Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S2576
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: PERÍODO NORMAL DE TRABALHO
INTERVALOS DE DESCANSO
TRABALHO POR TURNOS
USOS DA EMPRESA
TRABALHO SUPLEMENTAR
Nº do Documento: SJ200707050025764
Data do Acordão: 07/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário : I - Os períodos de descanso correspondem, em princípio, a períodos de tempo em que o trabalhador não está vinculado à prestação de trabalho e é livre de dispor do seu tempo como bem entender – seja para descansar, seja para tomar refeições, seja para tratar de assuntos da sua vida pessoal e /ou familiar e não devem relevar para o cálculo do período normal de trabalho.
II - Contudo, como veio a tornar-se claro após a publicação da Lei n.º 73/98, momentos há em que o trabalhador não está a exercer as funções que constituem o objecto da sua prestação laboral que devem ser considerados como tempo de trabalho, vg. para efeitos remuneratórios.
III - Os usos laborais não devem prevalecer sobre disposição contratual expressa em contrário, nem sobre disposição do regulamento interno com conteúdo negocial (porque esta pressupõe que os trabalhadores sobre ela se tenham podido pronunciar, podendo tê-la afastado) e podem também ser afastados pelos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho.
IV - No que respeita à relação dos usos com a lei, o uso pode afastar normas legais supletivas, mas não valerá se contrariar uma norma imperativa.
V - Nada impede que, através de prática da empresa constante, genérica e aceite, se estabeleça um uso relevante como fonte de direito, e por isso vinculativo, no sentido de remunerar como tempo de trabalho determinados períodos de intervalo na jornada de trabalho em que o trabalhador não se encontra a exercer as suas funções nem se encontra à disposição do empregador.
VI - Para além de admissível, segundo as regras gerais dos arts. 12.º e 13.º da LCT e do art. 1.º do Código do Trabalho, a relevância destes usos no sentido de considerar tempo de trabalho as interrupções de trabalho veio a ser expressamente acolhida no art. 2.º, n.º 2, al. a) da Lei n.º 73/98 de 10 de Novembro e no art. 156.º, al. a) do Código do Trabalho, em conformidade com o que prescreve a Directiva Comunitária n.º 91/104 CE do Conselho de 23/11.
VII - Constitui um uso laboral vinculativo e relevante como fonte de direito a prática constante, uniforme e pacífica que a empresa adoptou durante cerca de 13 anos relativamente aos seus trabalhadores afectos ao regime de dois turnos rotativos, de remunerar e contar o período de 30 minutos para refeição como tempo de trabalho.
VIII - O referido uso, enquanto fonte de direito do trabalho, aplica-se a todos os trabalhadores ao serviço da empresa que lhe prestaram ou prestam trabalho em regime de dois turnos, e não apenas aqueles que foram contratados antes do momento em que a empresa, violando o dever jurídico emergente do uso laboral de remunerar como tempo de trabalho aqueles intervalos de 30 minutos, alterou unilateralmente os critérios de contagem do tempo da prestação laboral dos seus trabalhadores em regime de dois turnos rotativos.
IX - Em cada dia em que, estando ao serviço da R., esses trabalhadores tenham prestado trabalho cumprindo o horário estabelecido, deve considerar-se que prestaram 30 minutos de trabalho suplementar por em cada um desses dias ter sido ultrapassado, nessa medida temporal, o horário de trabalho desses trabalhadores.
X - Para haver condenação no pagamento de trabalho suplementar não basta o mero facto de, na elaboração do horário, a Ré não contemplar a pausa de 30 minutos como parte integrante do período normal de trabalho, impondo-se ainda aferir se, em cada dia em que os trabalhadores naquelas condições prestaram trabalho ao serviço do empregador no lapso de tempo compreendido no pedido, o fizeram para além do limite do horário de trabalho.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I – O autor Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica dos Distritos de Lisboa, Santarém e Castelo Branco intentou, no Tribunal do Trabalho de Cascais, contra a R. Empresa-A a presente acção com processo ordinário, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que seja declarado o direito dos associados do Autor, trabalhadores da Ré, que, desde Novembro de 1989, lhe hajam prestado trabalho em regime de dois turnos, rotativos, a que lhes seja contado e remunerado como tempo de trabalho o período diário de trinta minutos de que dispuseram e dispõem para refeição, com a consequente condenação da Ré no pagamento, a esses trabalhadores, das importâncias correspondentes à retribuição, como trabalho suplementar, de 30 minutos por dia, de 2ª a 6.ª feira, desde Novembro de 1989 até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.
Alega, para tal, em síntese:
Mais de metade dos trabalhadores da R. são sindicalizados e na maioria seus associados.
Os trabalhadores da R. que laboram em regime de dois turnos rotativos dispõem de um “intervalo” de 30 minutos, tempo concedido para as refeições principais desses trabalhadores.
Até finais de 1989, tal período de 30 minutos sempre foi contabilizado e pago como tempo de trabalho.
Depois dessa data, a R. “rompeu com esse entendimento”, modificando unilateralmente os critérios de valoração e contagem da prestação que os trabalhadores efectuam, deixando de pagar e de considerar estes períodos como tempo de trabalho para efeito de processamento das retribuições, fazendo-o sem o acordo dos trabalhadores e contra a vontade destes.

A R. contestou.
Excepcionou a ilegitimidade do Autor e a prescrição dos créditos salariais respeitantes ao trabalho suplementar relativo ao período anterior a 9 de Fevereiro de 1994.
Invocou ainda, em síntese:
Os intervalos de 30 minutos que se encontram em vigor no regime de dois turnos constituem efectiva interrupção da prestação de trabalho, constituindo um espaço de tempo que se encontra na inteira e livre disponibilidade dos trabalhadores, que podem, inclusivamente, abandonar as instalações da empresa, situação que existe na empresa desde 1974 até à actualidade.
Admite ter tido a empresa “uma prática diversa do entendimento que agora se perfilha”, sendo que se tratava de “um mau entendimento motivado por uma errada interpretação da lei”, não ficando os trabalhadores investidos em direitos que não têm, apenas por força dessa “prática errada”.
Ao menos a partir de 1992, quando foram aprovados horários com um intervalo de descanso de 60 minutos, esse período de interrupção da prestação de trabalho era-o efectivamente e foi reduzido (não dispensado) constituindo um intervalo de descanso.

O Autor respondeu à contestação nos termos de fls. 78 e ss., pugnando pela improcedência das excepções.

Foi proferido despacho saneador, em que se conheceu das excepções invocadas, julgando improcedente a ilegitimidade e procedente a prescrição relativamente aos créditos reclamados anteriormente a 14 de Fevereiro de 1994.

O A. interpôs recurso de apelação do despacho saneador na parte em que julgou procedente a excepção da prescrição (fls. 140 e ss.).
Também a R. interpôs recurso do despacho saneador, mas de agravo e relativamente à parte em que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade activa (fls. 150 e ss.).

Condensada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença a julgar improcedente a acção, absolvendo-se a R. dos pedidos formulados pelo A.

Dela apelou o A., tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido o acórdão de fls. 348 e ss., em que:

1.º - concedeu provimento à apelação de fls. 140, revogando a decisão recorrida, que considerou prescritos os créditos reclamados pelo Autor anteriores a 14 de Fevereiro de 1994;
2.º - concedeu parcial provimento à apelação de fls. 275, revogando a sentença e, em conformidade:
a) declarou o direito dos associados do Autor, trabalhadores da Ré, que, desde Novembro de 1989, lhe hajam prestado trabalho em regime de dois turnos, rotativos, a que lhes seja contado como tempo de trabalho o período diário de trinta minutos de que dispuseram e dispõem para refeição;
b) condenou a Ré no pagamento, a esses trabalhadores, das importâncias correspondentes à retribuição, como trabalho suplementar, de 30 minutos por dia, de segunda a sexta feira, desde 14 de Fevereiro de 1994 até ao trânsito em julgado do acórdão, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento;
3.º - negou provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.

