Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES ESTABELECIMENTO PRISIONAL AGRAVAÇÃO ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 05/19/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - No art. 24.º, al. h) do DL n.º 15/93 de 22-01, tipificam-se situações de facto que, objetivamente, potenciam a perigosidade da ação desligada do resultado, - como é próprio dos crimes de perigo abstrato -, acrescentando dimensão ao ilícito que justifica o agravamento da moldura penal aplicável ao crime base. II - O agravamento do tráfico cometido no EP, visa conferir proteção reforçada a um grupo determinado de pessoas, proteger a saúde e a reinserção social da população prisional, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes. III - Admitindo-se que o tráfico de muito baixa importância ou dimensão no qual concorre um facto agravante, possa, excecionalmente e no limite, não ser punido no âmbito da moldura agravada, não pode ser punido como tráfico de menor gravidade. IV - A verificação de uma circunstancia qualificativa, conferindo maior densidade à ilicitude do facto, obsta ao privilegiamento do crime fundado na considerável diminuição da ilicitude. V - A atenuação especial da pena prevista no art. 72.º do CP, continua reservada para os «casos extraordinários ou excecionais». Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, a pena determina-se dentro da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente. | ||
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Decisão Texto Integral: |
O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda:
I. RELATÓRIO:
a) a condenação: No Juízo Central Cível e Criminal de ... – Juiz ..., mediante acusação do Ministério Publico, foi o arguido - AA, de 26 anos e os demais sinais dos autos, julgado e, por acórdão do tribunal coletivo datado de 28 de janeiro de 2021, condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de cinco anos e seis meses de prisão. O Tribunal coletivo decidiu também determinar perdidos em favor do Estado: - os estupefacientes, sacos em plástico usados para os acondicionar, as armas de fogo e os telemóveis, nos termos dos arts. 35.º, do DL n.º 15/93 citado e 109.º, do Código Penal; - os demais os objetos, quantias monetárias e viaturas automóveis apreendidos, nos termos dos arts. 35.º, do DL n.º 15/93, de 22.01., 1.º, n.º 1, a) e 7.º, da Lei n.º 5/2002 de 11.01., e 109.º, do Código Penal. b) o recurso: O arguido, inconformado com a punição agravada do crime de tráfico cometido, recorre, diretamente, perante o Supremo Tribunal de Justiça. Remata a alegação com as seguintes conclusões (em síntese): 2. face à factualidade dada como provada e procedendo a análise da mesma, seria de afastar a aplicação da alínea h) do artigo 24.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro. 3. Entendeu o Tribunal “a quo” que a conduta do recorrente foi dolosa, considerando mostrar-se verificada a circunstância agravante a que alude a alínea h) do artigo 24º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência ao segmento “estabelecimento prisional”. 4. numa leitura da imagem global dos factos, o Tribunal deveria ter convolado o crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, nºs 1 e 4 e 24º, alínea h) do DL nº 15/93, de 22 de janeiro para o crime previsto no artigo 25º do referido Decreto-Lei. 5. o Tribunal “ a quo” afirma não desconhecer uma corrente jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça, em termos de permitir o afastamento da agravante pela verificação da atenuante a que alude o artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro. 6. Na situação em apreço, a quantidade de produto estupefaciente apreendido (canábis) tinha o peso total líquido de 20,985 gramas. 7. Por ser pequena a quantidade apreendida, tal situação não permite configurar um perigo real de disseminação da droga pelos reclusos, não existindo uma situação de ilicitude acrescida, pelo que afastada fica a aplicabilidade da al. h) do artigo 24º. 8. Reconduzidos os factos à matriz do artigo 21.º e não se verificando a agravação a que alude a alínea h) do artigo 24.º, nada obsta a que, tendo em conta as circunstâncias de facto, os factos sejam subsumidos ao artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. 