Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1747/20.0T8AMT-R.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA RESENDE
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
JUNÇÃO DE PARECER
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
CONSTITUCIONALIDADE
DIREITO AO RECURSO
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
PROCESSO EQUITATIVO
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
Data do Acordão: 10/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NÃO SE CONHECE DO OBJECTO DO RECURSO.
Sumário :
I- Os acórdãos proferidos pela Relação em autos de procedimento cautelar, só podem ser objeto de recurso de revista “normal” nos casos excecionais previstos no art.º 629, n.º 2, do CPC, não sendo admissível, quanto aos mesmos, recurso de revista, a título excecional.
II- Os pareceres jurídicos relevam ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas pelas partes, dando o seu contributo para o esclarecimento do julgador, mas não suprem a falta de alegação.
III- Quanto ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, inexiste previsão expressa no art.º 20, da CRP, não emergindo como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade, não impondo que se considerem recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça todas as decisões, designadamente as proferidas em sede cautelar, onde a regra vigente é precisamente a contrária .
Decisão Texto Integral:


                               

Revista n.º  1747/20.0T8AMT-R.P1.S1

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1. ITMP PORTUGAL – SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO E IMVESTIMENTO, SA. e IMOALCANENA – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, SA. vieram interpor contra SODIBAIÃO – SUPERMERCADOS, LDA e SURPRESA EVIDENTE – UNIPESSOAL, LDA, providência cautelar não especificada, pedindo:

- que as Requeridas sejam inibidas de abrir ao público e explorar no prédio urbano identificado qualquer unidade comercial, seja para que fim for, sob qualquer marca, insígnia ou simples designação, sendo ordenada a proibição de desenvolvimento / promoção de qualquer atividade no mesmo prédio e por qualquer das Requeridas, direta ou indiretamente, incluindo por sociedades entidades, singulares e coletivas, terceiras;

- na eventualidade da Requerida Surpresa Evidente ter, entretanto, procedido à abertura ao público de uma unidade comercial no referido prédio:

a) seja ordenado o seu imediato encerramento, a proibição de desenvolvimento / promoção de qualquer atividade no mesmo prédio e por qualquer das Requeridas, direta ou indiretamente, incluindo, por sociedades entidades, singulares ou coletivas, terceiras, e,

b) seja decretada uma sanção pecuniária compulsória à segunda Requerida, com vista a assegurar que a mesma cesse a violação, de montante não inferior a 5.000,00€ por cada dia de violação;

- que na decisão que decrete a providência seja dispensada a Requerente do ónus de propositura da ação principal.

1.1. Alegam, em síntese e relevantemente que ambas as sociedades requerentes integram o agrupamento “O...” sendo este proprietário da marca internacional “I...” e marca nacional “O...”, enquanto a segunda requerente tem por atividade principal a compra e venda de imóveis e a constituição de direito de superfície sobre prédios destinados à implantação e exploração de unidade comercial sob a insígnia I..., e a favor da respetiva sociedade de exploração franqueada.

 A utilização de tal marca por esta última, constituindo o aludido agrupamento “O...”, resulta da subscrição de uma união de contratos, o contrato de adesão, o contrato de insígnia com a constituição das sociedades de exploração, e o contrato de constituição do direito de superfície, se for o caso.

Em dezembro de 2006 foi constituída a sociedade Requerida SODIBAIÃO, com a finalidade de explorar o estabelecimento comercial I..., e assinado o contrato de insígnia em janeiro de 2007, realizando a exploração de uma unidade comercial de supermercado e de um posto de abastecimento de combustíveis, entre 2007 e 2019, tendo ainda adquirido o direito de superfície sobre o prédio onde se situava a unidade comercial.

Como consequência de incumprimento do pagamento dos valores acordados, em 17.09.2019, a primeira requerente declarou definitivamente resolvido o contrato de insígnia, deixando a SODIBAIÃO de ser aderente / franqueado da insígnia I....

Por a requerida SODIBAIÃO não ter removido voluntariamente das instalações a insígnia, foi a primeira requerente obrigada a instaurar procedimento cautelar para o efeito, que foi deferida, e realizada a remoção, estando o estabelecimento comercial já encerrado.

