Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
877/12.7TVLSB.L1-A.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: CONTRATO DE SWAP
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
REGULAMENTO (CE) 44/2001
DECISÃO SURPRESA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - DIREITO INSTITUCIONAL / SISTEMA FINANCEIRO EUROPEU / INSTRUMENTOS FINANCEIROS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO DOS VALORES MOBILIÁRIOS - ÂMBITO DE APLICAÇÃO / INTERMEDIAÇÃO.
DIREITO EUROPEU - COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA E RECONHECIMENTO DE DECISÕES ESTRANGEIRAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - PARTES - TRIBUNAL / COMPETÊNCIA - PROCESSO / INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / RECURSOS.
Doutrina:
- Calvão da Silva, “Anotação ao Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Março de 2013 (Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta)”, na RLJ, Ano 142.º, 2013, p. 238 e ss. (em especial, pp. 254/258)).
- Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II – Conteúdo. Contratos de Troca, 2012, 3.ª ed., pp. 134/135.
- Dário Moura Vicente, “Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, Scientia Iuridica, Tomo LI, n.º 293, p. 369.
- Fausto Pocar – Direito Civil – Cooperação Judiciária Europeia, “Consilium”, 2013 –
- Helder Mourato, “O Contrato de Swap de Taxa de Juro”, 2014, Almedina, pp. 18, 49/64, 85/88.
- João Cantiga Esteves, “Contratos de Swap Revisitados”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 44, Abril de 2013, respectivamente, pp. 10/28 e 71/84, disponíveis para consulta em http://www.cmvm.pt/CMVM/Publicacoes/Cadernos/Pages/N%C2%BA44-Abril2013.aspx.
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Tomo I, 2.ª ed., 2010, p. 172 e ss..
- José Engrácia Antunes, “Os Instrumentos Financeiros”, Almedina, 2009, pág. 167 e segs., e “Os Derivados”, in Cadernos do Mercado de Valores Imobiliário, nº 30, pp. 118/119.
- Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 1.º, 2ª ed., p. 130; “Código de Processo Civil “Anotado, Vol. 2.º, 2ª ed., p. 360; “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. I, 3.ª ed., 2014, pp. 9, 18/19; Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, 3.ª ed., 2013, págs. 124/125 (pág. 125).
- Lima Pinheiro, “Direito Internacional Privado – Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras”, Vol. III, 2012, 2.ª ed., pp. 92, 192, 198, 305, 308, 309.
- Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª ed., 2004, p. 33.
- Luís Miguel Caldas, Direito à Informação no âmbito do direito do consumo, Revista Julgar n.º 21, 2013, p. 223.
- Maria Clara Calheiros, “O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global”, in Cadernos de Direito Privado, nº 42 (Abril /Junho 2013), pp. 3/13, e in “O Contrato de Swap”, Coimbra Editora, 2000, págs. 78 e ss.
- Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 2014, Almedina, p. 877 e ss.; Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral, Tomo I, p. 615, onde se cita o Acórdão da Relação de Lisboa de 09/05/1996 (CJ XXI, pp. 84-86).
- Pedro Boullosa Gonzales, “Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica”.
- Sofia Henriques, “Os Pactos de Jurisdição no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, 2006, pp. 32 e 38, 62/63, 81/82, 110.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC REVOGADO): - ARTIGOS 7.º, N.º2, 65.º, 65.º-A, 99.º, 101.º, 102.º, N.º 1, 108.º, 110.º, 111.º, N.º 3, 288.º, N.º 1, AL. E), 493.º, N.º 2, 494.º, AL. A), 489.º, N.º1, 502.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 3.º, N.º3, 5.º, N.º3, 13.º, N.º2, 59.º, 62.º, 63.º, 94.º, 96.º, AL. A), 97.º, N.º 1, 102.º, 104.º, 278.º, N.º 1, AL. E), 573.º, 576.º, N.º 2, E 577.º, 663.º, N.º 5, 679.º.
CÓDIGO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGO 2.º, N.º1, AL. E).
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 8.º, N.º4.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 8.º, N.º4.
D.L. N.º 220/95, DE 31/08, ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELOS D.L. N.ºS 249/99, DE 07/07, E 322/2001, DE 17/12.
LEI DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (LCCG): - ARTIGO 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 19.º, AL. G), 21.º, AL. H).
Legislação Comunitária:
DIRECTIVA 93/13/CEE DO CONSELHO, DE 05/04/1993: - ARTIGO 3.º, N.º 3 DA DIRECTIVA E N.º 1, AL. Q), DO ANEXO À DIRECTIVA.
REGULAMENTO (UE) N.º 1215/2012, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 12/12/2012: - ARTIGO 81.º.
REGULAMENTO N.º 44/2001: - ARTIGOS 1.º, 4.º, N.º1, 3.º, N.º2, 23.º, 60.º, 66.º, N.º1, 67.º, 68.º, 76.º.
TFUE: - ARTIGO 267.º.
TRATADO QUE INSTITUIU A COMUNIDADE EUROPEIA (TCE): - ARTIGO 249.º.
TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE): - ARTIGOS 267.º, 288.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 24/02/2005, PROC. N.º 04B4826, DE 25/05/2006, PROC. N.º 06B1016, E, MAIS RECENTEMENTE, DE 18/02/2014, PROC. N.º 1630/06.2YRCBR.C2.
-DE 10/05/2007, PROC. N.º 07B841.
-DE 04/06/2009, PROC. N.º 09B0523.
-DE 27/09/2011, PROC. N.º 2005/03.0TVLSB.L1.S1,
-DE 29/01/2014, E DE 13/05/2014, PROCESSOS N.ºS 5509/10.5TBBRG-A.G1.S1 E 16842/04.5TJPRT.P1.S1, RESPECTIVAMENTE.
-DE 17/06/2014, PROC. N.º 233/2000.C2.S1.
-DE 14/10/2014, PROC. N.º 147/13.3TVPRT-A.C1.S1, E A DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA AÍ CITADAS.
( TODOS PUBLICADO NA BASE DE DADOS DO IGFEJ – WWW.DGSI.PT )
*
ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DE 28/02/2008 – PUBLICADO NO DR I SÉRIE, N.º 66, DE 03/04/2008.

Jurisprudência Internacional:
DECISÕES DO TJCE:
-ACÓRDÃO BENINCASA V. DENTALKIT, DE 03/07/1997, PROC. N.º C-269/95, ACESSÍVEL EM TEXTO INTEGRAL EM HTTP://CURIA.EUROPA.EU .
-ACÓRDÃO ESTASIS SALOTTI DI COLZANI V. RÜWA, PROC. N.º 24/76, DE 14/12/1976, PUBLICADO NA ÍNTEGRA EM HTTP://EUR-LEX.EUROPA.EU .
-ACÓRDÃO FOLIEN FISCHER AG E FOFITEC AG V. RITRAMA SPA, DE 25/10/2012, PROC. N.º C-133/11, ACESSÍVEL EM TEXTO INTEGRAL EM HTTP://CURIA.EUROPA.EU.
-ACÓRDÃO POWELL DOFFRYN V. WOLFANG PETEREIT, DE 10/03/1992, PROC. N.º C-214/89, COLECTÂNEA 1992/I-1745, N.ºS 13 E 14, PUBLICADO NA ÍNTEGRA EM HTTP://EUR-LEX.EUROPA.EU .
-ACÓRDÃO REFCOMP SPA V. AXA CORPORATE SOLUTIONS ASSURANCE S.A. E OUTROS, DE 07/02/2013, PROC. N.º C-543/10, ACESSÍVEL EM TEXTO INTEGRAL EM HTTP://CURIA.EUROPA.EU .
-ACÓRDÃO TRASPORTI CASTELLETTI SPEDIZIONI INTERNAZIONALI SPA V. HUGO TRUMPY SPA, DE 16/03/1999, PROC. N.º C-159/97, ACESSÍVEL EM TEXTO INTEGRAL EM HTTP://CURIA.EUROPA.EU .
Sumário :
I - O princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efectuada.

II - É usual a utilização, no âmbito dos contratos de swap, de um contrato-tipo (master agreement), contendo a definição do regime geral para as sucessivas transacções acordadas entre as partes, e que ocorram, previsivelmente, no futuro, e em que, além do mais, é consagrado um pacto de jurisdição, o qual é susceptível de, mediante instrumento particular celebrado pelas partes, integrar a relação contratual.

III - Perante uma situação jurídica plurilocalizada e transnacional, tem de se atender às regras da competência internacional e, particularmente, quando envolva Portugal e algum dos Estados-Membros da União Europeia, ao direito da competência internacional da União Europeia, constante do Regulamento (CE) n.º 44/2001, e desde 10/01/2015, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012) – cf. art. 8.º, n.º 4, da CRP.

IV - A interpretação uniforme daqueles Regulamentos está confiada ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), pelos procedimentos ordinários de interpretação do direito comunitário – cf. art. 267.º do TFUE.

V - O Regulamento n.º 44/2001 não exige qualquer solenidade especial para a atribuição de competência judiciária e o regime do seu art. 23.º prevalece sobre as regras de forma de direito interno que fixem requisitos formais mais exigentes para os pactos de jurisdição.

VI - A noção de pacto de jurisdição vertida no Regulamento n.º 44/2001 é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados-Membros e deve ser interpretada como um conceito autónomo.
VII - Perante o regime do Regulamento n.º 44/2001, para que a escolha do tribunal seja válida é desnecessário que exista qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado.

VIII - É à parte que quer beneficiar da aplicação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais que compete, em concreto, alegar e provar que está perante aquela tipologia de cláusulas, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC.

IX - A validade do pacto de jurisdição, constante de uma cláusula contratual geral, integrada num contrato celebrado entre um empresário ou entidade equiparada, é analisada, exclusivamente, segundo o disposto no art. 23.º, do Regulamento n.º 44/2001, sendo inaplicável o regime jurídico interno das cláusulas contratuais gerais.
Decisão Texto Integral:

    Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



        I— RELATÓRIO       

AA, Lda., com sede na Rua ..., nº .., …, ..., intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB PLC, com sede em Avenida ..., nº …, ...º, …, Lisboa, pedindo que se declare a resolução do contrato celebrado entre as partes, por força da alteração das circunstâncias negociais que levaram à contratação, com base no artigo 437.° do Código Civil (CC).

Para tanto, alegou, em síntese, que em 26/10/2007, celebrou com o BB um “Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, com data de início a 30/10/2007 e de vencimento a 30/10/2012, tendo como valor de referência 5.000.000,00€;

Na mesma data, a sociedade CC – …, Lda., celebrou igual contrato com o BB, tendo como valor de referência 1.000.000,00€;

A sociedade CC, Lda., celebrou com a autora um contrato de cessão de posição contratual, com conhecimento e intervenção do BB;

Os dois contratos Swaps têm a mesma arquitectura e assentam na taxa Euribor a 3 meses;

Por razões relacionadas com a conjuntura económico-financeira mundial, que alteraram drasticamente as circunstâncias existentes à data da negociação pondo em causa o equilíbrio negocial e as regras da boa fé no cumprimento dos contratos, com a descida abrupta e imprevisível da taxa Euribor a 3 meses que se verificou no último trimestre de 2008 e a sua manutenção ao longo dos sucessivos trimestres, os Swaps actualmente não possibilitam qualquer ganho para a autora e garantem avultados ganhos ao BB;

Os contratos geraram à autora prejuízos que ascendem já a 503.482,97€ e continuarão a gerar perdas até ao final da sua execução que, tendo em conta a actual taxa de juro e os termos do contrato, se estimam em cerca de 320.000,00€.

Citado, o réu contestou, por excepção arguindo a incompetência dos tribunais portugueses, por violação do pacto de jurisdição, pedindo a absolvição da instância, alegando para o efeito, em síntese, que os contratos em causa são compostos por um contrato quadro denominado 1992 ISDA Master Agreement, elaborado pela International Swaps and Derivatives Association que contém as condições contratuais gerais; um conjunto de definições elaboradas pela mesma entidade com vista a interpretar o ISDA Master Agreement, conjuntamente designados por 2006 ISDA Definitions; as condições individuais concretamente acordadas entre as partes, constantes das Rate Swap Confirmations.

No que diz respeito à cessão da posição contratual, operada entre a CC, Lda. e a autora, rege-se pela Novation Confirmation, que especifica as particularidades daquela cessão, e pelas 2006 6+ISDA Definitions e 2004 ISDA Novation Definitions.

As partes receberam o ISDA Master Agreement de 1992, como o modificaram expressamente, constando tais modificações dos Amendment Agreements celebrados em 31/12/2007, entre a autora e o réu BB e a CC, Lda., e o BB.

Na Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement está escrito que “… no que concerne a qualquer litígio, processo ou procedimento relacionado com este contrato (“litígios”), ambas as partes acordam, irrevogavelmente, submetê-los à jurisdição dos Tribunais Ingleses, se as partes expressamente determinarem que este contrato é regido pela lei inglesa (…)”.

Os dois contratos Swaps estabeleceram nas respectivas Confirmations que o contrato e a Confirmation serão regidas e interpretadas de acordo com a lei inglesa, dessa estipulação decorre a atribuição da competência exclusiva aos Tribunais Ingleses para dirimirem o presente litígio;

A admissibilidade dos pactos de jurisdição é assegurada pelo art. 99.° do Código do Processo Civil (CPC).

Por impugnação, alegou por forma a contrariar a versão descrita pela autora e a demonstrar o infundado da pretensão formulada, concluindo por pedir a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Não foi apresentada réplica.

No despacho saneador, o tribunal conheceu daquela excepção, tendo decidido:

“... julga-se procedente a excepção dilatória da incompetência relativa dos Tribunais Portugueses por infracção do estipulado na convenção prevista no art. 99.° do Cód. Proc. Civil, e, em consequência, absolve-se a ré da instância” (fls. 548 a 552).