9. No mesmo sentido enumera Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça [dos anos de 2004 a julho de 2009]. 11. A simples ameaça do cumprimento da pena de prisão seria adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, 12. só devia cumprir a prisão em que foi condenado, se fosse a única forma de alcançar as finalidades da punição, o que não é o caso. 13. a aplicação de pena suspensa, será mais correta. 16. “A função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos, sem prejuízo da prevenção especial positiva, sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa – nulla poena sine culpa”. 17. embora tenha antecedentes criminais, não consta no seu certificado de registo criminal nenhuma condenação pela prática de crimes desta natureza. 18. na “Informação Psicossocial” junta aos autos, consta que beneficia de acompanhamento psicológico, médico e social, administração de antagonista opiáceos e realização de testes de deteção de substâncias psicoativas, encontrando-se numa fase de adaptação à liberdade após ter saído da prisão. 19. consta ainda que tem cumprido com o estipulado, sendo de “suma importância que o Sr. Fábio dê continuidade ao seu processo de reabilitação e reinserção social”. 20. a condenação do recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, nºs 1 e 4 e 24º, alínea h), ambos do DL nº 15/93, de 22 de janeiro na pena de cinco anos e seis meses de prisão foi excessiva. 21. de acordo com o dispositivo legal que impele o julgador à condenação do agente e à sua ressocialização, a aplicação de pena suspensa, afigura-se suficiente para fazer justiça ao caso sub judice. 22. o Tribunal recorrido ao ter optado pela aplicação ao recorrente de uma pena de cinco anos e seis meses anos de prisão, violou o preceituado nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, tendo em conta as circunstancias mencionadas, devendo tal pena ser suspensa na sua execução, por estarem presentes os pressupostos legalmente exigidos no artigo 50.º do Código Penal. Peticiona a revogação “da pena a que foi condenado”, convolando-se a qualificação jurídica para o crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25º do DL n.º 15)3 de 22 de janeiro, “cuja pena deverá ser suspensa na sua execução”.
c) resposta do Ministério Público: O Ministério Público no Tribunal recorrido pugna pela confirmação da condenação. Ao reclamado desagravamento do crime de tráfico opõe a importância, no interior do estabelecimento prisional, da quantidade do estupefaciente apreendido ao arguido. Defende a dosimetria da pena judicial.
d) parecer do Ministério Público: O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, pronuncia-se, doutamente, pela procedência parcial do recurso, argumentando (em síntese) “deve rejeitar-se a ideia de que o facto constitutivo da infracção ter sido cometido dentro dos muros prisionais, implica a se a verificação do efeito qualificativo, previsto na alínea h), do art.º 24º, do DL n º 15 / 93 de 22 de Janeiro. “o crime de tráfico de estupefacientes insere-se na categoria dos crimes de perigo abstracto, não pressupondo, assim, para a sua perfectibilização a verificação do dano, nem do perigo concreto para os bens jurídicos tutelados pela incriminação, mas tão só e apenas a perigosidade da acção para qualquer dos bens jurídicos pessoais protegidos (integridade física, vida dos consumidores e primacialmente a saúde pública). Retira-se “do acervo fáctico plasmado no acórdão, que o estupefaciente apreendido ao recorrente e destinado à venda a outros reclusos se mostra adequado a uma disseminação por um número não despiciendo destes, já que em ambiente prisional, qualquer tipo de estupefaciente ou substância psicotrópica abrangida pelas tabelas anexas (no caso vertente, a espécie botânica identificada e catalogada por Lineu, a cannabis sativa L, resina) apesar de tudo, circula e é transaccionada de forma necessariamente mais dificultada que no exterior. Haverá também, que ponderar a quantidade apreendida -20,985 gramas/peso líquido- e o tipo da substância estupefaciente em causa. Neste conspecto, tendo em conta a exigência constitucionalmente fundada da proporcionalidade das penas afigura-se-nos ser de atenuar especialmente a pena a aplicar in casu no âmbito do crime qualificado do art.