Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05P767
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA MADEIRA
Descritores: BUSCA
ORGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
NULIDADE
MEDIDA CAUTELAR
Nº do Documento: SJ200504070007675
Data do Acordão: 04/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T J ELVAS
Processo no Tribunal Recurso: 68/04
Data: 01/04/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIAL.
Sumário : I - O artigo 251 do Código de Processo Penal admite, como medida cautelar, que, em caso de urgência, os órgãos de polícia criminal procedam à revista de suspeitos e a buscas nos lugares onde eles se encontrem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de prova e que, de outra forma, poderiam perder-se.
II - A urgência da medida e alguma preocupação com a salvaguarda de eficácia da investigação justificam a atribuição de competência às polícias para a sua prática, ainda antes de lhes serem ordenadas ou autorizadas pelo juiz de instrução.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. O Ministério Público acusou, em processo comum, PGPJ, devidamente identificado, imputando-lhe a prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL 15/93 de 22 Janeiro.
Efectuado o julgamento, veio a ser proferida sentença em que, além do mais, foi decidido:

I. condenar o arguido PGPJ, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-A anexa, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.

II. Decretar o perdimento das substâncias estupefacientes apreendidas.
Inconformado, recorre o arguido ao Supremo Tribunal de Justiça com pedido de alegações por escrito, assim delimitando conclusivamente o objecto do recurso:

1. Deu-se como provado,... surgindo suspeitas, nomeadamente motivadas pelas versões contraditórias apresentadas pelo arguido sobre a sua proveniência foi efectuada uma busca ao referido automóvel .

2. O princípio geral é de que a busca, deve ser sempre previamente ordenada pela autoridade judiciária competente, o que não aconteceu.
3. Não estavam verificadas quaisquer das condicionantes, de qualquer das alíneas do n°4 do art.° 174° do CPP.

4. O arguido não era suspeito da prática do crime de tráfico de droga no momento prévio à realização da busca.

5. Não esteve presente, uma indiciação segura da prática de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade física de alguém.

6. Quanto às alíneas b) e c) do n°4 do art.° 174°, elas também não se verificavam no momento da busca.

7. O circunstancialismo dado como provado não é susceptível de enquadrar o disposto no art.° 251° do CPP.

8. Nomeadamente por não estarem verificados os seus requisitos cumulativos.

9. O arguido não era suspeito da prática de um crime, mas antes, verificou-se uma versão contraditória quanto à origem da viagem e por isso suspeita.

10. Não estava em causa a fuga do arguido.

11. Não havia, nem se alegou, a existência de fundadas razões para crer que dentro do carro estava algo de ilícito, não se bastando a lei com meras suspeitas.

12. Poderia ter sido o carro apreendido e ter-se recorrido a um mandado de busca emitido por uma autoridade judiciária.

13. Nos termos dos artigos 125. ° e 126° n°3 do CPP, foi posto em causa a validade do meio de prova consistente na primeira busca, com o efeito de inviabilizar a possibilidade de o seu resultado fundamentar a decisão de facto, pois está em causa uma intromissão ilegal na vida privada, direito, constitucionalmente garantido.

14. A busca ao veículo automóvel particular usado pelo arguido é um espaço reservado, susceptível de guardar sinais da vida privada do arguido, devendo pois, a sua intromissão, ser sujeita ás regras do artigo 174° do CPP.

15. A proceder a questão da proibição de prova, em relação à primeira busca, outros meios de prova que tenha daqui resultado, também são nulos nos termos do disposto no art.° 122. ° do CPP.

16. Em todo o caso, na segunda busca preteriu-se a formalidade essencial prevista no n°1 do art.° 176°, que pelas mesmas razões também representa uma proibição de prova.

17. É esta a melhor interpretação dos artigos 122°, 126. ° n. ° 3, 174°, 176° e 251° do CPP, por a dar-se-lhe outra, estas norma estarem feridas de inconstitucionalidade por contenderem com o estatuído nos artigos 18°, 32° e 34 da CRP.

18. O arguido foi condenado na pena de 5 anos e 9 anos de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no artigo 21°, n°1 do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro.

19. O arguido não tinha bens, nem se apurou que tivesse auferido qualquer tipo de remuneração pelo transporte ou lucro posterior.

