Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6646/04.0TBCSC.L1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
RESTITUIÇÃO DO SINAL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 05/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / SINAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÃO / MULTAS E INDEMNIZAÇÃO / RESPONSABILIDADE NO CASO DE MÁ-FÉ, NOÇÃO DE MÁ-FÉ.
Doutrina:
- António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. VII – Direito das Obrigações – Contratos. Negócios Unilaterais, Coimbra, Almedina, 2018, p. 383 ; Litigância de má fé, abuso do direito de ação e culpa “in agendo”, Coimbra, Almedina, 2014, 3.ª edição, p. 45 e 65;
- João Calvão da Silva, Sinal e contrato-promessa, Coimbra, Almedina, 2017 (14.ª edição), p. 93, 210-213;
- Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra. Coimbra Editora, 2011, p. 754-758;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 420.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 442.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 542.º, N.º 2.
Sumário :
I. Não sendo possível a execução específica do contrato-promessa, tem o promitente-adquirente a possibilidade de optar pela restituição do sinal em dobro (cfr. artigo 442.º, n.º 2, 2.ª parte, 1.ª alternativa, do CC) ou pelo aumento (intercalar) do valor da coisa (cfr. artigo 442.º, n.º 2, 2.ª parte, 2.ª alternativa, do CC).

II. A litigância de má fé visa sancionar e, portanto, combater a “má conduta processual”, devendo ser condenado em litigância de má fé, quem, com dolo ou negligência grave, adoptar uma conduta reprovável do tipo das referidas no artigo 542.º, n.º 2, do CPC, independentemente dos resultados que com ela sejam, a final, atingidos.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. RELATÓRIO

                                                                                          


AA instaurou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra BB e mulher, CC, DD e mulher, EE, pedindo:

a) que se declare a Execução Específica do Contrato Promessa de Compra e Venda invocado, emitindo o Tribunal a competente Declaração Judicial que substitua a Escritura Pública de Compra e Venda, em cumprimento do acordado no contrato-promessa celebrado em 14 de Outubro de 1986 relativamente à fracção “O”, correspondente à loja direita do prédio designado por Lote B, sito na Rua …, n° 197, em …, Freguesia do …, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob a ficha 03...8 da freguesia do …, anteriormente sob o n° 4...9, a folhas 164 v° do Livro B-13 (1.ª), e inscrito na respectiva Matriz sob o artigo 5279;

b) em alternativa, caso não seja possível o Tribunal emitir uma Declaração Judicial (sentença) que produza os efeitos da Declaração negocial em substituição do comportamento faltoso dos RR., serem estes condenados a ver declarada a resolução, por seu incumprimento, do Contrato Promessa atrás descrito, e condenados ainda, a pagar ao A. a quantia 348.625,00 Euros (Pte. 69.893.037$00), e a restituir-lhe a quantia de 29.927,87 Euros (Pte. 6.000.000$00), entregue a título de sinal e reforço de sinal, sendo ambas as quantias acrescidas de juros legais, a partir da citação, até total pagamento, tudo com as legais consequências.

Para o efeito, o A. alegou, em súmula, que celebrou com os RR. um contrato-promessa relativo a uma fracção autónoma no ano de 1986, pelo preço de sete milhões e quinhentos mil escudos (37.409,84 €) dos quais entregou seis milhões de escudos (29.927.87 €). Referiu que não foi ainda possível celebrar a escritura de compra e venda, pro culpa exclusiva dos RR., que invocam, para tanto, que não terem ainda logrado constituir a propriedade horizontal do imóvel onde se situa a fracção.

Competindo aos RR. a marcação do local para a realização da escritura pública – uma vez que a data estava já pré-fixada pelos RR. para o dia 30 de Abril de 1987 -, e não o tendo feito, o A. interpelou os mesmos várias vezes para cumprirem, tendo procedido à marcação da respectiva data para a escritura pública junto do Cartório Notarial, sendo que os RR. nunca compareceram. Passados anos tomou conhecimento que não era possível outorgar a escritura pública por não se encontrar constituída a propriedade horizontal do Bloco onde se situava a loja prometida vender, situação que ainda hoje se mantém.

Perante os graves prejuízos causados por essa situação, o A. comunicou aos RR., em 06 de Junho de 2000, uma proposta de resolução extrajudicial desta situação, propondo-lhes que adquirissem aquela fracção pelo valor de Pte. 40.000.000$00 que, mesmo entendendo que estava muito abaixo do seu valor real, era uma forma de ultrapassar a questão. Dessa proposta nunca recebeu qualquer resposta dos RR.

Perante esta realidade, conclui pela execução do contrato. No caso de a mesma não ser possível pede, em alternativa, que seja declarado o respectivo incumprimento por culpa dos RR., que o devem indemnizar de todos os prejuízos sofridos, nomeadamente, com as despesas com as benfeitorias realizadas na loja, cuja tradição foi realizada com a celebração do contrato promessa, no que despendeu Pte. 15.000.000$00 (€ 75.000,00).

Optando pela indemnização correspondente ao valor do imóvel, ao tempo do incumprimento definitivo do contrato que, segundo defende, ocorreu a 18.10.2001 sendo o seu valor, àquela data, de pelo menos € 273.625,00 o A. conclui pela indemnização global de € 348.625,00 devendo, ainda, serem-lhe restituídas as quantias que entregou a título de sinal e reforço de sinal, no montante de € 29.927,87 sendo que a todas as quantias devem acrescer os juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

Com a instalação na fracção prometida vender despendeu a quantia de 75.000,00 Euros, pelo que é manifesto que a simples restituição do sinal prestado em dobro, nem sequer cobriria os prejuízos efectivos sofridos pelo A., mercê da desvalorização monetária ocorrida, desde a data da celebração do contrato, até à data do incumprimento.

Por isso, o A. opta pela indemnização correspondente ao valor, ao tempo do incumprimento (artigo 442º, nº 2 do Código Civil, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de Novembro).

À data do incumprimento definitivo do contrato que se afigura ser a 18.10.2001, data em que foi lavrado o Instrumento Notarial de protesto por falta de comparência dos RR. promitentes vendedores, a fracção em causa prometida vender, valia pelo menos 273.625,00 Euros.

Conclui, assim, que a indemnização a ser-lhe concedida deve, pois, ser computada em 348.625,00 Euros (Esc. 69.893.037$00), devendo ainda serem-lhe restituídas as quantias que entregou, a título de sinal e reforço de sinal, no montante total de 29.927,87 Euros (Esc. 6.000.000$00).

Citados, os Réus contestaram, por impugnação e por excepção, invocando, em súmula:

- a ilegitimidade das Rés mulheres por não terem celebrado o contrato-promessa;

- a ilegitimidade do A., por estar desacompanhado do seu cônjuge;

Defenderam ainda que o que foi prometido vender foi uma fracção autónoma não autonomizada. O A. sabia que o prédio não estava constituído em propriedade horizontal, ficando a data da escritura dependente da constituição da propriedade horizontal.

Os RR. maridos sempre diligenciaram para a constituição da propriedade horizontal, tudo fazendo para cumprir o contrato: inscreveram o mesmo na matriz, solicitaram emissão de licença de habitação, a qual foi concedida, contrataram solicitador para celebrar a escritura da constituição da propriedade horizontal, procederam ao destaque do terreno onde construíram prédio; convocaram reuniões do condomínio entre 1995 e 1997 para autorização da alteração da propriedade horizontal do bloco A, obtendo só a de alguns dos condóminos, contrataram advogado para tal alteração, apresentado acção para suprimento da vontade e encontrando-se a correr termos outra acção para a constituição da propriedade horizontal por usucapião, na qual apresentaram por duas vezes requerimentos a pedir celeridade invocando a dependência da realização das compra e venda relativamente a tal processo.

Defenderam, também, que mesmo que não seja possível a constituição da propriedade horizontal não incumpriram o contrato, ocorrendo, sim, impossibilidade superveniente desse cumprimento.

Referiram ainda que o artigo 442º do Código Civil não é aplicável à simples mora e, no caso, não se verifica o incumprimento definitivo. Só não foi possível outorgar a escritura porque tal implicaria uma alteração à propriedade horizontal do bloco A) e os seus condóminos não a autorizaram.

Propuseram a venda de uma quota do prédio ao A., o que este não aceitou. O A. enviou aos RR. mais duas cartas para além das por aquele juntas informando do estado do processo e vontade de celebrar a escritura.

Referiram que é legítimo que os AA., atento o tempo decorrido, tenham perdido interesse na manutenção do contrato-promessa mas, na acção, certo é que deduziram pedidos incompatíveis uma vez que não é viável a execução específica do contrato-promessa e, em simultâneo, referem que não têm já interesse na sua manutenção.

