Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99S255
Nº Convencional: JSTJ00036269
Relator: JOSÉ MESQUITA
Descritores: DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
INJÚRIA CONTRA A ENTIDADE PATRONAL
Nº do Documento: SJ200002160002554
Data do Acordão: 02/16/2000
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N494 ANO2000 PAG192
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 527/97
Data: 09/28/1999
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: LCCT89 ARTIGO 9 N1.
Sumário : Não obstante um trabalhador ter assumido um comportamento culposo, dirigindo "palavrões" a um seu colega de trabalho e tendo dito "vai à merda", - expressão esta proferida na presença do superior hierárquico de ambos -, continuando a utilizar uma máquina de fotocopiar mas sem ter trazido o respectivo papel, isto contra as determinações em contrário existentes na empresa, tal comportamento não justifica o despedimento desse trabalhador, pois que:
os "palavrões" por ele proferidos não carregavam um concreto e específico sentido injurioso dirigido à pessoa, ao nome, à honra ou ao carácter da pessoa visada; na área geográfica e no ambiente social e laboral em que tais "palavrões" foram proferidos tais ocorrências são muito comuns; o arguido, sendo membro da comissão de trabalhadores na empresa, alguns meses antes tinha desempenhado um papel importante na solução de sérios problemas laborais com os demais trabalhadores, por causa da reestruturação de pessoal na empresa e tirou as referidas fotocópias sem ter trazido o papel para elas, por estar convencido que assim poderia agir.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
I
1. A, com os sinais dos autos, propôs a presente acção com processo ordinário, contra:
B, pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento e a condenação da Ré a reintegrá-lo, no pagamento de prestações pecuniárias, vencidas e vincendas e da indemnização de 5000000 escudos por danos não patrimoniais, bem como a aplicação de uma pena pecuniária compulsória.
Alegou, em síntese, ter sido despedido pela Ré, sem justa causa, em razão de a sua actuação ser desculpável e de diminuta gravidade, representando antes um plano persecutório contra a Comissão de Trabalhadores em geral e, em particular contra o Autor.
2. Contestou a Ré alegando que os factos imputados ao A. integram justa causa, sendo inadmissível o pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
3. Proferido despacho saneador, com elaboração da especificação e do questionário, prosseguiu o processo para julgamento, realizado o qual foi proferida a douta sentença de folhas 149 e seguintes, que julgou a acção parcialmente procedente com:
- declaração da ilicitude do despedimento; e
- condenação da Ré:
- a reintegrar o A. no seu posto de trabalho;
- e a pagar-lhe as prestações (retribuições) pecuniárias que deveria ter auferido desde 7 de Outubro de 1995 até à sentença, a liquidar em execução de sentença;
- bem como a pagar ao A. e ao Estado, em partes iguais, a quantia de 50000 escudos por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações impostas e a partir da data em que a decisão puder ser executada;
- absolvendo a Ré do pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
4. Desta decisão foi interposto recurso da apelação pela Ré e subordinado pelo A., julgados pelo douto acórdão de folhas 384 e seguintes, que julgando integrada justa causa de despedimento, a determinar a licitude do mesmo, revogou a sentença e absolveu a Ré dos pedidos contra ela formulados pelo Autor.
Em consequência da procedência do recurso principal não se conheceu do recurso subordinado.