Inconformada, apelou a autora, tendo a Relação de Lisboa, por Acórdão de 10/04/2014, por unanimidade, assim decidido:

“ (…), acordam em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, consequentemente, declaram:

- Excluída do contrato “Contrato de Permuta de Taxa de Juro” referenciado nos pontos 2 e 8 dos factos provados (Contrato de “Swaps” que incluem o celebrado pela autora e réu em 26/10/2007 e o celebrado entre a CC e o réu na mesma data, contrato que veio a ser objeto de cessão da posição contratual daquela sociedade a favor da autora, em 06/04/2009), a cláusula incorporada no mesmo por referência à Secção 13 (b) (i) do contrato-quadro denominado “ISDA Master Agreement”, que atribui competência jurisdicional aos Tribunais Ingleses para apreciar e decidir todos os litígios relacionados com o referido contrato;

- Declarando, em consequência, a competência internacional dos Tribunais Portugueses para conhecer e decidir o presente litígio, ordenando o prosseguimento da normal tramitação da presente ação.“.

Manifestando a sua discordância, veio o réu, BB, arguir a (a) nulidade deste aresto em requerimento autónomo, e, simultâneamente, (b) dele interpor recurso de revista para o STJ.

(a) Em suporte da pretensa nulidade do Acórdão da Relação de Lisboa, de 10/04/2014, considera o réu/recorrente, em síntese, que foi violado o princípio do contraditório, consagrado no actual art. 3.º, n.º 3, do NCPC (2013), porquanto se proferiu uma decisão surpresa, ao aplicar ao caso a alínea g) do art. 19.º do DL n.º 446/85, de 25/10, perfilhando uma solução jurídica jamais alegada e contemplada pelas partes no processo, sem que as mesmas tenham invocado factos concretizadores que permitam essa subsunção jurídica, pelo que o acórdão deverá ser qualificado de nulo, por violação do princípio do contraditório, com a consequente anulação de todos os termos subsequentes à referida omissão, nos termos do art. 195.º do NCPC (fls. 623 a 630).

(b) Na revista, o réu formula as sequentes conclusões recursivas (fls. 38/44):

Da admissibilidade do presente recurso

1. A decisão sufragada pelo Tribunal a quo viola o pacto privativo de jurisdição livre e esclarecidamente acordado entre as partes e plasmado na Secção 13 (b) do ISDA Master Agreement;

2. A infracção das regras de competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal (cfr. artigo 96.°, alínea a) do CPC, aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho);

3. Considerando que (i) os Acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a decisão processual podem ser objecto de revista nos casos em que o recurso seja sempre admissível e que (ii) é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência internacional, deve o presente recurso de revista ser admitido ao abrigo do disposto nos artigos 671.°, n.° 2 e 629.°, n.° 2, alínea a), ambos do CPC.

Da inaplicabilidade in casu do regime das cláusulas contratuais gerais

Da não aplicação imediata da LLCG.

4. O Acórdão em apreço é nulo, por não ter sido dada ao Recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre a aplicação aos Contratos da LCCG, bem como sobre a circunstância de, alegadamente, o foro eleito pelas Partes na Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement envolver graves inconvenientes para a Recorrida, questões que jamais foram consideradas até ao momento da prolação do presente Acórdão, nulidade esta que desde já se invoca.

5. As cláusulas contratuais gerais são conjuntos de disposições negociais pré-elaboradas, sem prévia negociação individual, a serem acolhidas em bloco e imutavelmente por quem as subscreve ou aceita (imodificabilidade). Não sendo o contrato apresentado como hermeticamente fechado, tendo a contraparte prévio conhecimento das suas cláusulas e a elas aderido livremente e sem restrições, podendo sugerir alterações, não estarão em causa contratos de adesão nem, consequentemente, a aplicação da LCCG;

6. In casu, os Contratos de Permuta de Taxa de Juro são contratos livremente discutidos e negociados entre as partes, tal negociação resultou inclusive em alterações ao ISDA Master Agreement (cfr. factos constantes dos arts.º 22.° e 23.° da Contestação, admitidos por acordo nos termos dos artigos 505.° e 490.° do CPC), constando tais modificações dos "Amendment Agreements" celebrados em 31.12.2007 entre o Recorrente e a Recorrida e entre a CC e o Recorrente (cfr. Docs. n.° 5 e n.° 6 juntos à Contestação);

7. Tendo à Recorrida sido dada a possibilidade de sugerir alterações, o que efectivamente sucedeu, tem-se por não verificada a característica de imodificabilidade que é essencial à sujeição do contrato ao regime das cláusulas contratuais gerais, pelo que não deverão as Cláusulas presentemente sob escrutínio ser classificadas de "cláusulas contratuais gerais".

Da inaplicação da LCCG em virtude da ratio do referido diploma legal.

8. A recondução de determinadas cláusulas ao conceito de "cláusulas contratuais gerais" - e, consequentemente, a aplicação da LCCG - tem, subjacente, a ideia de uma parte mais forte propor, sem margem para negociação, um conjunto de cláusulas que a favorece e que desequilibra o contrato inadmissivelmente em seu favor;

9. In casu, pese embora tenha sido o Recorrente a sugerir o recurso ao clausulado correspondente ao ISDA Master Agreement de 1992, não foi o Recorrente que elaborou o referido clausulado, sendo, antes, o mesmo uma proposta concebida e sugerida aos agentes de mercado por uma terceira parte (naturalmente alheio aos interesses quer do Recorrente, quer da Recorrida): a International Swaps and Derivatives Association;

10. Na medida em que a adesão a um modelo contratual sugerido por um terceiro obvia o risco que subjaz ao regime das cláusulas contratuais gerais – e que passa pela protecção da parte que, não tendo elaborado o contrato, se limita a aceitá-lo, nos termos em que este foi elaborado pela contraparte (presumivelmente a seu favor) – as disposições constantes do ISDA Master Agreement de 1992 (para que remetem as Confirmations assinadas pelas Partes) não devem ser classificadas de cláusulas contratuais gerais;

Do incumprimento do ónus de alegação que impende sobre a Recorrida.

11. O ónus da prova da negociação prévia de uma cláusula contratual, previsto no artigo 1.°, n.° 3 da LCCG, não só depende da demonstração que a LCCG é aplicável in casu - o que nos presentes autos não se verifica – como da alegação, por parte do aderente, de que tal cláusula não foi sujeita a negociação prévia. Ou seja: sobre o aderente recai o ónus de alegação da falta de negociação prévia, enquanto que sobre o proponente cabe o ónus de prova da sua verificação.

12. A questão de um determinado contrato (ou de uma determinada cláusula) revestir ou não a natureza de contrato de adesão não é de conhecimento oficioso, tornando-se para tal necessária a respectiva alegação, no momento processual próprio, de modo a possibilitar o exercício do contraditório, dos factos indispensáveis a essa qualificação;

13. In casu, não alegou a Recorrida (senão em sede de recurso de apelação) que o pacto atributivo de jurisdição acordado não havia sido sujeito a negociação prévia entre as partes, consubstanciando, nessa medida, uma cláusula contratual geral;

14. Pelo que não se afigura exigível ao Recorrente que o mesmo tenha de demonstrar que o pacto de jurisdição atributivo de jurisdição dos Tribunais Ingleses decorreu de uma concreta e prévia negociação sobre essa matéria;

Da efectiva negociação da cláusula constante da Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement

15. De acordo com o pacto de jurisdição celebrado entre as partes, constante da Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement, a determinação da existência ou não de um pacto de jurisdição e, em caso afirmativo, de qual o foro eleito pelas partes, encontra-se totalmente dependente da escolha da lei que rege o contrato;

16. Pelo que nos termos do ISDA Master Agreement cabe às partes decidir se pretendem ou não tornar eficaz o pacto de jurisdição constante a Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement;

17. In casu, a escolha da lei que rege os Contratos encontra-se plasmada na Rate Swap Confirmation de fls. 24/31 (tradução a fls. 326/328), as quais mais não são que as condições individuais concretamente acordadas entre as partes, ou seja, são condições contratuais por natureza objecto de negociação entre as partes, tal como aconteceu nos presentes autos;

18. Tendo a Recorrente e a Recorrida negociado e, em consequência de tal negociação, optado por escolher a lei inglesa como lei reguladora dos Contratos e sendo tal escolha determinante para tornar eficaz o pacto de jurisdição, nos termos da Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement, não pode senão considerar-se que o mesmo foi efectivamente objecto de negociação entre as Partes;

Dos (supostos) graves inconvenientes decorrentes para a Recorrida da jurisdição convencionada.

19. Para que uma determinada cláusula contratual geral seja proibida ao abrigo do disposto no artigo 19.° (g) da LCCG, é necessário que hajam sido carreados para os autos factos susceptíveis de preencher o conceito de "graves inconvenientes" decorrentes para o aderente do foro competente convencionado;

20. A Recorrida não só não alegou que o pacto atributivo de jurisdição aos Tribunais Ingleses para dirimir quaisquer conflitos emergentes dos referidos contratos, constante da Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement, é susceptível de lhe causar quaisquer "graves inconvenientes", como também não carreou para os presentes autos quaisquer factos que permitissem ao Tribunal recorrido concluir, oficiosamente, pela sua verificação;

 21. Consequentemente, não podia o Tribunal a quo substituir-se à Recorrida, invocando a existência de "graves inconvenientes" decorrentes para esta última do foro convencionado, quando a mesma, podendo tê-lo feito, não o fez;

22. As Partes nunca foram convidadas a pronunciar-se sobre a questão da validade da cláusula constante da Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement face ao disposto no mencionado artigo 19.° (g) da LCCG, pelo que nunca o ora Recorrente teve a possibilidade de demonstrar que os inconvenientes (alegadamente) causados à Recorrida encontravam fundamento e justificação em interesses legítimos do Recorrente, assim afastando a aplicação do regime previsto no artigo 19.° (g) da LCCG e a consequente cominação de nulidade da cláusula em apreço;

23. Os inconvenientes invocados pelo Tribunal a quo para justificar a aplicação de tal normativo verificam-se sempre que as partes atribuem competência a tribunais estrangeiros, os quais se situam sempre num país estrangeiro (!), são sempre distantes da sede de (pelo menos) uma das partes e, quando as partes elegem os Tribunais ingleses, o sistema jurídico vigente é sempre muito distinto do português;

24. À luz deste entendimento, qualquer pacto de jurisdição seria inevitavelmente considerado nulo;

25. Tal decisão, para além de ilegal, é ainda gravemente lesiva de valores como a segurança do comércio jurídico internacional e dos compromissos assumidos pelo Estado Português, nomeadamente no que diz respeito ao cumprimento da legislação comunitária e aos princípios da certeza jurídica e disponibilidade das regras de competência internacional, plasmados no Considerando (11) do supra citado Regulamento (CE) 44/2001);

Do alegado incumprimento, pelo Recorrente, do dever de informação previsto no artigo 6.° da LCCG.

26. A Recorrida nunca invocou que o Recorrente houvesse violado o dever de informação que sobre si impendia por força do artigo 6.° da LCCG, muito menos no que respeita à cláusula atributiva de jurisdição, não tendo, portanto, cumprido o ónus de alegação que sobre si impendia. Consequentemente, não tem o Recorrente de fazer prova de que cumpriu adequadamente o dever de informação em causa;

27. Encontra-se provado nos presentes autos que (i) a Recorrida recebeu a versão portuguesa e inglesa do ISDA Master Agreement – do qual consta o pacto de jurisdição sub judice - e (ii) declarou perante o Recorrente que compreendeu o conteúdo de tal documentação (cfr. art.°s 22 e 23 da Contestação e Docs. n.°s 7 e 8 juntos à Contestação, admitidos por acordo nos termos e para os efeitos dos artigos 505.° e 490.° do CPC, na redacção anterior à Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho);

28. Destinando-se o dever de informação ínsito no artigo 6.° da LCGG a garantir a compreensão da "mensagem subjacente" ao clausulado contratual e declarando a Recorrida, de forma inequívoca, que efectivamente o compreendia, não impendia sobre o Recorrente, perante tal declaração, qualquer dever adicional de informação;

29. A Recorrida foi classificada como "investidor qualificado", de acordo com as regras de classificação de clientes decorrente da implementação dos critérios indicados pela MIFID ou DMIF (Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros), tendo tal classificação merecido a sua expressa aceitação e consentimento (cfr. Doc. n.° 10 junto à Contestação);

30. Atento o elevado grau de conhecimento da Recorrida no que tange ao tipo de Contratos em apreço, qualquer eventual falta de conhecimento pela Recorrida do clausulado contratual – e, em especial da cláusula atributiva de jurisdição dos Tribunais Ingleses –, que não se concede, só à Recorrida é imputável, por violação do dever de diligência que sobre si impendia.

31. Em face do exposto, forçoso é concluir que a douta decisão recorrida viola, pois, o artigo 8.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, o artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001, os artigos 3.° e 99.° do Código de Processo Civil e os artigos 1.°, 19.° (g) e 6.° do Decreto-lei n.° 446/85, de 25 de Outubro ("LCCG"), devendo, nessa medida, ser revogada.

A autora/recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido, tal como consta de fls. 632 a 650.

Por despacho de 09/07/14, proferido na Relação, foi admitido este recurso de revista (fls. 660 a 662).



Posteriormente, a Relação de Lisboa, em novo Acórdão, de 01/07/2014, também por unanimidade, pronunciou-se sobre a nulidade arguida no mencionado requerimento autónomo (a) visando a sua anterior deliberação de 10/04/2014, considerando não se registar a nulidade processual arguida pelo réu, esgrimindo, fundamentalmente, que “não se compreende (…) que possa ser aventada a hipótese de ter sido proferida uma decisão surpresa quando a questão [das cláusulas contratuais gerais] estava suscitada no recurso e se interpretou e aplicou o regime jurídico emergente dos diplomas que recorrente e recorrido invocaram e discutiram nas alegações e contra alegações”, sendo certo, outrossim, que é de atender ao vertido no art. 5.º, n.º 3, do NCPC, pelo que “(…) a aplicação de uma norma não invocada pelas partes, não implica o accionamento automático e acrítico do princípio do contraditório”  (fls. 651 a 659).

A esta seguiu-se nova deliberação da Relação de Lisboa, em 14/07/2014, que considerou não ocorrer qualquer nulidade no Acórdão lavrado em 10/04/2014, que havia sido arguida pelo recorrente na revista interposta (b)(fls. 663 a 665).