Defendem ainda que o contrato definitivo não pode ser celebrado enquanto não for constituída a propriedade horizontal – facto que não lhes é imputável -, e que o valor do imóvel era de 150.000,00 €. Em reconvenção, sustentam que os AA. com a instauração desta acção demonstram ter pedido interesse no contrato, pelo que deve ser considerado que o contrato foi incumprido por estes, perdendo o sinal e devendo indemnizar os RR. pelo seu uso ao longo destes anos.

Concluem, assim, pedindo que:

a) sejam declaradas como procedentes por provadas as invocadas excepções de ilegitimidade, absolvendo-se as RR. da instância;

Assim não se entendendo, pedem:

b) que seja a acção declarada improcedente, por não provada, e os RR. absolvidos do pedido;

Em qualquer dos casos:

c) Seja declarada procedente por provada a reconvenção, condenando-se os AA. no pagamento de uma indemnização, nos termos do artigo 473.º do Código Civil, no montante de € 218.500,00 acrescida de juros moratórios desde 14 de Outubro de 1986 até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização pela utilização/detenção do imóvel, desde essa data;

d) declarando-se o contrato sub judice como incumprido, por parte do A., atenta a posição tomada nos autos, com a consequente perda do sinal entregue;

e) Assim não se entendendo, deverá vir a reconhecer-se como legítimo, atenta a duração do prazo de cumprimento do contrato, o direito à resolução contratual por parte A., do contrato celebrado, uma vez que este alegou ter falta de interesse na manutenção do contrato promessa, devendo o Tribunal vir a decretar o contrato resolvido, com esse fundamento, com a consequente obrigação de entrega do imóvel aos RR., por parte do AA. e a obrigação de estes procederem à devolução do sinal em singelo, sem mais.

O A. replicou, pugnando pela improcedência das excepções de ilegitimidade e pedindo, à cautela, o chamamento do seu cônjuge, e impugnando o teor da contestação e reconvenção.

Foi suspenso o processo até trânsito em julgado da sentença que viesse a ser proferida no processo em que foi peticionada, pelos aqui RR., a constituição da propriedade horizontal por usucapião – Proc. 380/00, daquela mesmo Tribunal de Cascais.

Tendo o A. falecido no decurso da acção, vieram a ser habilitados, para em seu lugar prosseguirem a acção, FF, GG, HH e II.

Tendo também o Réu BB falecido no decurso da acção, vieram a ser habilitados, para em seu lugar prosseguirem a acção, JJ, KK, LL e a Ré mulher, CC, cônjuge que foi deste primitivo Réu.

Falecida ainda a primitiva Ré EE, vieram a ser habilitados, para no seu lugar prosseguirem a acção, MM, NN e OO.

Em sede de Audiência Prévia foi fixado o valor da causa, julgaram-se improcedentes todas as excepções de ilegitimidade invocadas, procedeu-se à identificação do objeto do litígio, tendo sido indicados os temas da prova e determinada a realização da requerida perícia.

Procedeu-se à realização de Julgamento tendo ali sido requerida, pelos AA., a ampliação do seu pedido inicial nos seguintes termos:

- subsidiariamente e caso o Tribunal considere não ser possível fixar um valor indemnizatório no tocante ao valor do imóvel à data do incumprimento, e o pedido de condenação dos RR. no pagamento de um valor indemnizatório no tocante ao valor do imóvel à data do incumprimento não proceda, que os mesmos sejam condenados, por lhes ser imputável o não cumprimento do contrato, no pagamento do sinal prestado em dobro, no caso, no valor de 59.855,74 €, acrescido de juros legais decorridos da citação e até integral pagamento.

Mais peticionam a condenação dos RR. como litigantes de má-fé, atenta a declaração junta aos autos em que se pode constatar que os mesmos venderam o imóvel aqui em apreciação a terceiros, em data posterior à do contrato-promessa celebrado com o A. Concluem, assim, pela condenação dos RR. a pagarem-lhes uma indemnização em valor não inferior a € 30.000,00, e todos os custos que tenham tido, no âmbito destes autos, com custas judiciais, honorários do signatário, tudo montantes a fixar a final, uma vez ouvidas as partes.

Este pedido de ampliação foi admitindo tendo, após a realização da prova, sido proferida sentença com o seguinte teor:


“Julga-se a ação parcialmente procedente declara-se a resolução do contrato-promessa por incumprimento imputável aos Réus BB e DD,

e condenam-se os herdeiros habilitados de BB e o Réu DD a pagar aos herdeiros habilitados de AA a quantia 135.518,03 € (cento e trinta e cinco mil, quinhentos e dezoito euros e três cêntimos), acrescida de juros à taxa aplicável às obrigações civis, atualmente de 4% ao ano, desde esta data até integral pagamento.

Absolvem as Rés de todos os pedidos.

Absolvem-se os RR. do demais pedido.

Absolvem-se os herdeiros habilitados de AA do pedido reconvencional.

Condenam-se os herdeiros habilitados de BB e o Réu DD a pagar uma multa e bem assim, uma indemnização aos AA., cujos valores se fixarão após a sua audição, nos termos do artigo 453º nº 3 do Código de Processo Civil”.

Inconformados, os RR. interpuseram recursos independentes de apelação. Para além das questões de direito suscitadas pelos RR, os mesmos impugnaram ainda a matéria de facto dada como provada e não Provada pelo Tribunal de 1.ª instância.

Remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferida decisão pelo Exmo. Desembargador Relator do processo determinando que os autos baixassem ao Tribunal de 1.ª instância para ali ser proferida decisão relativamente à fixação da multa e da indemnização aludidas na sentença proferida, decisão que integraria a condenação já proferida, sendo ainda dada a oportunidade às partes para, em complemento das alegações anteriormente apresentadas, se pronunciarem sobre este segmento da decisão.

Dando cumprimento ao antes determinado, o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª instância proferiu a seguinte decisão, que faz parte integrante da inicialmente proferida:

“Condenam-se os RR. como litigantes de má-fé em multa que se fixa em 15 UCs e no pagamento de indemnização à parte contrária que se fixa em € 15.000,00 (quinze mil euros)”.

Novamente inconformados, os RR. DD e dos habilitados da Ré EE, apresentaram complemento às alegações anteriormente apresentadas, pondo em crise a fixação daquelas multa e indemnização, por não terem base legal, e considerando-as, em qualquer caso, excessivas.

Os AA. contra-alegaram, em relação a este complemento das alegações iniciais, sustentando a manutenção da decisão proferida.

Seguiu-se a apresentação de vários requerimentos, tanto pelos RR. como pelos AA., os quais, considerando o Tribunal recorrido corresponderem à prática de actos que a lei não permite, não foram atendidos no processo.

Em Acórdão proferido em 25.09.2018 (fls. 879 e s.), o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu os pedidos formulados pelos RR. para alteração / aditamento da matéria de facto provada e não provada, mantendo-a na íntegra, e, julgando improcedente a apelação, confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Irresignados, recorreram agora os réus para este Supremo Tribunal de Justiça (fls. 961 e s.), pedindo que “o recurso se[ja] julgado procedente e provado como revista excepcional e, por via dele, com a reapreciação dos conceitos de indemnização como efetiva restituição de dano e de dolo da violação de boa fé:

a) se[ja] declarado o acórdão recorrido nulo por manter a clara contradição entre os seus fundamentos e a decisão e por condenar para além do pedido e em pedido subsidiário quando o pedido principal era possível;

b) em qualquer caso se[ja] o acórdão recorrido revogado sendo substituído por douto acórdão que reconheça a susceptibilidade de condenação no pedido principal com marcação de prazo de escritura, que julgue ilegal a condenação no pedido subsidiário em montante correspondente ao valor da fracção, quando os promitentes compradores já tinham cedido a posse da mesma e sem a dedução dos benefícios da exploração da fracção;

c) se[jam] os ora recorrentes absolvidos da condenação como litigantes de má fé, ou no mínimo se[jam] reajustados os montantes da condenação”.

Formulam os réus / ora recorrentes as seguintes conclusões:

A) Surgem as presentes alegações, no âmbito do recurso de revista interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a sentença de primeira instância na parte em que condenou os recorrentes a pagar aos recorridos a quantia de €135.518,03 acrescida de juros legais civis e ainda na condenação dos mesmos recorrentes em multa e indemnização como litigantes de má fé, nos montantes respetivamente de 15 UCs e de €15.000,00 absolvendo os recorrentes nos restantes pedidos e sem prejuízo de o acórdão recorrido entender esta condenação como benevolente e com o que os recorrentes continuam a não se poder conformar com a confirmação que o acórdão notificado fez da sentença de primeira instância, uma vez que a mesma sentença:

a) considerou da inexistência de qualquer documento escrito, essencial para a qualificação de promessa, de venda na presunção judicial de venda da fração a terceiros no decurso do contrato promessa objecto dos autos, e consequente condenação dos recorrentes como litigantes de má fé;

b) a não valorização de na fixação da indemnização não ter tido em conta os benefícios dos recorridos com a utilização e disposição da fração;

c) a condenação dos recorrentes como litigantes de má fé, designadamente nos montantes fixados.