II
É deste aresto que vem o presente recurso de revista, interposto pelo Autor que, afinal das suas doutas alegações, formula as seguintes CONCLUSÕES:
A) Vem esta revista interposta do douto acórdão da Relação do Porto que revogou a douta sentença da 1. Instância, absolvendo a Ré-recorrida dos pedidos e abstendo-se de conhecer do recurso subordinado;
B) Para tal, o acórdão recorrido:
1. considerou ter o autor incorrido em desobediência ao não acatar a comunicação do seu colega de trabalho, responsável pela fotocopiadora instalada no gabinete de apoio administrativo do departamento de produção da ré, no sentido de que devia trazer papel para tirar fotocópias, sendo certo que o mesmo acórdão aceita que não se encontra provado nos autos que o autor tivesse conhecimento anterior de tal exigência;
2. considerou ter também o autor incorrido em desobediência perante o seu superior hierárquico, director de produção, Eng. C;
3. interpretou como um comportamento fortemente culposo, grave e intolerável, as palavras impróprias que o autor dirigiu àquele seu colega e que são as referidas nas alíneas n), q) e s) do n. 8 supra;
4. qualificou as faltas ao trabalho dadas pelo autor-recorrente nos dias 19 e 21 de Junho de 1995, sem justificação, como - além de constituírem uma violação ao dever de assiduidade - um novo acto de indisciplina;
5. considerou especialmente relevante para o futuro da relação de trabalho em apreço, o facto de ter sido o autor-recorrente punido, em 1988, com três dias de suspensão de exercício, com perda de vencimento;
6. desvalorizou completamente o facto provado do ora recorrente ter ajudado a ré, com bom senso e inteligência, de modo relevante, a superar a resistência dos restantes trabalhadores em aceitarem algumas fases de reestruturação levadas a cabo na empresa ré a partir de 1991-1992, reduzindo aquele comportamento do autor ao mero cumprimento do dever consignado regulamentarmente na alínea f) do artigo 20 da LCT;
7. minimizou também completamente a circunstância da conduta do autor não ter causado quaisquer prejuízos à ré;
8. concluiu que perante a conduta do autor, que qualifica de "tão grave", ser evidente que um empregador normal não podia tomar outra decisão que não fosse a do despedimento;
C) Como é doutrina e jurisprudência assente:
1. o direito à segurança no emprego, com destaque para a garantia contra os despedimentos sem justa causa, é o primeiro dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e constitui uma expressão directa do direito ao trabalho (cfr. artigos 53 e 58 da C.R.P.);
2. a primeira e mais importante dimensão do direito à segurança no emprego é a proibição dos despedimentos sem justa causa;
3. a garantia do direito à segurança do emprego e da proibição de despedimentos sem justa causa não pode deixar de observar requisitos particularmente exigentes: (a) - princípio da tipicidade quando aos pressupostos de facto e de direito que constituem justa causa de despedimento; (b) - inadmissibilidade de causas absolutas de despedimento, pois estando em causa direitos, liberdades e garantias, a ilicitude do despedimento só pode aferir-se perante as circunstâncias concretas de cada caso, devendo elas ser susceptíveis de controlo pelo juiz; (c) - princípio da proporcionalidade (proibição do excesso), com observância das dimensões da necessidade, adequação e proporcionalidade; (d) - controlo das prognoses, pois o motivo da restrição tem de aferir-se pela subsistência, no futuro, das razões invocadas como ultima ratio do despedimento; (...); (f) - reintegração e adequada indemnização no caso de despedimento ilícito (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição anotada, nota VII ao artigo 53);
4. o despedimento apenas constituirá sanção disciplinar adequada e proporcional ao comportamento do trabalhador quando nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual grave que resultou do comportamento culposo do trabalhador, ou seja, a justa causa só pode ter-se por verificada quando não seja exigível ao empregador o uso de medida disciplinar que possibilite a permanência do contrato.
