda de capacidade de ganho, bastava saber, no caso, quanto auferia o autor à data do acidente de viação, com a sua atividade profissional.

Porém, como o autor não alegou nem comprovou qual a remuneração que auferia à data do acidente, (…) por falta de elementos para cálculo desses danos emergentes, a indemnização terá que ser encontrada em incidente de liquidação de sentença.

Isto porque para calcular tais danos emergentes, não podia ser feito, como o fez o tribunal a quo, com base no salário médio dos trabalhadores dependentes, sendo que, por um lado, o autor é trabalhador independente e, como tal, não poderia ser utilizado tal critério e, por outro, tendo contabilizando nesse cálculo 14 meses, o que não é aplicável a trabalhadores independentes, em que a respetiva remuneração será de 14 meses.

(…)

Quando fiquem provados danos, mas não tenha sido possível estabelecer a sua quantificação, a opção entre equidade e liquidação prévia em fase posterior, deve obedecer àquela que dê mais garantias de se mostrar ajustada à realidade.

Se, apesar de provado o dano, não foi possível atingir-se a determinação do seu montante exato, nem se veja forma de o poder atingir com prova complementar sobre a quantificação dele, o meio adequado para o estabelecer é utilizar desde logo a equidade - art. 566.º/3 do C. Civil.

Assim, sendo previsível que o valor exato do dano será apurado com prova complementar, no caso, a remuneração auferida pelo autor à data do acidente, deverá preferir-se a condenação genérica.

Concluindo, estando provado que “o autor à data do sinistro exercia a atividade profissional de “...” por conta própria”, mas não estando alegado ou provado a respetiva remuneração (sendo previsível que tal valor será apurado com prova complementar), relega-se para incidente de liquidação, o valor devido a título de indemnização por perdas salariais, pelo período de 368 dias, calculada com base na remuneração auferida na data do acidente, quantia à qual será deduzida de 35%, correspondente à percentagem da responsabilidade do autor na produção do acidente de viação, à qual acrescem os juros de mora à taxa legal de 4%, devidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.(…)

Sustentando agora o recorrente, nas 6 primeiras conclusões da revista, que o decidido vai contra a “unânime jurisprudência dos tribunais superiores, [em que] é reconhecido o direito à indemnização por perda de capacidade de ganho a vítimas menores, estudantes, aposentadas ou desempregadas”.

Como é evidente, o recorrente não tem razão.

A circunstância do acórdão recorrido ter relegado para incidente de liquidação a concretização do montante indemnizatório devido (pelas perdas de ganho nos/dos 368 dias) significa, bem ao invés, que se lhe reconheceu o direito à indemnização (em perfeita harmonia com a “jurisprudência unânime” citada): doutro modo, se tal direito não fosse reconhecido, o desfecho não teria sido de condenação no que se fixar em incidente de liquidação, mas sim, como é evidente, de improcedência de tal pedido.

A questão é pois outra: e está em saber se podia desde já recorrer-se à equidade e, entendendo-se não poder ser averiguado o valor exato dos danos, desde já julgar-se “equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil); ou se, entendendo-se poder ser ainda averiguado o valor exato dos danos, se devia, como foi feito, condenar no que vier a ser liquidado em incidente de liquidação (nos termos do art. 609.º/2 do CPC).

E, no caso, não tendo o A/recorrente sequer alegado a remuneração que auferia à data do acidente, há que considerar (sem prejuízo do valor exato do dano ser sempre difícil de averiguar, tratando-se, como é o caso, dum trabalhador independente) que há elementos para calcular/fixar o montante da indemnização – como seja a referida remuneração – que ainda podem/devem ser objeto de averiguação/demonstração, pelo que bem andou o acórdão recorrido ao relegar para incidente de liquidação a fixação da indemnização patrimonial devida a tal título.

Improcedem assim as 6 primeiras conclusões da revista.

Quanto à quinta questão, respeitante ao termo inicial dos juros moratórios sobre os montantes que indemnizam os danos patrimoniais:

Pretende o recorrente, no que respeita aos danos patrimoniais, que os juros sejam contados/devidos desde a data em que a R. foi notificada, em 30/03/2014, para o pedido cível e não apenas desde a data em que foi citada na presente ação.

Efetivamente, o recorrente alegou – e tal não é contestado pela R. – que deduziu pedido cível no processo penal em que o segurado da R. foi julgado (e condenado por crime de ofensas corporais negligentes), pedido cível idêntico ao aqui deduzido, em que a R. foi notificada em 30/3/2014 e em que as partes acabaram por ser remetidas para os meios comuns já na fase de julgamento.

Pelo que, sendo assim, tem razão quanto aos juros se deverem iniciar em 30/03/2014.

