Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S3411
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
DIRIGENTE SINDICAL
REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: SJ200702140034114
Data do Acordão: 02/14/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. A norma contida no n.º 1 da cláusula 21.ª do ACT aplicável no âmbito do sector do crédito agrícola, pela sua inserção sistemática em preceito disciplinador das ausências dos representantes sindicais, pressupõe uma situação de impossibilidade temporária e transitória de execução do trabalho, que não afecte a efectiva execução do contrato, devendo ser interpretada no sentido de que os representantes sindicais têm direito a faltar ao serviço, enquanto durar o respectivo mandato, para exercer as actividades inerentes aos respectivos cargos, sem qualquer limite temporal, isto é, mesmo para além de qualquer crédito de horas legal ou convencionalmente estabelecido.
2. Este entendimento é reforçado pelo estatuído na alínea c) da cláusula 26.ª do ACT de 1992 que reconhecia aos representantes sindicais a disposição «do tempo necessário para, dentro ou fora do local de trabalho, e ainda que noutra instituição, exercerem as actividades inerentes aos respectivos cargos sem prejuízo de qualquer direito reconhecido por lei ou por este acordo, designadamente de retribuição e do período de férias» (elemento histórico), e é o que parece mais adaptado ao propósito concretizado na norma em causa de estabelecer mecanismos concretos de protecção adequada dos representantes sindicais contra quaisquer formas de condicionamento ou limitação do exercício legítimo das suas funções (elemento racional).
3. Além disso, a interpretação perfilhada é a que melhor se conjuga com o princípio da autonomia e independência das estruturas de representação colectiva dos trabalhadores, consagrado no n.º 4 do artigo 55.º da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, no n.º 1 do artigo 452.º do Código do Trabalho.
4. Assim, quando a ausência do dirigente sindical a tempo inteiro for superior a um mês, verificar-se-á a suspensão do contrato de trabalho, matéria omissa naquele ACT e contemplada no artigo 403.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (Legislação especial que regulamenta o Código do Trabalho). *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I
1. Em 28 de Março de 2005, no Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada, o SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO SUL E ILHAS intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra a Empresa-A, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 34.000, correspondente ao valor de todas as prestações remuneratórias, já vencidas, que pagou e, bem assim, a quantia que corresponder às retribuições vincendas, que vai pagar ao seu associado AA, que trabalha para a ré e que, a partir de Junho de 2003, passou a exercer, a tempo inteiro, o cargo de membro do secretariado da secção regional de Ponta Delgada daquele Sindicato, a liquidar, se necessário, em execução de sentença, tudo acrescido dos juros moratórios legais.

Fundamentando o pedido, alega que, desde Junho de 2003, a ré deixou de pagar àquele trabalhador as remunerações devidas e que o autor as vem suportando, devendo a ré reembolsá-lo, porque se acha sub-rogado nos respectivos créditos.

A ré contestou, alegando que o trabalhador AA não lhe presta trabalho desde 16 de Maio de 2003 e que essa situação de não prestação de trabalho não é subsumível ao conceito técnico-jurídico de faltas previsto na cláusula 21.ª do ACTV aplicável, ocorrendo antes a suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador, o qual, durante essa suspensão, não tem direito à correspondente retribuição, pelo que não se verifica a alegada sub-rogação.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que, concluindo que o referido trabalhador não tem direito a receber as remunerações enquanto o contrato de trabalho estiver suspenso, e que a sub-rogação invocada pelo autor é nula por inexistência de objecto, julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

2. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida, por considerar que no caso de dirigentes sindicais permanentemente ausentes do trabalho e presentes a tempo inteiro no sindicato, o regime adequado deverá ser o da suspensão do contrato, aplicável sempre que as faltas determinadas pelo exercício da actividade sindical se prolonguem para além de um mês, sendo manifesto que o ACTV apenas disciplina as situações de faltas, ou seja, a ausência do trabalhador durante o período normal de trabalho a que está obrigado (artigo 24.º, n.º 1, do Código do Trabalho o Trabalho).

