Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
25/23.8YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO CONTENCIOSO
Relator: NUNO PINTO PLIVEIRA
Descritores: CONCURSO CURRICULAR DE ACESSO AOS TRIBUNAIS DA RELAÇÃO
ERRO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AÇÃO ADMINISTRATIVA
Decisão: IMPROCEDENTE.
Sumário :
I – A verificação de divergência entre as apreciações da autora e do réu, não constitui, nem um erro, nem (muito menos) um erro manifesto do réu.
II - Entre a situação de quem esteve afecto em exclusividade a um processo e a situação de quem não lhe esteve afecto em exclusividade há uma diferença objetiva — a avaliação da produtividade de quem esteve afeto em exclusividade a um processo deve e, em rigor, só pode ser feita de forma distinta da avaliação da produtividade de quem não lhe esteve afeto.
Decisão Texto Integral:

PROCESSO N.º 25/23.8YFLSB


ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO


DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Autora - AA (juíza de direito)


Réu - Conselho Superior da Magistratura


Contrainteressados - BB; CC; DD; EE; FF; GG; HH; II; JJ; KK; LL; MM; NN; OO; PP; QQ e RR; SS; TT; UU; VV; WW; XX; YY; ZZ; AAA; BBB; CCC; DDD; EEE; FFF; GGG; HHH; III; JJJ; KKK; LLL; MMM; NNN; OOO; PPP; QQQ; RRR; SSS; TTT; UUU; VVV; WWW; XXX; YYY; ZZZ; AAAA e BBBB; CCCC; DDDD; EEEE; FFFF; GGGG; HHHH; IIII; JJJJ; KKKK; LLLL; MMMM; NNNN; OOOO; PPPP; QQQQ; RRRR; SSSS; TTTT; UUUU; VVVV; WWWW; XXXX; YYYY; ZZZZ; AAAAA; BBBBB; CCCCC; DDDDD; EEEEE; FFFFF; GGGGG; HHHHH; IIIII; JJJJJ; KKKKK; LLLLL; MMMMM; NNNNN; OOOOO; PPPPP; QQQQQ; RRRRR; SSSSS; TTTTT; UUUUU; VVVVV; WWWWW; XXXXX; YYYYY; ZZZZZ; AAAAAA; BBBBBB; CCCCCC; DDDDDD; EEEEEE; FFFFFF; GGGGGG; HHHHHH; IIIIII; JJJJJJ; KKKKKK; LLLLLL; MMMMMM; E NNNNNN.


I. — RELATÓRIO


1. AA propõs a presente acção contra o Conselho Superior da Magistratura, pedindo a anulação da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura de ... de ... de 2023, que aprovou o Parecer Final do Júri do 11.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação, e da tabela de pontuação final.


2. O Conselho Superior da Magistratura contestou, pugnando pela improcedência da acção.


3. O Ministério Público absteve-se de tomar posição sobre o mérito da causa.


4. O tribunal é competente e não se verificam nulidades que invalidem todo o processado.


5. As partes têm capacidade e personalidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.


6. Não se verificam nulidades ou outras questões prévias que obviem à apreciação do mérito.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


7. Os factos relevante para a decisão da causa são os seguintes:

1. — Por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de ... de ... de 2022, foi declarado aberto o 11.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação, tendo, no dia 12 desse mês, sido publicado o respectivo Aviso, onde se fez constar que

« 2) O número limite de vagas a prover é de 60 (sessenta) (…).

9) O Júri pode solicitar, em qualquer fase do concurso, todos os elementos que considere relevantes, designadamente os extraídos do processo individual dos concorrentes (v.g. percurso profissional, classificações de serviço, relatórios das inspeções judiciais, registo disciplinar e os elementos estatísticos disponíveis no CSM relativos ao período posterior ao abrangido pelo último relatório de inspeção), os relativos ao serviço realizado noutras jurisdições ou serviços a que os concorrentes tenham estado ligados, bem como a apresentação dos originais de documentos e/ou trabalhos digitalizados a partir do formato impresso.

11) A avaliação curricular é efetuada de acordo com os seguintes fatores, globalmente ponderados: (…)»

§ 4.º Outros fatores que abonem a idoneidade dos concorrentes para o cargo a prover (artigo 47.º -A, n.º 2, al. d), do EMJ), com ponderação entre 0 e 70 pontos, designadamente: (…)

b) A capacidade de trabalho, ponderando a quantidade e a qualidade do serviço prestado, com ponderação entre 0 (zero) e 20 (vinte) pontos. (…)

13) Após análise curricular das candidaturas dos diversos concorrentes, o júri do concurso emite parecer sobre cada um dos candidatos, que é tomado em consideração pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura ao aprovar a deliberação definitiva, na qual procede à graduação dos mesmos, de acordo o disposto no artigo 47.º-A, n.ºs 3 e 4, do EMJ. (…)»

2. — A Autora apresentou candidatura ao 11.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação, tendo sido admitida à 2.ª fase.