Por sua vez, o direito de superfície extinguiu-se pela verificação de condições resolutivas, não tendo a requerida SODIBAIÃO procedido à entrega do imóvel.

Declarada a insolvência de SODIBAIÃO em 15.02.2021, consta do relatório apresentado no respetivo processo o direito de superfície, como um direito litigioso, indicando-se ainda nesse relatório, que a insolvente celebrara um contrato de cessão do direito de superfície com a segunda requerida, estando vedado à mesma o uso e utilização do imóvel objeto do aludido direito de superfície para fins diversos da exploração no prédio de uma unidade comercial sob a insígnia I....

A partir de 20 de julho de 2021 foram confirmadas atividades diversas no imóvel para a reabertura ao público, proximamente, de um supermercado e um posto de abastecimento de combustíveis, numa violação dos direitos das Requerentes, justificando-se a propositura deste procedimento cautelar para evitar a concretização dos danos que lhes advém dessa abertura, pretendendo aquelas afetar esse prédio a uma nova unidade comercial, o que não poderá ocorrer face a uma ocupação por quem não o pode utilizar, com avultados prejuízos que se agravam com o decurso do tempo, também a nível reputacional, decorrente da abertura da unidade comercial sob outra designação no imóvel, difíceis ou impossíveis de reparar perante a situação de insolvência da primeira requerida, e não ser conhecido património à segunda requerida.

1.2. A Requerida SODIBAIÃO veio deduzir oposição invocando a exceção de ilegitimidade passiva, porquanto o objeto do litígio em causa consiste num bem apreendido pela massa insolvente da sociedade, importando considerar o desfecho de ação pendente para a declaração da nulidade das clausulas contratuais, não se verificando os pressupostos necessários para o decretamento da providência.

1.3. A Requerida SURPRESA EVIDENTE veio igualmente deduzir oposição, invocando a competência do tribunal do comércio para julgar os autos, concluindo pela sua manifesta improcedência.

1.4. Os autos foram remetidos para apensação ao processo de insolvência da requerida SODIBAIÃO.

1.5. Realizada a audiência foi proferida decisão julgando procedente a exceção de ilegitimidade passiva por não ter sido demandada a massa insolvente da SODIBAIÃO.

1.6. As Requerentes vieram pedir a intervenção principal provocada da MASSA INSOLVENTE DA SODIBAIÃO – SUPERMERCADOS LDA., e os CREDORES DA MASSA INSOLVENTE, o que foi deferido, e consequentemente a instância extinta considerada renovada.

1.7. A Massa Insolvente veio aderir e fazer seus os articulados das Requeridas.

1.8. Considerando que as partes não tinham trazido aos autos qualquer fundamento que justificasse a necessidade de ser repetida a produção de prova já realizada, foi proferida sentença que no seu dispositivo consignou:

a) declarar a inibição de as requeridas “SODIBAIÃO - Supermercados, Lda.” e “Surpresa Evidente – Unipessoal Lda.” abrirem ao público e explorar, no prédio urbano sito em ..., união das freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha ...61, inscrito na matriz sob o artigo ...76 (que teve origem no artigo ...82), da mesma freguesia, qualquer unidade comercial, e seja para que fim seja, e sob qualquer marca, insígnia ou simples designação;

b) declarar a proibição de desenvolvimento/promoção de qualquer atividade no mesmo prédio e por qualquer das Requeridas, direta ou indiretamente e, incluindo, por sociedades entidades, singulares ou coletivas, terceiras, ordenando o imediato encerramento do estabelecimento que ali foi aberto pela sociedade “Surpresa Evidente – Unipessoal Lda.”;

c) fixar a sanção pecuniária compulsória no valor diário de €2 000 (dois mil euros), por cada dia de incumprimento da injunção judicial supra decretada a contar do trânsito em julgado da presente decisão e até integral e efetivo cumprimento.

d) indeferir o pedido de dispensa do ónus de prepositura da ação principal às requerentes.

2. Inconformadas, vieram a Requerida Massa Insolvente de SODIBAIÃO  e Surpresa Evidente, interpor recurso de Apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido Acórdão que a julgou improcedente, confirmando a decisão recorrida.