É contra esta decisão que o autor se insurge, mediante recurso de revista, em que formula a síntese conclusiva seguinte:

1) A situação fáctica em apreço é a de ausências ao trabalho de um representante sindical do autor, trabalhador da ré, determinadas pelo exercício do respectivo mandato a tempo inteiro;
2) Não existe omissão normativa convencional, pois tal situação, que, necessariamente, abrange a suspensão do contrato de trabalho, está regida, especificamente, pelas cláusulas 26.ª e 21.ª dos IRC aplicáveis, publicados nos BTE, 1.ª série, n.os 35, de 22/9/1992, 45, de 8/12/2003, e 4, de 29/1/2005, que estabelecem que tais ausências, durante todo o tempo que o mandato durar, conferem o direito à retribuição, ao subsídio de almoço e às férias;
3) A aplicação desse regime convencional, abrangendo o tipo e a duração das faltas, mesmo para além de um mês, mesmo equivalendo à suspensão do contrato de trabalho, determinadas pelo exercício, a tempo completo, da actividade sindical, produto do acordo das partes celebrantes, entre as quais se encontra a ré, está ressalvada e garantida pelas disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 1, 225.º, n.º 2, alínea g), e 226.º do Código do Trabalho, concretamente, este último preceito prevê que tal matéria possa ser objecto de instrumento de regulamentação colectiva;
4) Quer dizer, as ausências ao trabalho em questão, mesmo para além de um mês, porque as partes celebrantes das convenções colectivas de trabalho aplicáveis assim o acordaram, encaixam-se no sobredito clausulado, e, portanto, conferem o direito à retribuição, ao subsídio de almoço e ao período de férias, com a inerente obrigação de pagamento, a cargo da ré;
5) Assim, o direito sub-rogado existe e a sub-rogação do autor é plenamente válida e eficaz, nos termos dos artigos 589.º e 593.º do Código Civil;
6) Decidindo em contrário, o acórdão recorrido fez errada aplicação da Lei e violou todas as sobreditas normas, convencionais e legais.

Em contra-alegações, a recorrida veio defender a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, aduzindo que o ACT aplicável só se refere a faltas ao trabalho e não à situação de faltas que se prolonguem para além de um mês, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, a questão central suscitada é a de saber se o trabalhador AA, que desempenha, desde 19 de Maio de 2003, a tempo inteiro, o cargo de membro do secretariado da secção regional de Ponta Delgada do Sindicato autor, tem direito a receber as prestações remuneratórias que a ré lhe deixou de pagar, a partir de 1 de Julho de 2003.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II
1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) O A. é uma associação sindical regida pelos estatutos publicados no B.T.E., n.º 14, 1.ª Série, de 15 de Abril de 2002, que abrange e representa os trabalhadores da instituição de crédito R., seus filiados;
2) O filiado n.º 46266 do A., AA, presta actividade profissional administrativa sob as ordens, direcção e fiscalização da R., mediante a retribuição correspondente ao nível 8, desde 22 de Novembro de 1986;
3) O mesmo AA foi eleito para o cargo de membro do secretariado da secção regional de Ponta Delgada do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas;
4) A partir de 19 de Maio de 2003, iniciou o desempenho, a tempo inteiro, do cargo de membro do secretariado da secção regional de Ponta Delgada, órgão previsto nos estatutos do A. para o exercício da actividade sindical;
5) Antes, por carta de 14 de Maio de 2003, foi a R. informada que o AA integrava os órgãos dirigentes do A., que haviam tomado posse em 9 de Maio, funções essas que passaria a exercer a tempo inteiro;
6) Em 3 de Junho de 2003, a R. recebeu uma carta do AA onde este declara que exerce uma actividade comercial em estabelecimento de venda de material para elaboração de artes decorativas;
7) A R., desde 1 de Julho de 2003, deixou de pagar ao associado do A., mensalmente, as retribuições e demais prestações pecuniárias, tais como subsídio de almoço e os subsídios de férias e de Natal;
8) O A. tem vindo a entregar ao dito associado, mensalmente, todas as quantias correspondentes às prestações remuneratórias que a R. deixou de lhe retribuir e que totalizam, até à presente data, o valor de € 47.951,95, correspondente às retribuições mensais base do nível em que se encontra classificado, ao subsídio de almoço por cada dia útil e os subsídios de férias e de Natal;
9) O trabalhador da R., que recebeu as referidas quantias do A., sub-rogou este nos seus direitos.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra que ocorra qualquer das situações que permitam ao Supremo alterá-los ou promover a sua ampliação (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil), por conseguinte, será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão suscitada no presente recurso.

