Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | RIBEIRO DE ALMEIDA | ||
Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA PACTO DE PREFERÊNCIA VIOLAÇÃO TERCEIRO DEVER DE INDEMNIZAR | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ200310210028226 | ||
Data do Acordão: | 10/21/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 4724/02 | ||
Data: | 05/08/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça A. Na Vara de Competência Mista do Funchal, A intentou acção de declaração e condenação com processo ordinário contra B, pedindo seja reconhecido o direito de haver ela por si o quinhão hereditário e a quota social que identifica, ordenando-se o cancelamento dos registos de aquisição a favor da Ré, daquele quinhão hereditário e daquela quota. Alega em síntese a titularidade de um direito de preferência contratual relativamente à transmissão para a Ré de um prédio que identifica. A Ré contesta por excepção - invoca a ineptidão da petição inicial - e por impugnação alegando a inexistência de qualquer pacto de preferência. Proferido despacho saneador e organizada a peça condensadora, procedeu-se a julgamento tendo a acção vindo a ser julgada improcedente. B. Inconformada com tal decisão dela apelou a Autora, e tendo a Relação de Lisboa confirmado o decidido, recorre agora para este Supremo, e alegando, formula estas conclusões: 1. O acórdão recorrido ao considerar que a decisão sobre a matéria de facto não era modificável, encontrando-se verificados os pressupostos da aplicação da alínea a) do nº 1 do art. 712. ° do Código de Processo Civil, violou esta disposição e incorreu em nulidade por falta de fundamentação, i.e. por falta de justificação (legal) para a não aplicação de tal disposição. 2. O acórdão recorrido, ao decidir manter a sentença da 1ª Instância que julgou a acção improcedente por falta de prova do direito de preferência da Autora, e ao fundamentar tal decisão no respeito do direito de preferência da Autora por C, incorreu em nulidade por contradição, em conformidade com o disposto no art. 668. °, n.º 1 al. c) Código de Processo Civil. 3. O acórdão recorrido, ao decidir que a Autora carecida legitimidade por não ter ficado provado o facto constante do quesito 6. °, violou o disposto no Artigo 343.°, n.º 2 do Código Civil segundo o qual o ónus da prova de tal farto recai sobre a Ré., devendo a falta de prova ser decidida contra esta. 4. O acórdão recorrido, ao decidir pela improcedência das pretensões da Autora por motivo de ilegitimidade, invocando fundamentos em sentido oposto, i.e. a falta de prova do quesito cujo ónus recaía sobre a Réu, incorreu mais uma vez em contradição nos termos do disposto no art. 668. °, n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil. 5. O acórdão recorrido, ao conhecer a pretensa falta de legitimidade da Autora e da caducidade do seu direito de preferência, extravasou os seus poderes cognitivos, violando o princípio do dispositivo consagrado nomeadamente nos artigos 3. °, 264.° e 661.° do Código de Processo Civil e no art. 333 do Código Civil. E o disposto no art. 1410. ° do Código Civil. 6. O acórdão recorrido, ao conhecer da pretensa caducidade do direito de preferência da Autora tomando por fundamento um facto falso - pois a Autora efectuou o depósito da caução - incorreu em nulidade nos termos do art. 668.°, n.° 1 al. c) do Código de Processo Civil; 7. O acórdão recorrido ainda é nulo por omissão de pronuncia em conformidade com o disposto no art. 668. °, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, por não ter apreciado as questões suscitadas e fundamentadas pela Autora na sua alegações, a saber: - a violação do disposto nos Artigos 393.°, n.º 3 do Código Civil e art. 659.° do Código de Processo Civil, pela sentença recorrida ao julgar não provado o direito de preferência da Autora perante o documento de fls. 41; - a violação do disposto no art. 410. °, n.º 2, ex vi art. 415.° (que trata dos requisitos de forma pacto de preferência) pela sentença recorrida ao julgar não provado o direito de preferência da Autor perante o documento de fls. 41; - a violação do disposto no art. 236. ° do Código Civil (que trata da interpretação da declaração negocial) pela sentença recorrida ao julgar não provado o direito de preferência da Autora perante o documento de fls. 41; - o abuso de direito (art. 334 do Código Civil); - a inoponibilidade da simulação de preço à Autora por ser terceiro de boa fé; e - a violação do disposto nos Artigos 562 e 566 n.