Dito de outro modo: a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade da subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória (cfr. por todos, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 8. edição, Almedina, páginas 484 a 486 e a vária jurisprudência citada na presente alegação);
5. a conduta do trabalhador deve ser valorada tendo em conta o seu comportamento global, a sua personalidade, os serviços prestados à empresa, não bastando a dissecação de cada acto por ele praticado, devendo também a culpa ser apreciada pelo entendimento de um "bom pai de família", em face de cada caso concreto e segundo critérios de objectividade e de razoabilidade (cfr. jurisprudência citada em 9.3.3 e 9.3.5 supra);
6. para que haja desobediência, como justa causa de despedimento, é indispensável que a ordem, cujo cumprimento foi recusado, emane de pessoa a quem o trabalhador deva obediência, ou que se trate de uma ordem actual e directa, ou ainda que o trabalhador viole regras pré-estabelecidas pela empresa que se tenham tornado habituais, bem como se atenda à importância da ordem (cfr. jurisprudência citada em 9.3.4 supra);
7. é necessária a existência do dolo e da intenção de ofender para que as injúrias sejam relevantes em matéria de justa causa (Ac. Relação de Lisboa referido em 9.3.6 supra);
8. não basta para a existência de justa causa de despedimento a simples materialização do comportamento do trabalhador, ainda que literalmente subsumível num pretenso tipo legal de justa causa, exigindo a verificação da situação prevista no n. 1 do artigo 9, ou seja, que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a relação de trabalho (vide Ac. da Relação de Lisboa de 19 de Abril de 1982, Ac. Relação de Évora de 22 de Outubro de 1987 - CJ 87,4,325 -, Ac. Relação de Coimbra de 14 de Março de 1989 - CJ 89,2,98 - e Ac. S.T.J. de 26 de Maio de 1988 - B.M.J. 377, 411);
D) Caracteriza a personalidade e o comportamento global do autor os seguintes factos dados como provados:
1. é trabalhador da D desde 10 de Setembro de 1973, ou seja há cerca de 22 anos até ser despedido (alíneas A) e E) da Especificação);
2. como trabalhador sempre exerceu funções de categoria elevada: desenhador, no início, passou a exercer funções de coordenador das expedições e, finalmente, as de coordenador de Grupo semi-autónomo (resposta ao quesito 1; alíneas A), B), G) e H) da Especificação);
3. àparte ter sofrido, em 1988, uma sanção de suspensão por 3 dias com perda de vencimento e ter dado duas faltas injustificadas em Junho de 1995, o autor-recorrente sempre foi um trabalhador cumpridor, conhecido e respeitado pelas suas qualidades profissionais e morais (resposta aos quesitos 20 e 21);
4. é membro da Comissão de Trabalhadores da ré desde a sua criação em 9 de Abril de 1980, ou seja durante 15 anos e seu coordenador desde 1983, com excepção do período de 29 de Setembro de 1989 a 29 de Dezembro de 1992, ou seja durante 9 anos, sendo para tal sucessivamente eleito pelos seus colegas de trabalho (alínea D) da Especificação);
5. o autor-recorrente, enquanto Coordenador da CT, ajudou a ré, com bom senso e inteligência, de modo relevante, a superar a resistência dos restantes trabalhadores em aceitarem algumas fases da reestruturação levada a cabo na empresa a partir de 1991-1992, em consequência do qual a ré diminuiu o absentismo dos trabalhadores, a frequência de acidentes de trabalho e o índice de gravidade destes e aumentou assinalavelmente a sua produção (respostas ao quesito 22 e documentos de folhas 145 e 147 juntos em audiência pela própria ré);
E) O acórdão recorrido não qualificou correctamente a prova produzida, não teve na devida conta o circunstancialismo em que ocorreu o despedimento do autor, não valorou devidamente o comportamento global do autor, a sua personalidade e os serviços que prestou à ré, não apreciou o caso concreto dos autos segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, nem praticou correctamente a dosimetria das sanções previstas no artigo 27 da L.C.T.;
F) Assim, salvo melhor opinião, o acórdão foi proferido em desconformidade com os princípios constitucionais e legais aplicáveis ao arrepio da doutrina e jurisprudência atinentes e acima referidas, violando os artigos 53 e 58 da C.R.P., 20 n. 1 alíneas a), b), c) e f) e 27 do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei 49408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.); 27 e 28 do Decreto-Lei 874/76, de 28 de Dezembro, e 9 n. 1 e n. 2 alíneas a) e c), 12 e 13 do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e fazendo, ainda, errada aplicação do artigo 224 do Código Civil;
G) Em consequência, deve o acórdão recorrido ser revogado e confirmada a sentença da 1. Instância na parte em que: decretou a ilicitude do despedimento do autor e condenou a ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; condenou a ré a pagar ao autor as prestações pecuniárias que deveria ter auferido desde 7 de Outubro de 1995 até à data da sentença; e condenou a ré também a pagar ao autor e ao Estado, em partes iguais, a quantia de 50000 escudos por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações impostas àquela na dita sentença e a partir da data em que a mesma puder ser executada (sanção pecuniária compulsória);
H) Em consequência também, devem os autos baixar à Relação para julgamento do recurso subordinado interposto pelo autor, ali também recorrente, ou, se tal for entendido, conceder provimento ao mesmo recurso e, por via dele, ser a ré condenada no pedido de indemnização por danos morais formulado na alínea c) das conclusões da petição.