O réu interpôs novo recurso de revista do acórdão de 01/07/2014 que declarou não verificada a nulidade processual arguida, aduzindo as seguintes conclusões (fls. 670 a 690):

Da admissibilidade do presente recurso

1. Do artigo 630.°, n.° 2, do CPC extrai-se a regra de que todas as decisões judiciais relativas à simplificação ou agilização processual, à adequação formal, ou às regras gerais da nulidade dos actos processuais admitem recurso quando contendam quer com os princípios da igualdade ou do contraditório quer com a aquisição processual de factos, quer com a admissibilidade de meios probatórios;

2. O Acórdão recorrido consubstancia, precisamente, uma decisão relativa a uma nulidade processual que contende com o princípio do contraditório, pelo que o mesmo é recorrível, devendo ser admitido em face do disposto no artigo 630.°, n.° 2, parte final, do CPC;

3. Por outro lado, o Acórdão subjudice configura uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 1.ª instância, versando sobre um vício processual que o Recorrente imputa em primeira e única linha ao Tribunal de 2.ª instância;

4. Considerando que o acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa, incorpora no seu âmbito o direito de recurso, deve também por esta razão, ser o presente recurso admitido, conhecendo-se do respectivo objecto.

Da Violação do Princípio do Contraditório

5. O Tribunal a quo, por Acórdão proferido em 10.04.2014, determinou que o foro convencionado pelas Partes - e constante da Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement - "envolve graves inconvenientes" para a Recorrida sem que os interesses do Réu o justifiquem, sendo a mencionada a Cláusula nula nos termos e para os efeitos do artigo 19.°, alínea g) da LCCG;

6. A questão da validade (ou invalidade) da dita Cláusula à luz do disposto no artigo 19.°, alínea g) da LCCG nunca foi discutida nem invocada pelas Partes (maxime, pela Recorrida) nos presentes autos;

7. O facto de a Recorrida invocar a violação de uma norma concreta da LCCG (in casu, o artigo 21.°, alínea h)) não constitui o Recorrente na obrigação de prever a aplicação de uma qualquer outra norma do mesmo diploma (nomeadamente, o artigo 19,°, alínea g));

8. O simples facto de a Recorrida invocar, de forma e genérica e abstracta, a violação do regime da LCCG, também não constitui o Recorrente em tal obrigação;

9. A acolher-se o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, bastaria a uma das partes invocar a violação do regime da LCCG, sem especificação da norma alegadamente violada, e ver-se-ia a contraparte na contingência de demonstrar que a cláusula/contrato em questão respeitava todas as disposições daquele diploma;

10. A norma constante do artigo 21,°, alínea h) da LCCG não tem qualquer "relação de afinidade" com a constante do artigo 19.°, alínea g) do mesmo diploma: não só têm alcances e conteúdos diferentes, como têm também campos de aplicação distintos;

11. Ao contrário da exclusão ou limitação da tutela judicial, que é objectivamente verificável, a grave inconveniência para uma das partes pressupõe um juízo subjectivo, isto é, só as partes contratantes é que podem ajuizar se o foro convencionado lhes causa ou não graves inconvenientes. Não alegando as partes tal grave inconveniência, não cabe ao Tribunal substituir-se a estas, decidindo ex officio que tal grave inconveniência se verifica;

12. Nunca tendo a Recorrida invocado quaisquer graves inconvenientes decorrentes do foro convencionado, para efeitos da alínea g) do artigo 19.° da LCCG, não se pode considerar como sendo expectável para o Recorrente, que tal questão viesse a ser suscitada, podendo e devendo sobre ela se ter pronunciado;

13. A aplicação da alínea g) do artigo 19.° da LCCG pressupõe que tenham sido alegados factos concretizadores dos "graves inconvenientes" decorrentes para o aderente do foro convencionado e, eventualmente, dos "interesses" do predisponente que os justifiquem;

14. A Recorrida não carreou para os presentes autos quaisquer factos que permitissem ao Tribunal recorrido concluir, oficiosamente, pela sua verificação de graves inconvenientes, decorrentes para esta última do foro convencionado;

15. Ainda que os factos nos quais o Tribunal a quo ancorou a sua decisão resultem do contexto dos autos, a inconveniência da sua verificação depende necessariamente da respectiva alegação pela Autora, não podendo ser conhecida ex officio;

16. O artigo 19.° alínea g) da LCCG admite como válido o foro que cause graves inconvenientes para uma das partes desde que se verifique um correlativo de um interesse relevante da outra parte;

17. Não foi concedida ao Recorrente, principal "lesado" pela decisão proferida, a oportunidade de demonstrar o seu interesse no foro convencionado, assim afastando a cominação de nulidade da foro convencionado;

18. O conteúdo do princípio do contraditório plasmado no artigo 3.°, n.° 3 do CPC visa evitar "decisões surpresa", baseadas em fundamentos que não hajam sido previamente considerados pelas partes, traduzindo-se, à luz do entendimento consagrado pela Comissão Constitucional e Acórdãos do Tribunal Constitucional, na premissa de que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar;

19. A doutrina e a Jurisprudência têm entendido, de forma unânime, que se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos – novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão – que poderiam trazer alguma luz sobre a "questão nova", oficiosamente assumida pelo tribunal, então terão o direito de tentar refazer a actividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório;

20. Considerando como solução adequada ao presente litígio uma questão não prevista peias Partes, deveria o Tribunal tê-las convidado a sobre ela se pronunciarem, independentemente da fase do processo em questão (instância de recurso);

21. Não o tendo feito, forçoso é concluir que o Tribunal da Relação de Lisboa, ao proferir o Acórdão de 10.04.2014 nos moldes em que o fez, violou o direito ao contraditório legalmente conferido às partes, previsto no artigo 3.° do CPC, constituindo, nessa medida, uma verdadeira decisão surpresa, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao considerar não verificada a nulidade arguida;

22. Em face do exposto, forçoso é concluir que a Decisão recorrida viola, pois, o artigo 3.°, n.° 3 e 195.° do Código de Processo Civil, devendo, nessa medida, ser revogada e substituída por outra que declare verificada a nulidade por violação do princípio do contraditório arguida pela Recorrente, com a consequente anulação de todos os termos subsequentes à referida omissão.

A autora contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido (fls. 713 a 718).

Por despacho de 09/07/2014, proferido na Relação, foi admitido o recurso de revista (fls. 723/724).

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



O objecto dos recursos acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil[2] – por diante NCPC.

São as seguintes as questões suscitadas:

a) Se se registou a prolação de decisão surpresa, que inquina de nulo o processado subsequente ao Acórdão recorrido de 10/04/2014, incluindo o próprio aresto;

b) Se as partes estabeleceram (validamente), nos contratos de swap, um pacto privativo de jurisdição, por via do qual resulta a incompetência internacional do Tribunal Português.

Dada a afinidade das questões, concernentes aos Acórdãos de 10/04/2014 e de 01/07/2014, far-se-á a sua análise conjunta, começando, todavia, por razões de precedência lógica, pela revista mais recente.

                                            


II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

As instâncias consideraram provada a seguinte matéria de facto:

1. A autora dedica-se à fabricação de produtos de papel e alimentares.

2. Autora e ré subscreveram o instrumento particular denominado Rate Swap Confirmation, cuja cópia consta a fls. 24/31 (tradução a fls. 326/328), onde consta, para além do mais: “(...) Esta Confirmação constitui uma “Confirmação” tal como referido no Acordo Principal ISDA por si referido abaixo. As definições e disposições contidas nas Definições ISDA de 2006 (as “Definições 2006”), tal como publicadas pela International Swaps and Derivatives Association, Inc. (ISDA) estão incorporadas nesta Confirmação. (...). Além disso, V. Ex.ªs e nós concordamos em fazer todos os esforços razoáveis para negociar, executar e entregar um acordo forma do Acordo Principal ISDA (Multicurrency-Cross Border) (o “Formulário ISDA”), com as modificações que concordemos de boa fé. Após a execução de tal acordo pela nossa parte e por parte de V.Ex.ª  esta confirmação será um suplemento a, formará parte de, e estará sujeita a esse acordo. (...). Até executarmos e entregarmos esse acordo, esta confirmação, juntamente com todas as outras confirmações referentes ao Formulário ISDA que confirmem transacções entre nós, serão suplemento a, farão parte de, e estarão sujeitas a um acordo na forma de Formulário ISDA tal como se tivéssemos celebrado um acordo em tal forma (mas sem calendário) na data da transacção da primeira transacção do tipo entre nós, sob a vigência da lei inglesa, sendo a moeda de terminação GBP e incluída a secção 6 (f) assim as disposições da secção V (A) do Guia do utilizador ISDA do Acordo Principal de 1992 (...)”.

3. Autora e ré subscreveram o instrumento particular denominado Novation Confirmation, cuja cópia consta a fls. 34/38 (tradução de fls. 555/557), e cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais: “ (…). 1. As definições e disposições contidas nas Definições de Novação 2004 da ISDA (as Definições de Novação), bem como as definições e disposições das Definições 2006 da ISDA (as “Definições 2006”), respectivamente nos termos publicados pela International Swaps and Devivatives Association, Inc. (ISDA) e com as alterações oportunamente introduzidas, são dadas como parte integrante desta Confirmação de Novação. (...)”.

4. A autora subscreveu o instrumento particular denominado Acceptance and Understanding Structured Interest Rate Derivatives, cuja cópia consta a fls. 32/33 (tradução a fls. 320/322) dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “ (…) Vimos por este meio confirmar que lemos, concordámos e entendemos os termos finais da transacção de troca de fluxos com taxa de juro estruturada (a “transacção”) a ser estabelecida entre DD, Lda. e BB PLC descrita no Termo de Compromisso anexo. (...)”.

5. A autora subscreveu o instrumento particular denominado Amendment Agreement, cuja cópia consta a fls. 237 (tradução a fls. 316/317) dos autos, onde consta, para além do mais “(…) Através deste Acordo de Alteração, as partes acordam por este meio alterar os termos do Acordo-Quadro ISDA de 1992 (Multimoedas-transfronteiriço) (Acordo ISDA) estabelecido entre as partes ou de outro modo inserido por remissão nas confirmações comprovativas das transacções derivativas (cada qual uma “transacção”) introduzidas pela Contraparte e pelo BB, nos seguintes termos: (…). Diversos: (…); (b) Este Acordo de Alteração constitui todo o acordo e entendimento das partes no que diz respeito ao assunto em questão aqui contido. O Acordo de Alteração deverá ser regido e interpretado à luz da lei inglesa, e pode ser executado em contrapartes, cada uma das quais sendo considerada original e todas em conjunto constituirão um único instrumento. (…)”.

6. A CC, Ld.ª subscreveu o instrumento particular denominado Amendment Agreement, cujo teor se dá por reproduzido e cuja cópia consta a fls. 238 (tradução a fls. 318/319) dos autos, onde consta, para além do mais, “(...) Através deste Acordo de Alteração, as partes acordam por este meio alterar os termos do Acordo-Quadro ISDA de 1992 (Multimoedas-transfronteiriço) (Acordo ISDA) estabelecido entre as partes ou de outro modo inserido por remissão nas confirmações comprovativas das transacções derivativas (cada qual uma “transacção”) introduzidas pela Contraparte e pelo BB, nos seguintes termos: (...). Diversos: (...); (b) Este Acordo de Alteração constitui todo o acordo e entendimento das partes no que diz respeito ao assunto em questão aqui contido. O Acordo de Alteração deverá ser regido e interpretado à luz da lei inglesa, e pode ser executado em contrapartes, cada uma das quais sendo considerada original e todas em conjunto constituirão um único instrumento. (…)”.

7. O Master Agreement-ISDA, que é referido nos instrumentos particulares subscritos pelas partes, como parte integrante, encontra-se a fls. 133/144 (tradução a fls. 293/315) (fls. 154/162vº (tradução a fls. 302/318)) dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “ (...).13. Lei aplicável e Jurisdição:

(a) Lei aplicável: O presente acordo será regido e interpretado de acordo com a lei especificada no Anexo.

(b) Jurisdição: Em relação a cada acção judicial, acção ou processos relativos ao presente Acordo (“processos”) cada parte irrevogavelmente: (i) aceita sujeitar-se à jurisdição dos tribunais ingleses, se no presente Acordo for designado como sujeito à lei inglesa ou, à jurisdição não exclusiva dos tribunais do Estado de Nova Iorque, se o presente Acordo for designado como sujeito às leis do Estado de Nova Iorque. (…)”.

8. As 2006 ISDA Definitions referidas nos acordos subscritos pelas partes como fazendo parte integrante encontram-se a fls. 145/224 (tradução a fls. 361/538), cujo teor se dá por reproduzido;

9. As 2004 ISDA Novation Definitions referidas nos acordos subscritos pelas partes como fazendo parte integrante encontram-se a fls. 227/236 (tradução a fls. 329/346) dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

DE DIREITO

A) Se se registou a prolação de decisão surpresa, que inquina de nulo o processado subsequente ao Acórdão recorrido de 10/04/2014, incluindo o próprio aresto

Está em causa, neste ponto de recurso – atinente ao Acórdão proferido em 01/07/2014[3]–, indagar se o facto do Tribunal da Relação ter considerado nula a cláusula respeitante ao foro convencionado – inserida na Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement –, por, supostamente, envolver “graves inconvenientes” para a recorrida, sem que os interesses do réu o justifiquem, com base no art. 19.º, al. g), da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG), quando aquela apenas suplicou a transgressão da norma do art. 21.º, al. h), da LCCG, constitui uma violação do princípio do contraditório.

O recorrente sustenta, com alguma prolixidade, que “o facto de a Recorrida invocar a violação de uma norma concreta da LCCG (in casu, o artigo 21.º, alínea h)) não constitui o Recorrente na obrigação de prever a aplicação de uma qualquer outra norma do mesmo diploma legal (nomeadamente, o artigo 19.º, alínea g))” e “o simples facto de a Recorrida invocar, de forma genérica e abstracta, a violação do regime da LCCG, também não constitui o Recorrente em tal obrigação”, sendo certo que “a norma constante do artigo 21.º, alínea h) da LCCG não tem qualquer «relação de afinidade» com a constante do artigo 19.º, alínea g) do mesmo diploma: não só têm alcances e conteúdos diferentes, como têm também campos de aplicação distintos”.

De harmonia, defende que “considerando como solução adequada ao presente litígio uma questão não prevista pelas Partes, deveria o Tribunal tê-las convidado a sobre ela se pronunciarem, independentemente da fase do processo em questão (instância de recurso)”.