3. — No parecer do júri do 11.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação consta

«(…) Concorrente n.º ... — AA (…)

2. Percurso de carreira e classificativo.

Ao longo do seu percurso na magistratura judicial obteve as seguintes classificações de serviço: (…)

- Muito Bom, pelo serviço como Juíza de Direito, no Tribunal de Execução de Penas de ...;

- Muito Bom, como Juíza de Direito no Tribunal de Execução de Penas de ... (J.) e no Juízo Central Criminal de ... (J.).

Exerce funções como Juíza de Direito no Tribunal da Propriedade Intelectual - Juiz ... (…)

7. Capacidade de trabalho

No relatório da penúltima inspeção abrangendo o período de ........2011 a ........2015, no Tribunal de Execução de Penas de ..., sobre a adaptação ao serviço escreveu-se: (…) tendo em conta o número de decisões finais proferidas, conclui-se que no período sob inspeção a Sr.ª Juiz apresenta uma boa produtividade.

O número de atrasos não é significativo e não atingiram dimensão temporal relevante.

Como muito positivo também:

- a prontidão na decisão ( normalmente com d.s.)

- a celeridade imprimida nos agendamentos das diligências;

- a assiduidade e a pontualidade;

- o recurso a mecanismo de simplificação processual;

- a boa direção funcional dos serviços;

e a boa capacidade da direção das diligências.”

Relativamente à vertente técnica, na conclusão consta:

- “é uma magistrada bem preparada tecnicamente, ostentando, de entre o demais:

- boa capacidade de aplicação no exercício da função dos bons conhecimentos técnico-jurídicos com que se encontra habilitado;

- capacidade de apreensão das situações jurídicas imanentes;

- capacidade de convencimento decorrente da boa qualidade geral das decisões que produz;

- capacidade de síntese na enunciação e resolução das questões, discurso argumentativo, senso prático e jurídico, ponderação, pragmatismo, sensatez e boas qualidades de escrita.”

No relatório da última inspeção que abrangeu o período de ........2015 a ........2019, no TEP de ..., e, a partir de ........2017, no Juízo Central Criminal de ..., consta que: Teve um desempenho irrepreensível do ponto de vista da adaptação ao serviço.”

Dos mapas constantes no relatório consta ter proferido no TEP de ........2015 a ........2017, um total de 843 (434 + 409) decisões registadas.

No Juízo Central Criminal de ........2017 a .... 2019, proferiu 43 decisões de mérito com julgamento, não sendo referido no relatório que qualquer destes 43 acórdãos tenha sido proferido em processo de especial complexidade.

Neste relatório é ainda referido não existirem quaisquer processos atrasados em qualquer dos juízos. Os processos revelaram tramitação célere, de forma escorreita, sem incidentes desnecessários ou despachos dilatórios e procurando atingir-se a decisão final tão brevemente quanto possível.

Referindo, ainda, o último relatório, ter-se adaptado sem dificuldade à nova jurisdição, ou seja, ao Juízo Central Criminal e revelar uma preparação técnica de nível superior, apresentando fundamentação de qualidade nas suas decisões, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito.”

A Sra. Juíza iniciou o julgamento do processo de especial complexidade n.º 89/16.0... (cujo acórdão foi apresentado como trabalho) em 27.09.2109 e esteve em exclusividade afeta a esse processo até 31.08.2021, tendo o acórdão sido lido em 10.01.2022, ou seja, 3 anos e 3 meses após o inicio do julgamento, o que afeta a valorização da sua produtividade.

Dos mapas estatísticos a partir de 01.09. 2021 (depois de ter cessado a exclusividade), no Juízo Central Criminal de ...>juiz ..., até ........2022 data em que cessou funções neste juízo), verifica-se que não logrou alcançar uma taxa de resolução positiva, num juízo com a carga de serviço ajustada.

Os elementos estatísticos relativos à produtividade no Tribunal de Propriedade Intelectual, abrange apenas 2 meses (de ........2022 a ........2022) indicam uma taxa de resolução de 52,27 mas não são significativos por se tratar de um período curto e num processo de adaptação a nova jurisdição.