B) Como se pode ver da petição da presente ação, e das conclusões do recurso de apelação, constituem os pedidos da presente acção:

a) que se declare a execução especifica do contrato promessa de compra e venda invocado, emitindo o tribunal a competente declaração judicial que substitua a escritura publica de compra e venda, em cumprimento do acordado no contrato-promessa celebrado em 14 de Outubro de 1986 relativamente à fracção “O”, correspondente à loja direita do prédio designado por lote B, sito na Rua …, nº 197, em …, Freguesia do …, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 4379, a folhas 164 vso do livro B-13, omisso na matriz, mas pedida a sua inscrição em 27 de Junho de 1986 e,

b) caso não seja possível o tribunal emitir uma declaração judicial (sentença) que produza os efeitos da declaração negocial em substituição do comportamento faltoso dos Réus, serem estes condenados a ver declarada a resolução, por seu incumprimento, do contrato promessa atrás descrito, e condenado ainda, a pagar ao A. a quantia de 348.625,00 Euros (Esc. 69.893.037$00, e a restituir-lhe a quantia de 29.927,87Euros (Esc. 6.000.000$00), entregue a titulo de sinal e reforço de sinal, sendo ambas as quantias acrescidas de juros legais, a partir da citação, até total pagamento, tudo com as legais consequências;

C) Em sede de audiência final foi aditado o seguinte, admitido: - Subsidiariamente e no caso do tribunal considere não ser possível fixar um valor indemnizatório no tocante ao valor do imóvel à data do incumprimento não proceder, que os mesmos sejam condenados, por lhes ser imputável o não cumprimento do contrato, no pagamento do sinal em dobro no valor 59.855,74€ acrescido de juros legais decorridos da citação até integral pagamento, e isto para além do pedido de condenação em litigância de má fé dos Réus.

D) Verifica-se assim dos mesmos pedidos que, os autores e aqui recorridos, no momento do inicio da instância, ainda admitiam ter todo o interesse na aquisição da fracção objecto do contrato promessa celebrado a 14 de Outubro de 1986, pois só assim se compreenderia pedirem sob a alínea a) a execução especifica do próprio contrato promessa, para cumprimento do qual os recorrentes, e conforme consta dos factos provados fizeram todas as diligências para que a escritura prometida pudesse ser concretizada.

E) Encontrando-se provado que os recorrentes ainda não tinham logrado obter o registo de constituição da propriedade horizontal sobre o bloco B na conservatória do registo predial a que pertence a fracção prometida vender – ponto 13 dos factos provados, também se encontram provados factos que demonstram a diligência que os recorrentes sempre tiveram na obtenção da propriedade horizontal.

F) Daqui resulta que a propriedade horizontal do bloco B onde se encontra a fracção, e conforme consta no ponto 34 dos factos provados, só não se encontra ainda registada por recusa da Conservatória do Registo Predial de … (cfr. fls 452) pelo facto de não haver ainda alteração da propriedade horizontal quanto à fracção “F” do lote A, pelo que, ainda não se sabe se pode ou não ser efectuado o registo definitivo da constituição da propriedade horizontal.

G) No enquadramento disposto, não só à data da estabilização dos elementos da instância, segundo o art. 260º do CPC, como no decurso da acção, não existia, nem a perda de interesse em contratar por parte dos autores promitentes compradores, nem existia uma impossibilidade definitiva de realizar o contrato prometido.

H) Fundamentou-se por isso o acórdão recorrido, ao manter a decisão de incumprimento dos recorrentes do contrato promessa, numa determinação judicial subsequente que não resultava dos elementos da instância autos nem dos pedidos, tanto mais que não existia qualquer diligência ou recurso dos recorridos na interposição de um processo judicial de marcação judicial de prazo que justificasse a perda do interesse por parte dos recorridos no momento da propositura da acção, sendo certo que, tal sucedeu até na dedução do pedido subsidiário deduzido em audiência de julgamento.

I) No caso concreto, verificando-se que da própria matéria provada resulta, em conjugação com os elementos da instância estabilizados, existia ainda efectivo interesse no negócio, o que determinaria a marcação de prazo definitivo para a obtenção de propriedade horizontal o que foi confirmado pelo acórdão recorrido, e realização da escritura, tal determina a nulidade do acórdão, de acordo com os arts. 666º e 615º nº 1 c) e e) do CPC especialmente com as consequências que tem ao nível dos restantes pedidos de acção e sem prejuízo das violações expressas e já alegadas dos arts.260º, 554º 609º e 611º todos do CPC não podendo o Venerando Supremo Tribunal de Justiça deixar de ter em conta o interesse dos recorridos no negócio tanto mais que estes excederam as quotas da exploração da fração loja prometida vender em 1990 conforme confissão expressa.

J) Face à matéria provada, verifica-se que a venda da fracção objecto dos autos não se encontra em situação de incumprimento definitivo mas simplesmente por mora no cumprimento em função de situação estranha aos vendedores sobre a constituição da propriedade horizontal e da qual os compradores sempre tiveram prévio e atempado conhecimento, sendo certo também que face ao conteúdo dos elementos da presente acção e ao carácter do pedido principal e dos pedidos subordinados, constata-se que não houve incumprimento definitivo da obrigação ainda susceptível de execução especifica.

L) Acresce que os promitentes vendedores, e tal como está provado nesta acção, realizaram, todas as diligencias necessárias à transmissão da fracção, demonstrando-se assim a possibilidade do cumprimento da obrigação.

M) Deveria por isso o tribunal ter fixado um prazo para cumprimento, de acordo com o art. 777º nº 2 do CC, em conjugação com o art. 762º do mesmo código, e os Recorrentes absolvidos dos pedidos indemnizatórios pecuniários, sob pena de violação de tais disposições legais e mesmo admitindo, sem conceder, que teria havido perda do interesse de contratar pelo decurso do tempo por parte dos recorridos a obrigação extinguir-se-ia e seria resolvida, por impossibilidade objectiva e com a entrega da parte dos recorrentes do sinal em singelo e da parte dos recorridos da fracção se ainda a detivessem arts. 790º e 808º do CC.

N) Ainda que a falta de cumprimento determinasse o direito à resolução, face à matéria provada nos autos, jamais essa impossibilidade de prestação poderia ser imputável, culposa e exclusivamente aos promitentes vendedores os quais fizeram, todas as diligências para a concretização do negócio, que até determinou a suspensão do presente pleito, enquanto estava a decorrer a acção de aquisição de propriedade horizontal por usucapião e o subsequente registo da mesma.

O) De qualquer modo, se em teoria se pudesse entender existir responsabilidade culposa dos promitentes vendedores, nunca estes poderiam ser condenados, na quantia em que o foram no valor da coisa, deduzido o preço convencionado e somado o valor pago pelos promitentes compradores, porquanto o valor da coisa só é quantificável se tiver havido tradição da coisa, com a correspondente posse e essa posse se tiver mantido até à causa resolutiva da obrigação.

P) Tendo cessado a posse e em consequência a tradição da coisa que fora facultada aos recorridos, estes de acordo com o art. 442º nº 2 do CC, e só em caso de incumprimento culposo, teriam unicamente direito a obter a devolução do sinal dado em dobro e nunca uma indemnização no valor da coisa à data do pretenso incumprimento, sendo certo que mesmo que os recorridos tivessem direito ou ao dobro do sinal ou até, o que se diz exclusivamente como hipótese de raciocínio ao valor da coisa, em ambos os casos teriam que ser sempre deduzidos os valores, de que os recorridos não fizeram prova quer dos benefícios que tiveram com a exploração durante 3 anos da cervejaria, quer com o valor da cessão de quotas que receberam, em função da posse do estabelecimento comercial que detinham e que transmitiram e para o qual tinham a devida licença de funcionamento.

Q) É que, conforme determina o art. 562º do CC o principio geral da obrigação de indemnização é a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento obrigado à reparação, sendo a indemnização definida como sinal no art. 442º do mesmo código.

R) A reconstituição com o fim de tornar indemne o prejudicado com o incumprimento do contrato promessa não pode ir além dos valores que deveriam ser restituídos mas compensados com os lucros da detenção da fração pelos promitentes compradores, para além da efetiva transferência de posse com perda da mesma, que os promitentes compradores efetuaram, pelo que o montante indemnizatório constante da condenação confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa acaba por constituir uma violação dos arts. 410º, 432º, 434º, 442º nº 2, 562º, 790º, 799º 801º, 808º e 1267º do CC.