2. Antes de mais, há que determinar o regime jurídico aplicável às faltas dadas pelos trabalhadores eleitos para as estruturas de representação colectiva.

Resulta da matéria de facto assente que o trabalhador AA desempenha o cargo de membro do secretariado da secção regional de Ponta Delgada do Sindicato autor, a tempo inteiro, desde 19 de Maio de 2003, data a partir da qual se ausentou permanentemente do serviço para exercer aquelas funções.

O actual regime jurídico das faltas dadas pelos trabalhadores eleitos para as estruturas de representação colectiva consta dos artigos 225.º, n.º 2, alínea g), 226.º, 455.º e 505.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1), e artigos 399.º a 403.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (Legislação especial que regulamenta o Código do Trabalho, adiante designada por LECT), que entrou em vigor em 29 de Agosto de 2004 (artigo 3.º).

A Lei n.º 99/2003 e a da Lei n.º 35/2004 contêm normas transitórias que delimitam a respectiva vigência quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respectiva entrada em vigor, pelo que, para fixar a sua eficácia temporal, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.

No que agora releva, estipula o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 que, «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 35/2004 dispõe que, «[f]icam sujeitos ao regime da presente lei, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».

Assim, uma vez que a situação de ausência ao serviço em apreço persistiu para além da entrada em vigor daqueles diplomas legais, há que atender ao disposto nos correspondentes regimes jurídicos.

O recorrente propugna, no entanto, que a referida situação de ausências ao trabalho, determinada pelo exercício de cargo sindical a tempo inteiro, «abrange a suspensão do contrato de trabalho [e] está regida, especificamente, pelas cláusulas 26.ª e 21.ª dos IRC aplicáveis, publicados nos BTE, 1.ª série, n.os 35, de 22/9/1992, 45, de 8/12/2003, e 4, de 29/1/2005, que estabelecem que tais ausências, durante todo o tempo que o mandato durar, conferem o direito à retribuição, ao subsídio de almoço e às férias».

E acrescenta, «[a] aplicação desse regime convencional, abrangendo o tipo e a duração das faltas, mesmo para além de um mês, mesmo equivalendo à suspensão do contrato de trabalho, determinadas pelo exercício, a tempo completo, da actividade sindical, produto do acordo das partes celebrantes, entre as quais se encontra a ré, está ressalvada e garantida pelas disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 1, 225.º, n.º 2, alínea g), e 226.º do Código do Trabalho, concretamente, este último preceito prevê que tal matéria possa ser objecto de instrumento de regulamentação colectiva», pelo que, «as ausências ao trabalho em questão, mesmo para além de um mês, porque as partes celebrantes das convenções colectivas de trabalho aplicáveis assim o acordaram, encaixam-se no sobredito clausulado, e, portanto, conferem o direito à retribuição, ao subsídio de almoço e ao período de férias, com a inerente obrigação de pagamento, a cargo da ré».

Importa, por razões de inteligibilidade, conhecer as normas invocadas.

A cláusula 26.ª do acordo colectivo de trabalho (ACT) publicado no BTE, 1.ª série, n.º 35, de 22 de Setembro de 1992, insere-se no respectivo Capítulo III, subordinado ao título «Direitos, deveres e garantias», e previa, no que agora releva:
«Cláusula 26.ª
(Exercício da actividade sindical)
Para o exercício da actividade sindical constituem direitos dos trabalhadores:

c) Dispor, sendo membros dos corpos gerentes de associações sindicais, do conselho de gerência dos SAMS, do secretariado do GRAM e, até ao limite de três elementos por cada um, dos secretariados das comissões ou secções sindicais, do tempo necessário para, dentro ou fora do local de trabalho, e ainda que noutra instituição, exercerem as actividades inerentes aos respectivos cargos sem prejuízo de qualquer direito reconhecido por lei ou por este acordo, designadamente de retribuição e do período de férias;
d) Dispor do tempo necessário ao exercício de tarefas sindicais extraordinárias, por período determinado e mediante solicitação devidamente fundamentada das direcções sindicais, sem prejuízo de qualquer direito reconhecido por lei ou por este contrato, designadamente da retribuição e do período de férias;