3. A Requerida Surpresa Evidente interpôs recurso de revista excecional, do Acórdão proferido nos autos, invocando o disposto no art.º 672, n.º1, a) e b) do CPC[1], porquanto, segundo alega, estão em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, bem como, estão em apreço interesses de particular relevância social.

3.1. Nas alegações apresentadas formulou as seguintes conclusões: (transcritas)

A) O Tribunal recorrido não se pronunciou sequer sobre o facto de os efeitos jurídicos da resolução do contrato de constituição do direito de superfície aqui em causa se mostrarem suspensos, tendo a resolução daquele contrato sido condicionada à verificação de condição suspensiva (ligada ao desfecho da ação judicial que constitui o Apenso H dos presentes autos de insolvência, cujo recurso de revista excecional está sendo tramitado pelo Supremo Tribunal de Justiça).

B) Ora, se os efeitos jurídicos resultantes da extinção, por resolução, do direito de superfície propriedade da Sodibaião foram suspensos, por iniciativa da própria Recorrida IMOALCANENA, até à verificação de uma condição suspensiva e a mesma ainda não ocorreu, a verdade é que, ao arrepio do argumentário utilizado no acórdão em crise, tal direito encontrava-se (como se encontra) ainda na esfera jurídica da Sodibaião e, por conseguinte, podia, legitimamente, ser alienado, temporária ou definitivamente.

C) A segunda “resolução contratual” operada por impulso da IMOALCANENA não produziu qualquer efeito jurídico ou prático, desde logo porque, sendo a resolução contratual, por definição, um ato único, é inviável resolver aquilo (o contrato) que já foi objeto de resolução e cujos efeitos dependem necessariamente da decisão final a exarar num processo judicial pendente!

D) As matérias jurídicas em apreciação no Apenso H são de tal modo pertinentes que só o desfecho do referido processo judicial poderá em bom rigor definir e modelar, quer a natureza do direito da Requerida Massa Insolvente (por força do pedido de acessão industrial imobiliária), quer o conteúdo das obrigações contratuais assumidas pela Sodibaião no contrato de constituição de direito de superfície, dado que foi peticionada, no Apenso H, a nulidade/ anulabilidade/ exclusão de algumas das cláusulas mais importantes do seu título constitutivo.

E) Se aquele processo judicial se encontra ainda pendente, tendo a signatária obtido conhecimento que o recurso de revista excecional interposto pela Massa Insolvente foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça, forçoso é concluir que o desfecho daquela ação judicial constitui verdadeira questão prejudicial na tramitação dos presentes autos.

F) E se assim é, então, por maioria de razão, sempre a declaração (condição suspensiva) inserta na comunicação de resolução contratual operada em 18.09.2019 (facto provado nº 28), deve ser interpretada no sentido de que “os efeitos da declaração de resolução do identificado direito de superfície se produzirão, integralmente…” a partir do trânsito em julgado do processo judicial com o n.º 23609, que não da prolação de sentença em primeira instância…

G) Com efeito, tendo em conta que foi a própria IMOALCANENA a manifestar a vontade de fazer depender, através da aposição de uma condição suspensiva, os efeitos da resolução contratual ao desfecho da referida ação judicial, é evidente que tal decisão judicial sempre teria de ser definitiva e nunca provisória!

H) Por isso, a declaração de vontade emitida pela IMOALCENA deve ser interpretada no sentido de a resolução contratual produzir os seus efeitos dias após o trânsito em julgado da referida ação judicial, mesmo porque a referência ao prazo de 8 dias a contar da prolação da sentença em primeira instância jamais foi objeto de qualquer convenção entre as Partes, mas partiu da vontade unilateral e discricionária da Recorrida IMOALCANENA.

I) Acresce que, embora se admita que as Litigantes podem livremente fixar o conteúdo das condições, ao abrigo da liberdade contratual (ut. artigos 270º e ss e 405º do Código Civil), certo é que a condição suspensiva inserta na referida comunicação tem o efeito de derrogar expressamente as mais elementares regras de direito processual, nomeadamente quanto ao conceito de “trânsito em julgado” das decisões judiciais (cfr. art. 628º do C. P. Civil).