2. Contra-alegou doutamente a Ré, sustentando a confirmação do julgado, uma vez que o acórdão recorrido fez correcta valoração da factualidade apurada e exacta e conscienciosa aplicação da Lei.
3. Neste Supremo, a Excelentíssima Procuradora Geral Adjunta emitiu o muito douto parecer de folhas 444 e seguintes no sentido de estar verificada a justa causa invocada e concluindo pela negação da revista.
Notificado às partes estes pareceres, nada disseram.
III
Colhidos os vistos legais dos Excelentíssimos Adjuntos cumpre apreciar e decidir.
Comecemos por registar a factualidade que vem fixada pelas instâncias, nos termos que a este Supremo cumpre acatar.

MATÉRIA DE FACTO
a) Por contrato de trabalho celebrado entre Autor e B. foi aquele admitido ao serviço da antecessora desta - D - em 10 de Setembro de 1973, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções de desenhador, tendo passado depois, em 26 de Junho de 1994, a exercer funções de coordenador das expedições;
b) Em 5 de Maio de 1995, foi o A. transferido, por imposição da R. e contra a vontade daquele, para o departamento de produção, para desempenhar funções de coordenador de grupos semi-autónomos;
c) Ultimamente, a ré pagava ao autor, mensalmente, a remuneração de 169200 escudos acrescida de um prémio de antiguidade de 5200 escudos;
d) Além dos quantitativos referidos em c) ao A. poderia ser atribuído um prémio anual de valor máximo igual ao da sua retribuição mensal base, com vencimento no final do último mês do ano a que respeita;
e) O A. é membro da Comissão de Trabalhadores da R. desde a sua criação, em 9 de Abril de 1980, e seu coordenador desde 1983 com excepção do período de 29 de Setembro de 1989 a 29 de Dezembro de 1992;
f) Em 29 de Julho de 1995, por decisão da administração da ré tomada no termo de um processo disciplinar que lhe moveu, foi o autor despedido com invocação de "justa causa" (vide processo apenso);
g) O A., nas funções exercidas a partir de Junho de 1994 (coordenador de expedições) tinha acesso a valores de facturação dos produtos (pneus) exportados pela ré e vendidos no mercado interno;
h) Relativamente à transferência referida em b), o A. protestou junto da R. nos termos do documento junto a folha 44, aqui dado como reproduzido;
i) Tal protesto foi secundado pelo sindicato a que o A. se encontra vinculado, nos termos do documento de folha 45, aqui dado como reproduzido;
j) Antes e depois do despedimento do A., a empresa R. foi objecto de uma grande reestruturação nomeadamente na Divisão de Produção, com a criação de grupos de trabalho autónomos e semi-autónomos de que resultou a existência de excedentes de mão-de-obra nesse sector, concretamente, além de outros, dos trabalhadores referidos no item 64.2.1 da petição, provisoriamente colocados noutras funções sem perda de categoria e posteriormente recolocados na produção, com a excepção do F que, há pouco tempo, rescindiu, por mútuo acordo, o seu contrato de trabalho com a ré.