Tudo ponderado é de concluir estarmos perante uma capacidade de trabalho em termos quantitativos e qualitativos francamente boa. (…)

12. Pontuações propostas pelo Júri

Na ponderação de todos os enunciados elementos, em conformidade com o estatuído no artigo 47.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, propõe-se para os fatores ínsitos aos n.ºs 11 e 12 do Aviso de abertura do XI Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais de Relação (…) as seguintes pontuações:

CRITÉRIOS PONTOS

(…) (…)

§ 4.º b) Capacidade de trabalho 16,00 (…)».

4. — No parecer do júri do 11.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação consta

Em ... de ... de 2023, foi, pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura, deliberado «(…) por unanimidade aprovar o teor do Relatório (Parecer) Final do Júri do 11.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação (…), sendo a seguinte a respetiva graduação:

Graduação do 11º Concurso de Acesso aos Tribunais da Relação.

Ordem de Graduação Nome do Candidato TOTAL (…)

75 AA 185,40 (…)».

8. A convicção quanto aos factos inscritos nos pontos n.os 1 a 4 do elenco factual fundou-se, respectivamente, no teor do aviso de abertura do 11.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação, no acordo das partes; no teor do parecer final do júri do 11.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação e no teor da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura que aprovou o parecer final do júri do 11.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação.


O DIREITO


9. A Autora impugna a avaliação do factor capacidade de trabalho, alegando que, em lugar de 16,00 pontos, lhe deveria ter sido atribuída a classificação de 18,00 pontos.


10. Em primeiro lugar, alega que a deliberação impugnada, na parte em que se refere ao período em que a Autora esteve afecta em exclusividade ao processo n.º 89/16.0..., incorre em erro manifesto de apreciação, não está devidamente fundamentada e que, ainda que fundamentada, sempre conflituaria com os princípios da igualdade e da proporcionalidade.


11. Fá-lo nos seguintes termos:

16º […] no tocante ao processo de especial complexidade nº 89/16.0..., cumpre à ora A. referir que a decisão de afetar a A. em exclusividade ao mencionado processo coube ao Conselho Superior de Magistratura, aqui R., após requerimento dos mandatários judicias constituídos no mesmo – cf. documento nº 2 que ora se junta para os devidos e legais efeitos.

17º Quando a audiência de julgamento do processo de especial complexidade nº 89/16.0... se iniciou, o processo era constituído por 49 volumes e 31 apensos, imputando 541 crimes a 19 arguidos, numa Acusação com 554 artigos.

18º O processo contava ainda com 67 ofendidos, 5 assistentes, 20 demandados cíveis, 113 testemunhas arroladas pala Acusação, 35 testemunhas arroladas pelos demandantes cíveis, 135 testemunhas dos arguidos e com 5 arguidos a requereram a prestação de declarações.

19º Acresce que, o referido processo foi tramitado com a realização de 4 sessões de audiência de julgamento por semana,

20º O que configura uma situação superior ao normal em termos de sessões de julgamento semanais que a maioria dos magistrados judiciais realizam semanalmente.

21º Sendo que, salvo melhor entendimento, a duração do referido processo no Tribunal de 1º instância, 3 anos e 3 meses, face à complexidade do mesmo, não deixou de ser meritória, não merecendo qualquer reparo por parte da deliberação impugnada ou pelo R. noutras instâncias.

22º Pelo que , deveria tal facto ser valorizado pela deliberação impugnada, o que, manifestasmente, não sucedeu.

23º Sendo assim incompreensível a razão pela qual a deliberação impugnada refere que o processo de especial complexidade nº 89/16.0... prejudicou a produtividade da A..

24º Sendo que tal entendimento não se acha minimamente fundamentado, como devia nos termos do artigo 153º do CPA, gerando a nulidade da deliberação impugnada, nos termos do disposto nos artigos 161º, nº 2, alíneas d) ou g) e 162º, do CPA.

25.º Sendo ainda violador do princípio da igualdade e do princípio da proporcionalidade, na medida em que desvaloriza totalmente o trabalho desenvolvido pelo A., a qual é alheia ao facto de ter tramitado um processo judicial com especial complexidade e em regime de exclusividade, colocando-a numa situação de desvantagem face aos demais concorrentes que não estiveram em situação similar à sua, mas concorrem no mesmo procedimento concursal.

Pelo que, no caso concreto da aqui A., resulta clara a violação dos aludidos princípios, na vertente da adequação, em evidente” e claro”prejuízo da A. em relação a outros concorrentes, violando o disposto nos artigos 6º, 7º, 8º,9º e 10º, do CPA.