º 1 do Código Civil. Pela sentença recorrida ao julgar não provado o direito de indemnização da Autora in natura. 8. A comunicação de C à Autora de que pretendia alienar o seu quinhão e a sua quota pelo preço global de 25.000.000$00 tendo alienado pelo preço global declarado de Esc. 12.640.000$00 (fls. 41) constitui violação grosseira do direito de preferência que assistia à Autor. 9. O carácter doloso e ilícito da actuação de C estende-se ao comportamento da Ré que com ele colaborou conscientemente. 10. A Ré, ao adquirir o quinhão hereditário e a quota social por preço inferior ao que sabia ter sido comunicado para a preferência, procedeu manifestamente contra a boa fé e os bons costumes pelo que cometeu abuso de direito (art. 334. ° Código Civil). 11. Não podendo a nulidade da simulação ser oponível à Autora - por ser terceiro de boa fé, tem este direito a preferir pelo preço declarado. 12. Os factos provados determinam o direito de a Autora haver para si, ao abrigo do disposto no art. 1410. ° do Código Civil, os bens indevidamente alienados, pelo que, mal andou a sentença ao julgar em sentido contrário. 13. Subsidiariamente sempre deveria a Ré ter sido condenada na reconstituição natural em conformidade com o disposto Artigos 562.° e 566.°, n.º 1 do Código Civil, pela violação Nas suas contra-alegações, a recorrida bate-se pela manutenção do julgado. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.C. Os Factos: 1. Em 28/06/72 faleceu D, a qual deixou, como herdeiros, os seus três filhos: Autora, E e F; 2. O acervo hereditário deixado por morte de D é composto por um prédio misto sito em Porto Santo, no Campo de Baixo, descrito na C. R. P. sob o nº 2219, o qual resultou a anexação dos prédios n.º 2213, 2214,2215,2216 e 2217. 3. Por escritura de 5/3/91, foi constituído uma sociedade sob a firma " G, com o capital social de 420.000$00, cujos sócios eram a Autora e os seus dois irmãos, E e F, cada um com uma quota de valor nominal de 140.000$00. 4. Por escritura de 7/10/92, o F alienou o seu quinhão hereditário que detinha na herança de sua mãe, a favor da ré. 5. Por escritura de 7/10/92 o mesmo F cedeu a sua: quota, no valor nominal de 140.000$00, mencionada em 3° a favor da ré. 6. Por escritura outorgada em 27/3/96, o C declarou alienar o seu quinhão hereditário que detinha na herança da mãe, à ora Ré, pelo preço de 12.500.000$00. 7. Por escritura outorgada em 27/3/96 o E cedeu a sua quota no valor nominal de 140.000$00, referida em 3°, a favor da ré. Estes os dados como provados, a fls.97, tendo das respostas aos quesitos elaborados considerado ainda provado: 8. Em 3/8/95, O C comunicou à A. que pretendia vender em conjunto, a quota que detinha na sociedade "G, Lda. e o seu direito na quota hereditária pelo valor global de 25.000.000$00 tendo a Autora sido notificada na qualidade de sócia daquela sociedade e de co-herdeira de D (resp. ao quesito 4°). 9. A Ré sempre esteve a par do facto mencionado em 8° (resp. ao quesito 7°). 10. A Autora propôs à Ré a aquisição por 25.000.000$00 do seu quinhão hereditário e quota social (resp. ao que. 10°) 11.- O C acordou com a ré, vender-lhe o seu quinhão hereditário e quota social por 25.000.000$00 (resp. quesito 11°). 12. A Autora negociou a venda à Ré, do seu quinhão hereditário quota social, negócio que acabou por não se efectuar (resp. a 10 e 11) 13. A quantia de 25.000.000$00 referida em 11 foi paga pela Ré ao C em duas prestações, sendo a primeira de 7.500.000$00 liquidada em 10/01/96 e a segunda de 17.500.000$00 em 27/03/96. D) Decidindo: A primeira questão suscitada prende-se com a pretensa alteração das matéria de facto. A Relação de Lisboa, entendeu que deveria manter-se inalterada a resposta negativa dada aos quesitos 1, 2 e 3. O presente processo deu entrada na Vara Mista do Funchal em 10 de Julho de 2000. Há que apreciar da admissibilidade do recurso para este Supremo, à vista do disposto no n.º 6 do Artigo 712 do Código de Processo Civil, aditado pelo Decreto-lei 375 A/99 de 20 de Setembro, e do Artigo 8, n.