E termina, realçando que é de concluir que a decisão recorrida (de 01/07/2014) viola os arts. 3.º, n.º 3, e 195.º do NCPC, “devendo, nessa medida, ser revogada e substituída por outra que declare verificada a nulidade por violação do princípio do contraditório arguida pela recorrente, com a consequente anulação de todos os termos subsequentes à referida omissão”.

Vejamos.

Ao processo em apreço aplicam-se os normativos do NCPC, na versão emergente da Lei n.º 41/2013, de 26/06.

Importa salvaguardar, prima facie, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. art. 5.º, n.º 3, do NCPC).

Conforme escreveu recentemente Lebre de Freitas, “contrariamente ao que acontece no campo dos factos, o tribunal não está condicionado pelas alegações das partes no domínio da indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas, o que é uma decorrência do princípio constitucional da legalidade do conteúdo da decisão e usa exprimir-se com o brocardo latino jura novit curia”. Desenvolve, seguidamente, que o “conhecimento oficioso da norma jurídica tem como limite os casos em que a lei substantiva torna dependente da vontade do interessado a invocação dum direito ou duma excepção, bem como aqueles em que a lei processual coloca na exclusiva disponibilidade da parte a invocação da falta dum pressuposto (art. 578.º), do vício dum acto processual (art. 197.º) ou da extinção dos efeitos dum acto (cf. art. 763.º, n.º 1, para a penhora). Trata-se de casos em que a declaração do interessado constitui um elemento da previsão da norma, sem o qual o seu efeito não se produz. Por outro lado, o conhecimento oficioso da norma jurídica está dependente da introdução na causa dos factos aos quais o tribunal a aplica, devendo sempre distinguir-se o plano dos factos, em que vigora, mesmo em matéria de direito processual, o princípio do dispositivo, e o plano do direito, em que a soberania pertence ao juiz sem prejuízo ainda, no que ao direito material se refere, de o conhecimento oficioso se circunscrever no domínio definido pelo objecto do processo[4].

Daqui decorre que os argumentos, motivos ou razões jurídicas, introduzidas no recurso, não vinculam, de forma estrita, o tribunal: quando tal se imponha, o tribunal pode, e deve, julgar as questões que constituem o objecto do recurso com base em razões jurídicas diversas das invocadas pelas partes, não estando adstrito a exaurir o estudo de todos os argumentos, mas, apenas, a explicar e considerar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando aqueles argumentos na precisa medida do necessário e suficiente.

Como tal, segundo o normativo vazado no art. 3.º, n.º 3 do NCPC: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem[5].

Consagra o princípio do contraditório na vertente proibitiva de decisão surpresa, e como acentuado no Acórdão do STJ, de 17/06/2014[6], tem-se entendido que aquele segmento normativo não introduziu no nosso sistema o instituto da proibição de decisões surpresa tal como foi configurado na Alemanha, país donde dimanou e tem longo historial, verificando-se importantes diferenças de regime entre o Código de Processo Civil português e o alemão, dado que o legislador germânico confere ao direito ao contraditório uma dimensão que vai muito para além do que comporta, mesmo em interpretação extensiva, a lei portuguesa [7].

À face do ordenamento jurídico português, a doutrina aceita o princípio da proibição das decisões surpresa, enquanto interdição de decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes, entendendo que esta vertente do direito ao contraditório tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado[8].

Destarte, antes de dirimir uma questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra.

Refere, de novo, Lebre de Freitas, que do art. 3.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, resulta uma concepção moderna e mais ampla do princípio do contraditório, com origem na garantia constitucional do Rechtliches Gehör germânico, entendida como uma garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão[9].

Exarou-se no Acórdão do STJ antes mencionado, que aqui acompanhamos: “Admitimos que se deu um avanço no entendimento do princípio do contraditório, na nossa lei processual, perdendo assim actualidade a concepção restrita do mesmo, segundo a qual o processo consistia numa discussão duma parte contra a outra, com o juiz, acima delas, a decidir. Mais do que uma discussão dialéctica entre as partes, está agora aberto o caminho para que estas “influenciem directamente” a decisão. Mas a mais a nossa lei não chega, pois a estrutura do nosso processo civil não prevê que o tribunal “discuta” com as partes o que quer que seja”. E, prossegue-se: “O legislador, perante os princípios gerais que enformam o nosso Código de Processo Civil, não quis aliviar as partes de usarem a diligência devida para preverem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão, residindo o cerne deste problema em saber se as partes tiveram, ou não, oportunidade processual para alegar quanto àquela questão e se a questão era ou não previsível para uma parte de diligência média.

Como esclarece Lopes do Rego, «a audição excepcional e complementar das partes, fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela»[10].

Lapidares, também, as palavras do Acórdão do STJ, de 27/09/2011[11], em cujo sumário se exarou: “O juiz tem o dever de participar na decisão do litígio, participando na indagação do direito – iura novit curia –, sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes. Porém, a indagação do direito sofre constrangimentos endoprocessuais que atinam com a configuração factológica que as partes pretendam conferir ao processo. Há decisão surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correcta e atinada decisão do litígio”.

Esta orientação, de resto, tem sido assumida pelo STJ, podendo afirmar-se que o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efectuada.

Isto dito, no presente caso, o facto de o Tribunal da Relação de Lisboa ter considerado procedente a apelação apresentada pela autora/recorrente e ter apodado de nula a cláusula respeitante ao foro convencionado, inserta na Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement, por, supostamente, envolver “graves inconvenientes” para a recorrida, sem que os interesses do réu o justifiquem, com base no art. 19.º, al. g), da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG), quando aquela se referiu à norma constante do art. 21.º, al. h), da LCCG, não traduz uma violação do princípio do contraditório e não constitui uma decisão surpresa.

É indiferente que a norma invocada e aplicada seja diversa porquanto a questão das cláusulas contratuais gerais e a questão da validade da cláusula em causa estava já suscitada no recurso, apenas tendo sido efectuada uma interpretação e aplicação do regime jurídico emergente dos diplomas que recorrente e recorrido ali invocaram e discutiram nas alegações e contra-alegações.

Por outro lado, urge frisar que a aplicação de uma norma não invocada pelas partes, naquele contexto, e sem exorbitar do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, não pode implicar o accionamento automático e acrítico do princípio do contraditório, atendendo ao estatuído no art. 5.º, n.º 3, do NCPC, que antes se analisou, como expressou o acórdão recorrido.

Destarte, dando-se por acolhidas, nessa exacta medida, as considerações tecidas naquele acórdão, nos termos da 1.ª parte do art. 663.º, n.º 5, aplicável ex vi do art. 679.º do NCPC, e sem necessidade de maiores considerandos, julga-se improcedente a questão suscitada, atinente à sua nulidade por violação do princípio do contraditório.

Questão diversa, evidentemente, é aquela que se confina a indagar se foi correcta a incursão do acórdão recorrido pelos meandros da LCCG para, dessa forma, afastar o pacto de jurisdição, questão sobre a qual nos iremos deter no ponto subsequente.

Improcede, por conseguinte, a revista incidente sobre o Acórdão de 01/07/2014.

B) Se as partes estabeleceram (validamente), nos contratos de swap, um pacto privativo de jurisdição, por via do qual resulta a incompetência internacional do Tribunal Português

Confrontamo-nos com um típico litígio de direito internacional privado entre duas sociedades, a autora, sedeada em Portugal, e o réu, empresa estrangeira, sedeada em Londres, mas com representação permanente em Portugal, visando a acção a resolução de dois contratos de permuta de taxa de juro (Swaps).

Concretamente, está em causa a análise de dois contratos de swaps – o celebrado pela autora e réu em 26/10/2007, e o celebrado entre a CC e o réu na mesma data, e que veio a ser objecto de cessão da posição contratual daquela sociedade a favor da autora, em 06/04/2009 - e mais particularmente a verificação da cláusula incorporada no mesmo por referência à Secção 13 (b) (i) do contrato-quadro denominado ISDA Master Agreement, que atribui competência jurisdicional aos Tribunais Ingleses para apreciar e decidir todos os litígios relacionados com os referidos contratos.

Os swap são um tipo de instrumento financeiro derivado[12], também designado por contrato “de balcão” ou de negociação OTC (Over The Couter)[13], nominado, previsto no art. 2.°, n° 1, al. e) do Código de Valores Mobiliários (CVM), sem que o defina.

O swap, literalmente troca de uma coisa por outra, no âmbito contratual, nasceu como forma de responder à instabilidade dos mercados de câmbios e de taxas de juro, como um modo de aproveitamento recíproco da acessibilidade ou das vantagens de duas empresas que actuam em mercados financeiros diferentes, aproveitando o desenvolvimento tecnológico, e, num momento inicial, traduzia o contrato pelo qual as partes se vinculavam reciprocamente a pagar, em datas futuras, o montante das obrigações devidas pela contraparte perante terceiros, por efeitos de contratos de mútuo (ou de outros contratos financeiros) expressos em divisas diferentes (currency swap) ou com modalidades diferenciadas de cálculo das taxas de juro – v.g., taxa de juro fixa e taxa de juro variável (interest rate swap) –, sendo o cumprimento das obrigações emergentes do contrato swap autónomas relativamente aos contratos com terceiros[14].

Distinguem-se, assim, quanto ao seu objecto, duas modalidades principais: os swaps de divisas e de juros. No caso em apreço, estamos perante o denominado swap de taxas de juro[15].

A estrutura básica de um swap de taxas de juro abrange três corpos: 1) O ISDA Master Agreement, acordo base idêntico em todos eles, correspondente a um esquema internacional estandardizado; 2) O Master Agreement Schedule, anexo ao acordo base que confere uma certa personalização ao ISDA, fixando deste as cláusulas aplicáveis em cada caso; 3) A Confirmation, fixa os pontos concretos de cada contrato.

A negociação dos contratos de swap é feita tipicamente através do uso de documentação estandardizada[16].

Se inicialmente as instituições financeiras começaram a mediar a relação entre as partes do swap, com a função de angariadora e de as colocar em contacto, proporcionando o chamado “match” ou “acasalamento”, posteriormente acabaram por nele intervir tornando-se contraparte de cada uma das partes (intermediary), assumindo o risco de crédito conduzindo à celebração de dois contratos de swap, juridicamente independentes, mas economicamente ligados, ou contraparte pura em swap não simétrico (counterparty)[17].

No processo de formação do contrato de swap, usualmente, as partes iniciam um contacto por via telefónica, em que estabelecem as principais cláusulas do contrato a celebrar[18]; de seguida, trocam faxes de confirmação do contrato, com expressa alusão às cláusulas verbalmente ajustadas e remetendo nos pontos omissos para os códigos e documentos-tipo, elaborados por determinados agrupamentos profissionais; e, por fim, algum tempo após, reduzem a escrito (particular) o respectivo convénio. Determinadas vezes, quando as partes prevêem celebrar, entre si, no futuro, vários contratos de swap, concluem previamente um contrato quadro – master agreement –, em que instituem um conjunto de cláusulas destinadas a regulamentar cada um dos contratos individuais de swap[19].

Com maior detalhe, a utilização, no âmbito dos contratos de swap, de um tipo de contrato – master agreement –, traduz-se na definição de um regime geral para as sucessivas transacções acordadas, mediante a documentação global adequada dos actos praticados, assinando as partes o master agreement onde ficam coligidas as condições gerais das operações de swap que ocorram, previsivelmente, no futuro. Esse documento inicia-se com um preâmbulo, em que são descritas as motivações das partes, a que se segue a compilação de um conjunto de definições e, subsequentemente, todo o clausulado do contrato[20].

Como diz Calvão da Silva: “No fundo, a confirmação escrita, contendo os termos e condições do contrato (de swap) antes concluído e a que as partes se quiseram vincular desde logo, tem em vista apenas a consolidação (e não substituição) desse contrato anterior ou contemporâneo validamente celebrado, sendo formalidade ad probationem (e não ad substantiam) importantíssima em caso de o contrato ter sido oralmente concluído. Numa palavra: na arquitectura da ISDA, sob o mesmo “Master Agreement” a que as partes aderem podem concluir-se várias transacções, cada uma documentada em “Confirmação” distinta[21].

De entre os vários master agreement existentes destaca-se o ISDA Code que serviu para coligir as práticas mais generalizadas do mercado financeiro, bem como a interpretação a dar a uma série de termos difundidos entre os operadores, e que – pese embora não possuir força de lei ou de regulamento (trata-se de lex mercatoria) –, destina-se a regular o conjunto de relações estabelecidas entre partes signatárias, no domínio dos swaps, sendo à sua imagem e semelhança elaborados os contratos-tipo usados pelos bancos nacionais nas operações a realizar com o s seus clientes[22]/[23].

Feito este breve excurso pela caracterização dos contratos de swap, examinemos, então, a problemática do tribunal competente para apreciar e julgar o mérito dos negócios jurídicos em apreço nestes autos.

Emerge dos factos provados que no Master Agreement ISDA, referido nos instrumentos particulares, subscritos pelas partes, como parte integrante da respectiva relação contratual – cf. fls. 154/162vº (tradução a fls. 302/318) –, consta, para além do mais:

“... 13. Lei aplicável e Jurisdição:

(a) Lei aplicável: O presente acordo será regido e interpretado de acordo com a lei especificada no Anexo.

(b) Jurisdição: Em relação a cada acção judicial, acção ou processos relativos ao presente Acordo (“Processos”) cada parte irrevogavelmente: (i) aceita sujeitar-se à jurisdição dos tribunais ingleses, se no presente Acordo for designado como sujeito à lei inglesa ou, à jurisdição não exclusiva dos tribunais do Estado de Nova Iorque e ao “United States District Court”, localizado na circunscrição de Manhattan, se o presente Acordo for designado como sujeito às leis do Estado de Nova Iorque. (…)”.

É inequívoco, outrossim, que as partes optaram pela aplicabilidade da lei inglesa, conforme ressalta, designadamente, dos factos provados sob os n.ºs 2, 5 e 6.

Tratando-se, na circunstância, de um pleito concernente a uma situação plurilocalizada e transnacional – reitera-se, a autora tem sede em Portugal, e o réu, empresa estrangeira, está sedeado em Londres, embora disponha de representação permanente em Portugal –, há que aferir a competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar este litígio, sopesando, sobretudo, o teor do ponto 13 do Master Agreement ISDA, indicado nos instrumentos particulares, subscritos pelas partes, como parte integrante do contrato.