S) Confirmou ainda o acórdão recorrido, apelidando-a até de particularmente benevolente, a condenação dos aqui recorrentes como litigantes de má fé por, terem prometido vender a fracção objecto dos autos a terceiros na pendência desta acção, à revelia da matéria provada que é a declaração de fls 544 que rigorosamente não tem os requisitos de documento escrito exigidos pelo art. 410º do CC.

T) Logo, nunca poderia um documento com manifesta invalidade de forma, fundamentar a decisão inquisitória de condenação em litigância de má fé – art. 220º do CC, não surgindo nos autos qualquer contrato promessa de onde resultasse que a fração fosse vendida duas vezes a pessoas diferentes, não resultando sequer o apuramento da situação emergente de quem era o beneficiário da existência da clinica se os recorrentes, se afinal os recorridos que alegam ser os efetivos possuidores da fração e que as instâncias os consideraram como tal.

U) Em súmula, confirmando o acórdão recorrido a decisão de primeira instância, daqui resultou que tal acórdão:

a) por força da condenação de incumprimento definitivo quando a execução especifica ainda era possível, conforme o pedido na Petição Inicial e condenação em pedido subsidiário quando o pedido principal ainda era exequível, para além de nulidade do acórdão, ao abrigo dos arts. 666 e 615º nº 1 c) e e), o acórdão recorrido manteve a violação dos arts. 260º, 554º, 609º e 611º todos do CPC ;

b) em razão de manter a condenação, no pedido subsidiário, em montante correspondente ao valor da fracção, quando os promitentes compradores já tinham cedido a posse da mesma, e sem dedução dos benefícios da exploração da fracção e da transmissão da posse violou os arts. 410º, 432º 434º, 442º nº 2, 562º, 790º, 799º 801, 808º e 1267º do CC;

c) mantendo a condenação dos recorrentes em litigantes de má fé com base em contrato inexistente e em mera declaração, violou quer quanto ao principio quer quanto ao quantitativo os arts. 220º e 410 do CC, bem como o art. 542º do CPC.

V) São estas violações que perturbam a essência dos conceitos indemnizatórios por obrigação não cumprida e de violação dolosa de boa fé e que justificam a presente revista extraordinária”.

Por sua parte, os autores (contra-)alegaram (fls. 982 e s.), pugnando, essencialmente, pela inadmissibilidade / improcedência do recurso.

Formulam os ora recorridos as seguintes conclusões:

A) O recurso de revista excepcional, para ser admitido, deverá obedecer aos requisitos constantes do artº 672º, do CPC- uma vez que o acórdão da Relação confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância- o que, não é o caso, pelo que não deverá ser o mesmo admitido, confirmando-se a decisão recorrida.

Dispõe o artº 671º, nº 3, do CPC, que não é admitida a revista (em termos gerais), do Acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artº 672º, do CPC.

Os Recorrentes, para fundamentar e recorrer de revista, nos termos do artº 674º, do CPC, ou seja, fora dos casos da Revista excepcional, só o poderiam fazer se estivéssemos perante uma situação fora da dupla conformidade, o que não é o caso dos presentes autos, uma vez que o douto Acórdão confirma integralmente, a sentença de 1ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente.

B) A dupla conforme não é sinónimo de identidade de resultados das decisões das instâncias. Pode ocorrer sem que se verifique dupla conformidade, tal como podem ter sido produzidas decisões com resultado não inteiramente sobreponível e encontrar-se preenchido o conceito de “dupla conforme”.

Seguramente que se está perante uma dupla conformidade de decisões quando ocorrem duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito, ambas determinantes para a decisão, sendo a segunda confirmatória da primeira, conforme decorre do art. 671º, nº 3, do CPC, e o que corresponde ao caso concreto.

Ocorrendo a dupla conformidade de decisões, como in casu, o recurso fica, em regra, vedado, salvo se os Recorrentes demonstrarem, com êxito, concorrer alguma das três excepções ou pressupostos acolhidos pelas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 672º. Os Recorrentes invocam a excepção constante na alínea a), deste preceito, para que o recurso seja admitido, mas sem sucesso.

Desde logo, porque limitam-se a indicar a norma no requerimento de recurso, sem no entanto, indicarem, em concreto, a questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Veja-se que, não resultam quer da alegação, quer das conclusões, as razões pelas quais a apreciação da questão é necessária, para uma melhor aplicação do direito.

C). Os Recorrentes, em bom rigor, estando perante uma situação de dupla conformidade, nos termos do estatuído no artº 671º, nº 3, do CPC, interpõem o presente recurso de revista excecional, sem dar cumprimento ao vertido no artº 672º, nº 1, a) e nº 2, do CPC, socorrendo-se como se estivessem num caso de recurso de revista, admitido fora da dupla conformidade e nos termos gerais constantes do artº 674º, do CPC. Não indicando a questão a que alude o nº 1, a), do artº 672º, nem as razões, pelas quais
a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, dispõe o nº 2, que a alegação deverá ser rejeitada, o que, desde já se requer.

Pelo que,

Não deverá o recurso ser admitido.

D). Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, dúvidas não se suscitam de que ocorre, no caso concreto, a dupla conforme, uma vez que à conformidade das decisões corresponde uma fundamentação não essencialmente diferente.

Assim, quanto ao conteúdo do conceito vertido na alínea a) – estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito -, tem-se sedimentando o entendimento de que a relevância jurídica de uma questão, apresentando-se como autónoma, deve revelar-se pelo elevado grau de complexidade que apresenta, pela controvérsia que gera na doutrina e/ou na jurisprudência ou ainda quando, não se revelando de natureza simples, se revista de ineditismo ou novidade que aconselhem a respectiva apreciação pelo Supremo, com vista à obtenção de decisão susceptível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial, tendo em vista, tanto quanto possível, a consecução da sua tarefa uniformizadora.

E). Para efeitos da melhor aplicação do direito e sua clara necessidade, a relevância jurídica será de considerar quando a solução da questão postule análise profunda da doutrina e da jurisprudência, em busca da obtenção de um resultado que sirva de guia orientadora a quem tenha interesse jurídico ou profissional na sua resolução, havendo a necessidade de apreciação de ser aferida pela repercussão do problema jurídico em causa e respectiva solução na sociedade em geral, para além daquela que sempre terá, em maior ou menor grau, nos interesses das partes.

Vem sendo reiteradamente afirmado que a relevância da questão, para além da complexidade ou novidade e das divergências doutrinais e/ou jurisprudenciais, deve necessariamente extravasar as fronteiras do concreto processo em que é suscitada e das partes nele envolvidas, ou seja, interessar à sociedade em geral ou a um grupo relevante desta, pois que o escopo prosseguido pelo legislador foi o de só excecionalmente, em situações de reconhecida importância, em que “possa estar de modo mais evidente em causa o papel que se reclama do Direito e dos Tribunais como guardiões das expectativas legítimas dos sujeitos jurídicos”, facultar o acesso a um 3º grau de jurisdição (ac. de 14/5/2015 - proc. 217/10.TBPRD.P1.S1).

F). O que se torna determinante, igualmente, apurar, é se uma questão relevante, é aquela que é nova, ou que é frequente, mas sobre a qual existe uma polémica doutrinal ou jurisprudencial.

Sendo de realçar, que a questão em concreto, não se deve confundir com mera discordância dos Recorrentes, sobre o modo como a Relação, em concreto julgou essa matéria, como acontece in casu.

Os Recorrentes não assinalam qualquer problema jurídico geral na sua resolução, para além da discordância da solução em concreto do acórdão recorrido. Pelo que, o alegado pelos Recorrentes, não se enquadra e não tem previsão na alínea a), do nº 1, do artº 672º, do CPC.

G). Devendo decidir-se, pela não admissão do recurso, por manifesta carência de fundamento legal.

Caso assim não se entenda, o que não se concede,

H). Vejamos então, as questões suscitadas - erradamente - e submetidas para serem reapreciadas como revista excepcional.

Conforme decorre da decisão proferida pela 1ª Instância e do douto Acórdão recorrido, corroborado pelo Parecer junto oportunamente pelos Recorridos, na celebração e na vigência dos contratos e negócios jurídico, deve estar subjacente a observância do Princípio da Boa-Fé, relativamente a todos os intervenientes no negócio e que deverá ser analisada objectivamente.

I). No caso concreto, o A. celebrou contrato promessa de compra e venda de uma loja, tendo pago, praticamente, a totalidade do preço. No aludido contrato, os RR. fixaram a data de celebração do contrato definitivo, que teria lugar no prazo de seis meses, a contar da data de celebração do contrato promessa de compra e venda.