É certo que o art. 803.º/3 do C. Civil – na ressalva constante da 2.ª parte, segundo a qual, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito, como é o caso, o devedor se constitui em mora em momento anterior ao crédito se tornar líquido – apenas alude à citação como o momento capaz de iniciar/constituir a mora, mas, claro, à citação é totalmente equiparável o ato, designado de notificação, em que num processo penal se dá a conhecer ao responsável civil que contra ele foi deduzido um pedido civil (e em que o mesmo é chamado, como na citação, a defender-se – cfr. art. 78.º do CPP).

Assim, tendo sido isto que ocorreu, tendo as partes, no processo penal, sido remetidas para os meios comuns já na fase de julgamento e tendo, imediatamente a seguir, o A/recorrente intentado a presente ação, idêntica ao pedido civil antes deduzido, devem os juros, no que respeita aos danos patrimoniais, ser contados/devidos desde a data em que a R. foi notificada, em 30/03/2014, no pedido civil.

Procedem assim as duas últimas conclusões.

*

Recapitulando:

Os danos indemnizáveis sofridos pelo 1.ºA/recorrente, dão lugar, para além da concretização que ainda terá que ser feita em incidente de liquidação, aos seguintes montantes:

A € 80.000,00, a título de dano biológico (vertente patrimonial);

A € 40.000,00, a título de danos não patrimoniais;

A € 4.151,36, pelas despesas tidas com tratamentos, internamentos, exames, consultas, cirurgias e medicamentos; e

Ao que resultar dos juros moratórios referidos, desde 30/03/2014 quanto aos danos patrimoniais e desde a sentença quanto aos danos não patrimoniais.

Porém, face à repartição de culpa fixada na produção do acidente, a R. só é responsável por 65% de tais montantes, ou seja, só é responsável por:

 - € 52.000,00, a título de dano biológico (vertente patrimonial);

 - € 26.000,00, a título de danos não patrimoniais;

 - € 2.698,38, pelas despesas tidas com tratamentos, internamentos, exames, consultas, cirurgias e medicamentos.

Sucede, é onde se pretende chegar, que o acórdão recorrido, tendo computado os danos não patrimoniais nos mesmos € 40.000,00, não lhe aplicou depois a percentagem de culpa por que a R. é responsável, pelo que, não podendo haver “reformatio in pejus”, terá a condenação imposta pelo acórdão recorrido, a título de danos não patrimoniais, que se manter[17].

*

IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a revista, condenando-se a R. a pagar ao 1.º A. e ora recorrente:

a) a quantia a liquidar em incidente de liquidação relativa ao valor devido a título de indemnização por perdas salariais, pelo período de 368 dias, calculada com base na remuneração auferida na data do acidente, quantia à qual será deduzida de 35%, correspondente à percentagem da responsabilidade do 1.º autor na produção do acidente de viação, a que acrescem os juros de mora à taxa legal de 4%, devidos desde 30/03/2014 até efetivo e integral pagamento;

b) A quantia de € 92.000,00, da qual € 52.000,00 são a título de dano biológico (na vertente patrimonial) e € 40.000,00 como compensação pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, sendo incidentes sobre a quantia de € 52.000,00 desde 30/03/2014 até efetivo e integral pagamento e sendo incidentes sobre a quantia de € 40.000,00 desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento;

c) A quantia de € 2.698,38, de despesas com tratamentos, internamentos, exames, consultas, cirurgias e medicamentos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde 30/03/2014 até efetivo e integral pagamento.

*

Custas, na 1.ª instância, a cargo do 1.ª A. e da R., na proporção de 4/5 e 1/5; na 2.ª instância, a apelação do 1.º A integralmente a seu cargo e a apelação da R., na proporção de ¾ e ¼ por R. e 1.º A, respetivamente; e aqui, da revista, na proporção de 29/30 e 1/30 por 1.º A e R., respetivamente.

*

Lisboa, 30/11/2021

António Barateiro Martins (Relator)

Luís Espírito Santo

Ana Paula Boularot

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

______________________________________________________


[1] Após um primeiro Acórdão, anulado por Acórdão deste STJ de 08/04/2021.
[2] Interposta apenas pelo 1.ºA., estando assim estabilizada a indemnização/condenação de € 3.937,05 (e juros desde a citação) concedida ao 2.º A..

[3] Lebre de Freitas, CPC anotado, Vol. II, pág. 763.

[4] Maria José Capelo, A sentença entre a Autoridade e a Prova, pág. 212/3.
[5] Cfr. Preâmbulo do DL 329-A/95.
[6] Maria José Capelo, obra e local citados, pág. 218.
[7] Após a 1.ª reapreciação efetuada, como foi o caso, na Relação.

[8] Aliás, em linha com tal divergência não fazer parte do objeto da apelação, o acórdão recorrido não fez, sem que o aqui recorrente diga que o mesmo incorre em nulidade por omissão de pronuncia, qualquer apreciação sobre a repartição da culpa na produção do acidente.

[9] Preambulo da Portaria em que, vale a pena aqui mencioná-lo, se diz que “só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua atividade profissional habitual ou qualquer outra”, para logo a seguir se acrescentar que “ainda que o lesado não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”.
[10] J. Álvaro Dias, in Dano Corporal, pág. 395.