Vejamos, então.

A competência do tribunal constitui um pressuposto processual a aferir perante a relação material controvertida e o pedido formulado pelo autor, na petição inicial, e as normas de competência internacional são aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado, o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em situações transnacionais.

É apodíctico que os tribunais nacionais só podem conhecer de um litígio emergente de uma relação transnacional quando dispõem de competência internacional. Revelando a relação jurídica substantiva conexão com mais de uma ordem jurídica, a lei processual interna concede às partes, em determinadas situações – designadamente na área dos contratos de direito privado –, o direito de convencionarem a determinação da jurisdição competente para dirimir litígios advenientes dessa relação jurídica, através da celebração de pactos privativos e atributivos de jurisdição, conforme decorre dos arts. 65.º, 65.º-A e 99.º do CPC revogado, com correspondência nos actuais arts. 62.º, 63.º e 94.º do NCPC.

A competência diz-se convencional quando atribuída por convenção das partes, constituindo um pacto de jurisdição se versar sobre a jurisdição nacional competente e é susceptível de ter um efeito atributivo de competência ou um efeito privativo de competência: “Tem um efeito atributivo quando fundamenta a competência dos tribunais de um Estado que não seriam competentes por aplicação dos critérios de competência legal. Tem um efeito privativo quando suprime a competência dos tribunais de um Estado que seriam competentes por aplicação dos critérios de competência legal[24].

À face do Código de Processo Civil Português, a violação das regras de competência internacional legal, configura uma excepção dilatória tipificada, de conhecimento oficioso, geradora de incompetência absoluta, a qual pode ser suscitada em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (cf. arts. 101.º, 102.º, n.º 1, e 494.º, al. a), do CPC revogado, e arts. 96.º, 97.º, n.º 1, e 577.º, al. a), do NCPC). Por seu turno, a violação de uma competência internacional convencional, isto é, quando a acção é proposta num tribunal diverso do escolhido pelas partes, gera, no direito interno, incompetência relativa, daí decorrendo que, quando aquela incompetência resulta de violação de pacto privativo de jurisdição, não é de conhecimento oficioso, conduzindo à absolvição do réu da instância (e não à remissão do processo para o tribunal competente) (cf. arts. 101.º, parte final, 108.º, 110.º, 111.º, n.º 3, 288.º, n.º 1, al. e), 493.º, n.º 2, e 494.º do CPC revogado, e arts. 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 102.º, 104.º, 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2, e 577.º do NCPC).

Estes, reiteram-se, os normativos vigentes no ordenamento jurídico nacional.

Estamos, porém, como se afirmou, perante uma situação jurídica transnacional, em que há elementos de estraneidade, mormente os domicílios das partes contratantes e ora litigantes.

Tratando-se de uma situação jurídica plurilocalizada, com pontos de contacto relevantes com mais de um ordenamento jurídico – na situação, o português e o inglês –, ter-se-ão de ponderar as regras da competência internacional, em particular o direito da competência internacional da União Europeia, sopesando a sua prevalência no cotejo com as regras internas, plasmadas no art. 65.º do CPC revogado, e art. 62.º do NCPC.

Recorde-se, a este respeito, o princípio do primado do direito da União Europeia, acolhido, directamente, além do mais, pelo art. 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) – “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático[25] –, ou mesmo, por remissão do actual art. 59.º do NCPC – “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais (…)”[26].

Nesta sede, importa considerar a aplicabilidade do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22/12/2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial – que veio substituir, entre os Estados-Membros, a Convenção de Bruxelas de 1968 –, directamente aplicável a todos os Estados-Membros (excluindo a Dinamarca), em conformidade com o art. 249.º do Tratado que Instituiu a Comunidade Europeia (TCE) e com o actual art. 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) (cf., ainda, os arts. 1.º e 68.º do Regulamento).[27]/[28]

Este Regulamento foi substituído, a partir do dia 10/01/2015, pelo novíssimo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2012 (cf. art. 81.º), que reformula, no espaço da União Europeia, as regras relativas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, constantes do Regulamento n.º 44/2001, que, no entanto, não é aplicável ao caso (cfr. art. 66.º do mesmo regulamento)[29].

Conforme frisa Lima Pinheiro, “o regime de competência contido no Regulamento prevalece, dentro do seu âmbito material e espacial de aplicação, sobre o regime interno[30].

No caso em apreço, importa sublinhar a ocorrência cumulativa dos diversos âmbitos – material, temporal, territorial e subjectivo – de aplicação do Regulamento n.º 44/2001; com efeito:

- o âmbito de aplicação material do Regulamento está preenchido, pois trata-se de matéria civil e não se encontra excluída por nenhuma das alíneas do art. 1.º, n.º 2;

- o âmbito temporal também está atestado, pois a acção foi intentada depois de 01/03/2002 (arts. 66.º, n.º 1, e 76.º);

- o âmbito territorial também se encontra verificado, pois a acção foi intentada em Portugal, que é um Estado-Membro da UE (art. 1.º, n.º 3);

- o âmbito de aplicação subjectivo está completado, pois o réu tem domicílio num Estado-Membro, em Inglaterra (art. 4.º, n.º 1)[31].

Destarte, sendo o Regulamento (CE) n.º 44/2001 directamente aplicável nos Estados-Membros, entre os quais se incluem Portugal e a Inglaterra, reforça-se, ter-se-á de atender à prevalência das suas normas sobre as regras de direito interno, em especial as que regulam a competência internacional (e convencional), designadamente as constantes dos arts. 62.º, 63.º e 94.º do NCPC (cf. ex-art. 249.º do TCE e actual art. 288.º do TFUE, bem como os arts. 3.°, n.º 2, e 68.º do Regulamento, 59.º do NCPC, e 8.°, n.º 4, da CRP).

É, repete-se, a regra da primazia do direito comunitário, rectius da União Europeia, e da sua prevalência sobre o direito nacional[32].

Não se olvide, de outra banda, que a interpretação uniforme do Regulamento n.º 44/2001 está confiada ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), pelos procedimentos ordinários de interpretação do direito comunitário (cf. art. 267.º do TFUE)[33]/[34].

In casu, conforme promana da factualidade apurada sob os pontos 2 a 6, as partes negociaram com base na elaboração por escrito de vários documentos, denominados Rate Swap Confirmation, Novation Confirmation, Acceptance and Understanding Sructured Interest Rate Derivatives e Amendment Agreement.

Como se aludiu no aresto sob recurso, para além destes documentos, fruto da negociação e intervenção directa das partes, elas acordaram e declararam incorporar nos mesmos um conjunto de documentos padronizados, que regulam especificamente este tipo de produto financeiro, publicados pela ISDA, sendo o conjunto de todos estes documentos, quer os directamente subscritos e/ou aceites pelas partes, quer os incorporados, que formam um acordo único e vinculativo para as partes. Assim, apesar do denominado Acordo-Quadro ISDA de 1992, enquanto contrato-quadro padronizado, contendo as condições gerais contratuais, não ser, ou não ter sido, subscrito pelas partes, o mesmo vincula-as por força da remissão expressa que para ele é feita no sentido da sua incorporação nos documentos resultantes da concreta negociação das partes[35].

Emana dos intitulados Amendment Agreement, que correspondem a acordos de alteração da anterior negociação referentes aos dois contratos swaps analisados nos autos, ter sido estabelecido que os mesmos devem ser regidos e interpretados à luz da lei inglesa (cf. pontos 5 e 6 dos factos provados). Aliás, já constava dos documentos denominados Rate Swap Confirmation, alterados pelos documentos anteriormente referidos, que os acordos celebrados se regiam sob a vigência da lei inglesa.

Por sua vez, decorre do 1992 Master Agreement a seguinte cláusula, que voltamos aqui a reproduzir, na parte pertinente:

13. Lei Aplicável e Jurisdição:

(a) Lei Aplicável: O presente acordo será regido e interpretado de acordo com a lei especificada no Anexo.

(b) Jurisdição. Em relação a cada acção judicial, acção ou processos relativos ao presente Acordo (“Processos”) cada parte irrevogavelmente: (i) aceita sujeitar-se à jurisdição dos tribunais ingleses, se o presente Acordo for designado como sujeito à lei inglesa (…)”.

A regra de ouro do Regulamento n.º 44/2001 é de que o mesmo só é aplicável quando o demandado tiver domicílio ou sede no território de um Estado-Membro vinculado por esse Regulamento (art. 4.º, n.º 1), sendo certo que, no que respeita às pessoas colectivas, consideram-se, em princípio, domiciliadas no local da sua sede social, da sua administração central ou do seu estabelecimento principal (art. 60.º). É assim irrelevante, em sede de Regulamento, a localização das sucursais ou filiais, diferentemente do que ocorre no direito pátrio (cf., a esse propósito, o art. 7.º, n.º 2, do CPC revogado e o actual art. 13.º, n.º 2, do NCPC).

Porém, o art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, que aqui importa observar e aplicar, compõe a disposição fundamental para a compreensão do papel da autonomia privada na individualização da jurisdição competente para resolver o litígio, possibilitando às partes a designação do tribunal competente para julgar um determinado pleito que as contrapõe, quando esteja preenchido o âmbito de aplicação do dito Regulamento, nos moldes a que anteriormente se aludiu, como ocorre na situação vertente[36].

O art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, constante da Secção 7, epigrafada “Extensão de competência” estabelece nos seus nºs 1 e 2:

1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou

c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado

2. Qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à « forma escrita»”.

Podem, assim, elencar-se três pressupostos, cumulativos, de admissibilidade e validade do pacto de jurisdição; a saber, que:

- pelo menos uma das partes se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro;

- o pacto atribua competência a um tribunal ou aos tribunais de um Estado-Membro; e,

- se trate de uma situação jurídica internacional.

O momento que releva para aferir o domicílio das partes é o momento da conclusão da cláusula atributiva de jurisdição[37].

No que toca à validade formal do pacto de jurisdição, exige-se um acordo de vontades entre as partes que deve ser escrito, ou sendo verbal, a sua confirmação escrita, exigindo-se, assim, para a sua validade uma “ formalidade ad substanciam “, ou que esteja em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si, ou, no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer (als. b) e c) do nº 1).

O art. 23.º estabelece, segundo Dário Moura Vicente, um regime claramente mais liberal do que aquele que vigora actualmente do direito português[38], o que assoma, de modo cristalino, do seu cotejo com o art. 99.º do CPC revogado e mesmo com o actual art. 94.º do NCPC.

Conforme frisa Lima Pinheiro, no âmbito do Regulamento 44/2001, “para se considerar o pacto de jurisdição celebrado por escrito não é necessário que conste de um documento assinado por ambas as partes. Basta que o acordo sobre a jurisdição escolhida resulte de dois documentos separados, por exemplo, uma troca de cartas ou faxes; ou que o texto do contrato faça referência a uma proposta que contém o pacto de jurisdição[39].

Em abono desta posição, veja-se o Acórdão do TJCE Estasis Salotti di Colzani v. Rüwa, de 14/12/1976, que mantém actualidade uma vez que o art. 23.º do Regulamento, no que tange à validade formal dos pactos de jurisdição, manteve a redacção do art.17.º da Convenção de Bruxelas de 1968, aditando o nº 2 relativo a comunicações por via electrónica, cuja equiparação com a forma escrita era reclamada pelo art.9.º nº 1 da Directiva sobre comércio electrónico[40].

Urge enfatizar que o Regulamento n.º 44/2001 não exige qualquer solenidade especial para a atribuição de competência judiciária, procurando fundamentalmente conciliar a autonomia privada e a celeridade que é cada vez mais premente no comércio internacional, sendo ostensivo que o disposto no art. 23.º, n.ºs 1 e 2, prevalece, pelos motivos já expostos, sobre as regras de forma de direito interno que fixem requisitos formais mais exigentes para os pactos de jurisdição[41].

No caso, porque as partes, tendo domicílio num Estado-Membro, podem convencionar que o tribunal de um Estado-Membro tem competência para decidir o litígio, e porque esse pacto respeitou a forma exigida, pois foi celebrado por escrito, ele é válido.

Nessa medida, tendo as partes derrogado, por acordo escrito, algumas das normas dos documentos incorporados na concreta negociação e não tendo afastado a norma da qual resulta a atribuição de jurisdição aos Tribunais Ingleses, que aceitaram (por via de incorporação do documento onde a mesma se encontra prevista), são aplicáveis todas as demais regras previstas nesses documentos, incluindo essa.

Considera-se, assim, que existe, ainda que por via da remissão, incorporação e aceitação do Acordo ISDA, na concreta negociação das partes, uma aceitação escrita, clara e precisa, de uma cláusula geral atributiva de competência exclusiva aos Tribunais Ingleses, encontrando-se preenchidos os pressupostos do art. 23.º, n.º 1, al. a), do Regulamento n.º 44/2001.

Aliás, o Tribunal de Justiça já decidiu que se o pacto de jurisdição se inserir num contrato, sendo apenas uma das suas cláusulas, a nulidade do contrato não afecta a validade do pacto de jurisdição (cf. Acórdão do TJCE Benincasa v. Dentalkit, de 03/07/1997) [42]/[43].

E por aqui se queda a nossa concordância com o aresto recorrido.

Com efeito, depois de concluir pela aceitação da cláusula geral atributiva de competência exclusiva aos Tribunais Ingleses, e o preenchimento dos pressupostos do art. 23.º, n.º 1, al. a), do Regulamento n.º 44/2001, num volte face inesperado, o Tribunal da Relação de Lisboa enveredou por conhecer da eventual irregularidade dessa cláusula e recorrer ao direito interno, designadamente ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, para alijar a aplicação do pacto de jurisdição no caso vertente.

Em primeiro lugar, coloca-se no processo em análise um obstáculo intransponível, e que a Relação, de forma sublime, ignorou: a autora jamais, até apresentar as alegações de recurso de apelação, suscitara no processo, mormente na petição inicial, a questão de se estar na presença de cláusulas contratuais gerais, não tendo, sequer, replicado nos autos, quando o réu sustentou a existência de um pacto de jurisdição validamente firmado pelas partes.

Ora, o art. 489.º, n.º 1, do CPC revogado, à semelhança do actual art. 573.º do NCPC, enuncia o princípio da concentração da defesa na contestação ao prescrever que toda ela deve ser deduzida nesse articulado, com excepção dos incidentes que a lei mande deduzir em separado. O n.º 2 prevê a defesa superveniente: depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.