J) Nesta conformidade, tal declaração deve ser interpretada por referência ao trânsito em julgado da referida ação judicial, sob pena de constituir uma condição ilícita, por contrária à ordem pública, nos termos do disposto no artigo 271º, nº 1 do Código Civil.

K) Face à suspensão dos efeitos da resolução do contrato de constituição de direito de superfície, a Sodibaião (e a sua Massa Insolvente) era – como continua a ser – a verdadeira e única titular do direito de superfície aqui em apreço.

L) E se o referido direito de superfície se mantem íntegro, na sua esfera jurídica, nada impede a sua alienação, definitiva ou temporariamente, gratuita ou onerosamente, a um terceiro que manifeste vontade em adquiri-lo, como foi o caso da ora Recorrente.

M) Significa isto que, contrariamente ao que se discorre no acórdão em análise, a sociedade Surpresa Evidente adquiriu à Sodibaião, legitimamente, o direito de superfície aqui em causa, nos termos convencionados no respetivo contrato.

N) Quando muito, apenas se e quando for proferida decisão definitiva que julgue totalmente improcedente a ação judicial que constitui o Apenso H dos presentes autos, o referido direito de superfície se extinguirá da esfera jurídica da Sodibaião, pela produção dos efeitos da declaração de resolução operada em 18.09.2019.

O) Até lá, não se tendo ainda verificado o evento futuro e incerto a que se reporta a condição suspensiva aposta pela Recorrida – interpretada em conformidade com o que acima se expôs - mantém-se perfeitamente válido e legítimo o contrato outorgado com ambas as Requeridas.

P) O acórdão recorrido parece separar os prejuízos alegadamente sofridos pelas Requerentes em duas qualificações distintas:

1) Danos “estritamente económicos”, emergentes da exploração económica do prédio em causa, “nomeadamente no âmbito da atividade comercial em causa, atividade que é, como é consabido, geradora de proventos económicos muito significativos” como, aliás, se mostra ilustrado pelos valores das remunerações previstas no contrato de insígnia/franquia e de superfície em discussão nos autos

2) danos causados ao nível da reputação e imagem da insígnia/marca “I...” pelo exercício de uma atividade comercial concorrente, danos estes que tem de se considerar como significativos e de difícil reparação.”

ORA,

Q) Tendo sido a própria Demandante ITMP Portugal a proceder à resolução do contrato de franchising celebrado com a Sodibaião, não podem as Impetrantes pretender receber, a posteriori, qualquer tipo de remuneração contratual proveniente da atividade comercial da Sodibaião!

R) Considerando que, pelo menos desde 15/09/2020 (data da remoção da insígnia) que as Demandantes nada recebem a título de royalties ou vendas de produtos comercializados pelo agrupamento “O...”, estas sociedades continuariam a nada receber, mesmo que a Surpresa Evidente não houvesse adquirido, por cessão e a título temporário, o direito de superfície em referência, o que significa que a Recorrente não pode ser responsabilizada pela alegada produção destes danos, verdade sendo que não existe qualquer nexo de causalidade entre a sua pretensa produção e os atos jurídicos praticados pela Recorrente.

S) Aliás, à data em que a Surpresa Evidente procedeu à abertura, no imóvel, do seu estabelecimento comercial, o ponto de venda “I... já se encontrava encerrado há vários meses.

T) Assim, mesmo dando de barato a verificação destes danos reputacionais (perda de prestígio, imagem, etc…), é inegável que os mesmos já se haviam necessariamente produzido muito antes de a Recorrente inaugurar o seu estabelecimento comercial.

U) A Surpresa Evidente não é, nunca foi nem nunca poderá aspirar a representar qualquer tipo de concorrência a um gigante da distribuição alimentar de abrangência mundial, como é o grupo “O...”.

V) Ainda mais incompreensível é, se atentarmos na argumentação expendida no acórdão em crise, aceitarmos que o decurso do tempo inerente à demora da ação principal (mantendo-se o estabelecimento “M...” aberto, a laborar em pleno e com bons resultados de exploração) agravará naturalmente a extensão dos danos reputacionais das Requerentes, os quais se mostrarão de “difícil ou mesmo inviável reparação integral” (!), mas já não será assim se o prédio em questão estiver encerrado durante este período temporal!