Estes identificaram, expressamente, que a loja constituiria a fracção “O”, do prédio, indicando também os elementos prediais do imóvel, fazendo referência à existência de licença de habitação.

O A., entendeu, pois, como qualquer pessoa, que a loja estava em condições de ser alienada, motivo pelo qual, pagou a quase totalidade do preço e tenha procedido à realização de obras, muito significativa, de € 75.000.00, e necessária para adaptar o imóvel à actividade comercial pretendida desenvolver.

J). Convenhamos, o A. sabendo que a loja prometida vender não estava constituída em propriedade horizontal, não teria pago a quase totalidade do preço e investido o valor acima indicado, em obras, porquanto esse facto impediria de celebrar a escritura, bem como de dispor do imóvel como efectivo proprietário.

Sendo este elemento determinante para a celebração do contrato promessa, não estando o mesmo vertido no contrato, mas ao invés, uma aparência de conformidade com a lei.

Facto este, de ausência de constituição do imóvel em propriedade horizontal, que constitui ónus dos RR, não tendo realizado essa prova.

K). Tendo o contrato promessa sido celebrado em 14 de Outubro de 1986, com a convenção de prazo certo para a realização do contrato definitivo, o dia 30 de Abril de 1987, e não tendo os RR. procedido à marcação e notificação do A., para a realização da escritura, indicando local e hora para esse efeito, constituíram-se em mora, ao abrigo do disposto no artº 805º, nº 2, a) e artº 807º, nº 1, ambos do Código Civil.

A mora dos RR., perpetuou-se durante anos, sempre com a promessa dos RR de que tudo se iria resolver, sendo que volvidos mais de 30 anos após a celebração do negócio, tal não se concretizou, por motivos totalmente alheios ao A., não podendo pois, os mesmos ser-lhe imputados.

L). Não obstante, o A. tentou várias vezes, proceder à marcação da escritura de compra e venda, conforme decorre da factualidade provada (pontos 15 a 23), sem que os RR. tivessem comparecido.

M). Com o envio da carta aos RR., em 18 de Setembro de 2001, onde o A. fixou um prazo para os mesmos procederem ao cumprimento do contrato promessa, indicando a data, hora e Cartório Notarial para celebrarem o contrato definitivo, não tendo os RR. comparecido novamente, foi lavrado, consequentemente, o instrumento notarial de protesto, em que é declarado a responsabilidade dos RR., pelo não cumprimento, sempre há que considerar o contrato promessa, definitivamente incumprido, por culpa exclusiva dos RR., pelo que esta comunicação corresponde a uma interpelação admonitória, com as legais consequências.

N). Poderá, igualmente, considerar-se que se está perante uma perda objectiva do interesse do A., na celebração do contrato definitivo, levando à mesma consequência jurídica, o que foi aceite pelos RR., na sua contestação.

Decorridos mais de 30 anos desde a celebração do contrato, os RR. não conseguiram criar as condições para a celebração da compra e venda prometida, nem a fração autónoma prometida vender se encontra criada e registada.

Não restam dúvidas, que a perda objectiva do interesse do A. na celebração do negócio, que nos dias de hoje ainda não pode ser realizado, terá de ser considerada como uma impossibilidade definitiva da prestação, considerando-se assim verificado, o incumprimento definitivo do contrato, nos termos do artº 792º, nº 2 e 808º, nº 2, do Código Civil.

O). Esta perda de interesse terá de ser, obrigatoriamente, efectivada pelo menos em 2001, quinze anos após a celebração do contrato promessa, momento em que o A. não se encontrava em poder do imóvel e os RR. já tinham prometido vender esse mesmo espaço a terceiro- Ponto 36 dos Factos Provados. Dúvidas não restam, que se está pois, perante, incumprimento definitivo.

P). Em consequência do incumprimento dos RR., o A. tem direito a resolver o contrato, sendo ainda os RR. responsáveis por uma indemnização, ao abrigo do disposto no artº 801º, nº2, do Código Civil, podendo o A. ser ressarcido com o valor que resultar do valor da coisa prometida vender, com a dedução do preço pago, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço pago.

Andou assim bem o tribunal de 1ª instância e o Tribunal recorrido, confirmando a decisão, ao condenar os Recorrentes no valor final de € 135.518,03.

Q). Fica também patente nos autos a conduta dos RR., iniciada desde logo aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, sabendo os RR., herdeiros habilitados incluídos, que os Recorridos encontram-se desapossados do imóvel objecto do contrato promessa pelo menos desde 1991, sendo que, ainda assim, deduziram pedido reconvencional contra os mesmos, pedindo uma indemnização pela utilização da loja até à presente data e à sua entrega.

R). A gravidade da conduta é reforçada pelo facto de os RR. assumirem uma posição de veracidade relativamente à celebração do contrato promessa de compra e venda a terceiro, sobre a mesma loja prometida vender ao A., estando a discutir-se simultaneamente a possibilidade de realização do contrato inicial com o A., o que sempre omitiram, tal como já haviam omitido a inexistência de propriedade horizontal sobre o imóvel em que a loja prometida vender estava inserida.

S). Refira-se a propósito, que o Tribunal recorrido, arrasa por completo a conduta dos RR. mencionando que a condenação a título de litigância de má-fé, foi benevolente. Pelo que, dúvidas não restam, que os Recorrentes actuaram dolosamente, abstendo-se os Recorridos de tecer mais considerações sobre este ponto, andando bem o Tribunal recorrido, ao aplicar o regime legal.

T). O Acórdão recorrido não padece de qualquer nulidade, estando a decisão proferida contida nos pedidos formulados pelo A., pela que a decisão proferida não extravasou os limites impostos ao conhecimento e decisão do Tribunal.

Inexistindo, igualmente, contradição entre a decisão proferida e os fundamentos constantes da mesma.

A questão levantada pelos RR., ao invés de revestir nulidade, pelos motivos acima indicados, é apenas uma questão de discordância jurídica.

Pelo que andou bem o Tribunal a quo confirmando a decisão da Mma Juíz de 1ª instância, julgando improcedente a Apelação.

U). Posto isto, por inexistência de fundamento e por não estarem preenchidas as condições previstas no artº 672º, nº 1, a), do CPC, deverá improceder o recurso interposto pelos Recorrentes, mantendo-se a decisão recorrida”.

Tendo o recurso sido interposto pelos recorrentes como revista (por via) excepcional e assim admitido pelo Exmo. Desembargador da Relação de Lisboa (fl. 1005), foi distribuído à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC.

Em Acórdão de 21.03.2019 (fl. 1013), esta Formação concluiu que, tratando-se de acção instaurada antes de 1.01.2008, não lhe é aplicável o regime da revista excepcional que consta do CPC de 2013 (cfr. artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 41/13, de 26.06) e determinou que se procedesse à distribuição dos autos nos termos gerais.

Encontra-se, assim, ultrapassada a questão da (in)admissibilidade do recurso (por via) excepcional, devendo ele ser apreciado como revista (por via) normal.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são:

1.ª) se existe nulidade do Acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão e por condenar para além do pedido e em pedido subsidiário quando o pedido principal era possível;

2.ª) se é admissível a condenação dos réus / ora recorrentes no pedido principal com marcação de prazo de escritura, devendo, consequentemente, revogar-se a decisão de condenação destes no pedido subsidiário em montante correspondente ao valor da fracção, sem a dedução dos benefícios da exploração da fracção; e

3.ª) se os réus / ora recorrentes devem ser absolvidos do pedido como litigantes de má fé ou, no caso contrário, se devem ser reajustados os montantes desta condenação.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido[1]:

1. Por acordo reduzido a escrito, que denominaram Contrato Promessa de Compra e Venda, celebrado em 14 de Outubro de 1986, os 1º e 3º Réus prometeram vender livre de ónus ou encargos ao Autor a fracção autónoma designada pela letra “O” do de um prédio designado por Lote B, sito na Rua …, nº 197, em …, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº 4379 a fls. 164v., do Livro B-13, 2ª secção, que corresponde à Loja direita, composta de uma cozinha, três casas de banho, terraço, logradouro e armazém na cave, conforme consta da Licença de Utilização nº 336 de 1986, emitida pela Câmara Municipal de …, conforme consta do documento que se dá por reproduzido e que dos autos é fls. 25.

