Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B4252
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
APROVEITAMENTO ECONÓMICO NORMAL
DEMOLIÇÃO PARA RECONSTRUÇÃO DE PRÉDIO
INDEMNIZAÇÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ200712040042527
Apenso:
Data do Acordão: 12/04/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ANULADO O ACÓRDÃO P/ AMPLIAÇÃO DE MATÉRIA DE FACTO
Sumário :

1. A expropriação por utilidade pública de prédios de velha construção, degradados, integrados por lei em zonas críticas de recuperação e reconversão urbanística, envolve particularidades em relação ao regime geral constante do Código das Expropriações de 1999.
2. Não comportando o aproveitamento económico normal do prédio a habitação ou o exercício de alguma actividade económica de comércio ou indústria, antes implicando a demolição do seu interior no quadro da mencionada reconversão urbanística, não deve o valor da indemnização pela expropriação ser calculada com base no valor do solo apto para construção acrescido do valor da edificação.
3. Face às normas dos nºs 2 e 3 do artigo 28º do aludido Código extensivamente interpretadas, deve a referida indemnização ser calculada com base no valor do solo apto para construção acrescido do da fachada e cérceas do prédio.
4. Não tendo as instâncias fixado valor da parte da construção a considerar para o cálculo da indemnização, impõe-se a anulação do acórdão da Relação com vista à ampliação pertinente da matéria de facto.

Decisão Texto Integral:

I
A Câmara Municipal do Porto requereu, no dia 8 de Julho de 2004, contra AA, BB e CC, DD e EE a fase judicial da expropriação urgente do prédio urbano sito nas Ruas .........., nº .../.. e da ........., nº ..., Porto.
O tribunal arbitral, por acórdão proferido no dia 24 de Novembro de 2001, fixou a indemnização no montante de 18 256 728$ e, quanto aos arrendatários, para o caso de não optarem por habitação ou espaço a ceder pela expropriante, fixou-a, em 2 716 500$, 3 000 000$ e 6 772 500$, respectivamente.
O tribunal da primeira instância, por despacho proferido no dia 13 de Julho de 2004, adjudicou à expropriante o mencionado prédio.
No dia 6 de Agosto de 2004, os expropriados recorreram do acórdão arbitral, pretendendo a indemnização de € 192 000 por virtude das benfeitorias e de € 67 416,96 por virtude do solo.
A expropriante respondeu no sentido de a indemnização dever ser fixada em € 90 721, 99, sendo € 55 621,99 por virtude do terreno e € 35 100 por causa das benfeitorias
O tribunal da primeira instância, por sentença proferida no dia 1 de Março de 2006, julgando parcialmente o recurso, fixou a indemnização no montante de € 186 147.
Interpôs o expropriante recurso de apelação da referida sentença, e a Relação, por acórdão proferido no dia 6 de Novembro de 2006, dando parcial provimento ao recurso, ficou a referida indemnização no montante de € 181 116.
Requereu o expropriante, no dia 24 de Novembro de 2006, a reforma do acórdão da Relação e, subsidiariamente, arguiu a sua nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão e omissão de pronúncia, pretensão que a Relação indeferiu por acórdão de 15 de Janeiro de 2007.