20. O arguido vivia com dificuldades e estava desempregado antes de ser detido nestes autos.

21. A droga foi toda apreendida, não tendo chegado a qualquer consumidor.

22. A pena concretamente aplicada ao arguido deverá assim ser reduzida.
Normas jurídicas violadas:
- Artigos 40.º e 71°do C.P.
- Artigos 122°, 126°, 174°, 176° e 251° do CPP.
- Artigos 18°, 32° e 34.º da CRP.

Termina pedindo, no provimento do recurso, que deva
a) declarar-se a nulidade dos meios de prova - busca - com todas as consequências legais; ou,
b) reduzir-se a pena concretamente aplicada ao recorrente.

Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido em defesa do julgado.

Subidos os autos e tendo sido fixado prazo para a produção das requeridas alegações escritas e destacadas as questões essenciais a tratar - pretensa nulidade da busca ao automóvel e medida da pena - ambas as partes mantiveram e desenvolveram os seus pontos de vista, arrimando-se o recorrente, para fazer vingar a questão da nulidade de prova invocada, e apesar de reconhecer que «a doutrina maioritária é contrária à posição que ora defende», no voto de vencido produzido em 12/12/2001, no recurso n.º 01P3075.

Como se colhe do exposto, são duas as questões a que urge dar resposta:
- Pretensa nulidade da prova emergente da nulidade da busca efectuada ao veículo onde foi encontrada a droga;
- Medida concreta da pena que o recorrente quer ver reduzida

2. Colhidos os vistos, legais, cumpre decidir.

Vejamos os factos provados:

1) No dia 29 de Maio de 2004, na fronteira do Caia - Elvas, o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula VQ alugado à firma Real Car, quando foi fiscalizado pela GNR.

2) Surgindo suspeitas, nomeadamente motivadas pelas versões contraditórias apresentadas pelo arguido sobre a sua proveniência, foi efectuada uma busca ao referido automóvel, no decurso da qual foram encontradas na consola, por baixo do volante, duas embalagens acondicionadas com fita adesiva de cor castanha e uma outra embalagem na parte inferior do porta luvas, contendo essas três embalagens um pó de cor acastanhada, produto esse que, examinado no L.P.C. da Polícia Judiciária revelou tratar-se de heroína, tendo o peso bruto total de 1536,2 gramas (peso líquido de 1502.8 gramas, ou seja, peso bruto - 33,4 gramas de tara).

3) Na sequência de um procedimento de rotina, foi efectuada nova busca à referida viatura, na qual se procedeu à desmontagem do tablier, vindo a ser encontrada uma embalagem atrás do volante e duas na zona situada entre o porta-luvas e o chassis da viatura. Tais embalagens continham igualmente pó acastanhado, com o peso bruto de 1532,2 gramas (peso líquido de 1499.1 gramas, ou seja, peso bruto - 33,1 gramas de tara), o qual, igualmente submetido a exame, revelou tratar-se também de heroína.

4) No desenrolar do inquérito, já após a apreensão referida em 3), o arguido veio a referir que transportava mais três embalagens de heroína no falado veículo.

5) A heroína é uma substância que consta da Tabela I-A anexa ao Dec-Lei 15/93 de 22 de Janeiro.

6) O arguido transportava toda essa heroína, conhecendo as características do produto que transportava, sabendo igualmente que tal detenção e transporte é legalmente proibido, agindo, livre e conscientemente.

Da discussão da causa resultou ainda provado que:

A ) Antecedentes criminais do arguido :
Foi condenado , por decisão proferida em 21.07.1999 , no 1º Juízo , 1ª Secção do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa , pela prática, no dia 20.07.1999, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º , nº 2 do DL 2/98 , de 03.01 , na pena de 80 dias de multa .

Foi condenado , por decisão proferida em 12.11.1999 , no 2º Juízo Criminal , 1ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Loures , pela prática , no dia 11.11.1999 , de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. p. artº 3º , números 1 e 2 do DL 2/98 , de 03.01 , na pena de 120 dias de multa .
B ) O arguido , antes de se encontrar preso preventivamente , estava desempregado .

3) Habitava casa arrendada, pagando mensalmente de renda o equivalente (em euros) a 90.000$00.

4) Vivia com uma companheira e 2 filhos, com 8 e 11 anos.

5) Como habilitações literárias tem equivalente ao 9º ano de escolaridade, tirado em Bissau.

Não se provou que:

A apreensão referida em 3) dos factos provados tivesse de alguma forma sido originada por qualquer referência prévia efectuada pelo arguido .

Nesta matéria de facto não se vislumbram vícios capazes de a afectarem, mormente os referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Daí que se tenha como definitivamente adquirida.