1-A – Teor integral do CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA em causa nos autos:

_Pic2 _Pic3


 “Entre os abaixo assinados, BB, casado, industrial, e DD, casado, proprietário, moradores na Rua …, nº … Iº Direito, em …, na qualidade de pro­mitentes vendedores, e AA, casado, residente na Rua … nº … R/Chão, …, na Qualidade de Promitente-comprador, acordaram entre si o seguinte contrato de promessa de compra e venda; nos termos e condições das cláusulas seguintes:

1º - Os primeiros são donos e legítimos proprietários de um prédio designado por Bloco B, na Rua …, n.º 197, em …, a que se refere o Processo n.º 6766/82 da Câmara Municipal-de …, do qual prometem vender ao segundo a loja direita, designada pela fracção"0", composta de uma cozinha, três c. b., terraço, logradouro e armazém na cave, conforme consta na Licença de Utilização nº 3…6 de 1986, passada pela C. M. de ….

2º - O referido prédio urbano está registado na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 4 …9 a fls.164 v. do 1. B 13 – 2ª Secção; omisso na matriz, mas pedida a sua inscrição em 27 de Junho de 1986.

3º - O preço de venda acordado é de 7 500 000$00 (sete milhões e quinhentos mil escudos) a pagar da seguinte forma:

- na assinatura do presente contrato de promessa de compra e venda a quantia de 2 500 000$00 (dois milhões e quinhentos mil escudos) com o sinal e princípio de pagamento;

- a quantia de 2 000.000$00 (dois milhões de escudos) em 30 de Novembro, de 1986;


Reconheço as duas assinaturas infra de BB e DD, feitas na minha presença pelas próprias pessoas cuja identidade verifiquei pelos seus B.I, números 16…3 e 14…8 de 7/1/77 e 10/3/80 de …. Foi-me exibida a licença de utilização n2 336 passada pela Câmara Municipal de … em 11/9/86.

…, 122 Cartório Notarial aos 14 de Outubro de 1986

Conta n2 (12.,111 58$00                                        O Ajudante,

Lflce-e.9ee-Q--t-oL.O.Q.CC'

- a quantia de 1 500 0001$00 ( um milhão e quinhentos mil escudos) em 15 de Janeiro de 1987;

- a quantia de 1 500 000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos) em 30 de Abril de 1987 no ato da escritura de compra e venda que desde já fica acordado ser outorgada em ... ou outro local a designar.

3º - Esta venda é feita livre de quaisquer ónus ou encargos, sendo de conta do promitente-comprador as despesas de escritura, sisa e registos a seu favor.

Feito em duplicado e assinado por ambas as partes como prova de aceitação e concordância das condições em transação.

…., 14 de Outubro de 1986

_Pic7


2. Ali se escreveu que o preço convencionado era 7.500.000$00 (sete milhões e quinhentos mil escudos), tendo o A. pago aos Réus as seguintes quantias:

3. A quantia de Esc: (dois milhões e quinhentos mil escudos) a título de sinal e princípio de pagamento no acto de assinatura do contrato promessa de compra e venda;

4. Em 28 de Novembro de 1986, a quantia de Esc: 2.000.000$00 ( dois milhões de escudos ), a título de reforço de sinal;

5. Em 15 de Janeiro de 1987, a quantia de Esc: 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), a título de reforço de sinal.

6. Mais acordaram que o resto do preço - 1.500.000$00 - deveria ser pago no acto da escritura, a qual deveria ser outorgada em 30 de Abril de 1987, tudo conforme melhor resulta da cláusula terceira do acordo de fls. 25, dado como integralmente reproduzido.

7. O Autor com a autorização dos Réus, passou a usar a fracção prometida vender.

8. O Autor instalou na fracção autónoma prometida vender uma cervejaria/restaurante.

9. O Autor despendeu em obras de adaptação, equipamentos, móveis e utensílios para a instalação da cervejaria/restaurante a quantia de 75.000,00 Euros (Esc. 15.000.000$00).

10. Os Réus não notificaram o Autor, por carta registada, ou qualquer outro meio, do dia, hora e Cartório Notarial, para a outorga da escritura.

11. Não obstante contactos pelos Autores para a realização da escritura, pelo menos em 6 de Junho de 2000, 18 de Setembro de 2001, 26 de Abril de 2004 e 24 de Junho de 2004, os Réus afirmam que ainda não podem outorgar a Escritura Pública de Compra e Venda, por não estar inscrita na Conservatória do Registo Predial a propriedade horizontal do Bloco B.

12. Os Réus pediram ao A. algum tempo para obterem a constituição da propriedade horizontal sobre o Bloco B, a que este acedeu.

13. Os Réus ainda não lograram obter o registo da constituição da propriedade horizontal sobre o Bloco B na Conservatória do Registo Predial, a que pertence a fracção prometida vender.

14. Devido à impossibilidade de outorga da Escritura Pública de Compra e Venda e à consequente falta do registo de aquisição, a seu favor da fracção prometida vender, na competente Conservatória do Registo Predial de …, o Autor está impossibilitado de a vender.

15. O Autor remeteu aos Réus, as cartas com data de 06/06/2000, propondo-se ceder aos Réus a sua posição contratual, mediante o pagamento, por estes, da quantia de Esc. 40.000.000$00.

16. O Autor requereu a notificação Judicial dos R.R, respectivamente em 13/03/00 e em 14/03/00 efectivamente cumpridos em 13/04/00, 14/04/00 e 24/03/00, para: Depositarem todos os documentos necessários à celebração da Escritura Pública de Compra e Venda da fracção autónoma “O”, a que corresponde a Loja direita do prédio, designado por Bloco “B” sito na Rua …, nº 197, em …, no prazo máximo de quinze dias, no escritório do Dr. PP, sito na Rua …, nº …, 1º Dtº, …, e comparecerem no 12º Cartório Notarial de …, Rua de …, nº …, 2º, em …, no dia 17 de Abril de 2000, pelas 15,00h fazendo-se acompanhar dos respectivos B.I. e Cartões Contribuinte, a fim de outorgarem e firmarem a referida Escritura Pública de Compra e Venda.

17. Os Réus não entregaram no escritório do mandatário do Autor os documentos necessários à elaboração da Escritura Pública de Compra e Venda, nem compareceram no 12º Cartório Notarial de …, no dia 17 de Abril de 2000 para outorga da Escritura.

18. Os Réus remeteram as cartas com data de 29 de Abril de 2000 ao Autor, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, esclarecendo que a Escritura não pode ser celebrada, por ainda não terem conseguido ultrapassar o problema do registo por fracção, do imóvel e propondo alienar uma quota correspondente à permilagem da loja, no Bloco B, a favor do aqui A., em compropriedade.

19. O Autor remeteu aos Réus, as cartas com data de 06/06/2000, propondo-se ceder aos Réus a sua posição contratual, mediante o pagamento, por estes, da quantia de Esc. 40.000.000$00.

20. O A. remeteu aos Réus a carta, com data de 18 de Setembro de 2001 notificando-os para: No prazo de 15 dias, procedem ao depósito de todos os documentos, necessários à celebração da Escritura de Compra e Venda da fracção “O” do prédio sito no Bloco B da Rua …, nº 197, …, no escritório do mandatário do A., na Rua …, nº 46, 1º Do, e para comparecerem no 12º Cartório Notarial de …, na Rua de …, nº … – 2º andar, em Lisboa, no dia 18 de Outubro de 2001, pelas 12H00, fazendo-se acompanhar dos respectivos B. Identidade e Cartão de Contribuinte, a fim de outorgarem e firmarem a Escritura Pública de Compra e Venda.

21. Apesar de notificados, os Réus não entregaram no escritório do mandatário do A., os documentos necessários à celebração da Escritura, nem compareceram no dia 18 de Outubro de 2001, no 12º Cartório de Lisboa, para outorgar a Escritura Pública de Compra e Venda. Aceite.

22. Enviaram ao A. a carta, com data de 26 de Setembro de 2001, informando-o que não podiam proceder ao cumprimento do Contrato Promessa de Compra e Venda em virtude de não se encontrar constituída a propriedade horizontal do Bloco B, e que se encontrava em curso no Tribunal Judicial de .., a competente Acão para Constituição da Propriedade Horizontal.

23. Por isso, e, face à falta de comparência dos promitentes vendedores no dia, hora e Cartório, para outorga da escritura Pública de Compra e Venda, foi lavrado o Instrumento Notarial de Protesto, de fls. 71, declarando atribuir aos promitentes vendedores a responsabilidade pelo não cumprimento do contrato.

24. Um Banco mostrou interesse em adquirir a loja correspondente à fracção, mas perdeu interesse por o A. não poder outorgar a Escritura Pública de Compra e Venda.

25. Os Réus maridos procederam à inscrição na matriz do imóvel, descrevendo as frações a constituir em propriedade horizontal em Julho de 1985.

26. Os Réus maridos solicitaram a emissão da licença de utilização para o mesmo, junto da Câmara Municipal de …, a qual veio a ser concedida em 11 de Setembro de 1986.