12. Em segundo lugar, alega que a deliberação impugnada, na parte em que se refere em que a Autora deixou de estar afecta em exclusividade ao processo em causa, incorre em erro manifesto de apreciação.


13. Fá-lo nos seguintes termos:

26.º Acresce que, a deliberação impugnada enuncia ainda que a A. não logrou alcançar uma taxa de resolução positiva” aquando do desempenho das funções no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Criminal de ... (J.) de ... de ... de 2021 até ... de ... de 2022.

27º Mais uma vez a deliberação impugnada incorre num manifesto erro de apreciação dos factos.

28º Na verdade, no período em causa e nos anos em que a A. esteve colocada no J. do Juízo Central Criminal de ..., a pendência processual diminuiu significativamente,

29º Logrando a mesma aumentar após a sua saída daquele Juízo – cf. documentos nº(s) 3, 4 e 5 que ora se juntam para os devidos e legais efeitos.

De referir ainda que segundo o relatório da coordenadora do Tribunal Judicial da Comarca de ... constata-se que o J. do Juízo Central Criminal de ... foi um dos três juízos com mais diligências realizadas em 2022.

30º Pelo que, não colhe a afirmação reproduzida pela deliberação impugnada de que a A. não logrou alcançar uma taxa de resolução positiva”.

14. Em relação ao período em que a Autora esteve afecta em exclusividade ao processo n.º 89/16.0..., a deliberação impugnada diz que

a Sra. Juíza iniciou o julgamento do processo de especial complexidade n.º 89/16.0... (cujo acórdão foi apresentado como trabalho) em ........2019 e esteve em exclusividade afeta a esse processo até 31.08.2021, tendo o acórdão sido lido em 10.01.2022, ou seja, 3 anos e 3 meses após o inicio do julgamento, o que afeta a valorização da sua produtividade”.

15. O primeiro vício que a Autora imputa à deliberação impugnada é o erro manifesto de apreciação.


16. O problema do erro manifesto pressupõe uma interpretação da deliberação impugnada — ou, em todo o caso, à fundamentação da decisão impugnada.


17. A Autora atribui à expressão o que afecta a valorização da sua produtividade o sentido de que o que afecta negativamente a valorização da sua produtividade.


18. Ora, não se afigura correcto o sentido que a Autora atribui à expressão em causa.


19. Em vez de se lhe atribuir o sentido de o que afecta negativamente a valorização da sua produtividade, deve interpretar-se expressão o que afecta a valorização da sua produtividade colocando-a no contexto da deliberação e dar-lhe o sentido de o que impede a valorização da sua produtividade, não a afectando nem positiva nem negativamente.


20. O Réu, ao dizer o que afecta a valorização da sua produtividade está a dizer, tão-só, que a circunstância de a Autora ter estado afecta em exclusividade ao processo-crime n.º 89/16.0... desde o fim de ... 2019 ao início de ... 2021, comprometia possibilidade de apreciar a sua produtividade durante o período em causa.


21. A possibilidade de um erro de apreciação restringir-se-á ao seguinte:


— a deliberação impugnada considerou que não devia considerar o período em que a Autora esteve afecta, em exclusividade, ao processo-crime n.º 89/16.0..., não afectando nem positiva nem negativamente a valorização da sua produtividade,


— a Autora considera que o Réu devia considerar o facto de o processo-crime n.º 89/16.0... ter sido decidido no tempo em que o foi como algo que afectava positivamente a valoração da sua produtividade;


Ora, ainda que exista uma divergência entre as apreciações da Autora e do Réu, não existe, em todo o caso, nem um erro, nem (muito menos) um erro manifesto do Réu.


22. Interpretada correctamente a expressão o que afecta a valorização da sua produtividade, só pode decidir-se no sentido da improcedência do segundo e do terceiro vícios que a Autora imputa à deliberação impugnada.


23. O segundo vício que a Autora imputa à deliberação impugnada é a falta de fundamentação 1.


24. Ora, desde que a deliberação impugnada seja correctamente interpretada, o problema da falta de fundamentação não se põe (não chega a pôr-se sequer): a razão por que a circunstância de a Autora ter estado afecta em exclusividade ao processo-crime n.º 89/16.0... impede a valorização da sua produtividade depreende-se sem dificuldade do excerto da deliberação — ter estado afecta em exclusividade ao processo em causa.