Aquela cláusula foi objecto de alteração, por acordo firmado em 31 de Julho de 2003, BTE, 1.ª série, n.º 45, de 8 de Dezembro de 2003, ficando, assim, redigida:
«Cláusula 21.ª
(Ausências dos representantes sindicais)
1 - Têm direito a faltar ao serviço por todo o tempo que durar o respectivo mandato, para, dentro ou fora do local de trabalho, e ainda que noutra instituição, exercer as actividades inerentes aos respectivos cargos, os seguintes representantes sindicais, que não podem globalmente exceder seis elementos, relativamente ao total das instituições signatárias do presente acordo, com os limites de um por instituição com 200 ou menos trabalhadores e dois em instituição com mais de 200 trabalhadores:
a) Membro da direcção, da mesa coordenadora dos órgãos deliberativos centrais ou da mesa da assembleia geral de cada sindicato;
b) Membro do conselho de gerência dos SAMS - Serviços de Assistência Médico-Social de cada sindicato;
c) Membro do secretariado das comissões ou secções sindicais de cada sindicato;
d) Membro dos secretariados das secções regionais do SBSI - Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas; membro das comissões sindicais de delegação do SBN - Sindicato dos Bancários do Norte; membro dos secretariados das secções regionais do SBC - Sindicato dos Bancários do Centro.
2 - Os membros da direcção, da mesa coordenadora dos órgãos deliberativos centrais ou da mesa da assembleia geral não abrangidos pela limitação expressa no número anterior e os membros do conselho geral e do congresso de cada sindicato podem ausentar-se justificadamente do trabalho, com o limite máximo de quatro dias úteis por mês, para presença em reuniões dos respectivos órgãos, devendo, para o efeito, o respectivo sindicato avisar a instituição com a antecedência mínima de vinte e quatro horas.

5 - Para além das situações previstas nos números anteriores, os representantes sindicais poderão dispor do tempo estritamente necessário ao exercício de tarefas sindicais extraordinárias e inadiáveis, por período determinado, com o limite de cinco dias por ano e mediante solicitação atempada e devidamente fundamentada das direcções sindicais.
6 - As ausências ao abrigo dos números anteriores não prejudicam qualquer direito reconhecido por lei ou por este acordo, designadamente à retribuição, ao subsídio de almoço e ao período de férias.»

As alterações subsequentes do ACTV, publicadas no BTE, 1.ª série, n.º 4, de 29 de Janeiro de 2005, não incidiram sobre a referida cláusula.

A solução da questão submetida à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação da norma do n.º 1 da cláusula 21.ª daquele ACTV, pelo que se justificam as considerações genéricas que se seguem.

2.1. O acordo colectivo é uma das formas que pode revestir a convenção colectiva de trabalho e caracteriza-se por ser outorgada entre associações sindicais e uma pluralidade de empregadores para diferentes empresas (artigo 2.º, n.º 3, alínea b), do Código do Trabalho).

Ora, a convenção colectiva «tem uma faceta negocial e uma faceta regulamentar» (cf. MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, 2005, p. 111).

A primeira respeita às regras que disciplinam as relações entre as partes signatárias da convenção, nomeadamente no que toca à verificação do cumprimento da convenção e aos meios de resolução de conflitos decorrentes da sua aplicação e revisão; a segunda corresponde às normas que regulam os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e dos empregadores.

Segundo o entendimento maioritário sustentado na doutrina (cf., por todos, MONTEIRO FERNANDES, ob. cit., p. 112, e ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 2.ª edição, Almedina, 2005, pp. 212-214 e 1085) e a jurisprudência firme e uniforme deste Supremo Tribunal (cf. o recente Acórdão de 28 de Setembro de 2005, processo n.º 1165/05 da 4.ª secção, no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 216, de 10 de Novembro de 2005, pp. 6484-6493), na interpretação das convenções colectivas deve aplicar-se o disposto nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, quanto à parte obrigacional, e o preceituado no artigo 9.º do Código Civil, no respeitante à parte regulativa, uma vez que os seus comandos jurídicos são gerais e abstractos e produzem efeitos em relação a terceiros.

Respeitando as normas invocadas à parte regulativa do ACT, há que atender aos ditames que o Código Civil consagra em matéria de interpretação das leis.

2.2. A interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo.

A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.

Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo.