Vejamos as questões postas:
A. Pretensa nulidade da prova:
Pese embora a invocação do falado voto de vencido, o certo é que, como o próprio recorrente reconhece, a jurisprudência maioritária, mormente deste Supremo Tribunal, não o favorece.
Nem as circunstâncias do caso.
Com efeito, tal como defende o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação:
«Na tese defendida não tendo as buscas sido precedidas de despacho prévio de autoridade judiciária, e não se verificando nenhum dos pressupostos a que se referem os art.s. 174.º e 251.º ambos do CPP.
Porém, ao contrário do recorrente, não temos quaisquer dúvidas de que se verificava, no momento concreto em que foi realizada a busca, a situação prevista na alínea a) do n. ° 1 do art. 251.º do CPP.
Com efeito, as suspeitas não eram, como o recorrente pretende fazer crer, reconduzíveis a muitos tipos de crime, mas sim directamente apontadas ao tráfico de estupefacientes.
E tanto assim é, que como resulta do próprio auto de noticia, ‘por ter levantado suspeitas, quanto à verdadeira razão da sua ida a Espanha, foi chamado um binómio da Brigada Fiscal de Elvas, especializado na detecção de drogas, composto pelo Cabo n. ° 856227 - JA e o canino ‘Bokui ", que passaram busca à viatura".
De resto, não pode deixar de salientar-se que as circunstâncias concretas do caso - a travessia da fronteira com automóvel alugado, o nervosismo revelado perante os elementos policiais e as contradições reveladas nas explicações fornecidas - eram de molde a suscitar em agentes experimentados as suspeitas de existência no veículo de substâncias psicotrópicas.

Por isso, a opção pela realização de uma busca no automóvel era justificada, tanto mais que se estava perante um grau de violação do direito a reserva da vida privada do condutor algo diminuto.
Por outro lado, foi posteriormente validada pelo JIC, ao menos implicitamente, por acto donde resulte sem equívocos, que a relevou, como foi a própria validação das apreensões efectuadas e da detenção do arguido, tudo sem que o arguido e seu representante questionassem tal validade em fase anterior a este recurso.
De resto, em termo algo semelhantes se decidiu no ACSTJ 26.09.01 - Proc. nº 2140/01/3.ª:

"I - Resultando do factualismo provado que o arguido levantou suspeitas aos agentes da PSP, não só por ter efectuado manobra de inversão de marcha quando surpreendido por aqueles a conduzir pela metade esquerda da faixa de rodagem considerando o seu sentido de trânsito, mas também quando, depois de haver de novo passado no local e de ter parado em obediência a sinal daqueles e ter saído do veículo automóvel, trancou as portas do mesmo, tal circunstancialismo, conexionado com a hora a que os factos ocorreram (5h 30m da madrugada) e a frequência da utilização de veículos no tráfico de estupefacientes, é adequado, quando interpretado à luz da experiência comum, a levantar suspeitas de ocultação, no veículo, de produtos dessa natureza, a impor detenção do arguido e actuação com vista a evitar o periculum in mora na apreensão de tais objectos relacionados com o crime de tráfico.

II - O descrito circunstancialismo preenche os requisitos da possibilidade de busca, previstos na al. a) do n. ° 1 do art. 251, do CPP, numa interpretação razoável, adequada à sua teleologia substancial, que permite o sacrifício mesmo da privacidade do suspeito e a apreensão de objectos que haja razão para crer que possam encontrar-se ocultados no lugar em que se encontrar, relacionados com o crime de que se levantaram suspeitas e que possa determinar a detenção".»
Entre as situações contempladas nos artigos 174.º, n.º 4 c), e 251.º do Código de Processo Penal, existe um certo paralelismo.

No entanto, tal como acentua Maia Gonçalves (1), «cada uma destas normas tem o seu campo de aplicação específico: o periculum in moram, pressuposto da regulamentação daquela alínea [c) do n.º 4 do artigo 174.º], é apenas aceitável no caso de haver lugar a detenção em flagrante delito, enquanto que como pressuposto do artigo 251.º basta a fuga iminente de um suspeito, o que não é recondutível ao conceito de flagrante delito (pode nem haver delito), ou que haja razões para crer que os revistados ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência.

No caso deste artigo 251.º trata-se de uma nítida medida cautelar, de uma actividade típica de polícia, visando evitar a perda de um meio de prova que poderá desaparecer se não forem tomadas cautelas imediatas, por parecer iminente a fuga de um suspeito ou por existir fundada razão de que o lugar onde ele se encontra oculta objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servir a prova, e que de outra forma poderiam perder-se.»