º 24º, alínea h), do DL n º 15 / 93 de 22 de Janeiro- ut 72º n º 1 e 73º, n º1, alíneas a) e b), do Código Penal. Temos assim que a moldura penal abstracta resultante da atenuação especial da pena, vai de 4 a 10 anos de prisão. “a vida pregressa do recorrente, evidencia forte deviance ilustrada pelas inúmeras condenações sofridas pela comissão de vários tipos de crimes, num percurso delitivo que remonta a 31-10-2001. Tal não pode deixar de evidenciar fortes necessidade de prevenção especial de socialização, as quais no âmbito da moldura de prevenção operam, necessariamente, em desfavor do recorrente, evidenciando, ter uma personalidade avessa à manutenção de uma conduta normativa. Por sua vez, neste tipo de crime as necessidades de prevenção geral de integração positiva, são muito elevadas, pela danosidade social que a prática do mesmo, implica, não só para a saúde pública, mas igualmente pelos graves fenómenos de tropismo criminal que provoca. Neste conspecto, entendemos que as necessidades de prevenção geral já encontrarão satisfação, numa pena fixada em quatro anos e oito meses de prisão efectiva. Com efeito, a nosso ver, as necessidades de ordem preventiva geral que vimos de referir, aliadas ao percurso-longo- delitivo do recorrente, são impeditivas de se fazer aquele juízo de prognose favorável que nos termos do art.º 50º, n º 1, do Código Penal, constitui conditio sine qua non da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena. Nos termos expendidos, o recurso merece parcial provimento, condenando-se o recorrente enquanto autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, p. e p. pelos artigos 21º, n º 1 e 24º, alínea h) do DL n º 15 / 93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela anexa I-C, especialmente atenuado- CP 72º n º 1 e 73º, n º 1, alíneas a) e b) - na pena de quatro (04) anos e oito (08) meses de prisão efectiva.
e) contraditório: Observado o disposto no art.º 417º n.º 2 do CPP, o recorrente reafirmou a a argumentação e insistiu nos pedidos que constam do seu recurso e respetivas conclusões. «» Dispensados os vistos, o processo foi à conferência. Cumpre decidir.
II - OBJETO DOS RECURSOS: São as seguintes as questões para julgar: - qualificação jurídica do tráfico; - atenuação especial - medida da pena; - pena suspensa.
III – FUNDAMENTAÇÃO:
1. os factos: Vem assente a seguinte matéria de facto: I. Da acusação: 1. No dia ... de dezembro de 2019, o arguido encontrava-se em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional Regional.... 2. Pelas 15:45h. daquele dia, no interior daquele Estabelecimento Prisional, o arguido tinha consigo, dissimulados nas sapatilhas que calçava, pedaços de canabis (resina), com o peso total líquido de 20,985 gramas, e que daria para ser dividida em 55 doses diárias individuais. 3. O referido produto estupefaciente destinava-se a ser vendido e consumido pelos reclusos. 4. O arguido conhecia perfeitamente as características do produto que detinha, nomeadamente a sua natureza estupefaciente, sabendo que não se encontrava autorizado a deter, transportar ou transacionar, por qualquer forma, tais substâncias. 5. O arguido mais sabia que, com a sua atuação, perturbava o processo de ressocialização dos reclusos, uma vez que facilitava o acesso a substâncias estupefacientes e contribuía para o transtorno da ordem e organização do Estabelecimento Prisional de ..., o que quis. 6. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei. II. Mais se provou, das condições pessoais do arguido e a sua situação económica e das condutas anteriores aos factos 7. O arguido é oriundo de um agregado familiar desestruturado. Após ter vivenciado um período em que se autonomizou por ter estabelecido uma relação afetiva, tendo uma filha com 10 anos de idade, o arguido separou-se pouco tempo depois, tendo reintegrado o agregado de origem. Atualmente, o agregado é composto por onze elementos (mãe, irmãos, cunhada e sobrinhos), sendo frequentes os conflitos. A residência, sita num bairro social com problemática criminal/de pobreza e exclusão social, está sobre ocupada e apresenta deficitárias condições de limpeza e manutenção. O agregado beneficia há vários anos do rendimento social de inserção, havendo privações económicas e alguma fragilidade