º 2 deste Decreto-lei. Nos termos do Artigo 9 do Decreto-lei citado, este diploma entrou em vigor trinta dias após a sua publicação e, como dito no n.º 2 do Artigo 8º, o disposto no nos Artigos 712 e 754 do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo referido Decreto - lei não é aplicável aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor. À data os autos não se encontravam pendentes. Por aplicação do disposto no Artigo 712 n.º 6 do Código de Processo Civil, não é admissível recurso sobre a matéria de facto que a Relação entendeu estar ou não provada, pelo que tal julgamento se impõe a este Supremo. Daqui resulta que, a Autora não logrou provar o pacto de preferência que invoca como causa do direito que pretende ver-lhe reconhecido. A nulidade que a recorrente imputa ao Acórdão radicaria no facto de haver contradição entre a fundamentação e a decisão. Existe nulidade da sentença, nos termos da al. c) do Artigo 668 do Código de Processo Civil «quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão». Quer isto dizer que, só quando os fundamentos invocados conduzissem a resultado oposto ao que consta da sentença ou acórdão, é que se verifica a referida nulidade. Ora o Acórdão não padece desse vicio, uma vez que, partindo da inexistência do invocado pacto de preferência entende que a comunicação que foi feita à Autora não é outra coisa senão o respeito pelo direito de preferência que resulta do disposto nos Artigo 1404 e 1409 do Código Civil. Entende ainda a recorrente que existe a mesma nulidade por o Acórdão a ter considerado parte ilegítima com base no facto de não se ter provado o que constava do quesito 6º, quando essa matéria dependia da prova a fazer pela Ré e não pela Autora. A nulidade resulta da violação do disposto no Artigo 343 n.º 2 do Código Civil. Mas ao contrário do alegado, o Acórdão parte para a ilegitimidade substantiva e não processual da Autora por entender que lhe foi dado conhecimento por parte do outro comproprietário da intenção de vender a sua quota e o quinhão hereditário, indicando a pessoa do comprador e o respectivo preço. Foi cumprido o preceituado no Artigo 1409 do Código Civil dado que à Autora lhe foi dada a oportunidade de preferir na venda por o mesmo preço. O excesso de pronúncia, a existir, não influenciou a decisão. A recorrente invoca ainda a omissão de pronúncia por o Acórdão não se ter pronunciado sobre questões que lhe foram colocadas. Face ao que dispõe o n.º 2 do Artigo 660 do Código de Processo Civil deve o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não tendo sido provado o pacto de preferência não tinha o Acórdão que se pronunciar sobre as questões que decorreriam de tal prova. Posto isto, há que apreciar se houve violação das normas jurídicas invocadas. À convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa chama-se pacto de preferência - Artigo 414 do Código Civil. Na orientação mais autorizada, as preferências integram-se na categoria de direitos a que os nossos autores têm chamado, por influência da doutrina alemã, direitos reais de aquisição, o que significa tratar-se de direitos «que conferem aos respectivos titulares o poder de adquirir sobre determinada coisa, quando ocorrem outros pressupostos, um direito real de gozo: ( Prof. Vaz Serra, RLJ, ano 103, págs. 471, nota 1; Prof. Autor Varela, mesma revista citada, págs. 476; Revista dos Tribunais, ano 87, págs. 360; Acs. do S. T. J., de 27-10-1972, BMJ 220/163 e de 8-1-1974, in BMJ., 233/190). Os direitos legais de preferência conferem ao titular a faculdade de, em igualdade de condições, se substituírem a qualquer adquirente da coisa sobre que incidam, em certas formas de alienação (venda, dação em cumprimento de prédio sujeito a preferência). Com essa finalidade, o obrigado à preferência deve comunicar ao titular do direito o propósito de alienação e as cláusulas do respectivo contrato (crf. 416° nº 1 do Código Civil) e se o não fizer e, entretanto, se consumar a alienação o preferente fica com a faculdade de, dentro de certo prazo (seis meses) fazer valer o seu direito contra o adquirente (art. 1410° nº 1 do mesmo Código). Preferência nasce para o seu titular "logo que se efectua o contrato". Radicando-se na pessoa