[11] A expressão “dano biológico”, traduzindo o dano à saúde, terá surgido jurisprudencialmente em Itália, o que terá acontecido por o art. 2059.º da lei italiana apenas permitir (ao contrário do nosso art. 496.º do C. Civil) o ressarcimento do dano não patrimonial “nos casos determinados na lei”, ou seja, terá surgido em Itália para ampliar o conceito de dano e permitir a indemnização de danos e lesões que doutro modo não seriam abrangidos pelo referido art. 2059.º, o que, segundo alguns (v. g. Calvão da Silva, in Compra e venda de Coisa Defeituosa, pág. 215), seria desnecessário entre nós.

[12] Acrescentando-se, como é hoje mais ou menos pacífico, que tais fórmulas devem garantir, ano após ano, a manutenção em termos reais da prestação (e não em termos meramente nominais), para o que é forçoso que as fórmulas contemplem a inflação anual, os ganhos de produtividade e as evoluções de rendimentos.

[13]

C = capital a depositar logo no 1º ano;

P = prestação a pagar no 1º ano;

N = Número de anos (50) porque a prestação se há de manter

i = taxa de juro, sendo i =

r = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (3,0% - taxa ajustada à média ponderada dum longo período temporal);

k = taxa anual de crescimento de P (2 % - taxa de crescimento que, no longo prazo, se afigura razoável/expectável para o crescimento do PIB).

Fórmula esta que, salienta-se, é a mesma que a Portaria 377/2008 utiliza; porém, como a seguinte diferença: em vez da taxa de 5%, utilizámos a taxa de 3 % como taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (sem prejuízo de se reconhecer que, nos últimos anos, até tal taxa de 3% poder pecar por excesso; e dizemos “excesso”, uma vez que, quanto maior é a taxa, menor é o valor do capital a que se chega a final).
[14] Pires de lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, 4ª ed., Vol. 1º, p. 501.

[15] Tendo presente – é sempre neste pressuposto que no presente recurso se aprecia o juízo de equidade – que a sentença recorrida reportou e fixou tal valor com referência à sua própria data.

[16] Cfr., entre outros, acórdãos deste STJ de 04/06/2015 (tendo em consideração: (i) as circunstâncias do acidente, o sofrimento que implicou, os tratamentos médicos, intervenções, internamentos e períodos que se lhe seguiram que se prolongaram no tempo, tendo a lesada apenas tido alta mais de 4 anos depois do acidente; (ii) a repercussão não patrimonial da incapacidade parcial permanente fixada à autora; (iii) as sequelas do acidente, as repercussões estéticas, as dores e demais sofrimento que se prolongarão pela vida da autora, que à data do acidente era saudável e tinha apenas 17 anos, e, finalmente; (iv) o grau de culpa da condutora do veículo causador do acidente que resultou de uma infracção séria às regras de circulação automóvel, traduzidas no desrespeito de um sinal de stop colocado à entrada de um cruzamento, mostra-se ajustado fixar a indemnização devida à autora por danos não patrimoniais em € 40 000,00, como decidiu a Relação), de 29-10-2019 (considerando (i) as cinco intervenções cirúrgicas a que o autor se submeteu, (ii) os tratamentos de fisioterapia durante cerca de dois anos, (iii) a dor física que padeceu (grau 4 numa escala de 1 a 7), (iv) o dano estético (grau 3 numa escala de 1 a 7), a afetação permanente nas atividades desportivas e de lazer (grau 3 numa escala de 1 a 7), (v) a limitação funcional do membro superior esquerdo em relação a alguns movimentos, (vi) a dor ligeira da anca no máximo da flexão e ao ficar de cócoras, (vii) a tristeza, a depressão e o desgosto, considera-se adequado compensar estes danos não patrimoniais no montante de € 30 000,00, reduzindo-se, assim, a indemnização fixada pela Relação) e de 28-01-2016 (resultando da factualidade provada que, em consequência do acidente, o lesado foi submetido a quatro operações, padeceu de dores intensas, antes e após as intervenções cirúrgicas a que foi submetido, esteve internado por longos períodos, teve de efectuar tratamentos de reabilitação e que terá ainda de se submeter a mais duas operações, tendo ficado com uma cicatriz com 50cm de comprimento - o que lhe determinou a atribuição de um quantum doloris de grau 5 numa escala de 7 e de um dano estético de grau 4 numa escala de 7 - justificar-se-ia fixar uma indemnização por danos não patrimoniais total no valor de €40.000,00).

[17] Na condenação, incluir-se-ão também os 65% correspondentes aos € 4.151,36, das despesas tidas com tratamentos, internamentos, exames, consultas, cirurgias e medicamentos, condenação essa incluída na parte em que o acórdão recorrido mantém o decidido na 1.ª Instância e que agora terá o acréscimo de juros que vão de 30/03/2014 à data da citação para esta ação.