na gestão da economia doméstica. O processo educativo do arguido ocorreu de forma pouco estável e desadequado. Completou o 5º ano de escolaridade. Nunca efetivou um percurso profissional de relevo, tendo tido experiências pontuais em atividades indiferenciadas, sendo que tem por hábito ajudar o proprietário de um Café na freguesia e um irmão na lavoura. Está desempregado. O arguido iniciou os consumos de estupefacientes aos 15 anos de idade, na companhia do grupo de pares. Regista a realização de vários tratamentos à problemática aditiva, sem sucesso e seguidos de recaídas. Manteve durante muitos anos os consumos de opiáceos e de álcool, encontrando-se, a esse nível, abstinente e estável. Presentemente mantém o tratamento à toxicodependência na Associação ALTERNATIVA, desde novembro de 2017, encontrando-se a tomar antagonista. Realiza testes de despiste regulares e tem obtido resultados positivos a canabinóides. O arguido sofreu um acidente em ... .07.2013, tendo caído de uma varanda situada num 4º andar. Permaneceu um mês em coma, tendo ficado com diversas sequelas. O arguido foi libertado em 26.06.2020 (data em que atingiu o meio da pena de prisão que cumpria), ao abrigo da Lei nº 9/2020, de 10 de abril. Embora reconheça, em abstrato, a ilicitude dos factos, o arguido revela dificuldades na resolução de problemas, é influenciável e mantém uma postura passiva no sentido da procura de soluções para alterar o seu atual circunstancialismo de vida. Denota dificuldades ao nível cognitivo e revela défices em termos de pensamento consequencial, não conseguindo identificar as consequências do seu comportamento sobre si e sobre terceiros. 8. O arguido já sofreu as seguintes condenações: a) por decisão transitada em julgado em 10.12.2002, pela prática, em ... .01.2002, de um crime de roubo, na pena de 16 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos; b) por decisão transitada em julgado em 25.02.2003, pela prática, em ... .12.2001, de um crime de furto, na pena de 100 dias de multa à razão diária de 3€; c) por decisão transitada em julgado em 03.04.2003, pela prática, em ... .10.2001, de um crime de furto qualificado, na pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos com regime de prova; d) por decisão transitada em julgado em 28.04.2003 pela prática, em ... .02.2002, de um crime de furto, na pena de 60 dias de multa à razão diária de 3€; e) por decisão proferida em 25.11.2003, pela prática, em ... .01.2003, de crimes de furto de uso de veículo, furto qualificado, roubo e condução sem habilitação legal, na pena única de cinco anos de prisão; f) por decisão transitada em julgado em 04.05.2004, pela prática, em ... .01.2003, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 7 meses de prisão; g) por decisão cumulatória transitada em julgado em 27.10.2004 das penas referidas em e) e f), numa pena única de 7 anos de prisão. h) por decisão transitada em julgado em 15.09.2008, pela prática, em ... .09.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 3 meses de prisão substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade; i) por decisão transitada em julgado em 04.08.2009, pela prática, em 04.07.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 5 meses de prisão suspensa por um ano; j) por decisão transitada em julgado em 16.12.2011, pela prática, em 28.10.2009, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de um ano de prisão substituída por 72 períodos de prisão por dias livres; k) por decisão transitada em julgado em 23.05.2012, pela prática, em ... .02.2011, de um crime de furto, na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano; e l) por decisão transitada em julgado em 13.06.2018, pela prática, em ... .08.2016, de um crime de roubo, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão. 2. o direito: a) da qualificação jurídica dos factos: i. argumentação do recorrente: Insurge-se contra o agravamento da punição do crime de tráfico que cometeu. Sem questionar o facto agravante, consistente em ter traficado no interior de estabelecimento prisional, pretende a convolação da qualificação jurídica para o crime de tráfico de menor gravidade. Em substância argumenta que a “pequena quantidade apreendida” “não permite configurar um perigo real de disseminação