Daquela reestruturação resultou um significativo acréscimo na produção e produtividade da empresa ré em consequência do novo equipamento adquirido e do aumento do ritmo e tempo de trabalho dos seus trabalhadores;
l) No dia 6 de Junho de 1995, o A. havia entrado no gabinete de apoio administrativo do departamento de produção da ré, a fim de tirar fotocópias;
m) Nessa altura, o responsável pela fotocopiadora disse ao A. que para tirar fotocópias deveria trazer papel;
n) O A., em resposta, disse àquele responsável, em voz alta: "Vá à merda! não trago papel nenhum! Onde é que eu tenho papel";
o) O mesmo responsável pela fotocopiadora retorquiu, então: "você tem um chefe e esse tem papel, concerteza";
p) O A. continuou a tirar fotocópias dizendo que "estava autorizado a tirar fotocópias onde quisesse";
q) Pedindo aquele responsável pela fotocopiadora ao A. que este lhe mostrasse uma autorização por escrito o A., em voz alta, respondeu: "Vá-se foder! Vá pró caralho";
r) Quando o chefe de produção, Eng. C - superior hierárquico do A. e do responsável pela fotocopiadora - ocorreu ao local, dizendo que as ordens dadas ao responsável da máquina eram no sentido de que os utilizadores da fotocopiadora deveriam trazer papel para tirar fotocópias, o A. continuou a tirar as fotocópias que já iniciara.
s) Voltando o mesmo responsável pela fotocopiadora a insistir que eram ordens que o A. tinha que cumprir de novo o A. repetiu: "Vá à merda";
t) Então, o referido Eng. C disse ao A. que, naquele local, não podia usar aquele tipo de linguagem;
u) O A. disse para o responsável da fotocopiadora: "Nunca ninguém me proibiu de tirar fotocópias" e "estou autorizado para isso";
v) O A. faltou ao trabalho nos dias 19 e 21 de Junho de 1995, sem justificação;
x) Ao A., convocando para uma reunião na Direcção de Recurso Humanos, foi-lhe aí dito, pelo Dr. E, que todas as ausências ao trabalho por motivos de funções na Comissão de Trabalhadores deveriam ser previamente comunicadas àquela Direcção e sempre informado ao superior hierárquico directo;
z) O A., no dia 26 de Junho de 1995, compareceu, às 8 horas, no seu posto de trabalho;
a.a) O A. tem cadastro disciplinar na empresa ré, por, em 1998, ter sido punido com a pena de suspensão por três dias, com perda de vencimento;
b.b.) O A. sempre foi um trabalhador cumpridor, conhecido e respeitado pelas suas qualidades profissionais e morais;
c.c.) O A., enquanto coordenador da Comissão de Trabalhadores, ajudou a R., com bom senso e inteligência, de modo relevante, a superar a resistência dos restantes trabalhadores em aceitarem algumas fases de reestruturação levadas a cabo na empresa a partir de 1991-1992;
d.d) O despedimento do A. pela R. foi e continua a ser para aquele causa de imenso desgosto, profundas preocupações e sentido de indignação:

Estes os factos. Vejamos agora o DIREITO.
1. Das conclusões das alegações de recurso, logo resulta que a única questão posta a este Supremo consiste em saber se a factualidade provada e atrás descrita integra o conceito de justa causa, legitimando o despedimento decretado pela Ré.
Interessam, sobretudo, os factos constantes das alíneas b) e seguintes, susceptíveis de integrar violação dos deveres de respeito e urbanidade, obediência às regras estabelecidas e às ordens de superior hierárquico.