Interpôs a apelante recurso de revista com fundamento na contradição de julgados, formulando as seguintes conclusões de alegação:
- a Relação considerou a construção respeitante à área total da construção existente, incluindo os materiais que incorporam os pisos como se estes fossem de manter;
- o aproveitamento económico normal da parcela corresponde à realização da área de construção já edificada e não implica a demolição total da construção;
- devia ter sido efectuado o cálculo do valor do solo de harmonia com os critérios previstos no Código das Expropriações, somando apenas a parte da construção que poderá substituir num aproveitamento económico normal por virtude de a demais dever ser demolida;
- impunha-se a subtracção ao cálculo do valor da construção existente da parte que nada vale por ser em qualquer caso de demolir;
- o prédio encontra-se em área crítica de recuperação e reconversão urbanística cujas cérceas e fachadas são de manter, implicando o aproveitando económico normal da área de implantação a demolição dos interiores dos edifícios e a recuperação dos seus exteriores;
- só assim se teria em conta a realidade existente e se cumpre o critério da fixação do valor dos imóveis em função do seu aproveitamento económico normal, único que cumpre o disposto no artigo 28º, nºs 2 e 3, do Código das Expropriações;
- face ao disposto no artigo 28º, nºs 1 a 3, do Código das Expropriações só pode aplicar-se o critério da soma do valor do solo com o das construções existentes nos casos em que o aproveitamento normal da área de implantação e do logradouro dos prédios não dependa de demolição dos edifícios ou das suas construções;
- o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 28º do Código das Expropriações rege para os casos em que não é necessário qualquer demolição ou é necessário tudo demolir;
- no caso, aproveitamento económico normal da área da implantação e do logradouro não permite a conservação total do edifício nem implica a demolição total, por deverem conservar-se as paredes exteriores;
- a situação deve ser integrada nos termos do nº 3 do artigo 10º do Código Civil de harmonia com o espírito do sistema que resulta dos nºs 2 e 3 do artigo 28º do Código das Expropriações;
- a Relação valoriza o que, à luz do critério da justa indemnização e do Código das Expropriações, não pode ser valorizado, pelo que não interpretou nem aplicou correctamente a lei, violando os artigos 28º, nº 2, do Código das Expropriações e 62º, nº 2, da Constituição.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão de alegação:
- não existe oposição entre os acórdãos;
- se a houvesse, foi o acórdão recorrido que fez correcta aplicação do direito e o que confere a justa indemnização aos recorridos.

Foi decidida a contradição de acórdãos como fundamento específico da admissibilidade do recurso para este Tribunal.

II
É a seguinte a factualidade considerada assente no acórdão recorrido:
1. A Câmara Municipal do Porto, em reunião de 26 de Junho de 2001, aprovou a expropriação litigiosa do prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob a ficha nº ...../............, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 613º, que confronta a Norte com Rua..........., nº ..., a Sul com Rua d..........., a Nascente com a Rua de ........ nºs .... a ......e Rua da .......... nº ... e a Poente com Rua de .............nº ..-... e Rua da ........... nº ......., integrado na Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística do Concelho do Porto.
2. As Ruas de ........ e da ........... têm as infra-estruturas de acesso rodoviário com pavimentação a betuminoso, passeios em toda a extensão do arruamento, redes telefónica, de abastecimento de água, de saneamento com colector em serviço junto do prédio, de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão e de drenagem de águas pluviais, e estação depuradora em ligação com a rede de colectores de saneamento.
3. O referido prédio tem a área de 68 m2 + 13 m2 de esplanada sob as arcadas, seis pisos para a Rua de ......... - rés do chão, primeiro, segundo, terceiro e quarto - e quatro pavimentos para a Rua da ......... - rés-do-chão, primeiro, segundo e um andar recuado.
4. O rés-do-chão, com entrada pela Rua de ........, nºs. .... e ...., destinado a actividade de restauração, tem a área de 81 metros quadrados, sendo 68 metros quadrados de área interior, de utilização privada, e 13 metros quadrados de arcada, de utilização pública.
5. Os primeiro, segundo, terceiro e quarto andares, com entrada pelo nº 73 da Rua da ........., destinados a habitação, têm a área de 81 metros quadrados cada, e o quarto andar tem afecto um piso superior recuado com a área de 76 metros quadrados.
6. As paredes exteriores são de alvenaria de granito, com aplicações de elementos de cantaria, nomeadamente arcadas, ombreiras, soleiras de portas, peitoris de janelas, padieiras de portas e janelas, sacadas ou varandas, cornija na fachada principal na Rua de ......... e alguns desses elementos na fachada posterior da Rua da .........., paredes interiores de tabiques fasquiados, pavimentos de soalho sobre vigamento de madeira, escadas de acesso aos pisos superiores de madeira e as telhas de cobertura assentam em armação.
7. O prédio é de construção muito antiga, da segunda metade do século XIX, tem uma implantação irregular, com as dimensões aproximadas de 5 vezes 10 metros, encontrando-se executado sobre um aterro de características arenosas.
8. O seu estado de degradação é avançado e implica condições de estabilidade precárias, apresentando fissuras com dimensões apreciáveis, que originam a entrada de humidade e mesmo de água da chuva.
9. Apresenta lesões resultantes da natureza e da idade da construção, da falta de conservação ao longo do tempo e de obras de construção de um edifício nas suas proximidades, havendo mesmo casos de pavimentos separados da parede lateral poente e com acentuado declive nesse sentido.
10. Atendendo à localização do edifício expropriado - contíguo a outros edifícios e inserido na zona histórica ribeirinha de ...... - o seu enquadramento e traça arquitectónica, o aproveitamento económico normal da área de implantação implica a demolição do interior e uma cuidadosa recuperação do exterior.
III
A questão essencial decidenda é a de saber qual é o quantitativo da indemnização a que os recorridos têm direito relativamente à vertente da edificação objecto da expropriação.
Tendo conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação do recorrente e dos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- particularidade da expropriação em causa e lei adjectiva e substantiva aplicáveis;
- configuração do litígio sobre o cálculo da indemnização relativa à edificação;
- conteúdo das normas de cálculo da indemnização aplicáveis no caso-espécie;
- cálculo do valor da construção em causa implicado pelas referidas normas;
- o quadro de facto disponível constitui ou não a base suficiente para a decisão de direito?
- síntese da solução para o caso decorrente dos factos provados, da dinâmica processual envolvente e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