E mais adiante:
«Este artigo 251 aplica-se fora de flagrante delito, bastando uma fuga iminente daquele que vai ser revistado (...)».
Por seu lado, ensina o Prof. Germano Marques da Silva (2) que «além das hipóteses excepcionais admitidas pelo artigo 174, n.º 4, o artigo 251 admite também como medida cautelar que, em caso de urgência, os órgãos de polícia criminal procedam à revista de suspeitos e a buscas nos lugares onde eles se encontrem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de prova e que, de outra forma, poderiam perder-se. A urgência da medida e a utilidade para o processo justificam a atribuição de competência às polícias para a sua prática, ainda antes de lhes serem ordenadas ou autorizadas».

São portanto medidas urgentes, que importa adoptar em face das circunstâncias do caso, com vista a evitar, nomeadamente, a perda das provas presumidamente albergadas pelo objecto da busca. E cuja execução eficaz é incompatível, por isso mesmo, com qualquer dilação, nomeadamente a condição de imposição de prévia autorização judicial.

No caso, o recorrente, provindo de Espanha ao volante do veículo automóvel referido supra, foi objecto de uma vulgar operação de fiscalização de trânsito e controle de documentação na fronteira do Caia - Elvas.

Em alguns minutos apresentou duas versões contraditórias sobre os motivos da ida a Espanha. Levantou assim fundadas suspeitas quanto à verdadeira razão dessa viagem, nomeadamente quanto à sua eventual implicação no tráfico de droga, pelo que o autuante chamou ao local um «binómio» da Brigada Fiscal de Elvas, especializado em detecção de drogas, constituído pelo Cabo JA e pelo canino Bokui, que, em face de tais suspeitas, passaram busca à viatura.

E foi nessa sequência que foram apreendidos os cerca de 3 kg de heroína, dissimulada em vários locais do veículo.
Se é certo que o respeito pelos direitos fundamentais há-de ser sempre o farol que ilumina o processo penal, à luz, nomeadamente, do estatuído no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, importa, todavia atentar em que, por um lado, o regime da inviolabilidade de domicílio - art.º 34.º da Lei Fundamental - não tem aplicação em casos como o presente já que se reveste de uma consistência mais densa do que a de outros locais ou objectos, ou não demandasse ela uma disposição específica no próprio texto constitucional. E, por outro, que, esses direitos, sendo embora fundamentais, não podem, individualmente, sobrepor-se à prossecução de outros de cariz individual ou colectivo que a própria Constituição coloca à sua frente.

É o caso, nomeadamente, do direito à segurança, também ele um direito fundamental - art.º 27.º, n.º 1.
Daí que importe salvaguardar um mínimo de eficácia à investigação criminal sob pena de muitos desses direitos fundamentais não lograrem efectiva protecção.

Essa salvaguarda implica a necessária e proporcional compressão de alguns desses direitos, dentro dos limites que o legislador tem como suportáveis.

Voltando ao caso, esses limites recebem consagração no citado artigo 251.º do Código de Processo Penal.
Tratando-se, como se viu, de uma disposição processual de natureza eminentemente cautelar, voltada para situações de emergência em que a suspeita de existência de prova de um crime não se compadece com demoras sob pena da sua evaporação, a sua aplicação tem de bastar-se com tal suspeita, seja ela anterior ou concomitante à intervenção da autoridade judiciária, desde que suportada em fundamento razoável e que, pela natureza das coisas, nem sequer carece de ser isenta de toda a dúvida.

Esse fundamento surgiu após a intercepção do arguido para controlo de identificação.
Ante os sinais contraditórios, nomeadamente as várias e divergentes explicações sobre os motivos da viagem que acabava de efectuar a Espanha, o autuante, justificadamente, suspeitou que a actuação e o comportamento esquivo do arguido denunciavam comprometimento com tráfico de droga. Por isso, chamou ao local agente especializado em tal tráfico, e só depois foi efectuada a vistoria ao veículo, com os resultados conhecidos: cerca de 3 kg de heroína dissimulada em vários locais.

Para além de não serem chamadas ao caso, como se viu, as cautelas mais exigentes que rodeiam a inviolabilidade de domicílio, e que o recorrente parece querer ver aqui aplicadas, a actuação policial foi rodeada de ponderação e das necessárias cautelas, irrepreensível, portanto, tendo em conta que o agente autuante, não obstante a suspeita de que ficou possuído, se absteve de fazer a busca por si e sem antes fazer nela intervir a unidade especializada.