W) Como justificar que, estando o estabelecimento encerrado por tempo indeterminado, não se produz qualquer dano à reputação/imagem do grupo “O...”, mas se tal prédio estiver a ser explorado comercialmente por uma pequena empresa como a Recorrente (titular de uma marca absolutamente desconhecida em Portugal), os danos reputacionais do I... já serão de difícil ou mesmo inviável reparação?

X) Ao arrepio do que se escreve no acórdão recorrido, mesmo que os argumentos supra expendidos não mereçam provimento da parte do S.T.J., sempre seria aplicável ao caso vertente o estatuído no artigo 368º, nº 2 do C.P. Civil, porquanto:

1) Caso a Surpresa Evidente seja judicialmente compelida a encerrar ao público o seu estabelecimento comercial, resvalará inelutavelmente para uma situação de insolvência;

2) O conjunto dos seus trabalhadores e trabalhadoras - composto na sua grande maioria, por pessoas que habitam na vila de ..., com idades já um pouco avançadas e de cujos rendimentos dependem os seus agregados familiares e que muito dificilmente lograrão encontrar emprego alternativo – será alvo de um despedimento coletivo. Tampouco estes colaboradores serão contratados por qualquer futura loja “I...”, porquanto…o imóvel manter-se-á encerrado por tempo indeterminado.

3) Os próprios habitantes de ... terão de se aprovisionar em bens e serviços essenciais noutra localidade, geograficamente afastada, já que a “M...” continua a ser o único grande supermercado da Vila.

4) A Massa Insolvente da Sodibaião perderá o seu (quase) único e principal ativo, situação que prejudicará obviamente os seus credores – dentre os quais as próprias Requerentes!

Y) A perda do ponto de venda de ... não representa, nem pode representar, para o poderosíssimo grupo “O...”, uma perda de prestígio tão avassaladora que seja causadora de danos reputacionais superiores aos que resultariam para ambas as Requeridas…

Z) Caso o recurso de revista excecional do Apenso H seja julgado improcedente, a perda do ponto de venda de ... será apenas temporária, o que significa que rapidamente as Impetrantes recuperarão o prestígio que alegadamente perderam durante alguns meses…

AA)     As Requerentes apenas poderão recuperar a posse do imóvel por via da ação de restituição de bens que constitui o Apenso J destes autos de insolvência, o qual está suspenso até prolação de decisão no Apenso H.

BB) Destarte, impõe-se concluir que não existe qualquer espécie de “fundado receio” e/ou de periculum in mora e, mesmo que assim se não entendesse, nunca a providência decretada seria adequada para impedir a sua ocorrência; ao invés, agravaria consideravelmente o prejuízo existente e causaria danos materiais suplementares a todos os intervenientes processuais; e danos diretos aos habitantes de ....

FINALMENTE,

CC) Mesmo admitindo que se verificam os requisitos legalmente exigidos para o decretamento desta providência cautelar (o que não se concede), sempre deveria o Tribunal “a quo” ter recusado o seu decretamento, por aplicação da injunção contida no artigo 368º/2 do C.P. Civil, uma vez que “os prejuízos dela resultante para o requerido (e, no caso sub judice, até para todos os intervenientes processuais), excedem consideravelmente o dano que com ela as requerentes pretendem evitar.”

PELO QUE,

DD) Decidindo de forma diversa, o douto acórdão recorrido violou frontalmente o disposto no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa; e ainda o estatuído nos artigos 432º a 436º, 270º, 271º, nº1,1022º e 1534º do Código Civil e ainda o disposto nos artigos 130º, 260º, 362º e 368º, nº 2, todos do Código de Processo Civil. Normativo plenamente aplicável ao caso vertente, uma vez que a providência cautelar requerida não é nenhuma das providências cautelares legalmente previstas (cfr. artigo 376º, nº 1 do C.P. Civil).