2. É conhecido o conceito de justa causa vazado no artigo 9, n. 1 da LCCT, destacando a doutrina e a jurisprudência:
a) Um comportamento culposo do trabalhador, grave em si mesmo e nas suas consequências, aferido em termos objectivos e concretos de acordo com o entendimento de um bonus paterfamilias ou de um empregador normal;
b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o que sucederá sempre que a ruptura da relação laboral seja irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual aberta com aquele comportamento, representando a continuidade do vínculo uma insuportável e injusta imposição ao empregador, por deixar de existir um suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, ocorrendo uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador; e
c) a existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral, aferida em termos de causalidade adequada.
3. Assim caracterizado o conceito de justa causa, vejamos se a factualidade descrita lhe dá adequado suporte.
Tudo começa pelo desrespeito, por parte do A. das regras estabelecidas para a obtenção de fotocópias.
Tais regras, para o que aqui interessa, limitavam-se à exigência de trazer papel.
E foi isso que o responsável pela fotocopiadora comunicou ao A., ao que este respondeu, em voz alta:
"Vá à merda! Não trago papel nenhum! Onde é que eu tenha papel?".
Insistindo o responsável pela fotocopiadora naquela exigência, observando-lhe "Você tem um chefe e esse tem papel com certeza" continuou o A. a tirar fotocópias, dizendo que - "estava autorizado a tirar fotocópias onde quisesse".
Solicitou-lhe então o colega responsável pela fotocopiadora que lhe mostrasse uma autorização por escrito, respondeu-lhe o A., em voz alta:
"Vá-se foder! Vá para o carvalho".
E mesmo quando o chefe de produção, Eng. C, superior hierárquico de ambos, apareceu a confirmar a exigência de papel, o A. continuou a tirar as fotocópias que já iniciara.
A nova insistência do responsável e já na presença do superior hierárquico, o A. repetiu para o colega: "Vá à merda!" e que mereceu a advertência daquele chefe de que naquele local não podia utilizar aquela linguagem.
O A. acrescentou, para o colega responsável pela fotocopiadora: Nunca ninguém me proibiu de tirar fotocópias. Estou autorizado para isso".
4. Há, como já ficou adiantado, no comportamento do A. violação dos seus deveres de:
- cumprimento das regras estabelecidas;
- respeito e urbanidade para com o colega responsável pela fotocopiadora;
- obediência às ordens desse mesmo responsável e do superior hierárquico que as confirmou.
Resta saber se a violação desses deveres integra os sobreditos requisitos do conceito de justa causa.
Seguramente que o comportamento é culposo, assumindo mesmo alguma gravidade, quer pelas expressões de linguagem usadas, quer pela insistência no não acatamento das regras e das ordens que, teimosa e acintosamente levou até ao fim.
Mas vimos já que a gravidade do comportamento, em si mesma e nas suas consequências, há-de assumir uma intensidade tal que comprometa definitiva e irremediavelmente a relação de fidúcia necessária à relação laboral, tornando imediata e praticamente impossível a sua subsistência nos próprios dizeres da Lei.
E aqui as dúvidas são sérias e consistentes.
5. Na verdade, não sendo questionável a existência e a legitimidade das regras estabelecidas para a utilização da fotocopiadora, ressalta das palavras do A. a surpresa pela determinação, porventura resultante de uma praxis anterior e o seu convencimento, ou tão só a sua afirmação, de estar autorizado a fazê-lo.
Precisando melhor: o A. não assume o não cumprimento em puro espírito de desrespeito, mas em estado de dúvida ou convicção de lhe dever acatamento.
E este posicionamento psicológico, reflectido repetidamente nas suas palavras, não anulando a desobediência e até a sua gravidade, de algum modo lhe diminui a densidade e a intencionalidade do desrespeito e da desobediência.
Certo que este comportamento foi reiterado e mantido mesmo na presença e depois da confirmação da proibição do superior hierárquico.
Mas a reiteração consumou-se em breves momentos, porventura em alguns minutos, o que não proporciona tempo de reflexão para a adopção de diferente comportamento, nem garante a persistência consciente e meditada da conduta infraccional.