Estes procedimentos cautelares, justamente porque o são, não podem prescindir do imediatismo da decisão e da acção, sob pena de a investigação criminal ser relegada ainda mais para o rol das inutilidades. Com efeito, que resultados seriam de esperar se o arguido tivesse recebido ordem de marcha para, mais tarde, a diligência ser efectuada com ordem de um juiz? Que a droga lá ficasse à espera, esquecida, para ser finalmente encontrada?...

A diligência tinha de ser, como foi, efectuada de imediato, o que a lei permite e o bom senso sempre exigiria.
Improcede este aspecto da alegação do recorrente.
B. A medida da pena
Afirma o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto:
«Em relação à medida da pena aplicada apela o recorrente à sua diminuição.

Primeiro invocando a "primariedade" do arguido em relação aos crimes de tráfico, argumento que pouco valor terá da forma em que é colocado, sem embargo de se reconhecer a menor gravidade dos ilícitos anteriormente cometidos, depois procura enquadrar a sua situação no caso dos chamados "correios de droga" que considera similares aos seus, alegando que não ficou provado qualquer ganho económico pelo transporte.

Porém, também aqui, não pode deixar de ter-se em atenção que os factos provados não são suficientes para considerar o arguido como "correio de droga", cuja situação nos negócios de tráfico não é de desvalorizar por completo face á sua importância considerável no processo de transporte, em quantidades razoáveis, em fragmentação de vias e rotas, com a consequente diminuição das probabilidades de controlos e detecção.

Por outro lado, se as dificuldades económicas dos agentes neles envolvidos não é suficiente para desculpabilizar o tráfico de estupefacientes, pode, nalgumas circunstâncias - os casos invocados pelo recorrente de correios internacionais, normalmente do continente sul americano, vivendo em situação de extrema miséria -, justificar a aplicação de penas próximas do respectivo mínimo legal.

Mas, no caso, do recorrente não é essa a situação que resulta da factualidade provada.
Finalmente, se dirá que a invocada "tentativa de colaboração" ou mesmo a confissão parcial, serão de pouca relevância, pois não se provou que foi determinante para a descoberta da verdade, tanto mais que o recorrente foi encontrado com a heroína em seu poder, enquanto o suposto bom comportamento prisional não releva como atenuante, por corresponder ao que é exigível a qualquer recluso.

Acresce que o grau de ilicitude é bastante elevado, face à apreciável quantidade de estupefaciente em causa e à natureza do mesmo: cerca de 3 kg de heroína.

Por tudo isso, tendo em atenção, a moldura penal do crime por que o arguido foi condenado relativamente perto dos seu limite mínimo, não se vê como, na ausência de circunstâncias que mitiguem a culpa, a ilicitude ou as exigências de prevenção, possa tal pena ser fixada em medida inferior, quando é certo também, que a mesma pena se mostra equilibrada e proporcionada ao seu grau de culpa e responde de forma adequada às exigências de prevenção e de reintegração do arguido na sociedade, não nos merecendo qualquer reparo.»

Estas considerações são totalmente pertinentes e nada há a acrescentar-lhe.
Apesar do elevado grau da ilicitude e da culpa, a pena aplicada está muito aquém, sequer, de atingir o ponto médio da moldura abstracta, o que não permite qualificá-la como demasiado pesada.

Todavia, devendo preocupar sempre a necessidade de garantir igual tratamento em equivalência de situações, e levando em conta a situação sócio-económica do recorrente que estava desempregado e tinha dois filhos menores a cargo, entende-se por mais adequada aos factos a pena de 5 anos de prisão em vez da que lhe foi aplicada.
Procede, por conseguinte, parcialmente, neste ponto, a impugnação do recorrente.

3. Termos em que, concedendo parcial provimento ao recurso, fixam a pena nos sobreditos termos. Mas negando-o no mais, confirmam inteiramente a decisão recorrida.
O recorrente pagará pelo decaimento, taxa de justiça que se fixa em 8 unidades de conta.

Lisboa, 7 de Abril de 2005
Pereira Madeira,
Simas Santos,
Santos Carvalho.
___________________
(1) Cfr. Código de Processo Penal 13.ª edição, 2002, págs. 528
(2) Curso de Processo Penal III, edição Verbo, 2000, págs. 68