1.
Comecemos pela análise da particularidade da expropriação em causa e da lei adjectiva e substantiva aplicáveis.
Estamos no caso-espécie perante a expropriação de um prédio integrado na designada Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística do Concelho do Porto.
Às áreas críticas de recuperação urbanísticas reporta-se essencialmente o Decreto-Lei nº 794/76, de 5 de Novembro, ou seja, a chamada Lei dos Solos.
Nos termos daquele diploma, podem ser declaradas, por decreto, áreas críticas de recuperação urbanística cuja falta ou insuficiência de infra-estruturas urbanísticas, de equipamento social, áreas livres e espaços verdes, ou as deficiências dos edifícios existentes, no que se refere a condições de solidez, segurança ou salubridade, atinja uma gravidade tal que só a intervenção da Administração, através de providências expeditas, permita obviar eficazmente aos inconvenientes e perigos inerentes (artigos 41º, nºs 1 e 2).
A delimitação das áreas críticas de recuperação e conversão implica, como efeito directo e imediato, a declaração de utilidade pública da expropriação urgente, com autorização de investidura na posse administrativa, segundo o processo correspondente, dos imóveis nela existentes de que a Administração necessite para a execução dos trabalhos para a recuperação ou reconversão da área, e a faculdade de a Administração tomar posse administrativa de quaisquer imóveis situados na área.
Com base no mencionado diploma, foi publicado o Decreto Regulamentar nº 54/85, de 12 de Agosto, que declarou como áreas de recuperação e reconversão urbanística oito zonas do Centro Histórico da Cidade do Porto.
Posteriormente, a Câmara Municipal do Porto solicitou ao Governo a ampliação da área fixada no aludido Decreto Regulamentar, de forma a fazer coincidir a Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística com a zona de intervenção do Comissariado para a Reconstrução Urbana da Área Ribeiro-Barredo.
Foi então publicado o Decreto Regulamentar nº 14/94, de 17 de Junho, por via do qual foi alterada a Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística do Concelho do Porto, que passou a ficar delimitada a norte pelas Ruas da Restauração, do Professor Vicente José de Carvalho, do Carmo, dos Clérigos, de 31 de Janeiro, de Alexandre Herculano, e pelas Praças de Gomes Teixeira, da Liberdade, da Batalha e pela Alameda das Fontainhas e, a sul, pelo Rio Douro (artigo único nºs. 1 e 2).
E passou a caber à Câmara Municipal do Porto a promoção, ouvida a Administração dos Portos do Douro e Leixões, em colaboração com as demais entidades interessadas, o processo de recuperação e reconversão urbanística das referidas áreas (artigo único nº 3).
Foi com base nas mencionadas normas jurídicas que a recorrente, na reunião de 26 de Junho de 2001, aprovou a expropriação litigiosa do prédio urbano em causa, ou seja foi praticado o acto administrativo definidor do respectivo elemento objectivo – o prédio – e o subjectivo – os titulares de direitos de propriedade ou outros sobre ele.
O referido acto administrativo, praticado ao abrigo das referidas normas jurídicas, vale como declaração de utilidade pública da expropriação urgente.
Adaptando esta situação ao regime geral das expropriações, importa considerar que a lei substantiva e adjectiva aplicável à expropriação em causa é a que vigorava aquando da prática do aludido acto administrativo, ou seja, o Código das Expropriações de 1999, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro.