A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte FRANCESCO FERRARA (ob. cit., pp. 147-148), não deve confundir-se com a interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à mens legis.

A interpretação extensiva aplica-se, no dizer de BAPTISTA MACHADO (ob. cit., pp. 185-186), quando «o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei.

Na interpretação restritiva, pelo contrário, «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva» (cf. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., p. 186).

Por sua vez, a interpretação revogatória terá lugar apenas quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável e, finalmente, a interpretação enunciativa é aquela pela qual o intérprete deduz de uma norma um preceito que nela está virtualmente contido, utilizando, para tanto, certas inferências lógico-jurídicas alicerçadas nos seguintes tipos de argumentos: (i) argumento a maiori ad minus, a lei que permite o mais, também permite o menos; (ii) argumento a minori ad maius, a lei que proíbe o menos, também proíbe o mais; (iii) argumento a contrario, que deve ser usado com muita prudência, em que, a partir de uma norma excepcional, se deduz que os casos que ela não contempla seguem um regime oposto, que será o regime--regra (cf. BAPTISTA MACHADO, obra citada, pp. 186-187).

2.3. Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

3. A norma contida no n.º 1 da cláusula 21.ª do ACT em causa, subordinada à epígrafe «Ausências dos representantes sindicais», determina que os representantes sindicais compreendidos nas suas alíneas a) a d), em que se incluem os membros dos secretariados das secções regionais do SBSI - Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, «[t]êm direito a faltar ao serviço por todo o tempo que durar o respectivo mandato, para, dentro ou fora do local de trabalho, e ainda que noutra instituição, exercer as actividades inerentes aos respectivos cargos», não podendo esses representantes sindicais «exceder seis elementos, relativamente ao total das instituições signatárias do presente acordo, com os limites de um por instituição com 200 ou menos trabalhadores e dois em instituição com mais de 200 trabalhadores».

Quanto aos representantes sindicais não abrangidos pela limitação expressa no n.º 1 do sobredita cláusula, o respectivo n.º 2 estabelece que «podem ausentar-se justificadamente do trabalho, com o limite máximo de quatro dias úteis por mês, para presença em reuniões dos respectivos órgãos, devendo, para o efeito, o respectivo sindicato avisar a instituição com a antecedência mínima de vinte e quatro horas».

A mesma cláusula prevê, ainda, que «[p]ara além das situações previstas nos números anteriores, os representantes sindicais poderão dispor do tempo estritamente necessário ao exercício de tarefas sindicais extraordinárias e inadiáveis, por período determinado, com o limite de cinco dias por ano e mediante solicitação atempada e devidamente fundamentada das direcções sindicais» (n.º 5) e que «[a]s ausências ao abrigo dos números anteriores não prejudicam qualquer direito reconhecido por lei ou por este acordo, designadamente à retribuição, ao subsidio de almoço e ao período de férias» (n.º 6).

Por conseguinte, a mencionada cláusula pretende disciplinar, globalmente, as faltas dadas pelos trabalhadores eleitos para as estruturas de representação colectiva motivadas pelo exercício de funções sindicais.

E, nesse plano de consideração, distingue as ausências do trabalhador para «exercer as actividades inerentes aos respectivos cargos» (n.º 1), para «presença em reuniões dos respectivos órgãos» (n.º 2) e para o «exercício de tarefas sindicais extraordinárias e inadiáveis, por período determinado» (n.º 5), sendo que, todas essas ausências, «não prejudicam qualquer direito reconhecido por lei ou por este acordo, designadamente à retribuição, ao subsidio de almoço e ao período de férias» (n.º 6).

É, pois, manifesto que a cláusula em referência, tal como a cláusula 26.ª do ACT de 1992, apenas disciplina as situações de falta, ou seja, a ausência do trabalhador no local de trabalho e durante o período em que devia desempenhar a actividade a que está adstrito (artigo 224.º, n.º 1 do Código do Trabalho).
Na verdade, não se coligiu qualquer indicação relevante no sentido de que a cláusula 21.ª do ACT em vigor abranja a própria suspensão do contrato de trabalho e estipule que durante essa suspensão se mantêm os direitos à retribuição, ao subsídio de almoço e ao período de férias.