Por sua vez, de acordo com o preceituado no art. 502.º do CPC, vigente à data da instauração da acção, a réplica podia ter lugar, além do mais, para responder a alguma excepção, de direito processual ou substantivo, suscitada pelo réu na contestação.

Ora, como já então escrevia Lebre de Freitas: “O autor tem também o ónus de deduzir na réplica as contra-excepções (excepções às excepções deduzidas pela parte contrária) que tenha a opor à contestação, alegando os factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos efeitos alegados pelo réu em sede de excepção, com sujeição à preclusão do art. 489 [44].

No caso presente, a autora poderia ter replicado, designadamente arguindo a questão da não verificação de qualquer excepção de incompetência do tribunal, como pugnou o réu, e logo aí suscitando a problemática da eventual violação da LCCG, mas quedou-se inerte.

Por isso, no rigor dos termos, o objecto do processo ficou definido e cristalizou-se nos articulados principais (pedido, causa de pedir e excepções), não podendo ser alterado nos articulados complementares – princípio da proibição da mutatio libellis – e, salvo no caso de articulado superveniente, as alegações das partes, subsequentes aos articulados principais, não podem, em caso algum, implicar uma mudança no objecto fixado na demanda.

Esta tem sido, sem variações, a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, tal como decorre, por exemplo, dos recentes Acórdãos de 29/01/2014, e de 13/05/2014[45].

Sendo assim, a questão da aplicação da LCCG não podia sequer ter sido conhecida pelo tribunal de recurso.

Porém, avançando para o âmago do recurso, colocam-se várias questões que conduzem, de forma necessária, à sua revogação.

O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais surgiu no ordenamento jurídico nacional com o DL n.º 446/85, de 25/10, o qual viria a sofrer algumas alterações, por força da Directiva n.º 93/13/CE, do Conselho, de 05/04, atinente às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, através do DL n.º 220/95, de 31/08, sendo ainda objecto de duas novas alterações legislativas introduzidas pelos DL n.ºs 249/99, de 07/07, e 322/2001, de 17/12.

De forma conclusiva, e sem explicitar de forma curial o seu raciocínio, escreveu-se no aresto recorrido, na parte que aqui releva: “ (…) nos termos do n.º 3 do artigo 1.º deste diploma (refere-se à LCCG), o ónus de prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem dela pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.

O réu BB não alegou na contestação que o pacto de jurisdição atributivo de jurisdição dos Tribunais Ingleses tenha decorrido na sequência de uma concreta e prévia negociação sobre essa matéria. O que alegou foi que, nas concretas negociações estabelecidas entre as partes, foi incorporada uma cláusula atributiva de jurisdição que se encontra pré-estabelecida no contrato-quadro denominado ISDA, o que se afigura ser substancialmente diverso”.

E, prosseguiu-se: “Uma coisa é ter havido adesão à cláusula pré-formulada, aceitando as partes a mesma e, nesse pressuposto, ser válida à luz do artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001, por veicular um pacto jurisdicional; outra, totalmente diversa, é ter havido uma concreta negociação sobre o conteúdo da referida cláusula.

 Alegou, contudo, que a recorrente recebeu o “...(Multicurrency-Cross Border”), na versão inglesa e na versão portuguesa (artigo 22.º da contestação), tendo a recorrente declarado que compreendeu o conteúdo da documentação, conforme consta dos documentos intitulados “Acceptance and Understanding Structered Interest Derivatives” (artigo 23.º da contestação), factos estes não impugnados pela ora recorrente.

 Competia ao réu BB, por ser um facto constitutivo do seu direito, o ónus de alegar e provar a existência de prévia negociação, não se satisfazendo o cumprimento desse ónus com a mera alegação de que a cláusula consta de um documento incorporado no contrato (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil)”.

Salvo o devido e muito respeito, discorda-se frontalmente deste enquadramento jurídico da questão.

Como explicita Menezes Cordeiro, ao analisar o regime da LCCG: “A exigência de falta de prévia negociação é um elemento necessário e autónomo, que deve ser invocado e demonstrado”[46]. Ou seja, é ao aderente que compete demonstrar, em primeira mão, que se está perante um contrato de adesão, de acordo com as regras gerais do ónus da prova constantes do art. 342.º do CC.

Analogamente expendeu-se no Acórdão do STJ, de 10/05/2007, que a razão de ser desse ónus é compreensível: “Em todas as cláusulas contratuais, a parte a quem não agradasse o respectivo cumprimento, invocava que as cláusulas dum contrato que lhe não convinham haviam sido redigidas, sem negociação prévia e com características de indeterminação e, só por aí, atirava para cima da contraparte ónus de prova terríveis, cominados com o afastamento das mesmas cláusulas. Na prática, um modo fácil de não cumprir, legalmente, contratos. O que também é inaceitável[47]

Na mesma linha, vejam-se também, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 24/02/2005, Proc. n.º 04B4826, de 25/05/2006, Proc. n.º 06B1016, e, mais recentemente, de 18/02/2014, Proc. n.º 1630/06.2YRCBR.C2.S1 (no qual se discutiu a validade de uma cláusula arbitral que pretensamente configurava uma cláusula contratual geral)[48].

Nesta consonância, e contrariamente ao que se afirma no Acórdão recorrido, previamente à apreciação da validade das alegadas cláusulas contratuais gerais, à luz do regime jurídico da LCCG, tinha de ocorrer a demonstração probatória, a cargo da parte que queria beneficiar da aplicação desse regime (com vista, em especial, a obter a declaração de invalidade dessa cláusula) – isso é, da autora/recorrida –, de que se estava em terreno próprio destas, nos moldes do art. 342.º, n.º 1, do CC [49].

Mas há mais razões que militam para a revogação do decidido pela Relação de Lisboa, mesmo que se entendesse que nos movíamos na área das cláusulas contratuais gerais.

Com efeito, o acordo escrito que consubstancia o pacto de jurisdição pode resultar, inequivocamente, de uma referência a cláusulas contratuais gerais.

Nas palavras de Lima Pinheiro: “Neste caso, é necessário que o texto contratual subscrito por ambas as partes remeta expressamente para as cláusulas contratuais gerais, mas já não se exige uma referência expressa à cláusula de jurisdição. Também é suficiente que o texto contratual faça referência a uma proposta que remeta expressamente para as cláusulas contratuais gerais, desde que esta remissão seja “susceptível de ser controlada por uma parte que empregue uma diligência normal” e se for demonstrado que as cláusulas contratuais gerais tenham sido efectivamente comunicadas à outra parte juntamente com a proposta[50].

Como igualmente diz Sofia Henriques: “É necessário, assim, determinar se as condições gerais foram efectivamente comunicadas pelo seu autor ao seu co-contratante, pelo menos no momento da assinatura do contrato principal que remete expressamente para as condições gerais[51].

Nessa situação o que o TJCE considerou – designadamente no já citado Acórdão do Estasis Salotti di Colzani v. Rüwa[52] é que se o pacto constar de cláusulas contratuais gerais é necessário a sua referência ou remissão expressa, no contrato assinado pelas partes, para que o contraente, com diligência normal, constate a sua existência, mesmo que as cláusulas gerais figurem no verso do documento assinado.

Pois bem, da leitura dos documentos insertos no processo, e que estão plenamente aceites pelas partes, ressalta que, segundo a convenção constante da Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement, a determinação da existência ou não de um pacto de jurisdição e, em caso afirmativo, de qual o foro eleito pelas partes, encontra-se totalmente dependente da escolha da lei que rege o contrato. Ou seja, nos termos do ISDA Master Agreement era às partes que cabia decidir se pretendiam ou não tornar eficaz o pacto de jurisdição constante da Secção 13 (b) (i).

In casu, a escolha da lei que rege os contratos encontra-se plasmada na Rate Swap Confirmation (facto provado nº 2), as quais mais não são que as condições individuais concretamente acordadas entre as partes, ou seja, são condições contratuais por natureza objecto de negociação entre as partes, tal como aconteceu nos presentes autos, pelo que tendo o Banco recorrente (réu) e a recorrida (autora) negociado e, em consequência de tal negociação, optado por escolher a lei inglesa como lei reguladora dos Contratos e sendo tal escolha determinante para tornar eficaz o pacto de jurisdição, nos termos da Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement, não pode senão considerar-se que o mesmo foi efectivamente objecto de negociação entre as partes ou que, no mínimo, a recorrida poderia, com um mínimo de diligência normal, constatar a sua existência.

Em síntese, na Rate Swap Confirmation as partes cristalizaram a confirmação dos termos do contrato-quadro – “(…) esta confirmação, juntamente com todas as outras confirmações referentes ao Formulário ISDA que confirmem transacções entre nós, serão suplemento a, farão parte de, e estarão sujeitas a um acordo na forma de Formulário ISDA tal como se tivéssemos celebrado um acordo em tal forma (mas sem calendário) na data da transacção da primeira transacção do tipo entre nós, sob a vigência da lei inglesa, sendo a moeda de terminação GBP e incluída a secção 6 (f) assim as disposições da secção V (A) do Guia do utilizador ISDA do Acordo Principal de 1992 (...)”.

Tanto basta, para concluir pela plena validade da cláusula continente do pacto de jurisdição, mesmo que se considerasse que a mesma consubstanciava uma cláusula contratual geral.

Mas continuemos…

A Relação decidiu, outrossim, no pressuposto da aplicabilidade da LCCG, que “a distância da sede da apelante em relação foro estabelecido, num país estrangeiro, em que prevalece um sistema juridicamente diametralmente oposto ao vigente no país da nacionalidade e sede da parte aderente, litigando contra uma entidade bancária de nacionalidade e com sede nesse país estrangeiro, cria graves inconvenientes e é potencialmente dissuasora do recurso aos tribunais pelos aderentes que não sejam nacionais ou não tenha sede ou representação nesse país estrangeiro.

Donde se conclui que a cláusula em apreço é relativamente proibida e, consequentemente, nula (artigos 12.º e 19.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 446/85)”.

Aqui não pode deixar de ser maior a nossa discordância, sendo certo que esta decisão sindicada, a vingar, acabaria por afectar, de forma irreversível, o próprio espírito que preside ao Regulamento n.º 44/2001 e, em especial, ao art. 23.º.

Importa salvaguardar, prima facie, que o TJCE considerou, a propósito da norma similar constante do art. 17.º da Convenção de Bruxelas – sendo essa jurisprudência extensível ao art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001[53] –, que a noção de pacto de jurisdição é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados-Membros (cf. Acórdão do TJCE Powell Doffryn v. Wolfang Petereit, de 10/03/1992)[54].

Este mesmo princípio tem sido várias vezes reiterado, e foi-o, recentemente, no Acórdão do TJUE Refcomp SpA v. Axa Corporate Solutions Assurance S.A. e outros, de 07/02/2013, em cujo ponto 40 se adverte que o conceito de pacto privativo de jurisdição deve ser interpretado como um conceito autónomo e dar ao princípio da autonomia da vontade, no qual se fundamenta o art. 23.º, n.º 1, do Regulamento n.º 44/2001, a sua plena aplicação[55].

Por seu turno, ainda segundo a jurisprudência do TJUE, que, recorda-se, é lapidar para a uniformização do Direito da União Europeia, é ponto assente que o art. 23.º assume carácter exclusivo na apreciação da validade dos pactos de jurisdição submetidos à aplicação do Regulamento n.º 44/2001.

Neste sentido, veja-se o importante Acórdão do TJCE Trasporti Castelletti Spedizioni Internazionali SpA v. Hugo Trumpy SpA, de 16/03/1999[56], que se debruçou sobre a norma paralela do art. 17.º da Convenção, e inúmeras vezes citado, em cujas considerações decisórias, aqui pertinentes (e que se reproduzem), se exarou:

“ (…) 48. Tal como o Tribunal de Justiça afirmou em diversas ocasiões, obedece ao espírito de segurança jurídica, que constitui um dos objectivos da convenção, o facto de o juiz nacional a quem foi submetida a questão poder facilmente pronunciar-se sobre a sua própria competência com base nas regras da convenção, sem ser obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito (acórdãos de 22 de Março de 1983, Peters, 34/82, Recueil, p. 987, n.° 17; de 29 de Junho de 1994, Custom Made Commercial, C-288/92, Colect., p. 1-2913, n.° 20; e Benincasa, já referido, n.° 27). Nos n.ºs 28 e 29 do acórdão Benincasa, já referido, o Tribunal de Justiça precisou que esta preocupação de garantir a segurança jurídica através da possibilidade de prever com segurança o foro competente foi interpretada, no âmbito do artigo 17.° da convenção, através da fixação de condições de forma estritas, tendo esta disposição por objectivo designar, de forma clara e precisa, um tribunal de um Estado contratante a quem é atribuída competência exclusiva em conformidade com o consenso das partes.

49. Resulta do exposto que a escolha do tribunal designado só pode ser apreciada à luz de considerações ligadas às exigências estabelecidas pelo artigo 17.°

50. Foi por estas razões que o Tribunal de Justiça concluiu em várias ocasiões que o artigo 17.° da convenção abstrai de qualquer elemento objectivo de conexão entre a relação controvertida e o tribunal designado (acórdãos de 17 de Janeiro de 1980, Zeiger, 56/79, Recueil, p. 89, n.° 4; MSG, já referido, n.° 34; e Benincasa, já referido, n.° 28).

51. Pelas mesmas razões, numa situação como a dos autos no processo principal, deve excluir-se o controlo suplementar do mérito da cláusula e do objectivo prosseguido pela parte que a inseriu, e não pode ser reconhecida qualquer incidência, quanto à validade da referida cláusula, das normas substantivas em matéria de responsabilidade aplicáveis no tribunal escolhido.

52. Deve, por consequência, responder-se às terceira, sétima e sexta questões que o artigo 17.°, primeiro parágrafo, segunda frase, terceira hipótese, da convenção deve ser interpretado no sentido de que a escolha do tribunal designado numa cláusula atributiva de jurisdição só pode ser apreciada à luz de considerações ligadas às exigências estabelecidas pelo artigo 17.° da convenção. São estranhas a estas exigências quaisquer considerações relativas aos elementos de conexão entre o tribunal designado e a relação controvertida, ao mérito da causa e às normas substantivas em matéria de responsabilidade aplicáveis no tribunal escolhido” .