25. O terceiro vício que a Autora imputa à deliberação impugnada é a violação de princípios jurídicos fundamentais 2, em concreto, do princípio da igualdade 3 e do princípio da proporcionalidade 4.


26. Em primeiro lugar, a Autora não alegou factos capazes de configurar uma discriminação e, ainda que os tivesse alegado, sempre se diria que, entre a situação de quem esteve afecto em exclusividade a um processo e a situação de quem não lhe esteve afecto em exclusividade há uma diferença objectiva — a avaliação da produtividade de quem esteve afecto em exclusividade a um processo deve e, em rigor, só pode ser feita de forma distinta da avaliação da produtividade de quem não lhe esteve afecto.


27. Em segundo lugar, a Autora não alega factos capazes de configurar uma violação do princípio da proporcionalidade e, ainda que os alegasse, sempre se diria que o comportamento adequado e necessário para a prossecução do fim prosseguido pelo Réu — selecção dos melhores candidatos — era uma avaliação da produtividade sensível a diferenças como estarem, ou não, afectos em exclusividade a um processo.


28. Em relação ao período em que a Autora deixou de estar afecta em exclusividade ao processo n.º 89/16.0..., a deliberação impugnada diz que

os mapas estatísticos a partir de .... 2021 (depois de ter cessado a exclusividade), no Juízo Central Criminal de ...>j... ., até ........2022 data em que cessou funções neste juízo), verifica-se que não logrou alcançar uma taxa de resolução positiva, num juízo com a carga de serviço ajustada”.

29. O vício que a Autora imputa à deliberação impugnada é, neste segmento, o erro manifesto de apreciação.


30. Entre os critérios e os objectos de valoração considerados pela Autora e pelo Réu há duas diferenças:


31. Em primeiro lugar, há uma diferença entre o critério da valoração considerado pela deliberação impugnada — taxa de resolução, ou seja, a diferença entre o número de processos entrados e o número de processos findos — e o critério de avaliação da produtividade convocado pela Autora no artigo 29.º da petição inicial — número de diligências realizadas.


32. Em segundo lugar, há uma diferença entre o objecto da valoração.


33. A deliberação impugnada considera o período temporal compreendido ... de ... de 2021 a ... de ... de 2022.


34. A Autora considerou dois períodos temporais diferentes:

I. — no artigo 28.º da petição inicial, a Autora refere-se ao conjunto dos anos em que esteve colocada no J. do Juízo Central Criminal de ... — ou seja, de ... de ... de 2017 a ... de ... de 2022 —;

II. — no artigo 19.º da petição inicial, refere-se ao conjunto do ano de 2022 — ora, a Autora cessou as suas funções no J. do Juízo Central Criminal de ... em ... de ... de 2022.

35. Face à divergência entre os critérios considerados pela Autora e pelo Réu, os factos alegados pela Autora são insuficientes para que se conclua que há um erro de apreciação.


36. Ora, a improcedência do pedido de declaração de nulidade ou, em todo o caso, do pedido de anulação da deliberação impugnada faz com que fique prejudicado o pedido de condenação do Réu em deliberação que determinasse a pontuação do factor avaliativo capacidade de trabalho em 18.


III. — DECISÃO


Face ao exposto, julga-se improcedente a presente acção administrativa de impugnação de acto administrativo e, em consequência, absolve-se o Réu Conselho Superior da Magistratura dos demais pedidos contra ele formulados.


Custas pela Autora (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e artigo 7.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I - A, anexa a este diploma).


Valor da causa para efeitos de custas: € 30.000,01 (artigo 34.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).


Lisboa, 19 de Março de 2024


Nuno Manuel Pinto Oliveira - (Juiz Conselheiro Relator)


António Magalhães - (Juiz Conselheiro Adjunto)


João Cura Mariano - (Juiz Conselheiro Adjunto)


Teresa Féria - (Juíza Conselheira Adjunta)


Mário Belo Morgado - (Juiz Conselheiro Adjunto)


Orlando Gonçalves - (Juiz Conselheiro Adjunto)


António Barateiro Martins - (Juiz Conselheiro Adjunto)


Nuno Gonçalves - (Juiz Conselheiro Presidente)


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1. Cf. arts. 152.º e 153.º, em ligação com o artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.↩︎

2. Cf. artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo: São anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção”.↩︎

3. Cf. artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo, sob a epígrafe Princípio da igualdade: Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.↩︎

4. Cf. artigo 7.º´do Código do Procedimento Administrativo, sob a epígrafe Princípio da proporcionalidade: 1. — Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos. 2. — As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar”.↩︎