a quem assiste. Isso mesmo resulta da obrigação imposta ao vendedor de comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato (art. 416° nº 1 do Código Civil). No sentido que vem de ser indicado podem ver-se os citados Acs do S.T.J., de 27-10-1972 e 8-1-1974. Os direitos legais de preferência e os direitos de preferência convencionais com eficácia real conferem aos respectivos titulares a faculdade de, em igualdade de condições, ele se substituir a qualquer adquirente da coisa sobre que incidem, em caso de venda ou dação em cumprimento, estando o vendedor obrigado a comunicar essa venda ao preferente. Os pactos de preferência despidos de eficácia real provam-se por documento escrito assinado pelo obrigado. O terceiro que adquiriu a coisa objecto da preferência constituir-se-à na obrigação de indemnizar o preferente? Na preferência legal o preferente beneficia, além do direito de crédito do comportamento do obrigado à preferência, de um direito potestativo que lhe permite fazer seu o negócio de alienação realizado com violação do direito de preferência. Por outro lado o Artigo 421 do Código Civil prescreve no seu n.º 1 que: o direito de preferência pode, por convenção das partes, gozar de eficácia real se, respeitando a bens imóveis ou a móveis sujeitos a registo, constar de escritura pública e estiver registado nos termos da respectiva legislação. Tal como no direito legal de preferência, no direito convencional, o preferente, efectuada a alienação, pode substituir-se ao adquirente, desde que o direito de preferência respeite imóveis ou móveis sujeitos a registo e conste de escritura pública e tenha sido registado nos termos das disposições do Código do Registo Predial. É a eficácia real do direito convencional de preferência que, assim, pode ser oposto a qualquer adquirente da coisa. No direito convencional de preferência sem eficácia real, o preferente tem apenas um direito de crédito cuja violação dá exclusivamente direito a ser indemnizado dos prejuízos. Mas poderá, pela não execução de um contrato, haver responsabilidade de um terceiro cúmplice do devedor? Esta questão coloca-se nos pactos de preferência com eficácia real ou meramente obrigacional. A problemática desta questão prende-se com os chamados efeitos externos das obrigações. Não obstante o preceituado no Artigo 483 do Código Civil, Vaz Serra in Obrigação de Preferência BMJ 76 escreve: poder-se-ia dizer que o terceiro, que concorreu conscientemente para a violação do pacto de preferência se constitui em responsabilidade, pois infringiu o dever de que nada se deve fazer que impeça o normal cumprimento das obrigações contratuais, mas isso só será assim quando o terceiro não exerce um direito ou um poder legal, o que não acontece no caso em questão, pois todas as pessoas não exceptuadas na lei podem comprar ou vender. Só o terceiro de má fé pode ser responsável pela indemnização. Vaz Serra continua a ensinar que: Em princípio, conquanto possa parecer razoável que se admita um direito de indemnização do credor da preferência contra o terceiro conhecedor dela, esse direito não se afigura de aceitar, uma vez que os direitos de crédito só valem, em princípio, contra o devedor. O credor da preferência só tratou com o devedor dela, não com o terceiro, estranho à convenção, e a quem os direitos obrigacionais daquele não vinculam. O terceiro nada tem a ver com o pacto de preferência. Comprando usa da sua liberdade de adquirir, que esse pacto não limita, por lhe ser alheio. Ainda que ao comprar conhecesse o direito de preferência, não tinha que se embaraçar com ele, pois só o devedor assumira a obrigação de respeitar. Por sua vez Manuel de Andrade - Teoria Geral das Obrigações, 3ª Edição página 62 escreve que: A responsabilidade do terceiro comprador só poderia ter justificação aceitável nos casos em ele tenha procedido de modo particularmente escandaloso para a consciência jurídica dominante. E o expediente técnico que a poderá legitimar em face do direito positivo será o abuso de direito. Parece assim que será de admitir a responsabilidade de terceiro se este adquiriu a coisa objecto da preferência com a intenção de impedir o exercício daquele direito pelo seu titular, pois bem se pode dizer que ele procedeu com