A orientação do TJUE é, pois, categórica e inequívoca no sentido dos requisitos de validade do pacto de jurisdição só serem aqueles que estão vertidos no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001.

Isto mesmo é enfatizado por Sofia Henriques: “O Regulamento comunitário, tal como acontecia na Convenção de Bruxelas, não exige, nos pactos de jurisdição, qualquer conexão entre o tribunal escolhido pelas partes e a relação litigiosa, nem a adequação ou justificação da escolha do tribunal.

 Na verdade, diferentemente do que acontece no nosso direito interno, (…) o Regulamento não exige o controlo dos fundamentos da atribuição de competência ao tribunal escolhido, pelo que as partes poderão escolher um qualquer foro competente, independentemente das razões que fundamentam essa escolha[57].

Destarte, é irrelevante para esse efeito fazer qualquer tipo de apreciação da validade do pacto de jurisdição à luz do direito interno do respectivo Estado-Membro.

E, assim sendo, para que a escolha do tribunal seja válida é desnecessário que exista qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado.

Aliás, parece ostensivo, sempre que as partes atribuem, através de uma pacto de jurisdição, competência a um tribunal estrangeiro, o qual se situa forçosamente noutro Estado-Membro, ocorrerá sempre o inconveniente, pelo menos para uma delas, de esse tribunal ser distante da respectiva sede.

Adicionalmente, mesmo que se pondere que nos deparamos com uma cláusula contratual geral, tem se atender ao facto de a autora/recorrida ser uma sociedade comercial que se dedica à fabricação de produtos de papel e alimentares, e, por isso mesmo, uma entidade com natureza empresarial e não um mero consumidor individual.

Ora, nessa circunstância, inexiste qualquer disposição de Direito da União Europeia que deva ser respeitada, ao abrigo do art. 67.º do Regulamento, pelo que a validade do pacto de jurisdição é aferida exclusivamente pelo disposto no art. 23.º do Regulamento.

Só assim não seria se a cláusula contratual geral estivesse integrada num contrato celebrado com um consumidor, pois, nessa circunstância, decorre do art. 67.º do Regulamento, de forma indirecta, que se impõe a consideração do disposto na Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 05/04/1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – cf., v.g., art. 3.º, n.º 3 da Directiva e n.º 1, al. q), do Anexo à Directiva (pode ser abusiva a cláusula que suprima ou entrave a possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso por parte do consumidor)[58].

Em todo o caso, mesmo aventando que o pacto de jurisdição constava de uma cláusula contratual geral e que se considerasse que o contrato foi outorgado em Portugal, constando as cláusulas em apreço de dois contratos de swap celebrados entre empresários ou entidades equiparadas (para utilizar a terminologia da Secção II LCCG), nunca seria de aplicar a Directiva 93/13/CEE – ou o regime do art. 21.º da LCCG (que está inserido na Secção III reportada aos consumidores finais) – por não estar em causa qualquer consumidor.

Acrescenta-se, também, e como já antes se demonstrou, que jamais seria de recorrer ao art. 19.º, al. g), da LCCG, por se tratar de um normativo de direito interno, não resultante do direito europeu, o qual é insusceptível de prevalecer sobre o regime do art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001.

Em resumo: a validade do pacto de jurisdição constante de uma cláusula contratual geral integrada num contrato celebrado entre um empresário ou entidade equiparada é analisada, exclusivamente, segundo o disposto no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001.

Para terminar, quanto à suposta infracção do dever de informação, remetendo para os arts. 5.º a 7.º da LCCG, e a consequente sanção de exclusão prevista no art. 8.º, al. b), por violação do dever de informação – e abstraindo do que antes se referiu quanto à inaplicabilidade da LCCG –, não se compreende, de todo, a decisão da Relação, quando nela se consigna: “Quanto ao ónus de comunicação, o apelado cumpriu o respetivo ónus de alegação na contestação, nos termos acima referenciados, e tal matéria encontra-se provada por a autora, ora apelante, não ter apresentado réplica sobre a matéria da arguição da exceção de incompetência do tribunal (artigo 490.º do CPC 1961, com correspondência no artigo 574.º do CPC 2013). Já em relação ao dever de informação, dos factos alegados não resulta que tal dever tenha sido cumprido, já que o réu BB nada alegou nesse sentido, pelo que também não poderia provar. Sendo assim, a questão tem der decidida contra si (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 516.º do CPC 1961, com correspondência no artigo 414.º do CPC 2013).

O dever de informação, a que alude o art. 6.º da LCCG, tem duas componentes: o n.º 1 reporta-se ao dever de, espontaneamente, prestar esclarecimentos (aclaração), isto é, pressupõe a iniciativa do predisponente que apresenta cláusulas contratuais gerais, em diligenciar para que sejam aclarados os aspectos que se justifiquem, ao passo que o n.º 2 se reporta a um dever de resposta, dever de responder às solicitações que lhe sejam dirigidas pelo aderente relativas a esclarecimentos razoáveis. Por outro lado, o conteúdo do dever de informação é variável, sendo de considerar a existência ou não de um relacionamento contratual anterior entre as partes, e o facto de se estar perante uma empresa ou um simples consumidor[59].

Recorde-se que está provado que a autora recebeu a versão portuguesa e inglesa do ISDA Master Agreement, do qual consta o pacto de jurisdição sub Júdice, e declarou ter compreendido o conteúdo de tal documentação (cf. arts. 22 e 23 da contestação e o teor dos documentos n.ºs 7 e 8 juntos à mesma).

De harmonia com o explanado, não tendo a recorrida invocado que o Banco recorrente houvesse violado o dever de informação[60] que sobre si impendia, por força do mencionado art. 6.º da LCCG, em qualquer das vertentes assinaladas, mormente no que se refere à cláusula relativa ao pacto de jurisdição, não tendo a autora cumprido o ónus de alegação que sobre si impendia, não tinha o réu de fazer prova de que cumpriu adequadamente aquele dever de informação, o que afasta, de todo, a conclusão do acórdão recorrido no sentido de que “a cláusula atributiva de jurisdição aos Tribunais Ingleses deve ser excluída do contrato por violação do dever de informação, mantendo-se o demais convencionado (artigos 1.º, 6.º, 8.º, alínea b), 9.º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10). O vício em causa determina a inexistência da cláusula que logicamente prevalece sobre a nulidade da mesma”.

Tem, pois, razão o réu/recorrente ao pugnar pela plena validade do pacto de jurisdição acordado e vertido nos contratos de swap apostos nestes autos.

Aqui chegados, é tempo de dizer que o pacto de jurisdição privativo, subsumível ao art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, ao atribuir competência exclusiva ao tribunal escolhido pelas partes – o inglês, in casu –, e afastar as regras dos arts. 2.º e segs. desse Regulamento, não só permite que o tribunal conheça oficiosamente da preterição do pacto – na eventualidade do requerido ser domiciliado no território de um Estado-Membro e não comparecer em juízo, de harmonia com a regra do art. 25.º, não relevando se foram eventualmente respeitadas as competências legais, que foram afastadas por vontade das partes[61] -, da mesma forma que, evidentemente, possibilita aquela apreciação judicial, mediante arguição da parte interessada que seja prejudicada pela preterição de tal pacto, como ocorre na circunstância.

É de afastar, por conseguinte, a aplicação do art. 99.º do CPC revogado, ou do actual art. 94.º do NCPC, na avaliação dos requisitos formais e substanciais de tal pacto de jurisdição, que apenas se aplica quando nenhuma das partes tenha domicílio do território de um Estado-Membro ou de um Estado contratante e/ou as partes tenham escolhido os tribunais de um Estado terceiro, por estar plenamente preenchido o âmbito de aplicação do art. 23.º do Regulamento, cujos preceitos, como se viu, prevalecem sobre as normas de direito interno dos Estados-Membros[62].

Impõe-se, assim, a revogação do Acórdão de 10/04/2014 e a procedência da revista.



Resta sumariar, cumprindo o disposto no nº 7 do art. 663.º do NCPC:

- O princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efectuada.

- É usual a utilização, no âmbito dos contratos de swap, de um contrato-tipo (master agreement), contendo a definição do regime geral para as sucessivas transacções acordadas entre as partes, e que ocorram, previsivelmente, no futuro, e em que, além do mais, é consagrado um pacto de jurisdição, o qual é susceptível de, mediante instrumento particular celebrado pelas partes, integrar a relação contratual.

- Perante uma situação jurídica plurilocalizada e transnacional, tem de se atender às regras da competência internacional e, particularmente, quando envolva Portugal e algum dos Estados-Membros da União Europeia, ao direito da competência internacional da União Europeia, constante do Regulamento (CE) n.º 44/2001, e desde 10/01/2015, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012) – cf. art. 8.º, n.º 4, da CRP.

- A interpretação uniforme daqueles Regulamentos está confiada ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), pelos procedimentos ordinários de interpretação do direito comunitário – cf. art. 267.º do TFUE.

- O Regulamento n.º 44/2001 não exige qualquer solenidade especial para a atribuição de competência judiciária e o regime do seu art. 23.º prevalece sobre as regras de forma de direito interno que fixem requisitos formais mais exigentes para os pactos de jurisdição.

- A noção de pacto de jurisdição, vertida no Regulamento n.º 44/2001 é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados-Membros e deve ser interpretada como um conceito autónomo.

- Perante o regime do Regulamento n.º 44/2001, para que a escolha do tribunal seja válida é desnecessário que exista qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado.

- É à parte que quer beneficiar da aplicação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais que compete, em concreto, alegar e provar que está perante aquela tipologia de cláusulas, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC.

- A validade do pacto de jurisdição, constante de uma cláusula contratual geral, integrada num contrato celebrado entre um empresário ou entidade equiparada, é analisada, exclusivamente, segundo o disposto no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, sendo inaplicável o regime jurídico interno das cláusulas contratuais gerais.


III – DECISÃO


Pelos motivos expostos, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça em:

- Julgar improcedente a revista, relativamente ao Acórdão da Relação de 01/07/2014;

- Julgar procedente a revista, no que se reporta ao Acórdão da Relação de 10/04/2014, revogando a decisão recorrida, declarando a validade do pacto de jurisdição em discussão nos autos, e, consequentemente, a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses para conhecer e decidir o litígio, absolvendo o réu desta instância.

As custas processuais ficam a cargo da autora/recorrida e do réu/recorrente, na proporção dos decaimentos, que se fixam em 60% para a recorrida e 40% para o recorrente, nos termos do art. 527.º, n.ºs. 1 e 2, do NCPC.

                                              

                                               Lisboa, 11/02/15

Gregório Silva Jesus (Relator)

Martins de Sousa

Gabriel Catarino

__________________
[1] Relator: Gregório Silva Jesus - Adjuntos: Conselheiros Martins de Sousa e Gabriel Catarino.
[2] Aqui aplicável atentas as datas de instauração da acção, 23/04/12, e dos acórdãos recorridos, 10/04/2014 e 01/07/2014 (cfr. art. 7.º, nº 1 da Lei nº 41/2013 de 26/06).
[3] Recorda-se que no Acórdão de 01/07/2014 a Relação pronunciou-se sobre a nulidade arguida pelo réu/recorrente em requerimento autónomo (a), visando a sua anterior deliberação de 10/04/2014, tendo considerado não se registar tal nulidade processual.
[4] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., 2014, págs. 18/19.

[5] Este preceito legal conserva a mesma redacção que já constava do CPC revogado e que fora introduzida pelo DL n.º 329-A/95 e aperfeiçoada pelo DL n.º 120/96.
[6] Proferido no Proc. n.º 233/2000.C2.S1, desta 1.ª Secção, e publicado na base de dados do IGFEJ, tal como os demais que se mencionarem sem referência em contrário.

[7] Como se dá notícia no citado Acórdão, o direito ao contraditório (Rechtliches Gehör), no direito alemão, constitui um direito fundamental, baseado na dignidade da personalidade humana, e está consagrado no art. 103.º, I, da Constituição Alemã. Este princípio constitucional tem seguimento nos § 139, n.º 2, e § 278, n.º 3, do Zivilprozessordnung (CPC alemão), não existindo entre nós preceito correspondente ao § 139 do ZPO (cf., outrossim, o Acórdão do STJ, de 04/06/2009, Proc. n.º 09B0523).

[8] Cf. Lebre de Freitas, op. cit., pág. 9.

[9] Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, 3.ª ed., 2013, págs. 124/125: “O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo” (pág. 125).