2.
Prossigamos com a configuração do litígio sobre o cálculo da indemnização relativa à edificação.
O tribunal arbitral considerou que o valor do terreno se cifrava no equivalente a € 59 984,07, ser o valor da edificação de € 93 374, e, abatendo os encargos com os arrendamentos no montante equivalente a € 62 294,86, calculou o valor da indemnização em € 91 064,17.
Na sequência do recurso interposto pelos expropriados, o tribunal da primeira instância, secundando o relatório conforme dos peritos por si nomeados e do indicado pelos expropriados, fixou a mencionada indemnização no montante global de € 186 147, sendo € 77, 922 relativos ao terreno e € 108 225 concernentes à construção existente de 481 metros quadrados.
O perito indicado pela expropriante, por seu turno, partindo da área de construção de 468 metros quadrados, considerou os elementos construtivos existentes com aproveitamento num empreendimento normal, designadamente a alvenaria em granito das fachadas a preservar, por tudo o resto ser necessário demolir, e atribuiu vinte por cento do valor unitário da construção.
A Relação, fixou o valor global da indemnização devida pela expropriante aos expropriados em € 181 116, redução justificada pela consideração da área da construção de menos treze metros quadrados em relação ao que fora tido em conta no tribunal da primeira instância.
Todavia, no que concerne ao valor do metro quadrado de construção existente a considerar no cálculo da indemnização manteve o que ali fora decidido, ou seja, considerou a área de 468 metros quadrados e o preço unitário de € 225, correspondente a metade do valor em estado novo justificado pelo estado da construção aquando da declaração da utilidade pública da expropriação.
Aceitou o critério de avaliação dos peritos nomeados pelo tribunal e do indicado pelos expropriados, sendo que eles afirmaram ter tido em conta que o estado do prédio se havia agravado com as obras realizadas nas vizinhanças.
Na motivação afirmou-se que a operação de soma constante do laudo maioritário não merecia a crítica de não dedução do custo da demolição dos interiores porque, não dependendo o aproveitamento económico normal da área de implantação da demolição do edifício, mas apenas dos interiores, a mencionada soma conformava-se com o disposto no artigo 28º, nº 1, do Código das Expropriações.
O litígio circunscreve-se, pois, ao critério de determinação do valor da construção para efeito do cálculo da indemnização, ou seja, de toda ela, ou apenas daquela que é susceptível de relevar no quadro da recuperação e reconversão urbanística que motivou a expropriação.