II – Desse acórdão interpôs a Ré a presente revista, com as seguintes conclusões:
a) Da prova produzida nos autos, mais concretamente, das respostas dadas aos quesitos 1 ° e 2°, resulta de forma cristalina e inquestionável, que o intervalo de 30 minutos estabelecido para os trabalhadores da Recorrente que laboram em regime de dois turnos constitui um espaço de tempo na inteira e livre disponibilidade desses trabalhadores, sendo que, nesse período, os trabalhadores interrompem a prestação de trabalho, só a retomando depois do período de intervalo.
b) A inexistência de prestação de trabalho efectivo durante as mencionadas pausas de trinta minutos diários deve ser tomada em consideração e adequadamente valorizada na decisão a proferir pelo Supremo Tribunal de Justiça, e não ignorada, como fez o Venerando Tribunal a quo, tanto mais que é incompatível com a tese das vantagens adquiridas sustentada por esse Tribunal.
c) Ao abrigo das disposições legais sobre a matéria, constitui política da empresa Recorrente a aplicação, às relações laborais estabelecidas com os diversos trabalhadores por si contratados, do horário de trabalho que, a cada momento, estiver em vigor na empresa. Donde, nos contratos individuais de trabalho celebrados pela Recorrente, não existe qualquer cláusula particular em sede de horário de trabalho, mas apenas uma remissão genérica para os horários de trabalho que, em cada momento, estiverem em vigor na empresa.
d) Uma vez que a Meritíssima Juíza da Primeira Instância não respondeu afirmativamente aos quesitos 16° e 17°, a sua resposta a tais quesitos não pode ser equiparada a um "provado", tanto mais que as alíneas da factualidade assente e as respostas dadas aos quesitos para as quais remetem tais respostas reportam-se, exclusivamente, à realidade de facto vivida na empresa, e não ao modo como os trabalhadores foram apreendendo ou interpretando esses horários, quer na fase pré-contratual, quer já na sequência da celebração dos respectivos contratos individuais de trabalho.
e) Ora, o carácter marcadamente restritivo da resposta dada aos quesitos 16° e 17° impede que se tenha como provado e, portanto, como adquirido para os presentes autos, não só que os intervalos foram aceites e praticados no pressuposto de que seriam pagos como tempo de trabalho, mas também que, ao deixarem de ser considerados como tempo de trabalho, foram modificados os critérios de valoração da prestação que os trabalhadores efectuam.
f) Atendendo à matéria de facto assente nos autos, mais concretamente, às respostas dadas aos factos quesitados sob os nºs 1° a 6°, impõe-se concluir que as pausas de trinta minutos para refeição de que gozam os trabalhadores da Recorrente têm de ser qualificadas como aquilo que efectivamente são aos "olhos" da lei: interrupção na prestação de trabalho e, consequentemente, tempo que não pode ser tomado em consideração para efeitos de contagem e pagamento do tempo de trabalho!
g) Com efeito, em matéria de horários de trabalho, nem a prática reiterada, nem o uso criam direitos: as normas relativas a horário de trabalho são de interesse e ordem pública, e o uso não pode, reconhecidamente, contradizer aspectos fundamentais do sistema.
h) Donde, não só as pausas de 30 minutos em causa nos autos não contam, nem podem contar, como tempo de trabalho durante o horário de trabalho estabelecido pela empresa, mas também os trabalhadores da Recorrente, associados do Sindicato Recorrido, não ficaram investidos em qualquer direito por força de uma prática errada da empresa, ainda que esta se tenha mantido entre 7 de Julho de 1976 e Outubro de 1989, altura em que a Recorrente corrigiu o erro administrativo cometido pelos seus Serviços de Pessoal.
i) O entendimento sustentado pelo Venerando Tribunal a QUO no acórdão sob recurso, conduz, ademais, e em termos práticos, a um resultado inaceitável e injustificado, à luz do Direito e do senso comum, posto que remunerar os intervalos como se de tempo de trabalho efectivo se tratasse equivale a premiar o "trabalho faz de conta".
j) Acresce que, dos autos não resulta que o não pagamento da meia-hora tenha conduzido a uma diminuição da retribuição mensal dos trabalhadores da empresa Recorrente, como ficou claro ter apenas ocorrido uma alteração no modo de pagamento, sem qualquer repercussão na retribuição mensal dos colaboradores da empresa Recorrente. Mais: o valor-hora pago pela Recorrente até aumentou, na medida em que se passou a dividir a mesma quantidade de dinheiro por um número de horas inferior.
k) Ao condenar a Recorrente no pagamento das referidas meias-horas, estar-se-ia, pois, a dar origem a um enriquecimento injustificado dos trabalhadores associados do Sindicato Recorrido à custa da Recorrente, uma vez que esta passará a pagar mais caro pelo mesmo tempo de trabalho efectivo.
I) Não existe, por outro lado, qualquer fundamento ou justificação para que as meias-horas sejam pagas como trabalho suplementar, dado que não se encontram preenchidos os dois requisitos constitutivos desse direito: não houve qualquer prestação efectiva de trabalho (suplementar ou "normal"), nem determinação prévia e expressa da execução do trabalho pela empresa Recorrente.
m) Ainda que se admitisse, para meros efeitos de raciocínio, que a Recorrente se vinculara a contar e remunerar como tempo de trabalho as pausas de trinta minutos, ter-se-ia necessariamente que limitar aos trabalhadores contratados pela Recorrente antes de Novembro de 1989, a declaração do direito dos associados do Sindicato Recorrido, trabalhadores da empresa Recorrente que, desde Novembro de 1989, lhe hajam prestado trabalho em regime de dois turnos rotativos, a que tal período diário de trinta minutos lhes seja contado como tempo de trabalho. Com efeito, os trabalhadores contratados a partir de Novembro de 1989 nunca chegaram a conhecer uma tal prática da empresa, não podendo a mesma, por esse motivo, consubstanciar qualquer garantia integrada nos seus contratos individuais de trabalho.
n) Pelo motivos apontados na alínea anterior, também uma eventual condenação da empresa Recorrente no pagamento das importâncias correspondentes à retribuição dos trinta minutos de pausa diária teria forçosamente que se restringir aos trabalhadores contratados pela empresa Recorrente antes de Novembro de 1989.
o) Tal condenação (sem conceder) não poderia ainda, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, abranger todas e quaisquer 2ª a 6ª feiras, antes tendo que ser limitada aos dias em que, por força da contagem da pausa de meia-hora como tempo de trabalho, cada trabalhador prestou trabalho para além do seu período máximo de trabalho diário, sob pena de, doutro modo, se levar ao extremo o "prémio" do "trabalho faz de conta".
p) Não sendo, ademais, admissível a condenação da Recorrente em pagamentos "até ao trânsito em julgado" do acórdão da proferido pela Relação de Lisboa, na medida em que esta condenação parte da ficção - infundada e incorrecta - que todos os trabalhadores que prestavam serviço à Recorrente em 1989 ainda estarão ao serviço da empresa quando se verificar o trânsito em julgado, e ainda de que os horários não irão sofrer quaisquer alterações. A condenação teria, por conseguinte, e em último termo, de ser limitada ao período de vigência dos contratos de trabalho de cada um dos trabalhadores e na condição do horário não sofrer, entretanto, alterações.
q) Não existe, por fim, qualquer fundamento para a condenação da Recorrente no pagamento de juros de mora, na medida em que, por força do disposto no nº 3 do artigo 805° do Código Civil, não existe mora enquanto - como sucede in casu - o crédito for ilíquido.
r) O douto acórdão sob recurso violou, pois, o disposto nos artigos 805°, nº 3, 806° e 863° do Código Civil, e ainda o disposto nos artigos 155°, 156°, alínea d), 157°, 159°, nº 1, 170°, nº 1, 174°, 197°, nº 1 e 264°, todos do Código do Trabalho, correspondentes, na actualidade, ao anteriormente estatuído nos artigos 2°, nº 1, alíneas a) e b), e 2°, nº 2, alíneas b) e d), do Decreto-Lei nº 73/98, de 10 de Novembro, nos artigos 10°, nº 1, e 11°, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, no artigo 49° do Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969, no artigo 2° do Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de Dezembro, e ainda no artigo 29° do Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro, sendo, por conseguinte, merecedor de censura.

Também o A. interpôs recurso subordinado, circunscrevendo o recurso à parte do acórdão que limitou a condenação da R. ao período posterior a 14 de Fevereiro de 1994, assim a absolvendo do pagamento como trabalho suplementar do tempo das pausas no período compreendido entre 89.11.01 e 94.02.14.
Apresentou as seguintes conclusões:
I - Os créditos a que a demanda respeita não provêm da realização de trabalho extraordinário.
II - Consequentemente, não se lhes aplica o regime de prova estatuído no art° 38°, nº 2, do RCIT aprovado pelo DL 49408, de 24.11.
III - Por isso, não devia o decisório restringir a condenação da Ré ao período pós 14.2.94 .
IV - Decidindo como decidiu, fez o douto acórdão errada aplicação do mencionado preceito.

Ambas as partes responderam às alegações da parte contrária. (fls. 437 e ss. e 460 e ss.).

A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser parcialmente concedida a revista da Ré e negada a do A.
As partes foram notificadas do aludido parecer e não se pronunciaram sobre o mesmo.

III - Colhidos os “vistos” legais, cumpre decidir.
As instâncias consideraram provados os seguintes factos, que aqui se mantêm por não haver fundamento legal para os alterar:
1. O A. é uma associação sindical que tem como âmbito pessoal a representação sindical dos trabalhadores filiados que exerçam actividade profissional em indústrias metalúrgicas de base ou outras indústrias metalúrgicas, metalomecânicas e transformadoras (Al. A).
2. Tem como âmbito territorial o distrito de Lisboa (Al. B).
3. Está filiado na Federação dos Sindicatos da Metalurgia, Metalomecânica e Minas de Portugal (Al. C).
4. A R. tem como actividade principal o fabrico de agulhas para máquinas de costura industriais (Al. D).
5. Está associada na Associação das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicos do Sul (Al. E).
6. Até 1981 adoptava a denominação social de Empresa-B Portuguesa, Indústria Metalúrgicas, passando então a adoptar a sua actual denominação (Al. F).
7. Anteriormente a Julho de 1976, a Ré (Empresa-B) fixou, como horário de trabalho normal para os trabalhadores ao seu serviço, o seguinte:
- de 2ª a 6ª feira, das 8.15 h. às 18.15 h., com intervalo de 1 hora entre as 12 h. e as 15 h., mais tarde reduzida para 45 minutos;
- tal intervalo não contava nem era pago como tempo de trabalho» (Al) G).
8. A Ré estabeleceu e viu aprovado, em 7.7.76, o seguinte horário de trabalho em turnos rotativos:
O período de laboração era de 45 horas semanais:
No 1º turno:
- de 2ª a 6ª feira, das 7h. às 15h.;
- ao sábado das 7h. às 12 horas;
No 2º turno:
- de 2ª a 6ª feira das 15h. às 24h. (Al. H).
9. Aos trabalhadores referidos em H) era concedida “meia-hora de intervalo para refeição e descanso”, que era paga e contada como tempo de trabalho (Al. I).
10. Desde data anterior a 25.04.74 a Ré concedeu aos trabalhadores a possibilidade de tomarem refeições ligeiras, da seguinte forma:
- através do “carrinho” circulante;
- a das “pausas de 12 minutos com ausência do posto de trabalho;
- a das “máquinas distribuidoras” (Al. J).
11. A Ré considerou, ao longo do tempo, que o tempo necessário a materializar a possibilidade referida em J) era tempo de trabalho, contabilizado e pago como tal (Al. K).
12. Os trabalhadores do «Horário Normal» disfrutavam de duas «pausas» de 12 minutos, uma de manhã e outra de tarde e os trabalhadores do «Horário de Turnos» disfrutavam de uma só (ou a da manhã ou a da tarde, conforme o turno em que estivessem), sendo tais «pausas» contadas e pagas, a uns e outros, como tempo de trabalho (Al. K1) .
13. Após 29.9.89 a Ré aprovou e pôs em prática os seguintes horários:
1 - O horário normal passou a ser de 2ª a 5ª feira das 8.15 h. às 18 h. e à 6ª feira das 8.15 h. às 17 h., com intervalo de 45 minutos “para refeição” e 12 minutos para café;
- e contabilizou o tempo real de trabalho em 43 horas por semana;
2 - O horário por turnos rotativos manteve-se nos termos referidos em H);
- e contabilizou o tempo real de trabalho em 41 horas e 30 minutos por semana (Al. L).
14. Nos horários referidos na alínea L) sob o nº 1 a Ré deixou de contar as «pausas» como tempo de trabalho» (Al. L1)
15. A partir de Novembro de 1989 a Ré deixou de considerar os “intervalos” de meia-hora dos trabalhadores em regime de turnos como tempo de trabalho e deixou de os pagar ou de os considerar para efeito de processamento de retribuições (Al. M).
16. E continuou a considerar as “pausas” de 12 minutos como tempo de trabalho para efeito de processamento de retribuição (Al. N).
17. Nos recibos a Ré considerava 42,5 horas semanais, embora no horário dissesse que o “tempo real de trabalho é de 41 horas e 30 minutos por semana” (Al. O).
18. Em 10.11.89 a Ré emitiu e divulgou a comunicação interna de fls. 30 e 31 (doc. nº16 junto com a p.i.), no qual refere:
“a situação actualmente em vigor é, pois, a seguinte:
Horário de trabalho normal: 43 horas por semana;
Horário de trabalho rotativo: 41 horas e 30 minutos por semana (Al. P).
19. E que “(…) esta empresa deseja esclarecer todos os seus trabalhadores, que os intervalos no horário de trabalho para descanso e refeição, não constituem tempo integrante desse mesmo período de trabalho” (Al. Q).
20. Em Dezembro de 1994 a Ré pôs em prática e apresentou às autoridades o horário que figura a fls. 32 (doc. nº17 junto com a p.i.), nos seguintes termos:
1. Horário normal:
2ª feira – das 8.15h. às 18 horas;
de 3ª a 6ª feira – das 8.15h. às 17 h.;
2. Intervalo para descanso e refeição: 45 minutos, distribuído entre as 12 horas e as 13.30h. para vários grupos de trabalhadores com marcação do cartão no relógio de ponto;
3. Período normal de trabalho: 41 horas (Al. R).
21. Também em Dezembro de 1994 a Ré pôs em prática o horário de trabalho que figura a fls. 33 (doc. nº 18 junto com a p.i.), nos seguintes termos:
1.1º Turno: de 2ª a 5ª feira – das 7 h. às 15h.
6ª feira – das 7h. às 14.30h.;
Sábado – das 7 h. às 11 horas;
2º Turno: 2ª e 3ª feira – das 15h. às 24h.;
4ª e 5ª feira – das 15h. às 23.30h.;
6ª feira – das 14.30h. às 23h.;
2. Intervalo para descanso e refeição: 30 minutos para cada turno, distribuído entre as 11.45 h. e as 12.30h. ou entre as 18.45h. e as 20h. para os vários grupos de trabalhadores, com marcação do cartão de relógio de ponto;
3. Período normal de trabalho: 41 h. para cada turno (Al. S).
22. Os horários referidos em R) e S) já não referem a existência das “pausas” de 12 minutos (Al. T).
23. Actualmente são os seguintes os horários praticados no estabelecimento da Ré:
1. Horário normal:
de 2ª a 6ª feira, das 8.15 às 17 h. (intervalo de 45 minutos);
2. Horário de turnos: de 2ª a 6ª feira:
1º turno: das 7h. às 15.30h. (intervalo de 30 minutos);
2º turno: das 15.30h. às 24h. (intervalo de 30 minutos) (Al. U).
24. A Ré continuou a não pagar e não considerou como tempo de trabalho o intervalo de 30 minutos referido em U) (Al. V).
25. Em 30.01.92 a Ré emitiu a comunicação interna de fls. 62-63 (documento nº1 junto com a contestação), na qual colocava à consideração dos trabalhadores duas alternativas:
1. Ou eram elaborados novos horários de trabalho, prevendo-se 60 minutos de intervalo;
2. Ou os trabalhadores manifestavam a sua vontade no sentido da manutenção dos intervalos com duração de 30 minutos (Al. X).
26. Em 11.3.92, a Ré emitiu e divulgou a comunicação interna que figura a fls. 64 (doc. nº2 junto com a contestação) (Al. Z).
27. … e em 16.03.92 a Ré apresentou à Inspecção Geral de Trabalho o horário de trabalho que figura a fls. 65 (doc. nº3 junto com a contestação), no qual se estabeleceu um período de “intervalo para descanso e refeição com a duração de 60 minutos” (Al. A’).
28. Em 19.03.92, através do escrito junto por cópia a fls. 66 (doc. nº4 junto com a contestação), a comissão sindical considera ilegal o horário referido em A’) (Al. B’).
29. Em 10.04.92, a Ré dirigiu à Inspecção Geral do Trabalho o requerimento de fls. 68 a 71 (doc. nº6 junto com a contestação) (Al. C’).
30. … tendo recebido a resposta constante do escrito de fls. 73 (doc. nº7 junto com a contestação) da Inspecção Geral do Trabalho, do qual consta que “Em referência ao requerimento de 10 de Abril último, informo V.Exªs que a autorização para reduzir o descanso intercalar para 30 minutos, dos horários dos turnos, pode-se considerar tacitamente deferida, uma vez que existem cargas de horário de trabalho aprovados por estes serviços desde 1976, nessa condição(…)”(Al. D’).
31. … Pelo que a Ré emitiu o comunicado de fls. 74 (doc. nº8 junto com a contestação), dando por reproduzido o seu teor (Al. E’).
32. Tendo em 8.5.92 dado entrada na Inspecção Geral do Trabalho o horário de trabalho que fizera a fls. 75 (doc. nº9 junto com a contestação), dando também por reproduzido o seu conteúdo (Al. F’).
33. O intervalo de 30 minutos estabelecido para os trabalhadores que laboram no regime de dois turnos constitui um espaço de tempo da inteira e livre disponibilidade desses trabalhadores ao serviço da Ré (R.Q.1º).
34. Tais trabalhadores, nesse período de 30 minutos, interrompem a prestação de trabalho e só retomam depois do período de intervalo (R.Q.2º).
35. Nesse período de tempo:
algumas máquinas são desligadas, verificando-se uma paragem na produção – aquelas máquinas cujo funcionamento exige e pressupõe uma assistência permanente do operário – o que acontece, por exemplo, na secção de afinar à máquina, na secção de «polir o olho a fio», na secção de controle de qualidade e de escolha, na secção de orientação, na secção da estampagem, na secção de polimento e na secção de brilho.
b) outras máquinas mantêm-se ligadas e a produzir – aquelas que, pela sua complexidade e/ou em virtude do específico processo de produção, exigem apenas uma assistência com vista ao controle de qualidade – e outras mantêm-se ligadas e em rotação mas sem produzir – para evitar o arrefecimento –, havendo, nesses casos, uma distribuição dos períodos de intervalo pelos diversos grupos de trabalhadores, o que acontece, por exemplo, na secção de fresagem, na secção de redução, na secção de cromagem, na secção de tempera e na secção de «pontas e repontas» (R.Q.3º).
36. Os trabalhadores deixam os respectivos postos de trabalho, com a correspondente marcação da cessação da prestação de trabalho nos cartões ou relógios de ponto, esclarecendo-se que os trabalhadores fazem, diariamente, quatro registos no cartão, a saber, quando iniciam a laboração, quando saem para a refeição (no aludido intervalo de 30 minutos), quando regressam, e à saída do trabalho (R.Q.4º).
37. Deslocando-se os trabalhadores para o refeitório da Ré, onde lhe são servidas refeições prontas (R.Q.5º).
38. Ou, em alternativa, podendo abandonar as instalações da empresa (R.Q.6º).
39. Tal factualidade, aludida na resposta aos quesitos 1º, 2º, 4º, 5º e 6º, existe na empresa pelo menos desde 1974 até à actualidade (R.Q.7º).
40. A Ré decidiu estabelecer o horário referido em A`(o que consta do documento de fls. 65 do processo) para os trabalhadores da empresa que laboram por turnos rotativos, procedendo, depois, à sua afixação nas instalações da empresa (R.Q.8º).
41. Tendo mais de 90% dos trabalhadores ao serviço da Ré recusado cumpri-lo (R.Q.9º).
42. Manifestando claramente a sua vontade no sentido dos intervalos não terem uma duração superior a 30 minutos, esclarecendo-se que tais trabalhadores pretendiam, ainda, que tal intervalo de 30 minutos fosse considerado como tempo de trabalho efectivo (R.Q.10º).
43. Foi para ultrapassar a situação referida no quesito 9) que a Ré dirigiu à Inspecção Geral do Trabalho o requerimento de fls. 68 a 71 (doc. nº6 junto com a contestação), mencionado em C´. (R.Q.11º).
44. Apesar da atribuição das «pausas», o princípio geral foi sempre, nas secções mencionadas na resposta ao quesito 3º, sob a alínea b), o de que tais pausas não deveriam prejudicar a continuidade da laboração normal, esclarecendo-se que tais «pausas» se reportam às interrupções de 12 minutos aludidas na Especificação (R.Q.13º).
45. Por essa razão a generalidade dos trabalhadores dessas secções, quando efectuavam e efectuam as «pausas» aludidas, são substituídos por outros colegas (R.Q.14º).