EE) Acrescendo que tal acórdão violou igualmente a disciplina normativa dos arts. 607º, 608º e 663º, nº 2 do CPC, uma vez que realizou apenas uma apreciação ligeira, superficial e sem o devido fundamento da questão da inconstitucionalidade suscitada no recurso da decisão da primeira instância;

FF) Não sem que, a decisão sindicada tenha também violado (e violou de forma flagrante e grosseira) as normas constitucionais relativas ao direito de propriedade privada, designadamente as nomas dos arts. 61º, nº 1, 62º e 81º, al. f) da Constituição da República Portuguesa;

GG) Uma vez que na sua decisão não atendeu ao facto de que os referidos contratos, com base nos quais sustentou a sua decisão, não respeitavam a função social e de interesse geral do referido direito de propriedade, funções que constituem limites a esse direito e que são protegidas pelas referidas normas constitucionais, conforme melhor consta do acima referido no ponto.

3.2. As Requerentes nas contra-alegações apresentadas pugnam pela inadmissibilidade do recurso, aludindo não se verificarem os pressupostos invocados, que segundo a Recorrente Surpresa Evidente permitiria o conhecimento do mesmo.

3.3. O Desembargador relator admitiu liminarmente o recurso – numa apreciação dos aspetos gerais referidos no art.º 641, considerando a fundamentação apresentada pela Recorrente para a revista excecional, de duvidosa admissibilidade, sem prejuízo da competência que assiste ao Supremo Tribunal de Justiça.
4. A ora Relatora, considerando que se delineavam obstáculos à admissibilidade do presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, ordenou o cumprimento do disposto no art.º 655, n.º1.
4.1. As Recorridas pronunciaram-se no sentido já indicado de não admissibilidade do recurso, aderindo ao teor do despacho notificado.
4.2. A Recorrente pronunciou-se, reiterando o entendimento de ser admissível o recurso, por razões que se prendem com a concretização do direito à tutela jurisdicional efetiva, conforme o art.º 20, da Constituição da Republica (CRP), mas também porque considera que a norma contida no art.º 370, n.º 2, não exclui a possibilidade de se lançar mão da revista excecional, salvaguardando as situações previstas no art.º 629, n.º 2, mas também no art.º 672, n.º1, sustentando ainda a admissibilidade do recurso de revista excecional com base em parecer jurídico junto, que dá por reproduzido.
Mais invoca que qualquer interpretação da norma contida no art.º 370, n.º2 no sentido de excluir, pura e simplesmente, a possibilidade do recurso de revista excecional no âmbito dos procedimentos cautelares, está ferida de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 20, n.ºs 1 e 4 e 8.º da CRP.
5. Importa, agora, apreciar.

5. 1. No despacho preliminar convidando as partes a pronunciarem-se nos termos do aludido art.º 655, n.º 1, do CPC, consignou-se

Previamente à apreciação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista excecional objeto de conhecimento pela Formação prevista no art.º 672, n.º 3, cabe à relatora a quem o processo foi distribuído apreciar se estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso, pois a admissibilidade da revista excecional para além da verificação das condições que lhe são próprias, constantes do n.º1, do art.º 672,  tem de obedecer a todos os demais requisitos da prévia admissão da revista normal que condicionam o direito de interposição do recurso, tempestividade, valor e sucumbência, e a revista seria admissível nos termos do art.º 671, n.º1 e 674, n.º1, senão se verificasse uma situação de dupla conforme, art.º 671, n.º 3.

Relativamente aos procedimentos cautelares, nos termos do art.º 370, n.º2, das decisões nos mesmos proferidas, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, a saber, conforme o disposto no art.º 629, n.º2, e como tal, afastada a possibilidade da aplicação do vertido no art.º 672, quanto à revista excecional.

Não estando em causa que os autos se reportam a um procedimento cautelar, conforme o mencionado n.º2, do art.º 370, da decisão na mesma proferida pelo Tribunal da Relação, não caberá recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, até porque, não se divisará a invocação de qualquer das circunstâncias que permitiriam a admissibilidade do recurso do revista, no atendimento do já aludido art.º 629, n.º2.

Por sua vez, quando ao pretendido acolhimento da pretensão de recurso de revista extraordinária, resultará do já enunciado regime, a não verificação dos requisitos para tanto, pois não se estará num caso passível de ser enquadrado no n.º1, do art.º 671, quanto à admissão da revista, que por ocorrência da existência de dupla conforme, n.º3 da mesma disposição legal, ainda assim poderia vir a ser apreciado, se existisse alguma dos pressupostos do n.º1, do art.º 672, a ponderar pela Formação, n.º3, ainda do art.º 672.”