3.
Vejamos, agora, o conteúdo das normas de cálculo da indemnização aplicáveis ao caso-espécie.
Estamos perante um solo apto para a construção. Não está, todavia, em causa no recurso o respectivo valor para efeito de indemnização, designadamente a aplicação da norma específica do nº 11 do artigo 26º do Código das Expropriações concernente a áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística a que se destinou a expropriação em causa.
A propósito da justa indemnização, expressa a lei que ela não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração da utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto então existentes. (artigo 23º, nº 1, do Código das Expropriações).
O valor dos bens é determinado com os critérios referenciais constantes, além do mais, dos artigos 26º e 28º do Código das Expropriações, conforme se trate de solos aptos para a construção ou de edifícios ou construções e das respectivas áreas de implantação e logradouros, respectivamente
E deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo o tribunal decidir oficiosamente ou a requerimento das partes a consideração na avaliação de critérios diversos para se alcançar aquele valor (artigo 23º, nº 5, do Código das Expropriações).
Relevam, pois, especialmente nesta matéria, por um lado, o valor venal ou de mercado dos bens expropriados, e, por outro, o seu destino possível numa utilização económica normal na data da publicação da declaração da utilidade pública.
Assim, a lei estabelece que o valor do solo apto para a construção é calculado, em regra, por referência à construção que nele seria possível efectuar não fora a expropriação, num aproveitamento económico normal, tendo em conta as normas legais pertinentes em vigor (artigo 26º, nº 1, do Código das Expropriações).
O cálculo do montante da indemnização é referenciado à data da declaração de utilidade pública, ou, de acordo com o fim da lei, na data da respectiva publicação (artigo 24º, nº 1, do Código das Expropriações).
Releva particularmente no caso vertente o disposto no artigo 28º do Código das Expropriações, parcialmente inovador em relação ao regime de pretérito, que se reporta ao cálculo do valor dos edifícios ou das construções com autonomia económica e das respectivas áreas de implantação e logradouros.
Distingue conforme os edifícios ou as construções tenham ou não autonomia económica.
Estabelece, para a primeira situação, nas suas alíneas a) a h) do nº 1, a título exemplificativo, que se deve atender - para determinação do respectivo valor - ao da construção com base no seu custo actualizado, à localização, ao ambiente envolvente e à antiguidade; aos sistemas de infra-estruturas, transportes públicos e proximidade de equipamentos; ao nível da qualidade arquitectónica, conforto das construções existentes e estado de conservação, nomeadamente dos pavimentos e coberturas das parcelas exteriores, partes comuns, portas e janelas; à área bruta; ao preço das aquisições anteriores e às respectivas datas; ao número de inquilinos e rendas; ao valor dos imóveis próximos da mesma qualidade e às declarações feitas pelos contribuintes ou avaliações para fins fiscais.
Mas logo a seguir, nos seus nºs 2 e 3, a lei introduz o conceito de aproveitamento económico normal da área de implantação e do logradouro, e distingue conforme ele dependa ou não da demolição dos edifícios ou das construções.
O aproveitamento económico normal deve ser aferido pela natureza da edificação em causa e do solo em que está implantada face às leis e regulamentos em vigor (artigo 26º, nº 1, deste Código).
Na segunda das mencionadas situações, o primeiro dos aludidos normativos estabelece que a justa indemnização corresponde ao somatório dos valores do solo e das construções determinados nos termos deste Código.
Na primeira, o segundo dos referidos normativos, estabelece dever calcular-se o valor do solo e a este deduzir-se o custo das demolições e dos desalojamentos, e que a indemnização deve corresponder a essa diferença, com o limite concernente à soma do valor do solo e das construções.
Trata-se de um conjunto normativo concernente à determinação do valor dos prédios que tenham autonomia económica, ou seja, em que o terreno de implantação ou o logradouro a não tenham (artigo 204º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil).
Mas previu a situação em que a parte edificada se não adequa ao aproveitamento económico próprio da sua natureza e exige, para o efeito, a respectiva demolição total ou parcial, e estatui, para essa hipótese, dever funcionar o valor do solo abatido do custo da demolição do edificado como se este não tivesse a autonomia a que a lei se reporta.
A situação objecto do litígio em causa, dada a sua estrutura fáctica, não obstante a respectiva especificidade em relação ao comum das situações, deve ser resolvida por aplicação do mencionado conjunto normativo.

4.
Atentemos, ora, no modo de cálculo do valor da construção em causa implicado pelas normas jurídicas mencionadas no número anterior.
Recorde-se que estamos perante o regime especial de expropriação de um prédio urbano integrado em área crítica de recuperação e reconversão urbanística, declarada por decreto regulamentar, de harmonia com a designada lei dos solos.
Trata-se de uma construção da segunda metade do século dezanove que apresenta lesões derivadas da natureza e do decurso do tempo e de feitura de construções de proximidade.
Alguns dos seus pavimentos estão separados da parede lateral em acentuado declive, tem fissuras de consideráveis dimensões que originam a entrada de humidade e mesmo de água da chuva, o seu estado de degradação é avançado e as suas condições de estabilidade são precárias.
É contíguo a outros edifícios, está inserido na zona histórica ribeirinha de ...... e o aproveitamento económico normal da área da sua implantação implica a demolição do interior e uma cuidadosa recuperação do exterior.
Trata-se, assim, de um caso em que o aproveitamento normal do prédio em causa não passa pela sua função de utilização normal, em habitação ou no exercício de alguma actividade económica de comércio ou indústria, mas pela sua demolição.
Em consequência, o normativo a aplicar no caso vertente, com vista à determinação da justa indemnização, é, essencialmente, o do nº 3, tendo em conta que se trata de uma demolição parcial, portanto com exclusão do que se prescreve no nº 2, ambos do artigo 28º do Código das Expropriações.
A lei determina dever abater-se ao valor do solo, determinado nos termos deste Código, além do mais que aqui não releva, o custo da demolição, que, dada a solução que ao caso foi dada, não foi apurado.
Não resulta dos factos provados o custo da demolição da estrutura do interior do prédio, e a recorrente não pretende extrair disso alguma consequência, porque só pretende fazer valer, para efeito do cálculo da indemnização a que está vinculada no que concerne ao valor da construção, a solução de apenas dever ser considerada a construção remanescente da demolição.
A letra da lei, designadamente as normas dos nºs 2 e 3 do artigo 28º do Código das Expropriações, não configura, em termos de previsão, a especificidade da situação de facto em causa, ou seja, o seu hibridismo envolvente da demolição de interiores e consequente manutenção das fachadas e cérceas do prédio.
Mas o escopo finalístico das referidas normas justifica a sua aplicação, em quadro de interpretação extensiva, à situação de facto em análise, em que se trata de prédio integrado numa área de reconversão urbanística onde apenas é possível a reconstrução, mas em que esta comporta o aproveitamento de alguma estrutura do prédio.
Assim, interpretando extensivamente as normas dos nºs 2 e 3 do artigo 28º do Código das Expropriações, temos que, no apuramento da indemnização deve ser considerado o valor da edificação aproveitável a somar ao valor do solo considerado.
No acórdão recorrido assim se não entendeu, porque se considerou que o aproveitamento económico normal da área de implantação do prédio não dependia de demolição, pelo que foi infringido o disposto nas mencionadas normas.