27. Mandaram elaborar minuta para a escritura de propriedade horizontal para o prédio.

28. Solicitaram à Câmara Municipal de … o destaque da parcela em que foi edificado o Bloco B da parcela onde fora edificado o bloco A, o que lhes veio a ser deferido pela mesma.

29. Realizou-se uma reunião de condóminos para obter o consentimento de todos e expressamente para divisão da fracção autónoma F em 1995.

30. Deu entrada no Tribunal de …, com uma acção de suprimento da vontade, pedindo que o Tribunal se substitua aos condóminos, autorizando a constituição da propriedade horizontal, a qual não prosseguiu.

31. Deu entrada no mesmo Tribunal de uma acção cujo pedido consubstancia a constituição da dita propriedade horizontal por usucapião, acção essa que se correu os seus termos neste juízo, sob o nº 380/00.

32. Os Réus enviaram ao Autor duas cartas, uma a 21 de Novembro de 2000, através da qual informa da entrada em Tribunal da acção antecedente e na qual expressamente refere ter intentado esta acção com a finalidade de vir a celebrar a escritura de compra e venda e uma segunda através da qual informa do estado do processo antecedente, bem como da sua vontade em celebrar a escritura.

33. O arrendamento daquele espaço comercial corresponde a uma renda, atualmente, de 700,00 € mensais.

34. Foi proferido na Conservatória do Registo Predial de …, em 17- 7-2015, despacho de qualificação recusando o registo de alteração à propriedade horizontal por indeterminação do seu objeto, fundada na sentença transitada, proferida no processo 380/2000 do 1º Juízo Cível deste Tribunal de …, que constituiu a propriedade horizontal.

35. Em 2001 a fracção tinha um valor não inferior ao atual, no valor de 143.000,00 € (e não em “2011” como por lapso manifesto constava na sentença proferida – será explicado em sede de apreciação da matéria de facto).

36. O Réu DD em 22 de janeiro de 2015 declarou que celebrou com o Réu BB em 1991 um contrato-promessa de compra e venda para venda da fracção autónoma a QQ e que autorizam a Clínica RR, Lda. a, em seu nome, requerem as licenças administrativas para utilização do espaço, conforme consta do documento que se dá por integralmente reproduzido e que dos autos é fls. 544.

36 - A. A presente acção deu entrada em Tribunal no dia 27 de Outubro de 2004.

São os seguintes os factos que vêm não provados no Acórdão recorrido:

(np]-1. Que o Autor está impedido de arrendar a fracção autónoma prometida vender.

(np]-2. Que a 18.10.2001 a fracção em causa prometida vender, valia pelo menos 273.625,00 Euros.

(np]-3. Que o valor do imóvel, em Outubro de 2001, seria de 150.000,00 Euros, (cento e cinquenta mil euros).

(np]-4. Que o Autor à data da celebração do contrato-promessa sabia que o prédio em questão não estava ainda constituído em propriedade horizontal e que lhe foi dito nessa data que o iria estar.

(np]-5. Que as partes fizeram depender a data/prazo da celebração da escritura e a sua celebração da constituição da propriedade horizontal do imóvel.

(np]-6. Que os Réus diligenciaram pela obtenção das autorizações dos proprietários do Bloco A.

(np]-7. Que os Réus procederam à convocação de reuniões sucessivas do condomínio, com a finalidade de virem a obter o consentimento de todos e expressamente para esse fim, entre os anos de 1995 a 1997

(np]-8. Que não fora a posição assumida por alguns dos condóminos do Bloco A, há muito que a escritura do A se encontraria realizada.

(np]-9. Que os Autores, continuaram a usar a fracção desde o ano de 1986 até agora.

(np]-10. Àquele espaço comercial corresponderia uma renda, atualmente, com o valor mínimo de € 1 000,00 (mil euros) mensais.


O DIREITO

1. A 1.ª questão que cabe abordar respeita à alegada nulidade do Acórdão recorrido.

Alegam os recorrentes que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é nulo por contradição entre os fundamentos e a decisão e por condenar para além do pedido e em pedido subsidiário quando o pedido principal era possível [cfr. artigo 615.º, n.º 1, als. c) e e), ex vi do artigo 666.º do CPC].

Segundo os recorrentes, o Acórdão seria nulo por contradição entre os fundamentos e a decisão dado que, “verificando-se que da própria matéria provada resulta, em conjugação com os elementos da instância estabilizados, existia ainda efectivo interesse no negócio, o que determinaria a marcação de prazo definitivo para a obtenção de propriedade horizontal o que foi confirmado pelo acórdão recorrido, e realização da escritura (…) não pod[ia] o Venerando Supremo Tribunal de Justiça deixar de ter em conta o interesse dos recorridos no negócio tanto mais que estes excederam as quotas da exploração da fração loja prometida vender em 1990 conforme confissão expressa” [conclusão I)].

E seria ainda nulo “por força da condenação de incumprimento definitivo quando a execução especifica ainda era possível, conforme o pedido na Petição Inicial e condenação em pedido subsidiário quando o pedido principal ainda era exequível” [conclusão U), al. a)].

Com o devido respeito, não assiste razão aos recorrentes na alegação de nulidade do Acórdão recorrido com base em qualquer dos fundamentos.

Em primeiro lugar, é patente a inexistência de contradição. Na sua decisão, o Tribunal recorrido manteve a decisão de reconhecer ao autor o direito à resolução do contrato e de condenar os réus em obrigação de indemnização, nos termos do disposto no artigo 801.º, n.º 2 do CC. Fundamentou esta sua decisão na circunstância de existir incumprimento definitivo imputável aos réus / recorrentes, alicerçando esta conclusão, por sua vez, nos factos dados como provados (a mora destes arrastou-se por vários anos; o autor tentou, por várias vezes, proceder à marcação da escritura de compra e venda da loja, tendo, inclusivamente, enviado carta aos réus, em 18.09.2001, com fixação de um prazo para estes procederem ao cumprimento do contrato-promessa – carta que devia considerar-se como uma interpelação admonitória – sendo que os réus voltaram a não comparecer). Ao contrário de contradição, é patente a absoluta coerência entre a decisão e os fundamentos.

É também manifesta a ausência de condenação para além do pedido ou em pedido subsidiário sendo o pedido principal ainda possível. Desde logo, o pedido qualificado pelo autor como “alternativo” (de reconhecimento ao autor do direito de resolução, por incumprimento dos réus, do contrato-promessa e de condenação destes no pagamento de determinadas quantias e de restituição de determinadas quantias entregues) foi explicitamente formulado pelo autor [cfr. al. b) do pedido]. Depois, o Tribunal (só) considerou o pedido qualificado pelo autor como “alternativo” porque concluiu que o pedido principal (de execução específica do contrato-promessa) [cfr. al. b) do pedido], não era possível “[uma vez que o prédio em que a loja prometida vender não está ainda constituído em propriedade horizontal]”.


2. Dissipadas as dúvidas sobre a validade do Acórdão recorrido, passe-se à questão seguinte, que é a questão central do presente recurso.

Consiste tal questão em saber se é admissível a condenação dos réus / ora recorrentes no pedido principal com marcação de prazo de escritura, devendo, consequentemente, revogar-se a decisão de condenação destes no pedido subsidiário em montante correspondente ao valor da fracção, sem a dedução dos benefícios da exploração da fracção.

Em bom rigor, a questão formulada pelos réus / recorrentes desdobra-se em duas: (1) saber se é admissível a condenação dos réus / ora recorrentes no pedido principal com marcação de prazo de escritura; e, no caso de resposta negativa, (2) saber se deverá adquirir relevância para efeitos do cálculo da indemnização a pagar pelos réus / ora recorrentes os alegados benefícios da exploração da fracção pelo autor.

Para responder à primeira sub-questão, é suficiente ter presente os factos provados 13. (Os Réus ainda não lograram obter o registo da constituição da propriedade horizontal sobre o Bloco B na Conservatória do Registo Predial, a que pertence a fracção prometida vender) e 34. (Foi proferido na Conservatória do Registo Predial de …, em 17- 7-2015, despacho de qualificação recusando o registo de alteração à propriedade horizontal por indeterminação do seu objeto, fundada na sentença transitada, proferida no processo 380/2000 do 1º Juízo Cível deste Tribunal de …, que constituiu a propriedade horizontal), que são elucidativos quanto à inexistência, ainda hoje, de registo da constituição da propriedade horizontal que permitiria autonomizar a fracção em causa nos autos.