da droga pelos reclusos”. Apela a jurisprudência - com mais de 12 anos -, que cita. ii. na decisão recorrida: O Tribunal recorrido, motivou a subsunção jurídica dos factos ao tráfico agravado motivando (em síntese) “(…) poder-se-ia erguer uma objeção ao funcionamento da agravação traduzida na aparente “pouca monta” do produto estupefaciente em questão e na concreta natureza que se inscreve no domínio das denominadas “drogas leves”, circunstâncias estas compaginadas com a severidade da punição atenta a moldura abstrata da pena (de cinco a doze anos de prisão), (…). Acrescenta: “(…) a circunstância agravante funciona independentemente da natureza ou da quantidade da substância estupefaciente traficada (…). (…) não se nos afigura possível concatenar a agravante com a atenuante, pois entre uma e outra norma (arts. 24º al. h) e 25º) existe uma relação de subsidiariedade implícita, de forma que, verificada a primeira (…), não é possível normativamente eliminá-la a pretexto de uma menor ilicitude (…). Por seu turno, se o grau da conduta é agravado na medida da verificação do seu pressuposto objetivo – no caso, a traficância por um recluso no interior do estabelecimento prisional precisamente porque praticada nesse local –, também não poderá simultaneamente ser diminuído (tratar-se-ia de uma contradição nos seus precisos termos). Não nos parece que o legislador tenha pretendido fazer depender o funcionamento da agravante da exclusão da integração da conduta no tipo privilegiado, caso em que estar-se-ia a fazer da exceção a regra. Parece-nos, ao invés, que a intenção do legislador é simplesmente esta: o tráfico em estabelecimento prisional é sempre e em qualquer caso agravado. (…) só aparentemente se poderia considerar, no caso, que a quantidade de haxixe era “pouca monta”. Na verdade, sendo o Estabelecimento Prisional um local, por natureza, fortemente vigiado neste domínio, não é natural que nele entrem e, a jusante, sejam detidas, grandes quantidades de estupefaciente, talqualmente sucede fora daquele ambiente prisional. Aquela quantidade tem de ser lida no contexto da exiguidade do meio e na tensão da permanente vigilância, não sendo por isso comparável – no mesmo plano de risco e de abrangência de consumidores – à detenção, para venda, de cerca de 21 gramas, fora daquele local.
iii. o tráfico de estupefacientes:
c) da medida da pena: O recorrente reclama a redução da pena aplicada, mas unicamente através do desagravamento do crime de tráfico e, mesmo assim, tão-somente por via da reclamada subsunção ao tráfico de menor gravidade. Dito de outro modo, nada esgrime contra a individualização da pena decretada no âmbito da moldura penal do crime de tráfico agravado. Nada constando das conclusões – que definem o objeto do recurso e delimitam os poderes de cognição do tribunal ad quem -, quanto à medida da pena imposta ou que pretendesse ver aplicada pela prática do crime de tráfico agravado p. e p. pelos arts. 21º n.º 1 e 24º al.ª h) do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro, - crime por que vem condenado e se confirma -, ficou o recurso sem objeto, neste segmento. É uniforme neste sentido a jurisprudência deste Tribunal, como dá nota e reafirma o Ac. de 17/10/2018, no qual se decidiu: “não tendo sido mencionada ao longo da motivação e não constando das conclusões qualquer referência a medida das penas, incluída a pena única, o STJ não pode apreciar a justeza da medida fixada no que respeita à pena conjunta”. No mesmo sentido decidiu este mesmo Tribunal (e coletivo) no Ac. de 11/03/2020 e reafirmou no Ac. de 29/04/2020, ambos proferidos no Proc. 753/18.0JABRG.G1.S1. E mais recentemente no Ac. de 10/03/2021, proferido no proc. 330/19.8GBPVL.G1.S1. Ainda que pareça abundante, realça-se a autonomia, para efeitos de recurso, especificamente, à luz do disposto no art.º 403º n.ºs 1 e 2 al.ª d) e f) do CPP, da questão da culpabilidade e da qualificação jurídica, relativamente à questão da determinação da sanção. Aliás, em perfeita consonância com o regime estabelecido nos art.