5.2. Ora, afigura-se que são de atender as razões vertidas em tal despacho como fundamento da não admissibilidade do recurso deduzido pela Recorrente.

Com efeito pretendendo a Recorrente que seja admitido o presente recurso como revista excecional, reafirma-se que a mesma está prevista para situações de dupla conforme, nos termos em que esta está delimitada pelo n.º 3 do art.º 671, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais do recurso da revista, dita normal, constituindo fator impeditivo de qualquer recurso de revista a existência de norma que vede o acesso ao Supremo Tribunal Justiça.

Acontece que em de procedimentos cautelares existe a norma do art.º 370, n.º 2, que impede, por regra, o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão do Tribunal da Relação proferido no âmbito de providências cautelares, incluindo o que determine a inversão do contencioso, a não ser que se verifique qualquer uma das situações elencadas nas alíneas a) a d) do nº 2 do art.º 629, em que o recurso é sempre admissível.

E quando se menciona “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”, estão em causa violação das regras de competência absoluta, ofensa de caso julgado, decisão respeitante ao valor da causa, com o fundamento de que o mesmo excede a alçada do tribunal recorrido e decisão proferida contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça e contradição de julgados, excluída ficando, a previsão do n.º 1, do art.º 672, reportada, como expressamente se consigna, aos casos previstos no n.º 3, do art.º 671, isto é, quando o recurso de revista não pode ser conhecido pela existência de dupla conforme, sem prejuízo das situações em que o recurso seja sempre admissível, nos supra aludidos casos do art.º 629, n.º2, caso em que estaremos perante uma revista “normal”. 

Equivale tudo isto por dizer, conforme tem sido entendimento consolidado deste Tribunal[2], respaldado nos normativos aplicáveis, não se divisando fundamento que o contrarie que, de harmonia com o disposto no art.º 370, nº 2 do CPC, os acórdãos proferidos pela Relação em autos de procedimento cautelar, só podem ser objeto de recurso de revista “normal” nos casos excecionais previstos no citado art.º 629, nº 2, não sendo admissível, quanto aos mesmos, recurso de revista, a título excecional.

Daí que,  como foi aludido, não tendo a Recorrente invocado, como fundamento do recurso de revista, nenhuma das situações previstas no mencionado art.º 629, nº 2, als. a), b), c) e d), na obediência ao disposto no referido art.º 370, n.º 2, não é admissível o recurso de revista excecional interposto.

5.3. Na resposta apresentada[3], a Recorrente invoca que a interpretação da norma contida no art.º 370, n.º2, no sentido de excluir a possibilidade de recurso de revista excecional nos procedimentos cautelares estará manifestamente ferida de inconstitucionalidade material, por violação do estatuído nos artigos 20, n.º1 e 4 e 8.º da CRP, remetendo para o parecer jurídico junto, que subscreve e dá por integralmente reproduzido.

Desde logo refira-se que o mero apelo a um princípio constitucional ou mesmo de  um direito fundamental não se mostra por si só como adequado para a apreciação de uma alegada inconstitucionalidade, antes se exigindo para além da identificação da norma jurídica ordinária contrária à tutela daqueles, sobretudo, que se elucide, discriminando o conteúdo e a extensão da interpretação normativa alegadamente inconstitucional.

No caso sob análise percecionando a norma interpretada em desarmonia com a Constituição da Republica, entendeu a Recorrente remeter para parecer jurídico, subscrevendo-o. Não questionando a sua admissibilidade, artigos 680.º, n.º2 e 651.º, n.º 2, releva ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas pelas partes, dando o seu contributo para o esclarecimento do julgador[4], mas não supre a falta de alegação.