Não existindo, ainda hoje, registo da constituição da propriedade horizontal do Bloco B, que permitiria autonomizar a fração “O”, em causa nos autos, e nem existindo, nos factos provados, nenhum que permita concluir que ela se constituiu por outra forma, não existe, ainda hoje, possibilidade de celebração do contrato de compra e venda sobre tal fracção (contrato prometido) pela simples razão de que “[a]s fracções de que um edifício se compõe (só) podem pertencer a proprietários diversos (…) em regime de propriedade horizontal” (cfr. artigo 1414.º do CC). Daqui resulta que tão-pouco é possível a execução específica, i.e., sendo absolutamente inútil o poder que o Tribunal geralmente tem de se substituir ao contraente faltoso e proferir uma decisão que produza os efeitos da sua declaração negocial.

Uma vez afastada a execução específica (cfr. artigo 830.º, ex vi do artigo 442.º, n.º 3, 1.ª parte, do CC), o autor podia pôr fim ao contrato e optar por exigir a restituição do sinal em dobro (cfr. artigo 442.º, n.º 2, 2.ª parte, 1.ª alternativa, do CC). Mas podia ainda, pondo fim ao contrato, optar – como optou – por exigir o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, acrescido do sinal entregue e a parte do preço que tenha pago (cfr. artigo 442.º, n.º 2, 2.ª parte, 2.ª alternativa, do CC).

É esta a disciplina especial do incumprimento do contrato-promessa resultante das reformas de 1980, por via do DL n.º 236/80, de 18.07, e 1986, por via do DL n.º 379/86, de 11.11. Tendo o contrato-promessa em causa nos autos sido celebrado em 14.10.1986, pode perguntar-se se esta disciplina se aplica na configuração que lhe deu o segundo diploma (posterior). A resposta é afirmativa, já que este não veio senão confirmar soluções que já antes a jurisprudência acolhia na interpretação do regime do artigo 442.º do CC, devendo entender-se que tem carácter interpretativo e, portanto, aplicabilidade retroactiva (cfr. artigo 13.º, n.º 1, do CC)[2].

A opção do artigo 442.º, n.º 2, 2.ª parte, 2.ª alternativa, do CC – pelo “aumento (intercalar) do valor da coisa” – estava, de qualquer forma, consagrada nos termos actuais desde 1980. Ela tem vista, simultaneamente, evitar o empobrecimento do promitente-adquirente, que terá de procurar a satisfação do seu interesse aos preços, em principio, mais elevados do mercado, e evitar o enriquecimento do promitente-vendedor, que, na ausência desta opção, seria, em princípio, “premiado”, apesar do seu comportamento censurável, com a valorização do imóvel.

Segundo certa interpretação, a possibilidade de opção pelo aumento (intercalar) do valor da coisa depende de ter ocorrido tradição da coisa embora a solução legal seja criticável; segundo outra interpretação, ela funciona mesmo independente da tradição[3]. O que não se encontra é quem defenda que, uma vez ocorrida, tenha de perdurar. Ora, não há dúvidas de que tal tradição ocorreu: vejam-se os factos provados 7. (O Autor com a autorização dos Réus, passou a usar a fracção prometida vender) e 8. (O Autor instalou na fracção autónoma prometida vender uma cervejaria/restaurante).

Merecendo total concordância, afirmou-se no Acórdão recorrido:

Mantendo-se ainda hoje como impossível a celebração do contrato definitivo [uma vez que o prédio em que a loja prometida vender não está ainda constituído em propriedade horizontal], não pode o A. lançar mão da execução específica do contrato podendo, porém, optar, como optou, pela indemnização estabelecida pelo artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, já acima enunciada: o valor que resultar do valor da coisa prometida vender, com a dedução do preço do pago, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço já pago”.

Quanto aos benefícios da exploração da fracção, que, segundo os réus / recorrentes, deveriam ser considerados para efeitos da indemnização, mais precisamente, deduzidos à indemnização, diga-se que o artigo 442.º, n.º 2 do CC consagra um critério especial para o cálculo da indemnização nos casos de não cumprimento. Tal critério especial não está, em princípio, sujeito a ponderações do tipo compensatio lucri cum damno. Parafraseando João Calvão da Silva, mutatis mutandis, “[a] regra do quantum respondeatur não é, portanto, o princípio geral da obrigação de indemnização, já que o aumento de valor não contém outros prejuízos, danos emergentes e lucros cessantes, que o incumprimento tenha causado ao promitente-comprador[4]. Em qualquer caso, caberia aos réus / recorrentes provar a existência de tais benefícios.


3. Passe-se, finalmente, à 3.ª e última questão, respeitante à condenação dos réus / ora recorrentes em litigância de má fé e aos montantes fixados a título de multa e de indemnização, contestados por estes.

Sobre a questão é conveniente recordar brevemente o seguinte:

A litigância de má fé é um instituto que visa sancionar e, portanto, combater a “má conduta processual”[5].

A conduta sancionada consubstancia-se na dedução de pretensão ou oposição cuja falta ou fundamento não podia ser ignorado, na alteração ou omissão da verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, na omissão grave do dever de cooperação ou no uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (cfr. artigo 542.º, n.º 2, als. a), b), c) e d), do CPC).

A conduta é sancionada independentemente do resultado, mesmo que o agente não logre obter, a final, vantagens concretas – numa palavra: o dano não é pressuposto da litigância de má fé[6].

Sobre a questão da litigância de má fé dos réus e dos valores da multa e da indemnização fixados pronunciou-se o Tribunal a quo, dizendo:

“(…) para além do comportamento dos RR. na celebração do contrato promessa aqui em causa, e no que à apreciação desta questão importa, certo é que os RR. sabem perfeitamente que o A. [e os herdeiros habilitados do mesmo] está(ão) desapossados da loja prometida vender, pelo menos, desde 1991 e, não obstante, não se inibiram de deduzir um pedido reconvencional contra os mesmos pedindo uma indemnização pela utilização daquele local até à presente data, bem como a sua entrega.  

Não menos grave, é a posição assumida neste processo pelos RR. relativamente à veracidade da celebração de um contrato promessa de compra e venda  a um terceiro, sobre o mesmo espaço prometido vender ao A., numa altura em que se discutia ainda a possibilidade de realização do contrato inicial com este, comportamento cujo conhecimento sempre lhe omitiram [e apenas foi conhecido no processo por mero acaso – entrega dos documentos no processo por parte de um dos Peritos nomeado], tal como antes lhe tinham já omitido a inexistência de propriedade horizontal sobre o imóvel em que a loja prometida vender estava inserida.

A gravidade é ainda patente no próprio jogo de palavras com que pretendem revestir a questão: referindo que um desses documentos - a Declaração - é verdadeiro quanto às pessoas ali indicadas, defendendo, no entanto, que o seu conteúdo não corresponde à verdade, não obstante tal Declaração ter sido acompanhada de um contrato de Arrendamento Comercial sobre aquela mesma loja [expressamente mencionado naquela Declaração], e que serve de base ao funcionamento da Clínica Dentária que ainda hoje ali se encontra em laboração”.

Em face do que foi dito pelo Tribunal a quo – e que merece total concordância – , resta a este Supremo Tribunal confirmar que existe base legal para a condenação dos réus / recorrentes em litigância de má fé e que os valores fixados a título de multa e de indemnização nesse âmbito se afiguram, à luz do artigo 543.º do CPC, adequados.



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III. DECISÃO


Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o acórdão recorrido.



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Custas pelos recorrentes.



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LISBOA, 16 de Maio de 2019


Catarina Serra (Relatora)

Bernardo Domingos

João Bernardo

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[1] O elenco de factos provados apresentado no Acórdão recorrido é precedido da seguinte observação “Por se entender necessário, para um melhor esclarecimento e análise dos Factos, introduz-se o Ponto 1-A, que reproduz, na íntegra, o Contrato-Promessa celebrado entre as partes, bem como o Ponto 36-A, reportado à data da entrada da presente ação em Tribunal, mantendo-se a demais numeração inicial”.
[2] Cfr., neste sentido, por todos, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. VII – Direito das Obrigações – Contratos. Negócios Unilaterais, Coimbra, Almedina, 2018, p. 383.
[3] Cfr., no primeiro sentido, Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado,  vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 420, e João Calvão da Silva, Sinal e contrato-promessa, Coimbra, Almedina, 2017 (14.ª edição), pp. 210-213 (defendo este último a extensão de jure constituendo do direito do promitente-comprador ao aumento do valor da coisa mesmo sem traditio rei). Cfr., no segundo sentido, Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra. Coimbra Editora, 2011, pp. 754-758.
[4] Cfr. João Calvão da Silva, Sinal e contrato-promessa, cit., p. 93.
[5] Cfr. António Menezes Cordeiro, Litigância de má fé, abuso do direito de ação  e culpa “in agendo”, Coimbra, Almedina, 2014 (3.ª edição), p. 45.
[6] Cfr. António Menezes Cordeiro, Litigância de má fé, abuso do direito de ação  e culpa “in agendo”, cit., p. 65.