IV – Atendendo a que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – como resulta do disposto nos arts. 684.º, n.º 3 e 690.º, do CPC, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2, a), do CPT –, as questões fundamentais que se colocam no recurso principal são as de saber:
1.º - se o intervalo de 30 minutos para refeição durante a jornada de trabalho dos associados do A. que trabalham ao serviço da R. no regime de dois turnos constitui, ou não, tempo de serviço para efeitos da retribuição;
2.ª - se é de reconhecer aos associados do A., trabalhadores da R., o direito ao pagamento do peticionado trabalho suplementar e se deve condenar-se a R. na presente acção a proceder a tal pagamento;
Caso se venha a responder de modo afirmativo a estas questões, haverá ainda que aferir desde quando são devidos juros de mora sobre os inerentes créditos dos trabalhadores associados do autor.
Quanto ao recurso subordinado, cinge-se o mesmo à apreciação da questão de saber se aos direitos de crédito que o A. pretende fazer valer através da presente acção se aplica, ou não, o especial regime probatório prescrito no n.º 2 do art. 38.º da LCT aprovada pelo DL n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
Analisemos, pela ordem indicada, as questões colocadas em ambos os recursos.

Do recurso principal interposto pela ré
1. A posição das instâncias e da recorrente

No que diz respeito à questão essencial do recurso interposto pela R. – de saber se o intervalo de 30 minutos para refeição durante a jornada de trabalho dos trabalhadores sujeitos ao regime de dois turnos deve, ou não, ser remunerado como tempo de trabalho –, a primeira instância considerou que os aludidos períodos de 30 minutos em que os trabalhadores interrompem a sua prestação de trabalho constituem tempos de descanso e nunca podiam ser entendidos como tempo de trabalho, por não estarem nesse período os trabalhadores à disposição do empregador.
Além disso, a sentença afirmou, em suma: que, por não poder afirmar-se a existência de uma lacuna, a disposição do instrumento de regulamentação colectiva que rege para o trabalho em regime de três turnos estabelecendo que o período diário de 30 minutos para refeição é considerado para todos os efeitos como tempo de serviço, não podia aplicar-se analogicamente ao regime de dois turnos; que não está demonstrado ter a R. violado qualquer cláusula contratual individualmente estipulada e que não há elementos que permitam concluir que ocorreu «uma prática constante, uniforme, pacífica», aceite entre as partes em conflito, em ordem a concluir-se que, por força dos usos, os trabalhadores da Ré adquiriram o direito a que a «meia hora» em causa seja considerada e paga como tempo de trabalho, essencialmente porque desde que a R. alterou o seu procedimento (1989) foram várias as vicissitudes ocorridas entre as partes, envolvendo ainda a Inspecção Geral do Trabalho, que espelham um posicionamento de conflituosidade e litigiosidade que não é consentâneo com a estabilidade suficiente para a criação de um uso.
Em conformidade, julgou a acção improcedente.

O Tribunal da Relação alterou a sentença considerando que a integração dos intervalos no tempo de serviço, num decurso de tempo tão vasto (desde 1976 até Novembro de 1989), se traduziu na consagração, por acto unilateral da ré, implicitamente aceite pelos trabalhadores, de uma garantia que a mesma não podia retirar sem prévio acordo de cada um daqueles que a mesma beneficiava.
Segundo o tribunal a quo, se é verdade que o período normal de trabalho está delimitado legalmente e, de algum modo, fora da autonomia contratual das partes (na parte em que estas o queiram aumentar), o mesmo não acontece com a distribuição do tempo neste período, ou seja, o horário de trabalho.
Concluiu, assim, que estamos em presença de vantagens adquiridas, sujeitas ao regime decorrente do disposto no art.º 406°, nº 1, do Cod. Civil, ou seja, o que por acordo se estabeleceu, por acordo se altera e veio a revogar a sentença recorrida, condenando a Ré no pedido e limitando a condenação no pagamento de trabalho suplementar ao período após 14 de Fevereiro de 1994, dado que o Autor não apresentou, com referência ao período anterior, o documento idóneo referido no art. 38.º, n.º 2 da LCT.

Na revista, a recorrente sustenta, em suma: que da prova produzida se constata que não existe trabalho efectivo no intervalo de 30 minutos estabelecido para os seus trabalhadores que laboram em regime de dois turnos, que este intervalo constitui uma interrupção na prestação de trabalho aos olhos da lei e não pode ser contado e pago como tempo de trabalho; que nos contratos individuais de trabalho celebrados, não existe qualquer cláusula particular em sede de horário de trabalho, mas apenas uma remissão genérica para os horários de trabalho que, em cada momento, estiverem em vigor na empresa; que em matéria de horários de trabalho, nem a prática reiterada, nem o uso criam direitos pois as normas relativas a horário de trabalho são de interesse e ordem pública e o uso não pode contradizer aspectos fundamentais do sistema; que os trabalhadores não ficaram investidos em qualquer direito por força de uma prática errada da empresa, ainda que esta se tenha mantido entre 7 de Julho de 1976 e Outubro de 1989, altura em que corrigiu o erro administrativo cometido pelos seus serviços de pessoal e que não existe fundamento para que as meias horas em causa sejam pagas como trabalho suplementar.
Vejamos se assim é.

2. Os factos e a sua localização temporal

A questão fulcral que se coloca na revista gira em torno do regime jurídico da organização do tempo de trabalho.
Estão em causa os “intervalos” de trinta minutos, concedidos aos trabalhadores da Ré que laboram em regime de dois turnos rotativos.
Resulta da factualidade apurada que os horários fixados pela Ré foram sendo aprovados ao longo do tempo, e sempre foi fixada uma “meia hora de intervalo para refeição e descanso” para os trabalhadores em regime de dois turnos, com excepção de um breve período de tempo em que a Ré pretendeu alargar tal período para 60 minutos, sem êxito em virtude da oposição dos trabalhadores que se recusaram a cumprir tal determinação – vide 27 e 40 a 42.
Resulta ainda da factualidade apurada que, pelo menos desde 1976, a Ré sempre contabilizou e pagou essa meia hora de intervalo como tempo de trabalho – vide 8, 9 e 13 – e que, a partir de Novembro de 1989, a Ré alterou tal procedimento, deixando de considerar essa meia hora como tempo de trabalho e deixando de a pagar e considerar para efeito de processamento de retribuições – vide 15.
Importa, pois, verificar se esta “meia hora de intervalo para refeição e descanso” deveria, ou não, em face do regime jurídico aplicável, continuar a ser paga como tempo de trabalho pela R..