ºs 368º (“questão da culpabilidade” – entre as quais se inclui a de apreciar e decidir se “se verificam os elementos constitutivos do tipo de crime” ou seja, a qualificação jurídica dos factos) e 369º (“questão da determinação da sanção”), ambos do CPP. Pelo que, improcedendo, como improcede a pretensão substantiva atinente à qualificação jurídica do crime de tráfico, resta sem objeto a questão da correção e justeza da pena judicial que lhe foi aplicada. Ausência de contestação a que não será, seguramente, estranha a circunstância de a pena imposta no acórdão recorrido – 5 anos e 6 meses de prisão - se aproximar do limiar mínimo da moldura penal do crime cometido pelo recorrente (punido com a pena de 5 a 16 anos de prisão). Aplicado este regime normativo ao caso, é incontestável que a questão do desagravamento e do privilegiamento do tráfico é perfeitamente autónoma, distinta da questão da determinação da medida da pena aplicada ao crime de tráfico agravado. O recorrente descurou que a improcedência da reclamada alteração da qualificação jurídica dos factos deixava incólume a pena aplicada pelo crime de tráfico agravado. Improcedendo – como efetivamente improcedeu – a reclamada alteração da qualificação jurídica do crime, confirmando-se, como se confirma, a condenação pelo tráfico agravado p. e p. pelo art. 21º n.º 1 e 24º al.ª h) do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro e nada tendo o recorrente alegado e concluído quanto à pena decretada ou que pretendesse ver aplicada pela prática do referido crime, não resta senão concluir que a dosimetria da correspondente pena que lhe foi imposta pelo Tribunal recorrido, é questão não suscitada. Consequentemente, não estando incluída no objeto do recurso, não pode reexaminar-se. De todo o modo, o Tribunal recorrido, para individualizar a pena de prisão decretada ponderou os fatores legalmente firmados. Desde logo as fortes necessidades de prevenção geral positiva e negativa, demandadas pelo tráfico de estupefacientes. Ponderou também a quantidade e qualidade do estupefaciente traficado pelo recorrente. E bem assim, o “vastíssimo leque de antecedentes criminais pela prática de crimes de roubo, furto simples e qualificado, condução sem habilitação legal, furto de uso de veículo e ofensa à integridade física qualificada, tendo-lhe sido aplicadas penas de multa, penas substitutivas de prisão e penas de prisão efetiva” e o percurso vivencial do arguido. Ponderou ainda que “o arguido o arguido não revela sentido crítico, tem dificuldades na resolução de problemas, é influenciável e mantém uma postura passiva no sentido da procura de soluções para alterar o seu atual circunstancialismo de vida, denotando, ainda, dificuldades ao nível cognitivo e revela défices em termos de pensamento consequencial, sendo assim elevadas as necessidades de prevenção especial”. Situando-se a pena em que o recorrente vem condenado em medida -5 anos e 6 meses de prisão -, praticamente no limiar mínimo da moldura penal aplicável (que é de 5 anos de prisão), não comporta intervenção corretiva. d) da pena suspensa: O recorrente, pugnando pelo desagravamento e de, de passo, pela desqualificação do crime de tráfico, visava, essencialmente, que não lhe fosse imposta pena não efetiva de prisão, reclamando a aplicação de pena de substituição. Nos termos do art. 50º n.º 1 do Cód. Penal, pressuposto formal da suspensão da execução da pena aplicada é que tenha sido fixada em medida não superior a 5 anos de prisão. Vindo o recorrente condenado em pena com medida concreta superior a 5 anos de prisão, que se confirma, não se verifica o assinalado requisito. Pelo que, inverificado o inultrapassável pressuposto formal, falece de sentido esta pretensão do recorrente. Improcede, assim, totalmente o recurso do arguido. IV. DECISÃO: Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal-, decide: a) julgar improcedente o recurso do arguido, confirmando o acórdão recorrido; b) condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs – art. 513º n.º 1 do CPP, art.º 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. Supremo Tribunal de Justiça, 19 de maio de 2021. Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator) Atesto o voto de conformidade do C.º Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha – art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP)[10] . Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto) ________ [1] Convenção de Viena de 1971 sobre as Substancias Psicotrópicas,. |