É certo que o n.º 1 da mesma cláusula estatui que os representantes sindicais em causa têm direito a faltar ao serviço por todo o tempo que durar o respectivo mandato, para exercer as actividades inerentes aos respectivos cargos, todavia, esse inciso, pela sua inserção sistemática em preceito disciplinador das ausências dos representantes sindicais, pressupõe uma situação de impossibilidade temporária e transitória de execução do trabalho, que não afecte a efectiva execução do contrato, devendo ser interpretado (interpretação declarativa restrita) no sentido de que aqueles representantes sindicais têm direito a faltar ao serviço, enquanto durar o respectivo mandato, para exercer as actividades inerentes aos respectivos cargos, sem qualquer limite temporal, isto é, mesmo para além de qualquer crédito de horas legal ou convencionalmente estabelecido.

Este entendimento é reforçado pelo estatuído na alínea c) da cláusula 26.ª do ACT de 1992 que reconhecia aos representantes sindicais a disposição «do tempo necessário para, dentro ou fora do local de trabalho, e ainda que noutra instituição, exercerem as actividades inerentes aos respectivos cargos sem prejuízo de qualquer direito reconhecido por lei ou por este acordo, designadamente de retribuição e do período de férias» (elemento histórico), e é o que parece mais adaptado ao propósito concretizado na norma em causa de estabelecer mecanismos concretos de protecção adequada dos representantes sindicais contra quaisquer formas de condicionamento ou limitação do exercício legítimo das suas funções (elemento racional).

Além disso, a interpretação perfilhada é a que melhor se conjuga com o princípio da autonomia e independência das estruturas de representação colectiva dos trabalhadores, consagrado no n.º 4 do artigo 55.º da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, no n.º 1 do artigo 452.º do Código do Trabalho.

Aliás, no caso, provou-se que, «[e]m 3 de Junho de 2003, a R. recebeu uma carta do AA onde este declara que exerce uma actividade comercial em estabelecimento de venda de material para elaboração de artes decorativas» [facto assente 6)], o que aponta no sentido de que o exercício a tempo inteiro do cargo sindical de que o trabalhador tomou posse em 9 de Maio de 2003 não o impedia de exercer, concomitantemente, uma outra actividade profissional.

Nestes termos, sendo de presumir que os outorgantes souberam exprimir o seu pensamento em termos adequados, a interpretação sustentada pelo recorrente, pelas considerações sistemáticas e teleológicas explicitadas, é inadmissível.

Tal como se decidiu no acórdão recorrido:

«Certo é, porém, que nem todas as situações de não prestação de trabalho, sendo este exigível, são subsumíveis ao conceito técnico jurídico de "faltas" expresso na cláusula 21.ª do ACTV.
Assim, quando a ausência do dirigente sindical a tempo inteiro for superior a um mês, verificar-se-á a suspensão do contrato de trabalho, matéria omissa no ACTV e contemplada no artigo 403.º da Lei 35/2004, de 29.07, que dispõe: "Quando as faltas determinadas pelo exercício de actividade sindical se prolongarem efectiva ou previsivelmente para além de um mês aplica-se o regime da suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador".
Este regime é o que consta do artigo 331.º do Código do Trabalho, designadamente, do seu n.º 1: "Durante a [...] suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho".
É pacífica a jurisprudência e a doutrina, conforme vem citado nas alegações da Recorrida, no sentido de que o regime adequado deverá ser o da suspensão do contrato no caso de dirigentes sindicais permanentemente ausentes do trabalho e presentes a tempo inteiro no sindicato.
Conclui-se, pois, que o regime de faltas de dirigentes sindicais constantes do ACTV não se confunde com a situação de suspensão do contrato de trabalho, aplicável sempre que as faltas determinadas pelo exercício da actividade sindical se prolonguem para além de um mês.»

Deste modo, impõe-se concluir que, verificando-se a suspensão do contrato de trabalho firmado entre a ré e o trabalhador AA, o qual desempenha, desde 19 de Maio de 2003, a tempo inteiro, o cargo de membro do secretariado da secção regional de Ponta Delgada do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, aquele trabalhador não tem direito a receber qualquer retribuição enquanto o contrato de trabalho estiver suspenso, pelo que não ocorre a invocada sub-rogação, o que conduz à improcedência da acção.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2007
Pinto Hespanhol (relator)
Fernandes Cadilha
Mário Pereira