3. O regime jurídico da duração do trabalho

No período temporal a que se reportam os factos em apreciação e em que se reflectem os efeitos do pedido formulado – desde 1976 até ao trânsito em julgado da decisão destes autos – a disciplina legal da duração do trabalho, embora partindo de conceitos de base que se mantiveram (como é o caso dos conceitos de “período normal de trabalho” e de “horário de trabalho”), não foi sempre homogénea, conhecendo alterações que se corporizaram em diversos diplomas legais.
Lancemos um breve olhar sobre tal disciplina.

De acordo com o que prescreve o art. 45.º, n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo DL n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT) e, do mesmo modo, o art. 158.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, entende-se por período normal de trabalho o tempo de trabalho que o trabalhador deve prestar ao empregador, sendo esse período aferido por um número de horas por dia/semana e objecto quer de regulamentação legal quer em sede de contratação colectiva.
O art. 5º, n.º 1 do Dec. Lei 409/71 de 27/09 (LDT), na sua redacção originária, fixou em 48 horas semanais e 8 horas por dia o limite máximo do período normal de trabalho, dispondo o art. 8.º do mesmo diploma que a redução dos limites máximos do período normal de trabalho pode ser estabelecida por decreto regulamentar ou instrumento de regulamentação colectiva, não podendo resultar dessa redução prejuízo económico para os trabalhadores, nem qualquer alteração das condições de trabalho que lhes seja desfavorável.
Com a Lei n.º 2/91 de 17 de Janeiro, o limite máximo do período normal de trabalho foi reduzido para 44 horas por semana – art. 1º e Dec. Lei 398/91 de 16/10.
A Lei n.º 21/96 de 23 de Julho fixou tal limite em 42 horas semanais com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 1996 e em 40 horas semanais com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 1997.
Actualmente o art. 163º, nº1 do C.Trabalho mantém este limite máximo do período normal de trabalho semanal nas 40 horas.
Ao nível dos instrumentos de regulamentação colectiva, o CCT para as indústrias metalúrgicas e metalomecânicas, publicado no BTE n.º 11 de 79.03.22 (1), estabelecia, para o trabalho em regime de dois turnos, um período normal de trabalho semanal de 45 horas, distribuídas de 2ª a 6ª feira (cláusula 86ª nº3).
O mesmo limite se fixou no CCT para as indústrias metalúrgicas e metalomecânicas, publicado no BTE n.º 33 de 81.09.08, com P.E. publicada no BTE nº18 de 82.05.15 (cláusula 87ª nº3).
Depois, o CCT publicado no BTE nº 17 de 92.05.08, com P.E. publicada no BTE n.º 33 de 92.09.08, fixou o período normal de trabalho semanal, para o regime de 2 turnos, em 43 horas (distribuídas de segunda feira a sexta feira), passando para 42 horas a partir de 1 de Janeiro de 1993 – cláusula 87ª, nº3, al. a).
Com as alterações publicadas no BTE n.º 20 de 94.05.29 estabeleceu-se que o período normal de trabalho semanal para o regime de dois turnos é de 42 horas, distribuídas de segunda feira a sexta feira, passando a 41 horas a partir de 1 de Janeiro de 1995 (cláusula 87ª, nº3, al. a).

Quanto ao horário de trabalho, consiste o mesmo na determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e dos intervalos de descanso, incumbindo a sua fixação à entidade patronal, dentro dos condicionalismos legais – art. 49º da LCT, art. 11º, nºs 1 e 2 da LDT e art. 170º do C.Trabalho.
Assim, o horário de trabalho reporta-se à questão de saber em que horas de cada dia e em que dias de cada semana terá o trabalhador que desenvolver o período normal de trabalho, fixando os tempos em que o empregador pode exigir o cumprimento da prestação laboral e em que o trabalhador está compelido a realizá-la.

Finalmente no que diz respeito aos intervalos de descanso, tais períodos de tempo estão expressamente previstos no art. 10º, n.º 1 da LDT, que estabelece nos seguintes termos: “ O período de trabalho diário deverá ser interrompido por um intervalo de duração não inferior a uma hora, nem superior a duas, de modo que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo”.
O n.º 2 deste preceito possibilita a redução do intervalo diário de descanso até 30 minutos, ou o estabelecimento de um duração superior à prevista no n.º 1, através de convenção colectiva de trabalho, e o n.º 3 permite que o Instituto Nacional de Trabalho e Previdência (a requerimento do empregador) autorize a redução ou dispensa dos intervalos de descanso, quando tal se mostrar favorável aos interesses dos trabalhadores ou se justifique pelas condições particulares de trabalho de certas actividades.
É importante ainda ter presente nesta matéria o Despacho do Ministro do Trabalho de 3 de Abril de 1978 (publicado no BTE, 1.ª série de 78.04.22) relativo aos horários de trabalho e aos períodos de repouso no trabalho em regime de turnos, que veio estabelecer que a aprovação dos horários só deve ser dada depois de verificada a sua conformidade com os condicionalismos legais e que tem sido entendimento e prática constante considerar a possibilidade de redução ou dispensa dos intervalos de descanso, nos termos previstos no art. 10.º, n.º 3 do DL n.º 409/71 “desde que seja assegurada a observância de um período de repouso, para todos os efeitos considerado como tempo de serviço” durante o qual o trabalhador poderá não abandonar o posto de trabalho, sendo substituído nas suas funções por outro trabalhador sempre que possível - n.ºs 6, al. c) e 7, al. b) do identificado despacho.

Especificamente com relevo para a questão de saber se podem contabilizar-se como tempo de serviço períodos temporais em que o trabalhador não está a executar o seu trabalho sob as ordens, direcção e fiscalização de outrem, veio dispor a Lei n.º 21/96 de 23 de Julho (que operou a redução faseada do período normal de trabalho semanal para as 40 horas) que, para efeitos de contagem do período normal de trabalho, apenas se devem ter em conta “períodos de trabalho efectivo, com exclusão de todas as interrupções de actividades resultantes de acordos, de normas de instrumentos de regulamentação colectiva ou da lei e que impliquem a paragem do posto de trabalho ou a substituição do trabalhador” (art. 1º, n.º 3).
Esta lei suscitou uma enorme controvérsia no mundo laboral e empresarial, perfilando-se vários estudos doutrinários sobre a questão de saber se a redução dos períodos normais de trabalho superiores a 40 horas semanais só deveria fazer-se relativamente aos períodos de trabalho efectivo, não atendendo às pausas ou intervalos de curta duração eventualmente existentes, ou se estas pausas deveriam ser imputadas no período a reduzir (2) .
Com relevo interpretativo nesta matéria foi emitido o Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República sobre a proposta de lei n.º 14/VII (que deu origem à Lei n.º 21/96) (3). Refere-se neste parecer que a noção de trabalho efectivo tem um conteúdo “meramente instrumental”, que deve atender-se ao facto de que “todas as regras legais ou convencionais que consideram tempo de serviço para variados efeitos (designadamente remuneratórios), os períodos em que não é prestado efectivamente trabalho permanecem em vigor” e que “o que a proposta de lei consagra é que os trabalhadores obtenham para além das interrupções já garantidas por lei ou convenção colectiva, a redução de mais duas horas no seu trabalho efectivo, sem prejuízo das interrupções anteriormente conquistadas”.
Não obstante, a polémica instalou-se e muitas vozes defenderam que a redução nos termos do n.º 3 do art. 1.º da Lei deveria fazer-se à custa das pausas de que os trabalhadores anteriormente gozassem, por estas não se traduzirem em trabalho efectivo.

Posteriormente a Lei n.º 73/98 de 10/11, procedendo à transposição da directiva europeia nº 93/104CE, do Conselho, de 23/11, introduziu no art. 2º, alíneas a) e b) a definição de “tempo de trabalho” e, por exclusão, de “período de descanso”, concretizando ainda, no seu nº 2, as situações que são consideradas como tempo de trabalho.
Assim, na palavra da lei, tempo de trabalho é “qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade empregadora e no exercício da sua actividade ou das suas funções” - art. 2.º, n.º 1, alínea a) - e período de descanso é “qualquer período que não seja tempo de trabalho” - art. 2.º, n.º 1, alínea b).
No n.º 2 do preceito o legislador vem a enumerar situações de interrupção da actividade (de não trabalho) que equipara para todos os efeitos ao tempo de trabalho, estabelecendo que são considerados tempo de trabalho:
a) As interrupções de trabalho como tal consideradas nas convenções colectivas ou as resultantes de usos e costumes reiterados das empresas;
b) As interrupções ocasionais no período de trabalho diário, quer as inerentes à satisfação de necessidades pessoais inadiáveis do trabalhador, quer as resultantes de tolerância ou concessão da entidade empregadora;
c) As interrupções de trabalho, ditadas por razões técnicas, nomeadamente limpeza, manutenção ou afinação de equipamentos, mudança dos programas de produção, carga ou descarga de mercadorias, falta de matéria-prima ou energia, ou motivos climatéricos que afectem a actividade da empresa, ou por razões económicas, designadamente de quebra de encomendas;
d) Os intervalos para refeição em que o trabalhador tenha de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, à disposição da entidade empregadora, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade;
e) As interrupções ou pausas nos períodos de trabalho impostas por prescrições da regulamentação específica de segurança, higiene e saúde no trabalho”.

Actualmente o Código do Trabalho, nos seus arts. 155º, 156º e 157º, rege sobre esta matéria em termos muito próximos das concretizações efectuadas pela Lei n.º 73/98, mantendo-as no seu essencial (4).
Assim, estabelece no art. 155.º que se considera tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador está a desempenhar a actividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no artigo seguinte”.
O art. 156.º, por seu turno, sob a epígrafe “Interrupções e intervalos”, dispõe que se consideram compreendidos no tempo de trabalho:
a) As interrupções de trabalho como tal consideradas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, em regulamento interno de empresa ou resultantes dos usos reiterados da empresa;
b) As interrupções ocasionais no período de trabalho diário, quer as inerentes à satisfação de necessidades pessoais inadiáveis do trabalhador, quer as resultantes do consentimento do empregador;
c) As interrupções de trabalho ditadas por motivos técnicos, nomeadamente limpeza, manutenção ou afinação de equipamentos, mudança dos programas de produção, carga ou descarga de mercadorias, falta de matéria-prima ou energia, ou factores climatéricos que afectem a actividade da empresa, ou por motivos económicos, designadamente quebra de encomendas;
d) Os intervalos para refeição em que o trabalhador tenha de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, adstrito à realização da prestação, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade;
e) As interrupções ou pausas nos períodos de trabalho impostas por normas especiais de segurança, higiene e saúde no trabalho.”
Finalmente o art. 157.º define o período de descanso como “todo aquele que não seja tempo de trabalho”.