5.
Prossigamos com a análise da subquestão de saber se o quadro de facto disponível constitui ou não a base suficiente para a decisão de direito.
Este Tribunal aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado, sendo que o processo só volta àquele tribunal quando a decisão de facto deva ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (artigo 729º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil).

No caso, a decisão de direito a proferir na causa pressupõe que se determine o valor da construção aproveitável do velho prédio consubstanciada nas fachadas e nas cérceas,
certo que o mesmo deve ser adicionado ao valor do solo considerado, que está assente.
Apenas um dos relatórios periciais, o elaborado pelo perito indicado pela recorrente, se reportou a tal matéria, e as instâncias nada decidiram quanto a ela, e este Tribunal, considerando o disposto no nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil, não tem competência funcional para suprir essa situação.
Em consequência, definido que foi por este Tribunal o direito aplicável, deve a Relação, apurado o mencionado valor, julgar novamente a causa, de harmonia com a aludida definição (artigo 730º, nº 1, do Código de Processo Civil).

6.
Finalmente, a síntese da solução para o caso, decorrente dos factos provados, da dinâmica processual envolvente e da lei.
O objecto do processo de expropriação em causa assume a particularidade de o respectivo objecto se integrar em zona crítica de recuperação e reconversão urbanística que implica a reconstrução.
São ao caso aplicáveis as normas jurídicas adjectivas e substantivas que vigoravam aquando da aprovação da expropriação em causa, nas quais se inclui o Código das Expropriações de 1999.
O montante da indemnização relativa à construção em causa cinge-se às fachadas e às cérceas, ou seja, às partes do edifício excluídas da demolição tendente ao aproveitamento normal da área de implantação em causa.
O quadro de facto disponível, porque não está assente o valor da referida construção subsistente, não permite a pertinente decisão de direito, pelo que se impõe a anulação do acórdão e a remessa do processo à Relação, a fim de, ampliada a matéria de facto, seja proferida nova decisão em conformidade com o regime jurídico definido por este Tribunal.
Procede, assim, com o referido limite, o recurso de revista em causa.
As custas do recurso são da responsabilidade da parte vencida a final se não beneficiar de isenção de custas ou do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (artigos 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, 2º, nº 1, aliena e), 15º, alínea a), 37º, nº 1 e 54º, nºs 1 a 3, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nºs 1 e 2, da Lei nº 34/3004, de 29 de Julho).

IV
Pelo exposto, anula-se o acórdão recorrido, determina-se a remessa do processo à Relação para que seja ampliada a matéria de facto nos termos acima referidos e proferida nova decisão de harmonia com regime jurídico que foi definido.
Condena-se a parte vencida a final, na proporção em que o for, se não beneficiar do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo ou de isenção de custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 04 de Dezembro de 2007

Salvador da Costa (Relator)
Ferreira de Sousa
Arminsdo Luís