[10] Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª ed., 2004, pág. 33.
[11] Proc. n.º  2005/03.0TVLSB.L1.S1, em que foi relator o 2.º Adjunto deste aresto.
[12] Porque deriva de outro, estando o valor do primeiro relacionado com o valor do segundo. “Por exemplo, um swap de taxa de juro deriva de um mútuo que lhe é subjacente” (Helder Mourato, “O Contrato de Swap de Taxa de Juro”, 2014, Almedina, pág. 18).
[13] Por negociado fora da Bolsa
[14] Cf. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II – Conteúdo. Contratos de Troca, 2012, 3.ª ed., págs. 134/135. Segundo este autor, pode-se definir esta modalidade contratual da seguinte forma: “Swap é o contrato pelo qual as partes se obrigam reciprocamente a pagar, em data futura ou em sucessivas datas, o montante das obrigações da outra parte ou o produto da cobrança dos seus próprios créditos, tomando como referência passivos ou activos, reais ou nocionais, assim como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a pagar à outra a diferença em seu desfavor apurada pelo cálculo dos valores daquelas obrigações ou daqueles créditos”.
[15] Hélder Mourato caracteriza o swap de taxas de juro como um “contrato a prazo, oneroso, consensual e meramente obrigacional, sinalagmático (“em sentido amplo”), em princípio não intuitu personae, e, por certo, aleatório” (ob. cit. págs. 49/64).
[16] Cf., entre outros, Pedro Boullosa Gonzales, “Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica, e João Cantiga Esteves, “Contratos de Swap Revisitados”, in “Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários” , n.º 44, Abril de 2013, respectivamente, págs. 10/28 e 71/84, disponíveis para consulta em http://www.cmvm.pt/CMVM/Publicacoes/Cadernos/Pages/N%C2%BA44-Abril2013.aspx.
[17] Cfr. Helder Mourato, ob. cit., págs. 85/88.
[18] Designadamente, prazo de duração do contrato, datas de liquidação de cada uma das prestações a efectuar, valor do capital base convencional e taxas de juro a aplicar a cada uma das prestações.
[19] Para uma análise mais exaustiva do negócio jurídico em apreço, de que aqui prescindimos por o presente litígio não incidir sobre o seu conceito e modalidade, vide José Engrácia Antunes, “Os Instrumentos Financeiros”, Almedina, 2009, pág. 167 e segs., e “Os Derivados”, in Cadernos do Mercado de Valores Imobiliário, nº 30, págs. 118/119; Menezes Cordeiro, “Direito Bancário”, 2014, Almedina, págs. 877 e segs.; Helder Mourato , ob. cit; Maria Clara Calheiros, O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global, in Cadernos de Direito Privado, nº 42 (Abril /Junho 2013), págs. 3/13, e in O Contrato de Swap”, Coimbra Editora, 2000, págs. 78 e segs.. Segundo esta autora, nesta obra, pág. 143, o contrato quadro trata-se “de um contrato pelo qual as partes visam regular uma corrente de negócios a estabelecer entre ambas, simplificando desta forma o desenvolvimento ulterior das suas relações. Por outro lado, desse contrato quadro surge “a criação de uma relação jurídica que perdura no tempo, isto é, um laço obrigacional que não se esgota numa só prestação; a detenção de um certo carácter normativo, na medida em que se destina a regular antecipada e obrigatoriamente as estipulações dos contratos a serem celebrados, no futuro, entre as mesmas partes (…)” (idem, pág. 147).
[20] Novamente, Maria Clara Calheiros, op. cit., pág. 148 e segs. Porém, só com a conclusão ulterior de contratos de aplicação ou executórios relativamente a cada operação individual de swap se criará um vínculo contratual pleno (idem, pág. 149).
[21] In Anotação ao Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Março de 2013 (Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta), na RLJ, Ano 142.º, 2013, pág. 257.
[22] A ISDA – inicialmente, International Swaps Dealers Association, depois International Swaps and Derivates Association é uma associação internacional, sedeada em Nova Iorque, desde 1985, que tem por objectivo a uniformização da documentação dos swaps e das regras contabilísticas, bem como a representação dos seus associados perante as autoridades de supervisão e autoridades fiscais, que criou modelos-padrão de contratação swap, adoptáveis por operadores em todo o mundo: em 1987, criou os modelos de contrato-tipo Interest Rate Swap Agreement – destinado aos swaps de taxa de juros, em dólares, e submetido à lei do Estado de Nova Iorque – e o Interest Rate Currency Exchange Agreement – concebido para os swaps combinados de divisas e taxas de juro (e swaps de divisa simples), podendo ser submetido àquela lei ou à lei inglesa, de acordo com a vontade das partes -, a que se seguiram em 1992, 2002 e 2006 novas versões do Master Agreement (cf. Maria Clara Calheiros, op. cit., pág. 155 e segs., e Calvão da Silva, op. cit., pág. 238 e segs. (em especial, págs. 254/258)).
[23] Nas palavras de Calvão da Silva: “A ISDA preenche com o seu “Master Agreement” o espaço que os legisladores internacionais, supranacionais e nacionais deliberadamente deixam à autonomia privada e liberdade contratual das partes neste campo de inovação financeira que pululou a partir dos anos 80 do século passado, com especial destaque para os instrumentos financeiros derivados (de primitivas, ditas activos subjacentes, como créditos, valores mobiliários, divisas, taxas de juro, índices financeiros, mercadorias, tarifas de fretes, etc, etc).”. Por outro lado, “O “Master Agreement” desempenha (mais) a função de “contrato – normativo”: estabelece as normas destinadas a disciplinar os contratos que ao abrigo dele e sucessivamente as partes queiram celebrar” (op. cit., págs. 255 e 256).
[24] Lima Pinheiro, “Direito Internacional Privado – Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras”, Vol. III, 2012, 2.ª ed., pág. 192. O pacto de jurisdição, ainda na lição deste autor, constitui um negócio jurídico-processual, visto que produz efeitos essencialmente processuais (pág. 305).
[25] No que tange à problemática da relação entre o Direito comunitário derivado e a CRP tem-se registado forte divergência doutrinal, em Portugal, conforme dão nota Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2.ª ed., 2010, págs. 172 e segs., “desde aqueles que adoptam uma posição de aceitação sem limites do primado do Direito da União Europeia (Freitas do Amaral, Fausto de Quadros, Ana Maria Guerra Martins, Rui Moura Ramos) àqueles que vêem nesse preceito ainda o reconhecimento do primado da Constituição (Miguel Galvão Telles, Blanco de Morais, João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos) e àqueles que apenas consideram um primado aplicativo daquele preceito (Gomes Canotilho, Vital Moreira, Jónatas Machado, Wladimir Brito)”.
[26] Perante a norma do art. 61.º do CPC revogado, Lebre de Freitas escrevia  in Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1.º, 2ª ed., pág. 130: “Além de receberem competência do art. 65.º, para a qual o preceito anotado remete, os tribunais portugueses recebem-na também de regulamentos comunitários e convenções internacionais que, no seu campo específico de aplicação, prevalecem sobre as normas processuais portuguesas, nomeadamente sobre as normas reguladoras da competência internacional constantes do Código”.
[27] Com a publicação do Regulamento n.º 44/2001 no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (cf. JO L 12 de 16/01/2001) o mesmo passou a ser directamente aplicável nos Estados-Membros, tendo a sua publicação sido entretanto alargada aos Estados que se tornaram mais tarde membros da União Europeia (cf., também, JO L 236, de 23/09/2003).
[28] Segundo Fausto Pocar – Direito Civil – Cooperação Judiciária Europeia, “Consilium”, 2013 – “O Regulamento Bruxelas I apresenta-se, pois, como um momento fundamental para a criação de um verdadeiro espaço judiciário europeu, sem barreiras entre os Estados-Membros. Não é por acaso que a Convenção de Bruxelas já tinha sido definida como um instrumento federativo, definição essa que vale ainda mais para o Regulamento”.
[29] Publicado no JO L 351, de 20/12/2012.
[30] Op. cit., pág. 92.
[31] Como se exarou no Acórdão recorrido, correctamente, o regime interno é apenas aplicável fora da esfera de aplicação do Regulamento ou quando este para aí remeta, isto é, nas matérias civis excluídas do âmbito material de aplicação do Regulamento (estado, capacidade das pessoas singulares, regimes matrimoniais, falências, etc.) e nas matérias incluídas no âmbito material de aplicação do Regulamento, mas que não sejam abrangidas por uma competência exclusiva legal ou convencional, quando o requerido não tiver domicílio no território de um Estado Contratante Membro.
[32] Cf., ainda a este respeito, o Acórdão desta formação e relator, de 14/10/2014, Proc. n.º 147/13.3TVPRT-A.C1.S1, e a doutrina e jurisprudência aí citadas.
[33] É a seguinte a redacção do art. 267.º do TFUE (ex-art. 234.º do TCE):
O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível”.
[34] Ademais, a Convenção de Bruxelas de 1968, a que se seguiu um Protocolo, assinado no Luxemburgo em 03/06/1971, entrado em vigor em 01/09/1975 – cf. JO C 27 de 26/01/1998 (última versão do texto do Protocolo) –, atribuiu ao TJUE competência para interpretar a Convenção a título prejudicial, a pedido dos tribunais nacionais de recurso ou de última instância.
[35] A autora, ora recorrida nesta revista, subscreveu vários documentos, donde decorre, em termos conjugados, a declaração escrita de incorporação daquele contrato-padrão e das respectivas definições: vejam-se, assim, os documentos denominados Rate Swap Confirmation, Acceptance and Understanding Structered Interest Derivatives, Novation Confirmation e Amendment Agreement.
[36] Importa, igualmente, atender ao Considerando 11 do Regulamento n.º 44/2001: “As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular-se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, excepto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas colectivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar conflitos de jurisdição”.
[37] Cfr. Sofia Henriques, “Os Pactos de Jurisdição no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, 2006, págs. 32 e 38.
[38] Cfr. “Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001, “Scientia Iuridica””, Tomo LI, n.º 293, pág. 369.
[39] Op. cit., pág. 198.
[40] Proc. n.º 24/76, de 14/12/1976, publicado na íntegra em  http://eur-lex.europa.eu.
[41] Novamente, Sofia Henriques, op. cit., págs. 62/63.
[42] Proc. n.º C-269/95, acessível em texto integral em http://curia.europa.eu, em cujo ponto II, da parte decisória, se exarou: “O órgão jurisdicional de um Estado contratante, designado num pacto atributivo de jurisdição validamente celebrado na perspectiva do artigo 17.°, primeiro parágrafo, da Convenção de 27 de Setembro de 1968, também tem competência exclusiva quando a acção visa, nomeadamente, a declaração de nulidade do contrato onde se inscreve a referida cláusula”.
[43] De resto esta posição foi acolhida, de forma expressa, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste STJ, de 28/02/2008 – publicado no DR I Série, n.º 66, de 03/04/2008 –, em se que se exarou, no segmento uniformizador: “A cláusula de atribuição de jurisdição inserida num contrato de agência mantém-se em vigor para todas as questões de natureza cível, mesmo que relativas ao respectivo regime de cessação”.
[44] InCódigo de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 2ª ed., pág. 360.
[45] Processos n.ºs 5509/10.5TBBRG-A.G1.S1 e 16842/04.5TJPRT.P1.S1, respectivamente.
[46] Cf. “Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral”, Tomo I, pág. 615, onde se cita o Acórdão da Relação de Lisboa de 09/05/1996 (CJ XXI, pp. 84-86), no qual se decidiu – e bem – que o facto de um contrato ter sido outorgado com base num impresso pré-formulado constitui elemento insuficiente para provar que se tratava de um contrato de adesão.
[47] Proc. n.º 07B841.
[48] Este último desta conferência e relator.
[49] Acresce que, como escrevemos no aresto relativo ao Proc. n.º 1630/06.2YRCBR.C2.S1: “Extrair do facto da recorrida não ter proposto alterações à cláusula contratual que constitui a convenção arbitral a conclusão de que a mesma não foi objecto de negociação, é desconhecer que na negociação as partes são livres de introduzir alterações ou modificações nas cláusulas, tal como são livres de aceitar cláusulas – omitindo qualquer referência em contrário – e de rejeitar cláusulas – expressando a sua oposição./ Ao considerar que só as cláusulas alteradas é que foram objecto de negociação prévia, o Acórdão recorrido efectua uma leitura das declarações negociais desconforme às premissas legais dos arts. 224.º e segs. e 236.º e segs. do CC – atinentes à perfeição da declaração negocial e à sua interpretação –, retirando conclusões  que são contrárias à factualidade assente, ao mesmo tempo que obnubila a factualidade não provada, que a (…) alegou e acabou por não demonstrar, consubstanciando, precisamente, aquela argumentada falta de negociação e conhecimento do clausulado relativo à convenção de arbitragem, mormente que se tenha limitado a subscrever as cláusulas constantes dos acordos referidos em (...) sem que tivesse um efectivo e concreto conhecimento do seu teor e alcance; que, em parte, se tenha limitado a transcrever cláusulas recebidas (…) sem real conhecimento do seu conteúdo (…) Nada disso ficou provado, sendo inequívoco que o ónus de prova esses factos impendia precisamente sobre a requerida/recorrida”.
[50] Op. cit., pág. 199.
[51] Op. cit., pág. 65/66.
[52] Cf. nota de rodapé 35.
[53] Com efeito, o TJUE entendeu, ainda recentemente, que a interpretação por ele efectuada no que respeita às disposições da Convenção de Bruxelas de 1968 é válida, igualmente, para as normas do Regulamento n.º 44/2001, quando as disposições desses instrumentos possam ser qualificadas de equivalentes – cf. Acórdão Folien Fischer AG e Fofitec AG v. Ritrama SpA, de 25/10/2012, Proc. n.º C-133/11, acessível em texto integral em http://curia.europa.eu.
[54] Proc. n.º C-214/89, Colectânea 1992/I-1745, n.ºs 13 e 14.
[55] Proc. n.º C-543/10, acessível em texto integral em http://curia.europa.eu.
[56] Proc. n.º C-159/97, acessível em texto integral em http://curia.europa.eu.
[57] Op. cit., págs. 81/82.
[58] Luís de Lima Pinheiro, in ob. cit., págs. 308/309, refere que nas relações com consumidores justifica-se um limite à validade ou eficácia dos pactos de jurisdição, podendo o tribunal nacional apreciar oficiosamente a questão do carácter abusivo da cláusula atributiva de competência, em face da Directiva 93/13/CEE do Conselho de 5/04/1993 relativa às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores.
O consumidor é protegido como parte economicamente e contratual mais fraca e negocialmente menos experiente.
[59] A este respeito, cf. Luís Miguel Caldas, Direito à Informação no âmbito do direito do consumo, Revista Julgar n.º 21, 2013, pág. 223.
[60] A recorrida/autora invocou a violação do dever de informação por parte do réu mas numa outra perspectiva, em natural coerência com a sua pretensão de alteração das circunstâncias negociais que levaram à contratação, a de que em nenhum momento lhe fora equacionada a alteração súbita e imprevista do cenário macro-económico capaz de determinar a drástica redução da taxa de juro, o réu nunca lhe projectou um cenário susceptível de impor um desequilíbrio no contrato de que resultasse um prejuízo para a recorrida.
Recorda-se o que antes se disse. A recorrida só nas alegações de recurso de apelação suscitou a questão de se estar na presença de cláusulas contratuais gerais.
[61] Neste mesmo sentido, Sofia Henriques, op. cit., pág. 110. A mesma autora sustenta, na pág. 114, que “na óptica seguida pelo Regulamento, não se compreende por que razão o legislador não assimilou a violação do pacto de jurisdição ao artigo 25.º. Efectivamente, a competência resultante do pacto de jurisdição é, em regra, exclusiva, derrogando a competência dos demais tribunais, o que apresenta semelhanças com a competência prevista no artigo 22.º”. 
[62] É por isso incorrecta a fundamentação da decisão da sentença da 1.ª instância, uma vez que na mesma se fez tábua rasa do Direito da União Europeia, tendo-se enquadrado a situação, indevidamente, apenas, à luz dos preceitos do Processo Civil português.