Em face deste quadro normativo evolutivo, deve considerar-se que os períodos de descanso correspondem, em princípio, a um período de tempo em que o trabalhador não está vinculado à prestação de trabalho, não está juridicamente subordinado ao empregador, sendo livre de dispor do seu tempo como bem entender – seja para descansar, seja para tomar refeições, seja para tratar de assuntos da sua vida pessoal e /ou familiar e não devem relevar para o cálculo do período normal de trabalho.
Contudo, como já antes a doutrina defendia - e muitas vezes resultava do estipulado em instrumentos de regulamentação colectiva, do convencionado entre as partes do contrato, ou dos usos de determinadas empresas - e veio a tornar-se claro na própria lei após a publicação da Lei n.º 73/98, momentos há em que o trabalhador não está a exercer as funções que constituem o objecto da sua prestação laboral que devem ser considerados como tempo de trabalho.
Como refere Jorge Leite (5), “o tempo de cada trabalhador por conta de outrem aparece, em geral, dividido em duas grandes categorias, dele fazendo uma autêntica divisão dicotómica: o tempo de trabalho e o tempo de descanso. Esta concepção reflecte-a, por exemplo, a Directiva nº 93/104/CE, sobre a organização do tempo de trabalho, que define o tempo de descanso como o tempo restante, ou seja, o tempo que não é tempo de trabalho. O tempo de trabalho tende, por sua vez, a ser dividido em duas espécies (ou subcategorias): o tempo de trabalho «propriamente dito» (tempo de actividade produtiva, ou tempo real de trabalho «efectivo» ou tempo de trabalho «real») e o tempo equiparado ao tempo de trabalho propriamente dito, podendo ainda suceder que a equiparação valha para todos os efeitos (jurídicos) ou apenas para alguns deles”.
4. A caracterização dos “intervalos” de 30 minutos como tempo de não trabalho em sentido naturalístico.

Em face da matéria de facto apurada e dos assinalados contornos do regime jurídico da duração do trabalho que esteve em vigor ao longo dos anos em análise, afigura-se-nos indiscutível que o período de meia hora para refeição de que os trabalhadores em regime de dois turnos beneficiavam no decurso da sua jornada de trabalho não pode qualificar-se como um período em que os trabalhadores prestam trabalho ou se encontram à disponibilidade do empregador para o prestar.
Na verdade, ficou provado:
- que o intervalo de 30 minutos constitui um espaço de tempo da inteira e livre disponibilidade dos trabalhadores em causa (33);
- que os trabalhadores, nesse período de 30 minutos, interrompem a prestação de trabalho e só retomam depois do período de intervalo (34);
- que nesse período de tempo em alguns sectores de produção ocorre uma interrupção efectiva de laboração, com a paragem das máquinas e, noutros sectores, opera-se uma distribuição dos períodos de intervalo pelos diversos trabalhadores (35);
- que os trabalhadores deixam os respectivos postos de trabalho, com a correspondente marcação da cessação da prestação de trabalho nos cartões ou relógios de ponto, sendo que os trabalhadores fazem, diariamente, quatro registos no cartão, a saber, quando iniciam a laboração, quando saem para a refeição (no aludido intervalo de 30 minutos), quando regressam, e à saída do trabalho (36);
- podendo os trabalhadores tomar uma refeição no refeitório da Ré ou, em alternativa, abandonar as instalações da empresa (37 e 38).
Como bem refere a recorrente, das respostas dadas aos quesitos 1°) e 2°), resulta que o intervalo de 30 minutos estabelecido para os trabalhadores que laboram em regime de dois turnos constitui um espaço de tempo na inteira e livre disponibilidade desses trabalhadores, sendo que, nesse período, os trabalhadores interrompem a prestação de trabalho, só a retomando depois do período de intervalo, não existindo prestação de trabalho efectivo durante esse tempo (conclusões a e b).
Não se enquadram pois estes “intervalos” nos conceitos de “tempo de trabalho” pressupostos no art. 2.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 73/98 e na primeira parte do art. 155.º do Código do Trabalho.
Tal não significa, contudo, que a pretensão do A. deva improceder, não podendo a análise jurídica quedar-se por aqui, em virtude da possibilidade de ser aquele tempo, afinal, um tempo que deve equiparar-se ao tempo de trabalho para efeitos remuneratórios.

5. A relevância dos usos na LCT e no Código do Trabalho

Não está já em discussão a aplicação analógica ao trabalho em regime de dois turnos da disciplina prescrita no instrumento de regulamentação colectiva aplicável para o trabalho em regime de três turnos.
Contudo, em face dos termos em que o A. estruturou a presente acção e do próprio teor das alegações de recurso, importa também aferir se a prática seguida pela empresa R. entre, pelo menos, Julho de 1976 e Novembro de 1989, constitui um uso da empresa relevante como fonte de direito e vinculativo nos termos e para os efeitos do art. 12.º da LCT e do art. 1.º do Código do Trabalho.

Resulta da factualidade apurada que:
- em 7 de Julho de 1976 a R. estabeleceu e viu aprovado para os seus trabalhadores afectos a turnos rotativos o horário com período de laboração de 45 horas semanais referido em 8, concedendo a estes trabalhadores “meia-hora de intervalo para refeição e descanso”, que era paga e contada como tempo de trabalho (8 e 9);
- após 28 de Setembro de 1989, a R. aprovou e pôs em prática para os trabalhadores em regime de horário normal o horário referido em 13, do qual resultou para esses trabalhadores uma redução do período normal de trabalho semanal de 45 para 43 horas, mantendo para os trabalhadores afectos ao regime de dois turnos rotativos o mesmo horário anteriormente fixado, ou seja, o referido em 8 (13);
- em Novembro de 1989 a R. deixou de considerar os “intervalos” de meia-hora dos trabalhadores em regime de turnos como tempo de trabalho e deixou de os pagar ou de os considerar para efeito de processamento de retribuições, passando a considerar nos recibos 42,5 horas semanais (15 e 17);
- em Dezembro de 1994, a R. pôs em prática os horários referidos em 20 e 21, ficando deles a constar que o período normal de trabalho semanal era de 41 horas, quer para os trabalhadores em regime de horário normal, quer para os trabalhadores em regime de turnos rotativos (20 e 21);
- actualmente, a R. pratica os horários normal e por turnos referidos em 23, continuando a R. a não pagar e a não considerar como tempo de trabalho o intervalo de 30 minutos para refeição de que dispõem os trabalhadores em regime de dois turnos (24).

O Código Civil estabelece no seu art. 1.º serem fontes imediatas de direito as leis e as normas corporativas, vindo no seu art. 3.º, n.º 1 a especificar a posição dos “usos” ao estatuir que “são juridicamente atendíveis quando a lei o determine” os usos não contrários aos princípios da boa fé (6) .
Os “usos” referidos no art. 3.º do CC são as práticas ou usos de facto, como ensina Mota Pinto (7), não constituindo verdadeiras normas jurídicas, nem se confundindo com o costume como fonte do chamado direito consuetudinário. Correspondem, sim, a práticas sociais reiteradas, não acompanhadas da convicção da obrigatoriedade (8).
Como fonte de direito os usos situam-se no sopé da hierarquia normativa e são habitualmente reconduzidos à categoria de fonte meramente mediata de direito por não terem relevância autónoma: a sua atendibilidade depende da mediação da lei e esta mediação não é genérica mas concreta.
O Direito do Trabalho é um dos sectores da ordem jurídica em que é tradicionalmente reconhecido um relevo particular aos usos, não só pela importância que as práticas associadas a determinadas profissões têm na organização do vínculo do trabalho, como ainda porque os usos da empresa são frequentemente tomados em consideração para integrar aspectos do conteúdo do contrato individual de trabalho que não tenham sido expressamente definidos pelas partes (9) .

Assim, o art. 12.º da LCT relativo às normas aplicáveis aos contratos de trabalho, admite no seu n.º 2 que se atenda aos “usos da profissão do trabalhador e das empresas” desde que não contrariem a lei, os instrumentos de regulamentação colectiva, os princípios da boa fé e a convenção das partes.
Resulta deste preceito que a atendibilidade dos usos como fonte mediata de direito está rodeada de um apertado círculo de condições, ressaltando, ainda, que eles têm um papel meramente supletivo (10).
Seguindo a doutrina de Monteiro Fernandes, a norma reporta-se às “práticas usuais ou tradicionais” deste ou daquele sector do mundo laboral que não se revestem de características de norma jurídica, antes se apresentam como “mero elemento de integração das estipulações individuais (ou seja, destinado a preencher condições a que as partes não se referiram, de harmonia com aquilo que elas presumivelmente estariam dispostas a aceitar)”.
De acordo com o mesmo autor, havendo estipulações expressas os usos poderão também ter uma função interpretativa das mesmas: “o sentido a dar às cláusulas pouco claras pode ser procurado, também, com recurso às práticas habituais da empresa, sem que isso importe a dispensa dos restantes critérios de interpretação dos negócios jurídicos (11) .

O Código do Trabalho actualmente em vigor inclui também nas fontes específicas do direito do trabalho os “usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé” (art. 1.º), em conformidade com o que prescreve o art. 3.º, n.º 1 do CC.
No que diz respeito ao critério de atendibilidade dos usos, o Código do Trabalho exige simplesmente que os usos não contrariem o princípio da boa fé, o que pode suscitar o problema da sua inserção na hierarquia das fontes do direito, problema que a LCT resolvia expressamente.
Como defende Maria do Rosário Palma Ramalho (12), já a propósito do Código do Trabalho, “dado o seu papel eminentemente integrador do conteúdo do contrato de trabalho, os usos laborais não devem prevalecer sobre disposição contratual expressa em contrário; na mesma linha não prevalecem, também os usos sobre disposição do regulamento interno com conteúdo negocial, porque esta pressupõe que os trabalhadores sobre ela se tenham podido pronunciar, podendo tê-la afastado; e, por fim, podem os usos ser afastados pelos instrumentos convencionais de regulamentação colectiva do trabalho, já que estes correspondem a uma auto-regulamentação laboral. Já no que respeita à relação dos usos com a lei, parece decorrer da formulação da norma que o uso pode afastar normas legais supletivas, mas, naturalmente, não valerá se contrariar uma norma imperativa.” (13)

6. A relevância específica dos usos em matéria de tempo de trabalho
Em face destas considerações genéricas relativas à relevância dos usos, e do enunciado regime jurídico da duração do trabalho, entendemos que nada obsta à relevância específica desta fonte de direito em matéria de organização dos tempos de trabalho, desde que os usos não contendam com outras fontes de Direito do Trabalho que ocupem superior lugar hierárquico e que não permitam a sua modificabilidade em sentido mais favorável.
Uma vez respeitados os limites emergentes da lei e de instrumentos de regulamentação colectiva, os modos e ritmos de cumprimento da obrigação devida pelo trabalhador constituem matéria submetida à disponibilidade das partes.
Mais uma vez citando Jorge Leite, “nada impede, nem do ponto de vista legal, nem do ponto de vista lógico, que as partes decidam ou que decida o empregador (sem o consentimento do trabalhador se corresponder ao cumprimento de um dever de segurança ou com o consentimento deste, tácito ou expresso, nos demais casos), a observância de interrupções de actividade, em geral de curta duração, sem interrupção do período normal de trabalho, ou seja, considerando o tempo de interrupção de actividade como tempo de trabalho. (…). Repita-se o que, por tão evidente, tantas vezes se omite: os modos de cumprimento da obrigação devida pelo trabalhador ou, noutra perspectiva, as formas de satisfação do crédito do empregador, são, salvo raras excepções, matéria não subtraída à autonomia das partes (14).
Como bem se refere no acórdão proferido pelo tribunal a quo, se é verdade que o período normal de trabalho está delimitado legalmente e, de algum modo, fora da autonomia contratual das partes (na parte em que estas o queiram aumentar), o mesmo não acontece com a distribuição do tempo neste período, ou seja, o horário de trabalho.
Assim, desde que se mostrem respeitados os limites legais e as prescrições legislativas de cariz imperativo, nada impede que através de prática da empresa constante, genérica e aceite se estabeleça um uso relevante como fonte de direito, e por isso vinculativo, no sentido de remunerar como tempo de trabalho determinados períodos de intervalo na jornada de trabalho em que o trabalhador não se encontra a exercer as suas funções nem se encontra à disposição do empregador.
Para além de admissível, segundo as regras gerais que se extraem dos arts. 12.º e 13.º da LCT e do art. 1.º do Código do Trabalho, a relevância destes usos no sentido de considerar tempo de trabalho as interrupções de trabalho veio a ser expressamente acolhida no art. 2.º, n.º 2, al. a) da Lei n.º 73/98 de 10 de Novembro e no art. 156.º, al. a) do Código do Trabalho, preceitos de acordo com os quais se consideram compreendidas no tempo de trabalho as interrupções de trabalho resultantes de usos reiterados das empresas, em conformidade com o que prescreve a supra referenciada Directiva Comunitária n.º 91/104 CE do Conselho de 23/11.