abuso de direito - Artigo 334 do Código Civil. Doas factos dados como provados não resultam que a Autora e seu irmão tivessem contratado um pacto de preferência em relação à possível alienação da quota na sociedade e o seu quinhão hereditário. Mas se existisse, o adquirente não teria de indemnizar, uma vez que não exerceu o seu direito de comprar de forma abusiva. Para que se possa falar em abuso de direito é necessário que se provem os factos que o integram, ora, quanto a este ponto, nada resulta dos autos que possa sustentar o exercício abusivo do direito. O preço da compra da quota e do quinhão hereditário do irmão da Autora foi efectuado por 25.000.000$00, igual valor ao que a Autora tentou negociar com a Ré, a sua parte. Porém o valor declarado na escritura não corresponde a esse valor, é manifestamente inferior. O Artigo 243 do Código Civil torna inoponível a simulação a terceiros de boa fé. Este preceito legal visa proteger a confiança de terceiros pelo que a não invocação da simulação tem por fim não causar prejuízos a terceiros, mas, como defende Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil) a protecção da confiança não pode ir ao ponto de, através dessa inoponibilidade, originar vantagens ou lucros que nada legitimam. Dos factos dados como provados resulta que a Autora negociou a sua quota na sociedade e o quinhão hereditário pelo valor que o seu irmão lhe comunicou. Assim, como aliás a Autora confessa na petição inicial esse valor levou-a a que não preferisse aquando da comunicação por não ter disponibilidade financeira para o efeito. Embora conste da escritura outro preço, o certo é que a Autora conhecia o valor do negócio que era do mesmo quantitativo que inicialmente pretendeu para os mesmos bens. A existir esse pacto não teria sido celebrado com a forma exigida para que o mesmo se impusesse a terceiros. Se o pacto não tinha efeitos reais, então teria que constar de escrito assinado pelo que se obrigou à preferência. Nem uma coisa nem outra constam dos autos. Entende ainda a recorrente que a carta de fls 41 - em que o seu irmão lhe comunica que vai vender a sua quota na sociedade e o seu quinhão hereditário - não é outra coisa senão a confirmação da existência do pacto de preferência. A interpretação da vontade hipotética ou conjectural das partes levaria, nos termos do Artigo 236 do Código Civil à conclusão de que da carta resulta a existência desse pacto de preferência. Pires de Uma e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. I, pág. 230, em nota ao art. 236° do Código Civil, ensinam: "A regra estabelecida no nº 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2). O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir. Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo - no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista. «A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.» Castro Mendes, in "Teoria Geral do Direito Civil", II volume, edição de 1995, pág. 366, discorda da posição de Pires de Lima e Antunes Varela, quando afirmam que o Código Civil consagra uma doutrina objectivista da interpretação, sustentando que o sentido a que preceito alude "é o sentido pretendido". Somente vale aquilo que como sentido pretendido for dedutível pelo homem normal e médio" colocado na posição do real declaratário" - pág. 367. Aí refere que a expressão" colocado na posição do real declaratário" Quer sobretudo dizer, dispondo dos elementos de interpretação de que o declarante dispôs". Ora a carta de fls. 41 não pode de modo nenhum ser interpretada como a consubstanciação do referido pacto de preferência, uma vez que as partes tinham dele conhecimento mas o mesmo não foi junto aos autos por isso, um declaratário normal posto nas mesmas circunstâncias em que se encontrava a Autora não podia interpretar esse escrito com outro sentido que não fosse a comunicação da venda do seu preço e da pessoa do comprador, notificando assim a Autora para preferir. Assim, face à comunicação perdeu a Autora legitimidade para a acção de preferência a que alude o Artigo 1410 do Código Civil. E) Face a tudo quanto se deixou exposto, acorda-se em negar a revista, Custas pela recorrente. Lisboa, 21 de Outubro de 2003 Ribeiro de Almeida Sousa Leite Nuno Cameira |