Depois, a desobediência à ordem do superior hierárquico situa-se em momento terminal dessa conduta que já iniciara quando o superior apareceu e interveio, confirmando as exigências postas pelo colega responsável pela fotocopiadora.
Deste modo, a desobediência centra-se na direcção deste responsável, o que, sendo também grave, não o é tanto como se o superior hierárquico fosse o único ou o principal destinatário da desobediência.
6. Tocantemente às expressões utilizadas, é também inquestionável que violam o dever de urbanidade, respeito e consideração.
Mas importa também aqui averiguar da sua gravidade em termos da sua repercussão na subsistência da relação de trabalho.
Convirá ter presente que todas as palavras, de incorrecção e grosseria manifestas, tiveram como destinatário o colega responsável pela fotocopiadora e não o superior hierárquico.
Aliás, na presença deste, só terá sido proferida a expressão - "Vá à merda" - dirigida ao colega, que, consabidamente, não transporta uma carga altamente ofensiva ou desrespeitosa.
Mas sempre fica directamente atingido, por essa e pelas restantes expressões, o colega de trabalho responsável pela fotocopiadora que as suportou, quando no exercício das suas funções e no cumprimento dos seus deveres, mais não fazia do que assegurar o cumprimento das regras estabelecidas.
E as palavras utilizadas são objectivamente torpes e ofensivas do respeito e da consideração devidas ao colega de trabalho.
Todavia, são palavras que não carregam um concreto e específico sentido injurioso dirigido à pessoa, ao nome, à honra ou ao carácter do destinatário.
Além de que se situam numa ambiência geográfica e social - Lousado - em que, notória e conhecidamente, os excessos de linguagem são frequentes e costumeiros, perdendo no convívio das gentes a carga negativa e injuriosa que noutras áreas geográficas elas assumem.
Estas considerações não valerão igualmente para neutralizar o conteúdo desrespeitoso e ofensivo, mas seguramente lhe diminuem, nessa medida se repercutindo na menor gravidade da ofensa.
De tudo parece autorizada a conclusão de que o comportamento do A. não assumiu gravidade bastante para comprometer irremediavelmente a relação de trabalho. Acresce adjuvantemente o facto de ser o A. um trabalhador cumpridor, conhecido e respeitado pelas suas qualidades profissionais e morais - ponto b)b) - e, particularmente relevante o facto provado no ponto c)c) que se transcreve:
"O A., enquanto coordenador da Comissão de Trabalhadores, ajudou a R., com bom senso e inteligência, de modo relevante, a superar a resistência dos restantes trabalhadores em aceitarem algumas medidas de reestruturação levadas a cabo na empresa a partir de 1991/1992".
Este comportamento, revelador de um espírito de colaboração e de um sentido de responsabilidade, assinalável e algo raro num membro da Comissão de Trabalhadores, não poderá hipotecar para todo o futuro o exercício pela entidade patronal dos seus legítimos poderes, designadamente o seu poder disciplinar, mas não pode deixar de ser valorado para apreciar se o comportamento infraccional atrás caracterizado agride insuportavelmente a disciplina organizativa da empresa em termos de justificar uma sanção expulsiva.
Na conformidade do que fica exposto, a conclusão só pode ser a de que não está verificada justa causa para o despedimento, que, por isso, se declara ilícito, com as consequências decididas na sentença da 1. instância, ressalvada, naturalmente, a parte que foi objecto do recurso subordinado, não conhecido pelo Tribunal da Relação.
IV
Termos em que se acorda na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista, revogando o douto acórdão recorrido, para subsistir a sentença da 1. instância, ordenando-se ainda a baixa do processo ao Tribunal da Relação para conhecimento do recurso subordinado interposto pelo Autor.
Custas pela Ré, aqui e nas instâncias.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2000
José Mesquita,
Almeida Deveza,
Sousa Lamas.