7. A constatação de um uso laboral relevante
a) Em face da factualidade apurada, verifica-se que a prática que a R. adoptou desde 1976 até 1989 relativamente aos seus trabalhadores afectos ao regime de dois turnos rotativos, de remunerar e contar o período para refeição, fixado em 30 minutos, como tempo de trabalho, durou cerca de treze anos e teve durante esse lapso de tempo as características de constância, generalidade e aceitação por ambas as partes, sendo a sua reiteração de molde a fazer surgir na esfera jurídica dos trabalhadores que exerciam as suas funções no regime de dois turnos rotativos a legítima expectativa de serem titulares do direito a que o intervalo para refeição que interrompia durante 30 minutos a sua jornada de trabalho fosse remunerado como tempo de trabalho.
Esta legítima expectativa foi sendo expressa pelos trabalhadores ao longo dos anos, quer logo em Novembro de 1989 como a própria R. reconhece na comunicação interna de fls. 30 e 31 que emitiu (referida nos pontos 18 e 19 da matéria de facto) – em que diz que os intervalos no horário de trabalho para descanso e refeição não constituem tempo integrante desse mesmo período de trabalho mas refere, também, que os trabalhadores consideram que o é –, quer depois em 1992, quando a R. tentou estabelecer horários com intervalo para refeição de 60 minutos (27) e mais de 90% dos trabalhadores recusaram cumpri-lo manifestando claramente a sua vontade no sentido dos intervalos não terem uma duração superior a 30 minutos e de que tal intervalo de 30 minutos fosse considerado como tempo de trabalho efectivo (41 e 42).
Ao contrário do que defende a 1.ª instância – que negou a estabilidade suficiente para a existência de um uso, essencialmente, porque desde que a R. alterou o seu procedimento (1989) foram várias as vicissitudes ocorridas entre as partes, que espelham um posicionamento de conflituosidade e litigiosidade –, cremos que a atitude dos trabalhadores da R. posterior a 1989 apenas denota que consideravam já a sua esfera jurídica integrada pelo direito à consideração e pagamento dos intervalos de 30 minutos para refeição como tempo de trabalho e que não se conformaram com a atitude que a R. então assumiu, alterando o procedimento que vinha seguindo há mais de treze anos.
Repare-se que o pedido remonta precisamente a 1989, pelo que é até então que cabe aferir se se verificou uma prática constante, genérica e aceite por ambas as partes, susceptível de consubstanciar um uso laboral com natureza vinculativa nos termos do então vigente art. 12.º da LCT. Os comportamentos posteriores a 1989 não têm qualquer influência sobre a caracterização dos factos que se desenrolaram até então (o modo constante e consensual em que até então se desenvolveu a aludida prática da empresa), apenas tendo a virtualidade de demonstrar o modo como as partes se comportaram perante a alteração do status quo anterior.
Verifica-se pois que, no período de tempo em análise – desde pelo menos 1976 até 1989 – a prática da empresa no sentido de o intervalo em causa, fixado em «meia hora», seja considerado e pago como tempo de trabalho reveste as características necessárias à consideração de que constitui uma prática constante, uniforme, universal e pacífica.

Além disso, tal prática integra manifestamente um uso laboral relevante como fonte de direito nos termos das citadas disposições legais na medida em que:
- não colide com a lei (já o vimos);
- não colide com os instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis (omissos quanto ao trabalho em regime de dois turnos);
- não colide com convenção da partes em sentido contrário (inexistente quanto a este aspecto) e
- é conforme aos princípios da boa fé.
Deve aliás notar-se, a propósito deste último aspecto, que esta era uma prática habitualmente seguida nas empresas em que a laboração contínua demandava a realização de trabalho por turnos, como o demonstra o citado despacho do Ministro do Trabalho de 78.04.03 (BTE, 1.ª série, n.º 15 de 78.04.22), do qual se infere que a dispensa do intervalo previsto no art. 10.º da LDT era concedida pelo Ministério do Trabalho no pressuposto de que os trabalhadores sempre usufruiriam de um curto período de repouso no decurso do qual poderiam tomar uma refeição ligeira, sendo este período computado no período normal de trabalho e considerado, para todos os efeitos, como tempo de serviço.
O próprio instrumento de regulamentação colectiva aplicável à relação laboral “sub judice” denota que as partes perspectivaram e acolheram a solução de considerar para todos os efeitos como tempo de serviço o período diário de 30 minutos para refeição dos trabalhadores nos regimes de três turnos (cláusula 86.ª, n.º 8 do CCTV para a indústria metalúrgica e metalomecânica publicado no BTE, 1.ª série, n.º 11 de 79.03.22, com um conteúdo que se reproduziu nos posteriores instrumentos de regulamentação colectiva em que outorgaram o A. e a associação patronal em que a R. se encontra inscrita) (15) .
Quer aquela prática habitualmente seguida nas empresas em que a laboração contínua demandava a realização de trabalho por turnos, quer esta disposição convencional que não se aplica directamente ao regime de dois turnos (apenas obrigando as empresas que laboram em regime de três turnos) são demonstrativas de que há algum equilíbrio na solução praticada pelas empresas e adoptada pelos outorgantes do instrumento de regulamentação colectiva: ao sacrifício em que se traduz a maior penosidade das condições da prestação de trabalho por turnos, vg. no que diz respeito à redução dos períodos de descanso e refeição, corresponde o benefício da contagem e pagamento desses períodos como tempo de trabalho, assim se alcançando um maior equilíbrio das prestações de acordo com o princípio da boa fé na execução dos contratos sinalagmáticos.

Consideramos, assim, na esteira do douto parecer emitido pela Digna Procuradora Geral Adjunta junto deste Supremo Tribunal de Justiça, que a prática constante, uniforme e pacífica que a R. adoptou desde 1976 até 1989 relativamente aos seus trabalhadores afectos ao regime de dois turnos rotativos, de remunerar e contar o período de 30 minutos para refeição como tempo de trabalho, constitui um uso da empresa vinculativo e relevante como fonte de direito para efeitos do disposto no art. 12.º, n.º 2 da LCT e do art. 1.º do Código do Trabalho.

b) A partir do momento em que se consolidou como uso laboral, e enquanto não for denunciado por ambas as partes, o objecto deste uso passou a incorporar directa e imediatamente os contratos de trabalho dos trabalhadores ao serviço da ré que prestem trabalho na sua empresa em regime de dois turnos rotativos.
Não podia, pois, a R., unilateralmente, deixar de computar como tempo de trabalho os referidos intervalos para refeição, fixados em 30 minutos diários, de que dispunham os seus trabalhadores que laboram em regime de dois turnos rotativos, ainda que na sequência da redução dos períodos normais de trabalho que considerasse dever observar.

Fê-lo, contudo, deixando a partir de Novembro de 1989 de considerar os “intervalos” de meia hora dos trabalhadores em regime de turnos como tempo de trabalho e deixando de os pagar ou de os considerar para efeito de processamento de retribuições (vide 15).
Resulta da “comunicação interna” emitida pela R. em 89.11.10 (documentada a fls. 30 e 31 e referida nos factos assentes sob 18 e 19) que esta atitude surgiu em virtude da alteração convencional ao CCT dos Metalúrgicos outorgada pelo SIMA, mas não outorgada pelo Autor, publicada no BTE nº 21 de 08/06/89, tendo o despacho de autorização sido publicado no BTE nº 36 de 29/09/89, cuja cláusula 77ª, n.º 6, reduziu o período de trabalho semanal para “44 horas distribuídas de segunda-feira a sexta-feira a partir da data de publicação, no BTE, da autorização ministerial prevista no Decreto Lei 505/74, de 1 de Outubro”.
Perante esta alteração, e como se infere da referida “comunicação interna”, a Ré questionou a diferença do período de trabalho entre os trabalhadores com horário normal e os outros, e decidiu reduzir o período normal de trabalho dos trabalhadores em regime de horário normal para um número de horas inferior ao convencional (43 horas) referindo ser de 41 horas e 30 minutos por semana o período normal de trabalho dos trabalhadores em regime de dois turnos, o que não consubstancia qualquer redução no que diz respeito a estes trabalhadores. Com efeito, a R. manteve estritamente o mesmo horário por turnos rotativos, mantendo as mesmas horas de entrada e de saída e o mesmo intervalo, apenas deixando de considerar os 30 minutos deste intervalo como tempo de trabalho para efeitos remuneratórios, ao arrepio da prática constante, universal e reiterada que prosseguia há mais de 13 anos com aqueles trabalhadores.
Independentemente do móbil que terá levado a R. a assim proceder (e de não lhe ser exigível na ocasião reduzir o período normal de trabalho semanal), o certo é que no momento em que o fez actuou contra uma prática que vinha seguindo há mais de 13 anos consistente em contar e remunerar como tempo de trabalho os intervalos de 30 minutos para refeição de que dispunham os trabalhadores que exerciam as suas funções em regime de dois turnos, prática essa que, na ocasião, assumia já os contornos de um uso laboral relevante nos termos do art. 12.º da LCT (16).

c) A conclusão de que a prática em causa consubstancia um uso laboral vinculativo não é afastada pelo facto de nos contratos de trabalho celebrados entre a R. e os seus trabalhadores não existir uma cláusula em sede de horário de trabalho, mas uma remissão genérica para os horários em vigor na empresa, nem pelo facto de os quesitos 16.º e 17.º não terem merecido uma resposta afirmativa, mas uma resposta restritiva e remissiva para outros pontos da matéria de facto.
Na verdade, como resulta das considerações antecedentes, o direito ao pagamento do intervalo de 30 minutos para refeição que neste aresto se reconhece aos trabalhadores da R. que trabalham em regime de dois turnos não radica no acordo das partes (no contrato) mas, sim, no uso laboral consistente em ter sido esse o procedimento constante e uniforme da R. durante cerca de treze anos.
Não tem pois qualquer relevo, neste particular, o que as partes convencionaram (ou melhor, não convencionaram) a propósito dos horários de trabalho, atento o comportamento factual que ambas assumiram.
Por outro lado, não pode também acompanhar-se a recorrente quando sustenta que a resposta restritiva e remissiva aos quesitos 15.º) e 16.º) impede a conclusão de que os intervalos foram aceites e praticados no pressuposto de que seriam pagos como tempo de trabalho, nem a de que, ao deixarem de ser considerados como tempo de trabalho, foram modificados os critérios de valoração da prestação que os trabalhadores efectuam, como invoca a recorrente.
Com efeito, era o seguinte o teor desses quesitos:
16.º) Os intervalos de 30 minutos foram estabelecidos, aceites e praticados no pressuposto de que os mesmos seriam contados e pagos como tempo de trabalho, pois assim foram tratados desde o início?
17.º) Ao deixar de considerar os períodos de meia hora para refeição como tempo de trabalho e de os contar e remunerar como tal, a R. modificou os critérios de valoração e contagem da prestação que os trabalhadores efectuam sem acordo e contra a vontade destes?
A resposta dada a estes quesitos restringiu-a ao que provado ficara na resposta aos quesitos 1.º a 11.º e em várias alíneas da especificação, referindo-se no despacho de respostas aos quesitos, que os mesmos, “formulados nos precisos termos em que o Autor os alegou, são em parte genéricos e conclusivos, sendo que a resposta rigorosa aos mesmos implicava a análise dos termos em que cada um dos trabalhadores sindicalizados no Autor foi contratado” (fls. 241).
Concorda-se com esta apreciação relativamente à natureza genérica e conclusiva das questões que os quesitos em causa incorporam, sendo de notar que uma eventual resposta afirmativa aos mesmos deveria ter-se como não escrita em conformidade com o que prescreve o art. 646.º, n.º 4 do CPC.
Resta pois a análise dos factos descritos na demais factualidade assente, sendo certo que deles se pode extrair que, pelo menos desde Julho de 1976, a R. concedia aos seus trabalhadores em regime de turnos o referido intervalo de 30 minutos para refeição e descanso, que o pagava e contava como tempo de trabalho (8 e 9), que, a partir de Novembro de 1989, deixou de considerar os “intervalos” de meia-hora dos trabalhadores como tempo de trabalho e deixou de os pagar ou de os considerar para efeito de processamento de retribuições (vide 15) e que os trabalhadores continuaram a considerar esses intervalos como parte integrante do seu tempo de trabalho (documento de fls. 30 e 31 referido em 19 e 42) o que, no condicionalismo factual descrito nos autos e já devidamente ponderado, é suficiente para a afirmação de um uso laboral relevante e atendível como fonte de direito, que vincula o empregador e se traduz no direito dos trabalhadores que exercem a sua actividade em regime de dois turnos rotativos à consideração e retribuição dos intervalos, fixados em 30 minutos, como tempo de trabalho.
A fonte deste direito é o uso e não o contrato, embora por convenção das partes o mesmo possa vir a ser ulteriormente afastado (o que não se verificou).

d) Invoca também a recorrente que os associados do Sindicato Recorrido não ficaram investidos em qualquer direito por força de uma prática errada da empresa, ainda que esta se tenha mantido entre 7 de Julho de 1976 e Outubro de 1989, altura em que a Recorrente corrigiu o erro administrativo cometido pelos seus Serviços de Pessoal.
Ora, além de não poder afirmar-se que se verificou em “erro administrativo” dos serviços de pessoal da recorrente (a factualidade apurada não o sustenta), deve notar-se que, na contestação, a recorrente alegara que teve uma prática diversa do seu actual entendimento, motivada por uma má interpretação da lei, o que é coisa bem diversa (arts. 93.º e 94.º da contestação).
Acresce que o uso laboral relevante como fonte de direito corresponde a uma prática reiterada, mas não acompanhada da convicção da obrigatoriedade, como já se referiu, o que, a nosso ver, não tira relevância a um uso que se implemente durante longos anos numa empresa e que eventualmente resulte de um interpretação incorrecta da lei.
Os usos a que se reportam os arts. 3.º do CC, 12.º da LCT e 1.º do Código do Trabalho não correspondem aos costumes no sentido tradicional de direito costumeiro ou consuetudinário, mas aos meros usos de facto, não importando que a obediência a eles resulte da convicção da sua obrigatoriedade; basta que sejam observados de facto. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, os usos “não supõem necessariamente a existência de normas de direito consuetudinário que, como normas, se imponham aos que lhes obedecem convictos de que são obrigatórias”, Trata-se dos “simples usos que de facto são observados por outras pessoas, haja ou não a convicção de que, com essa observância, se obedece a uma disciplina jurídica (17).

e) Sustenta ainda a recorrente que não se verificou diminuição da retribuição mensal dos trabalhadores quando deixou de lhes pagar o período correspondente ao intervalo de 30 minutos, o que também não tem qualquer relevo para a apreciação da revista, pois que não é essa diminuição da retribuição que o A. invoca para fundamentar a ilicitude da actuação da R. quando deixou de considerar e de pagar como tempo de trabalho os períodos em causa.
Embora tenha referenciado também a diminuição do valor do subsídio de turno (por ser calculado de acordo com um período normal de trabalho com um número inferior de horas), o certo é que outros interesses estão presentes quando o A. pretende a afirmação do direito a ver considerados e remunerados como tempo de trabalho aqueles períodos de 30 minutos, designadamente o interesse em ver declarado que os seus associados prestaram trabalho além do horário de trabalho a partir de Novembro de 1989 e em ver o tempo excedente remunerado como trabalho suplementar (18) .

f) Quanto ao invocado enriquecimento sem causa (fundado na alegação de que a recorrente pagará mais caro pelo mesmo tempo de trabalho efectivo), afigura-se-nos que também nunca poderia afirmar-se não ter causa justificativa nos termos dos arts. 473.º e ss. do CC um pagamento que corresponde ao exercício de um direito fundado em usos laborais relevantes nos termos da lei.
A verdade é que em 1989 a recorrente, sob a capa de uma redução do período normal de trabalho (de 45 horas para 42,5 horas) continuou a beneficiar precisamente do mesmo tempo de trabalho dos trabalhadores que lhe prestavam serviço em regime de dois turnos, simplesmente deixando de lhes pagar um período que até aí considerava e pagava como tempo de trabalho.
Aliás, no rigor das coisas, sendo (como se viu que é) obrigação da recorrente contar e remunerar como tempo de trabalho os intervalos de 30 minutos que interrompem a jornada diária dos seus trabalhadores em regime de dois turnos rotativos, já deveria ter reduzido, pelo menos desde que a Lei n.º 21/96 o impôs, os tempos de trabalho daqueles seus trabalhadores de modo a respeitar o limite de 40 horas semanais. Ou seja, deveria beneficiar de menos trabalho efectivo (em sentido naturalístico) pelo mesmo valor mensal que se encontrava a pagar.
Inexiste pois fundamento para afirmar o alegado enriquecimento sem causa.

g) Finalmente, e quanto à pretendida limitação da obrigação da recorrente aos trabalhadores contratados antes de Novembro de 1989 – por os contratados após aquela data não terem chegado a conhecer a referenciada prática da empresa, não consubstanciando a mesma qualquer garantia integrada dos seus contratos –, resulta já do exposto que não pode ser atendida esta limitação.
Com efeito, a partir do momento em que a prática em análise se consolidou e passou a constituir um uso laboral relevante como fonte de direito do trabalho, o objecto deste uso passou a incorporar directa e imediatamente os contratos de trabalho dos trabalhadores ao serviço da ré que prestem trabalho na sua empresa em regime de dois turnos rotativos (vide 7.b).
Como se decidiu no Acórdão do STJ de 13 de Janeiro de 1993 (19), dando-se como provada a existência de uma prática constante, uniforme, pacífica e aceite pelas várias empresas que integravam um determinado grupo empresarial e pelos trabalhadores dessas empresas (no sentido de que estes tinham a faculdade de serem transferidos de uma empresa para outra, sem perder qualquer direito ou regalia, nomeadamente a antiguidade) “temos comprovada a existência de um uso que se deve ter como elemento integrador dos contratos de trabalho constituídos no âmbito e enquanto durou o grupo económico” (sublinhado nosso).
Sufragamos, pois, a afirmação constante do douto parecer da Exma. Procuradora-Geral Adjunta de que o referido uso, enquanto fonte de direito do trabalho, se aplica a todos os trabalhadores ao serviço da ré que lhe prestaram ou prestam trabalho em regime de dois turnos e não apenas aqueles que foram contratados antes de Novembro de 1989, como defende a ré.
Tendo os horários de trabalho dos trabalhadores em regime de dois turnos a mesma configuração – com um intervalo de descanso reduzido para o período de meia hora –, deverá o trabalho prestado por qualquer trabalhador que se encontre submetido a este mesmo horário ser contabilizado e retribuído de igual forma (20).
Assim, pelo menos enquanto persistir a redução do período legal de descanso (21) na organização dos horários de trabalho praticados na empresa, a recorrente encontra-se vinculada à observância da prática generalizada que adoptou no sentido de retribuir como tempo de trabalho o intervalo de 30 minutos que fixou a meio da jornada de trabalho no horário em regime de dois turnos rotativos, assim garantindo, no contexto do contrato de trabalho que mantém com todos os seus trabalhadores que laboram nesse regime, o equilíbrio contratual já assinalado (por um lado os trabalhadores prescindem de descansar durante 60 minutos, prestando trabalho à empresa nos 30 minutos restantes e, por outro, a empresa conta como tempo de trabalho os 30 minutos que são efectivamente destinados à refeição) e que alicerça a conformidade com a boa fé do uso laboral em análise (22) .

h) Assim, e em conclusão, deixando de considerar os “intervalos” de meia-hora dos trabalhadores em regime de turnos como tempo de trabalho e deixando de os pagar ou de os considerar para efeito de processamento de retribuições a partir de Novembro de 1989 (vide 15 e 24), a R. alterou unilateralmente os critérios de contagem do tempo da prestação laboral dos seus trabalhadores em regime de dois turnos rotativos e violou o dever jurídico emergente do uso laboral de remunerar como tempo de trabalho aqueles intervalos de 30 minutos para refeição.
Improcedem as alegações da revista nesta matéria, impondo-se a confirmação do acórdão da Relação no que diz respeito ao pedido inscrito na alínea a) do petitório, embora por fundamentos não inteiramente coincidentes com os explanados pelo tribunal recorrido.

A condenação no pagamento de trabalho suplementar

Além da declaração do direito dos associados do A. trabalhadores da Ré que, desde Novembro de 1989, lhe hajam prestado trabalho em regime de dois turnos, rotativos, a que lhes seja contado como tempo de trabalho o período diário de trinta minutos de que dispuseram e dispõem para refeição, direito que emerge do uso laboral nos termos sobreditos, o acórdão recorrido condenou ainda a Ré no pagamento, a esses trabalhadores, das importâncias correspondentes à retribuição, como trabalho suplementar, de 30 minutos por dia, de segunda a sexta feira, desde 14 de Fevereiro de 1994 até ao seu trânsito em julgado, acrescido de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, em conformidade com o peticionado pelo A.

Nos termos do disposto no art. 2.º do DL n.º 421/83 de 2 de Dezembro considera-se trabalho suplementar “todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho”.
Do mesmo modo prescreve o art. 197º, n.º 1 do Código do Trabalho que se considera “trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho”.

Considerando-se que sobre a recorrente impende a obrigação de considerar e remunerar como tempo de trabalho o período diário de trinta minutos de que dispõem para refeição os trabalhadores associados do Sindicato Autor, que lhe prestem ou tenham prestado trabalho em regime de dois turnos rotativos, deve considerar-se que sobre si impende, igualmente, a obrigação de pagar a esses trabalhadores, trinta minutos de trabalho suplementar em cada dia em que, estando ao serviço da R., tenham prestado trabalho cumprindo o horário estabelecido, por em cada um desses dias ter sido ultrapassado, em 30 minutos, o horário de trabalho desses trabalhadores.
Com efeito, como expressivamente refere o recorrido, por não terem tido a redução de horário que os seus colegas tiveram, os trabalhadores de dois turnos “têm vindo a trabalhar, em cada dia, mais meia hora do que, por direitas contas, deveriam ter trabalhado. E essa meia hora de redução que não tiveram foi de trabalho efectivo pois, como vimos, a redução do horário é que foi virtual. Fosse no princípio ou no fim do dia (a Ré poderia pôr a redução onde quisesse), essa meia hora seria de trabalho efectivo.”
A questão que se coloca é a de saber se pode o tribunal condenar alguém a pagar trabalho suplementar que em teoria será devido se for efectivamente prestado trabalho para além do horário normal, sem que, em concreto, e relativamente a cada trabalhador se demonstre o número de dias que trabalhou e o horário que efectivamente cumpriu.
Entendemos que não o pode fazer.
Na verdade, como se decidiu no Ac. do STJ de 2007.01.17 (23), quando se formula um pedido de pagamento de trabalho suplementar, impõe-se aferir se, em cada dia em que o trabalhador prestou trabalho ao serviço do empregador, no lapso de tempo compreendido no pedido, o fez para além do limite do horário de trabalho. Esta prestação de trabalho tem que ficar demonstrada na acção, sob pena de naufrágio da pretensão formulada a este propósito.
Assim, o mero facto de, na elaboração do horário, a Ré não contemplar a pausa de 30 minutos como parte integrante do período normal de trabalho não acarreta como consequência inexorável, a procedência do pedido.
Como resulta com clareza do disposto nos arts. 2.º e 7.º do DL n.º 421/83, e também o salienta a recorrente, o reconhecimento do direito à retribuição por trabalho suplementar pressupõe a prova de dois factos constitutivos do direito. São eles: a prestação efectiva de trabalho suplementar, por um lado e, por outro, a determinação prévia e expressa de tal trabalho pela entidade patronal ou, pelo menos, como mais recentemente se considerou, a efectivação desse trabalho com o conhecimento (implícito ou tácito) e sem a oposição da entidade patronal.
Não basta pois, para o pagamento do acréscimo remuneratório previsto para a retribuição por trabalho suplementar, a prova de que o mesmo foi determinado ou consentido pelo empregador (requisito para o qual seriam suficientes os factos apurados, ou seja, o estabelecimento do horário nos termos em que o foi feito a partir de 1989). É ainda imprescindível a prova por parte do titular do direito ou de quem o representa – sobre quem incumbe o respectivo ónus, nos termos do art. 342.º, n.º 1 do CC, por se tratar de facto constitutivo do direito à respectiva retribuição especial – de que executou efectivamente esse trabalho, para além dos limites do horário de trabalho legal e convencionalmente estabelecidos.
No caso “sub judice”, o A. não provou quaisquer factos relativamente aos tempos de prestação de trabalho dos trabalhadores a quem a R. será devedora de remuneração por trabalho suplementar, desconhecendo-se até a identidade desses trabalhadores.
Faltando a prova destes factos essenciais, não pode reconhecer-se aos trabalhadores associados do A. o direito que este invoca de lhes ser pago trabalho suplementar.
Aliás, como bem refere a recorrente, a condenação em tal pagamento nunca poderia abranger todas e quaisquer 2ªs a 6ªs feiras, antes tendo que ser limitada aos dias em que, por força da contagem do intervalo de meia-hora como tempo de trabalho, cada um dos trabalhadores em causa prestou trabalho para além do seu período máximo de trabalho diário.
Deve salientar-se que não pode condenar-se a recorrente no que se liquidar em execução de sentença a título de trabalho suplementar uma vez que esta condenação prevista no art.º 661, n.º 2 do CPC supõe a demonstração da obrigação do condenado, embora não fixado o objecto ou a quantidade dela.
Se o autor não demonstrou a efectiva prestação de trabalho suplementar por parte dos trabalhadores seus associados, não pode afirmar-se, sequer, que a obrigação existe (24) .

Procedem, assim, as conclusões das alegações do recorrente no que diz respeito à condenação no pagamento do trabalho suplementar.

Em consequência da improcedência do pedido de pagamento de trabalho suplementar, mostra-se prejudicada a apreciação da questão do dies a quo para a contagem dos juros de mora devidos sobre os inerentes créditos, bem como da questão colocada no recurso subordinado de saber se aos direitos de crédito que o A. pretende fazer valer através da presente acção se aplica, ou não, o especial regime probatório prescrito no n.º 2 do art. 38.º da LCT (art. 660.º, n.º 2 do CPC, aplicável por força do disposto nos arts. 713.º, n.º 2 e 726.º do mesmo diploma legal).

V - Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista da recorrente, confirmando-se o acórdão recorrido na parte em que declara o direito dos associados do Autor, trabalhadores da Ré, que, desde Novembro de 1989, lhe hajam prestado trabalho em regime de dois turnos, rotativos, a que lhes seja contado como tempo de trabalho o período diário de trinta minutos de que dispuseram e dispõem para refeição, no mais se revogando o mesmo acórdão, na parte recorrida, com a absolvição da Ré do pedido de condenação no pagamento, como trabalho suplementar, do aludido período diário de trinta minutos.
E julga-se prejudicada a apreciação do recurso subordinado.
Custas da revista da Ré a cargo da mesma.
Sem custas a revista do A., por este delas estar isento.
Custas da acção a cargo da R., na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em ½ (o restante decaimento foi do A., entidade isenta de custas).

Lisboa, 5 de Julho de 2007
Mário Pereira (Relator)
Maria Laura Leonardo
Sousa Peixoto
--------------------------------------------------------------
(1) Subscrito, além do mais, pela Federação dos Sindicatos da Metalurgia, Metalomecânica e Minas de Portugal em que o A. está filiado (2.3.) e pela Associação dos Industriais Metalúrgicos e Metalomecânicos do Sul de que a R. é associada (2.5.). O mesmo sucede com os CCTs a que ulteriormente se fará alusão.
(2) José João Abrantes, “A redução do período normal de trabalho”, Joaquim Domingues Damas, “A redução do trabalho e a adaptação dos horários na Lei nº 21/96” e Francisco Liberal Fernandes, “A organização do tempo de trabalho à luz da Lei nº21/96”, in Questões Laborais, Ano IV, 1997, 9-10, pp. 81 e ss,, 90 e ss. e 115 e ss., Jorge Leite, “Trabalho é trabalho, descanso é descanso, ou o modo de ser do direito”, in Questões Laborais, Ano V, 1998, 12, p. 218, em comentário ao Ac. STJ de 17 de Março de 1997, Luís Miguel Monteiro, “Algumas questões sobre a organização do tempo de trabalho”, in RDES, Agosto-Dezembro de 2000, pp. 277 e ss. e Albino Mendes Baptista “Tempo de trabalho efectivo, tempos de pausa e tempos de terceiro tipo” in RDES, Janeiro-Março de 2002, pp. 29 e ss.
(3) Publicado no Diário da Assembleia da República, II série-A, n.º 28 de 16 de Março de 1996 e transcrito na Revista Questões Laborais, Ano IV, 1997, 9-10, pp. 148 e ss.
(4) O que bem se compreende, na medida em que expressamente considera transposta a directiva nº 93/104CE, do Conselho, de 23/11 – al. e) do art. 2.º da Lei,º 99/2003. Vide também o art. 10º da mesma Lei.
(5) “Trabalho é trabalho…”, cit., p. 218.
(6) Vide Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil anotado”, vol. 3.º, pp. 114 a 116.
(7) In “Teoria Geral do Direito Civil”, p.33.
(8) Vide Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho, Dogmática Geral”, parte I, Almedina 2005, p. 220.
(9) Vide M. R. Palma Ramalho, ob. cit., p. 221
(10) Vide J. Leite e Coutinho de Almeida in “Colectânea de Leis do Trabalho”, Coimbra, 1985, p. 63.
(11) Vide Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”, 11.ª edição, pp. 108 e ss.
(12) In ob. cit., p. 223.
(13) Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, II vol, 2.ª edição revista e actualizada, p. 579, em anotação ao art. 1128.º, que atribui relevância aos usos, “Os usos não podem contrariar as disposições imperativas da lei e só se aplicam subsidiariamente na falta de convenção”.
(14) In estudo cit., p. 213, nota 5. Claro que nunca poderia relevar nos dias de hoje um uso, por exemplo, no sentido de cumprir um período normal de trabalho de mais de 40 horas, ou de não atribuir intervalos de descanso na jornada completa de trabalho,
(15) A PRT para a indústria metalúrgica e metalomecânica publicado no BTE, 1.ª série, n.º 18 de 77.05.15, consagrava na sua cláusula 68.ª, n.º1 que no regime de turnos (não distinguindo o número de turnos) haveria um período diário de 30 minutos para refeição que seria considerado para todos os efeitos como tempo de serviço. O mesmo já sucedia na antecedente PRT publicada no Boletim do Ministério do Trabalho n.º 33 de 75.09.08.
(16) Em sentido contrário, considerando que não podem imputar-se no período normal de trabalho os intervalos de descanso, não interessando que a empresa sempre assim o tenha reconhecido e aceite, foram proferidos os Acs. do STJ de 98.03.03 (CJ, Ac.s do STJ, I, p. 273) e de 97.03.18 (CJ, Ac.s do STJ, I, p. 298), arestos em que se não ponderou (porque ainda não havia sido publicado o diploma) o disposto no art. 2.º, n.º 2, al. a) da Lei n.º 73/98 de 10 de Novembro, de acordo com o qual se consideram compreendidos no tempo de trabalho as interrupções de trabalho resultantes de usos reiterados das empresas. Estes acórdãos perspectivaram a prática da empresa como uma liberalidade, concessão ou bónus do empregador que não cria direitos, por mais tempo que perdure.
(17) In Código Civil Anotado, I vol, 2.ª edição revista e actualizada, p. 53, em anotação ao art. 3.º do CC.
(18) Não é despiciendo referir que há, também, um interesse evidente de ver as suas actuais jornadas de trabalho reduzidas para as 40 horas, pois que contabilizando os aludidos intervalos, as mesmas computam-se em 42,5 horas semanais (vide 23).
(19) Disponível in www.dgsi.pt sob a referência de processo 003523.
(20) Entendimento diverso seria susceptível, ainda, de redundar em violação do princípio constitucional “trabalho igual salário igual”, consagrado no art. 59.º, n.º 1, al. a) da Constituição da República Portuguesa.
(21) Que o legislador fixou em uma hora - art. 10.º, n.º 1 da LDT e 174.º do Código do Trabalho - por considerar ser o tempo razoável para prosseguir os objectivos a que se destina o intervalo de descanso: por um lado, assegurar que o trabalhador disponha de um período de tempo que lhe possibilite tomar uma refeição e recuperar o esforço dispendido; por outro, garantir que o trabalhador readquira durante um determinado período de tempo uma certa autodisponibilidade e, dessa forma, interrompa a situação de dependência em que se encontra durante a prestação de trabalho (vide Francisco Liberal Fernandes, in “Comentário às Leis da Duração do Trabalho e do Trabalho Suplementar”, Coimbra, 1995, p.60).
(22) Ao equilíbrio pressuposto pelo legislador no regime regra que traçou – entre o gozo efectivo do período legal de uma hora de intervalo de descanso e a não retribuição deste período – contrapõe-se uma outra forma de equilíbrio de prestações, em que, ao sacrifício em que se traduz a redução dos períodos de descanso e refeição, corresponde o benefício da contagem desses períodos como tempo de trabalho. Como se infere da já referenciada contemplação em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e do próprio despacho do Ministro do Trabalho de 78.04.03 (BTE, 1.ª série, n.º 15 de 78.04.22), este segundo sistema é justificado e equilibrado, sendo muitas vezes praticado quando o trabalho é prestado em regime de turnos, e constitui uma alternativa ao sistema legal, sendo nele próprio admitido.
(23) Proferido na Revista n.º 2188/06, da 4.ª Secção, precisamente num caso em que, por força de uma disposição de instrumento de regulamentação colectiva, o período normal de trabalho deveria ser integrado por uma pausa diária de 60 minutos, que assim deveria ser retribuída, pelo que, devendo assim considerar-se essa pausa, a última hora de trabalho que efectivamente o trabalhador prestasse nos dias em que o seu horário de trabalho (incluindo os referidos 60 minutos) excedesse em 1 hora o período legal de trabalho, deveria considerar-se prestação de trabalho suplementar.
(24) Mostra-se decidida com trânsito em julgado a questão da legitimidade do A., razão por que não pode ser reapreciada nem cabe aqui tecer considerações a tal propósito.