Ainda assim, quanto ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, princípio do processo equitativo e proteção jurídica eficaz temporalmente adequada, ínsitos no art.º 20, n.º1 e 4, da CRP, quanto à alegada violação decorrente da restrição do direito de recurso constante do art.º 370º, nº2, sempre se dirá: “ (…)  o direito ao recurso não é um direito absoluto ou irrestrito, sendo objeto de diversas restrições justificadas. É o próprio Tribunal Constitucional que o afirma, esclarecendo que a Constituição, maxime, o direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos”[5].
Compreende-se desse modo, que reiteradamente se venha afirmando na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com a confirmação da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, que a garantia de acesso ao direito, não determina a garantia de um duplo grau de jurisdição, isto é, não impõe o direito ao recurso das decisões judiciais, deixando ao legislador uma ampla margem de liberdade de conformação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, e em conformidade, muito menos obriga a um duplo grau de recurso, ou seja, um triplo grau de jurisdição, pelo que, deste modo, e no que concerne ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, inexiste previsão expressa no apontado art.º 20, da CRP,  não emergindo como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade, não ditando que se considerem recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça todas as decisões, designadamente as proferidas em sede cautelar, onde a regra vigente é precisamente a contrária[6].

Em termos do princípio da tutela efetiva, no que concerne aos procedimentos cautelares, via art.º 8, da CRP, convoca-se a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, art.º 13, e o seu Protocolo adicional, na vertente do direito de ação e de acesso aos tribunais, bem como na respetiva concretização, o direito ao recurso, não fica demonstrado que tais convenções internacionais e os  apontamentos sobre decisões indicadas, proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, possam configurar uma proteção mais intensa da concedida pelo art.º 20, do CRP, que importe alteração do regime recursivo vigente e enunciado,  na tutela cautelar.

6.  Pelo exposto, não se conhece do objeto do recurso, que assim se considera findo, nos termos do art.º 652, n.º1, b), por força do constante no art.º 679, ambos do CPC.

Custas pela Recorrente, com três UCs de taxa de justiça

Lisboa,  11 de outubro 2022

Ana Resende (Relatora)

Ana Paula Boularot

José Rainho
     

                                                          

Sumário, (art.º 663, n.º 7, do CPC).

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[1] Diploma a que se fará referência, se não for feita outra indicação.

[2] Cfr, entre outros, a título ilustrativo, Acórdãos do STJ de 06.04.2021, processo n.º 23839/15.8T8LSB-A.L1.S1, de 29.10.2020, processo n.º 464/19.9T8VRL.G1-A.S1, de 17.11.2021, processo n.º  885/21.7T8LRS-A.L1-A.S1, de  21.02.2019, processo nº 428/18.0T8FNC.L1.S, de 06.06.2019, processo n.º 254/16.0YHLSB.L1.S1, de 07.06.2022, processo n.º 2749/15.4T8STS-J.P1.S1., de 13.7.2021, processo n.º 11269/20.4T8LSB.L1.S1, de 24.05.2022, processo n.º756/19.7T8ANS-A.C1-A.S1, in www.dgsi.pt..
[3] Em sede de alegações de recurso foi questionada a apreciação de inconstitucionalidade ao abrigo dos artigos 2.º,  61.º , n.º1 e 81.º, f) da CRP.

[4] Cfr. Acórdão do STJ de 4.02.2015, processo n.º 3319/07.6TTLSB.L3.S1-A, in www.dgsi.pt.
[5] Ac. do STJ de 24.5.2022, processo n.º 20464/95.1TVLSB.L1-A.S1, apud  Acórdão do STJ, de 13.7.2022, processo n.º14281/21.2T8LSB.P1-A.S1, in www.dgsi.pt.

[6] A mero título de exemplo, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 259/97 e 132/2001, publicados no Diário da República, 2.ª Série, respetivamente de 30.06.1997 e de 25.06. 2001,  13 de julho de 2021, processo n.º 541/2021, reportando,  Acórdãos do Tribunal Constitucional,  processos, n.ºs 40/2008,  638/98, na senda de entre outros, 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 489/95, 715/96, 1124/96, 328/97, 234/98 e 276/98, 202/99, 373/99, 415/2001, 261/2002, 302/2005, 689/2005, 399/2007 e 500/2007, 263/2020, de 13.05.2020, 159/2019, proferido no processo nº 43/16, in www.tribunalconstitucional.pt, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2.03.2021, processo n.º 17369/19.6T8PRT.P1.S2., de 26.01.2021, processo n.º1028/19.2T8VRL.G1.S1, de 21.03.2019, processo n.º 850/14.0YRLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt.