Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2035/05.8TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE POR INFORMAÇÕES
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
ADVOGADO
Data do Acordão: 02/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - SENTENÇA (NULIDADES) - RECURSOS.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - PROFISSÕES FORENSES E ORDENS PROFISSIONAIS (ADVOGADOS).
Doutrina:
- CARNEIRO DA FRADA, Responsabilidade Civil – O Método do Caso, p. 81.
- IRENEU CABRAL BARRETO, “Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, anotação ao artigo 26.º.
- SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos Recomendações e Informações, 1989, pp. 47, 48, 388/389, 565/566.
-ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, 9ª ed., pp. 88, 125.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 485.º, 799.º, N.º1, 1161.º, ALS. B) E C), 1170.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, 668.º, N.º1, AL. D), 2.ª PARTE, 731.º, N.º 1.
ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (EOA): - ARTIGOS 83.º (AGORA 95.º, N.º1, ALS. A) E B)).
LEI N.º 65/78, DE 13-10,
PROTOCOLO N.º 11, DE 1994, APROVADO PELA RESOLUÇÃO DA AR N.º 21/97 E PUBLICADA NO DR N.º 102-1ª SÉRIE, DE 3-5-97.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGOS 26.º, 32.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18-9-2007, PROC. N.º 07A2334;
-DE 28-9-2010, PROC. N.º 171/2002.S1;
-DE 10-3-2011, PROC. N.º 9195/03.0TVLSB.L1.S1.
Sumário :
I - A informação prestada deve ser conforme à verdade e tão completa quanto possível. Uma informação objectivamente incorrecta, se for culposamente prestada, gera, para o informante, a obrigação de indemnizar.

II - Quando a informação pressuponha um estudo científico da questão sobre que recai ou um trabalho de investigação intelectual, não pode ser exigida uma absoluta exactidão, pois que está em causa uma obrigação de meios e não de obtenção de certo resultado.

III - No domínio das obrigações de meios, recai sobre o credor o ónus de demonstrar que meios foram não empregues pelo devedor ou que não foi observada a diligência objectivamente devida com vista ao resultado pretendido. A presunção de culpa tende a confinar-se à mera censurabilidade pessoal do devedor, à culpa em sentido estrito.

IV - Se não está em causa a prestação de um resultado determinado, não será suficiente alegar e demonstrar a sua não obtenção ou a verificação de um resultado diferente do esperado para que exista incumprimento ou cumprimento defeituoso, pois que a violação da obrigação reside sempre na prática deficiente/defeituosa do acto ou na abstenção da prática de actos exigidos pela situação que se coloca. O que se exige, sob pena de violação do dever jurídico que enforma a sua prestação, é que o devedor actue em conformidade com as regras de arte e actue com diligência normal.

V - Estando sob apreciação a actuação profissional de um advogado, tratar-se-á de saber se se deve concluir que a informação prestada foi objectivamente desconforme ao padrão de conduta profissional que um advogado medianamente competente, prudente e sensato teria tido, quando confrontado, na ocasião, com uma solicitação daquele teor, e se, apesar disso, o réu demonstrou que a sua conduta foi, no caso e perante as circunstâncias, a que lhe era exigível.  

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL intentaram acção declarativa contra MM e “NN & Associados - Sociedade Profissional de Advogados”, pedindo a condenação destes a pagarem-lhes a quantia de 1 313 702,46€, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento.

Para tanto alegaram, em síntese, que:

 - os AA., ou seus antecessores, eram, à data da respectiva nacionalização, titulares do capital social da sociedade “Empresa OO, Lda.”, que detinha a participação e controlava 99,9% do capital social da sociedade “Companhia PP, SARL” e que, com esta última sociedade, controlava 100% do capital da sociedade “Empresa de QQ, Lda.”, tendo o valor do capital social dessas sociedades fixado sido objecto de impugnações judiciais (recursos dos AA. e do Estado), sendo que, em todos os procedimentos, os AA. foram patrocinados, numa fase inicial, pelo Dr. RR e, numa fase posterior, pelo 1.° Réu, Dr. MM, sendo ambos sócios da sociedade profissional de advogados 2.ª Ré que, por sua vez, e para efeitos de notificações, substabeleceram num solicitador;

 - em 24.10.95, relativamente à “Companhia PP, SARL”, foi proferido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que, na sequência de acórdão do Tribunal Constitucional, negou provimento ao recurso contencioso de anulação, decisão que foi notificada aos AA., exclusivamente na pessoa do seu mandatário, o solicitador SS, em 30.10.95, o mesmo sucedendo, mas com o acórdão de 17.10.96, relativamente à “Empresa OO, Lda.”;

 - em face da ausência de notícias por parte do 1º Réu e pretendendo os AA. apurar o estado dos três processos judiciais pendentes, designadamente de forma a confirmar se já se encontravam esgotadas as instâncias jurisdicionais de âmbito nacional, os AA. solicitaram várias e insistentes vezes ao 1º Réu a marcação de uma reunião a fim de ajuizar da viabilidade do recurso às instâncias judiciais supra-nacionais e qual o respectivo prazo mas, apesar da reiterada insistência dos AA., e não obstante o 1º Réu ter sido alertado da urgência da matéria, apenas no mês de Abril de 1997 se disponibilizou a celebrar a reunião solicitada, tendo manifestado que não estaria interessado em prosseguir com o patrocínio quanto aos processos a mover em sede da Comissão Europeia dos Direitos do Homem;

 - os AA. sempre manifestaram interesse no sentido de serem utilizadas todas as vias legalmente admissíveis para exposição e julgamento da sua pretensão. Apesar disso, relativamente à “Companhia PP, SARL”, o 1º Réu, apesar de ter sido notificado da reforma do acórdão do STA, nunca alertou os AA. da viabilidade da apresentação de queixa para a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, sequer do trânsito em julgado do acórdão, o que determinou que, quanto a tal empresa e à data em que os AA. insistiram com o 1º Réu para análise da situação, há muito já se tivesse esgotado a possibilidade de diligenciar naquele sentido;

 - perante a posição assumida pelo 1º Réu no sentido de não querer assumir o patrocínio dos processos a mover na CEDH, a fim de possibilitar a instrução dos mesmos, os AA. solicitaram a consulta aos respectivos dossiers;

 - em 17.04.97, o 1º Réu remeteu o dossier contendo as principais peças processuais, tendo-o feito acompanhar de um relatório em que escreveu «Parece-me existir fundamento para recurso à Comissão Europeia dos Direitos do Homem com fundamento no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no prazo de seis meses a partir da data da decisão interna definitiva (art. 26° da citada Convenção), pelo que, relativamente à Empresa OO, Lda., a queixa pode ser apresentada até 06 de Maio p.f..», sendo que, atenta tal informação e não pondo em causa a sua exactidão, relativamente à “Empresa OO, Lda.”, em 6 de Maio de 1997, os AA. apresentaram junto da Comissão Europeia dos Direitos do Homem uma queixa contra o Estado Português;

 - porém, em 22.12.97 os AA. foram notificados da decisão da CEDH a negar a admissibilidade da queixa com fundamento em extemporaneidade, esclarecendo que, uma vez que a decisão interna definitiva ocorreu em 17.10.96 e foi notificada ao mandatário dos AA. em 22.10.96, a queixa apenas poderia ter sido apresentada até 22 de Abril de 1997, e não, conforme o informado, até 06 de Maio de 1997;

 - a orientação técnica preconizada pelo 1º Réu comprometeu irremediavelmente os interesses morais e materiais dos AA., dado que, quer a omissão de informação quanto à possibilidade legal da apresentação de queixa junto da CEDH quanto à empresa “Companhia PP, SARL”, quer a incorrecta informação quanto ao momento até ao qual poderia ser apresentada a queixa quanto à empresa “Empresa OO, Lda.”, impediram que a pretensão dos AA. de serem justamente indemnizados pelo Estado Português fosse, sequer, apreciada por uma instância jurisdicional supra nacional;

 - a frustração dos AA. é agora ainda maior dado que, relativamente à “Empresa de QQ, Lda.”, os AA. apresentaram, em 1999, junto da CEDH uma outra queixa contra o Estado Português e obtiveram decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nos termos da qual se entendeu que o Estado Português violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tendo-o, em consequência, condenado a pagar aos AA. a quantia de 100.000,00€ a título de danos patrimoniais e morais, acrescida do montante de 8.000,00€ a título de custas e despesas;

 - no âmbito e pleno exercício das suas funções de mandatário, o 1.° Réu omitiu total e absolutamente informação relevante relativamente à “Companhia PP, SARL”, designadamente que o STA tinha proferido acórdão e que, assim sendo, no prazo de 6 meses era viável e processualmente admissível o recurso para a CEDH e prestou informação errada de que a queixa quanto à “Empresa OO, Lda.” podia ser apresentada na Comissão até ao dia 6 de Maio de 1997, pelo que, o 1º Réu e, solidariamente, a sociedade profissional de advogados 2ª Ré, são responsáveis pelos prejuízos causados aos AA.;

 - tendo em consideração que relativamente à “Empresa de QQ, Lda.” o Tribunal Europeu entendeu que a justa indemnização a atribuir aos AA. era de 108.000,00€, tendo sido peticionada a quantia de 1.065.004,60€, os prejuízos sofridos pelos AA. e causados pelos RR., quanto à “Companhia PP, SARL” e à “Empresa OO, Lda.” haverão de corresponder à mesma proporção, o que dá o montante de 1.160.066,49€ para a “Empresa OO”, Lda., e de 153.725,97€ para a “Companhia PP, Lda.”.

Os Réus contestaram.

Arguiram a excepção da legitimidade activa, por preterição de litisconsórcio e impugnaram.

Em síntese, articularam que:

- é falso que o 1º Réu tenha omitido informação aos AA., representados então pelo último A., também advogado, sobre o acórdão do STA de 24.10.95, no caso PP, pois que, pouco depois de ter recebido este acórdão, o 1º Réu dele deu nota ao representante dos AA., Dr. LL, e remeteu-lho logo a seguir;

 - os Réus estavam mandatados pelos AA. para patrocinarem os interesses destes relacionados com as nacionalizações/indemnizações tão só nas instâncias administrativas e judiciais internas;

 - em 5 de Fevereiro de 1997, o A. Dr. LL remeteu ao 1º Réu carta em que se reconhece estarem todos informados do esgotamento dos meios internos e, até essa data, nunca os AA. mostraram intenção de recurso às instâncias internacionais;

 - o 1º Réu não omitiu qualquer dever de informação decorrente do mandato, já que a informação da viabilidade de recurso para a Comissão Europeia não se enquadrava no mandato e os AA. sabiam que os RR. nunca estiveram mandatados para os representar nas instâncias internacionais;

 - o 1º Réu informou o 10º A., como representante dos AA., de que a queixa à Comissão devia ser apresentada até ao dia 6 de Maio de 1997. Porém, tal informação não foi prestada no âmbito do mandato do 1º Réu, embora o tivesse sido como advogado e em resposta a pedido de esclarecimento daquele A., nem envolveu aceitação do mandato para representar os AA, nas instâncias internacionais;

 - a responsabilidade assacada pelos AA. aos RR., excepto quanto à alegada omissão de informação da notificação do acórdão "PP", é toda ela de natureza delitual, de acordo com os factos narrados na petição inicial, e respectivo enquadramento jurídico;

 - os AA. conheceram o acórdão definitivo do STA, no caso PP, logo após ter sido proferido em 24.10.9 e nunca questionaram os RR. sobre uma possível queixa à Comissão Europeia a propósito desse caso;

 - se alguma conduta fosse imputável ao 1º Réu, a propósito do caso "PP", o direito de acção estaria prescrito desde finais de 1998;

 - no que diz respeito à "Empresa OO, Lda.", os AA. souberam, por intermédio do 10º A., Dr. LL, logo após ter sido notificado ao 1º Réu o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.10.96 e revelam, na carta do referido A., de Fevereiro de 1997, o conhecimento de que estavam esgotados os meios judiciais internos;

 - a informação prestada pelo 1º Réu, de que o prazo de eventual queixa à Comissão neste caso terminava em 6 de Maio de 1997, não se integrava em mandato dos AA., e respondeu apenas a uma pergunta feita ao 1º Réu pelo A. Dr. LL, em 5.2.97, data em que os AA. sabiam que os RR. não tinham qualquer compromisso que os levasse a aceitar mandato para os representar nas instâncias judiciais internacionais;

 - a informação do 1º Réu, de que o prazo para apresentar a queixa à Comissão terminava em 6 de Maio de 1997, não era errada, mas correcta, em face da lei (art. 26º da C.E.), da doutrina e da jurisprudência das instâncias internacionais, ao tempo vigente e conhecida, informação que foi prestada ao advogado que patrocinou os interesses de alguns dos AA., também ele aqui A., que tinha o dever de estudar a Convenção e o direito de queixa antes de assumir o patrocínio e teve tempo para proceder a esse estudo e até para pôr em dúvida a informação prestada pelo 1º Réu, prevenindo interpretação diversa, se fosse o caso, do artigo 26° da CE;

 - os AA. partem de valores simulados de pedidos virtuais às instâncias internacionais – 11 440 497,88€ quanto à "Empresa OO, Lda." e 1 516 035,32€ quanto à "Companhia PP SARL", para fundamentarem o pedido de 1 313 792,46€ formulado contra os RR. não fundamentando de facto e de direito os valores referidos em lesões reais e efectivamente sofridas.

 Foi admitida a intervenção principal acessória de “TT - Companhia de Seguros, SA", que apresentou contestação.

Aderiu à posição dos RR. sobre a ilegitimidade e a prescrição e indicou os limites da respectiva responsabilidade indemnizatória.

 

         A excepção da ilegitimidade improcedeu no despacho saneador.

Realizada a audiência final, a acção foi julgada improcedente e os RR. absolvidos do pedido.

Os AA. LL, II e KK apelaram, com parcial êxito, pois que a Relação julgou parcialmente procedente a Apelação condenou “os Apelados a pagarem aos ora Apelantes a indemnização de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos morais e a quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) a título de danos patrimoniais, montantes estes acrescidos de juros de mora legais, devidos desde 19 de Dezembro de 2000 e até integral pagamento”.

         Agora são os Réus MM e a Interveniente seguradora, hoje “UU – Companhia de Seguros, S.A.”, a pedir revista, pugnando pela revogação do acórdão e consequente improcedência da acção.

         Para tanto, o Recorrente MM argumenta nas “conclusões” da alegação que, apesar da sua extensão, por comodidade e para melhor compreensão, se transcrevem parcialmente:

“1. Confirmado o segmento da decisão de 1ª instância relativo à Companhia PP, SARL, o objeto do presente recurso cinge-se, apenas, à questão da Empresa OO, Lda..

(…)

4. (…) em nenhum passo, e no que respeita à Empresa OO, Lda, invocaram os AA. informação tardia ou entrega tardia de dossiers como causa de pedir da indemnização a que se entendiam com direito; fundamento do seu pedido foi tão só e exclusivamente (sic) prestação de informação errada quanto ao termo do prazo de queixa perante a CEDH. Daí que

5. Fosse defeso ao julgador ocupar-se da questão "informação/entrega tardia", como decorre do art. 660°, nº 2, do CPC, e tem consagração uniforme na jurisprudência. Pelo que,

6. Nessa parte, é nulo o acórdão a quo, por aplicação da disciplina do art. 668°, nº 1, alínea d), do cpc.

7. Posto isto, fica o tema da informação errada, qualificativo que a decisão a quo amaciou apelidando-a de incompleta. Mas sem razão.

(…);

10. Tal informação, assinale-se, consistiu na interpretação que o R. fez do art. 26° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sendo certo que para o intérprete nacional decisão definitiva, quando se trata de decisões judiciais, é aquela que já não pode ser alterada, seja por recurso ordinário, seja por reforma ou reclamação, seja por deferimento de nulidades, i.e., que tenha transitado em julgado.

(…);

13. A Comissão decidiu-se pela inadmissibilidade da queixa, por tardia apresentação, na tese de que, tendo o Acórdão do STA sido notificado aos recorrentes em 22/10/96, nesta data se iniciara o prazo de 6 meses a que se refere o art. 26° da CEDH.

(…);

25. Sintomático de que [na fundamentação da decisão] não estava a tratar da questão sob o ponto de vista do trânsito em julgado, é o facto de a Comissão, no seu Acórdão, ter omitido, de entre as decisões que recenseia, a proferida em 9 de Dezembro de 1991, no caso VV c/Itália (queixa nº 12077/86), em que entendeu: "( ... ) tratando-se de uma decisão susceptível de recurso, que só transitou em julgado em 21 de Outubro de 1986, a Comissão admite que o prazo de seis meses, previsto no art. 26° da Convenção, só começou a contar a partir desta última data" (fls. 555) (a queixa fora apresentada em 24/3/86).

26. Na referida queixa nº 12077/86, tratava-se de um caso, decidido pelo Tribunal de Catania, que admitia recurso, mas em que o mesmo, como se vê da leitura da decisão, não foi interposto.

27. Certo é que, sem fazer referência a esta nuance, Ireneu Cabral Barreto, na 1" edição d' «A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada», com a autoridade que se lhe reconhece (…), na profusa anotação ao cito art. 26°, sublinha (pág. 193, nota 397) - f1s. 414: " Se se trata de uma decisão judicial, (o prazo conta-se) a partir da data em que transita em julgado - Decisão de 9 de Dezembro de 1991. Queixa nº 12077/86, DR, 71, p.12".

28. Esta anotação coexiste, nesta edição anotada, com duas outras, ilustrativas do dissídio referido em 24. supra: a de que, (i) tomada a decisão em audiência pública, na presença do requerente ou do seu advogado, é a partir da data da audiência que o prazo começa a correr; (ii) a de que, caso o direito interno exija notificação para o "conhecimento" da decisão, será a partir daquela que o prazo se inicia. Perante tais referências,

29. O intérprete nacional, como nos presentes autos, que se fundasse nesta edição, concluiria que o trânsito em julgado importa no caso de decisões judiciais e a notificação, escrita ou oral, na hipótese de decisões não judiciais (v.g., de natureza administrativa não contenciosa).

30. Quando o R. preparou para os AA. o Relatório referido na alínea N) dos Factos Assentes, não havia, entre nós, como continua a não haver, anotação à Convenção mais completa e mais credível do que a de Ireneu Cabral Barreto.

31. Não surpreende, por isso, que ao fornecer a indicação que prestou sobre o termo do prazo para apresentação da queixa tenha feito fé no conteúdo da anotação, em que, aliás, se baseou.

32. E nem se diga, como pretenderam os Apelantes., que, tratando-se de uma nota de pé de página, mandava a prudência que não fosse tomada como inquestionável, quando a referida nota 397, como se vê do texto, era feita exatamente sobre referência a jurisprudência segundo a qual o prazo começava a contar-se não a partir da data da decisão, mas do momento em que o requerente ou o seu advogado teve dela conhecimento.

33. A interpretação da anotação é óbvia: o prazo começava a contar-se não a partir da data da decisão, mas do momento em que o requerente ou o seu advogado teve dela conhecimento; mas se se tratar de decisão judicial, do respetivo trânsito em julgado.

(…);

38. Se o R. não se tivesse contentado com a edição anotada de Ireneu Cabral Barreto e fosse indagar dos acórdãos proferidos sobre a matéria, entre a data da edição - 1995 - e a data da informação aos Recorridos - 17 de abril de 97-, de novo, para aquele período de tempo, encontraria apenas, como se vê da 2ª edição Ireneu Cabral Barreto (f1s. 428 e 429), ... o primeiro acórdão Worm c/Áustria - 27/11/95, já que o segundo, o do Tribunal Europeu, aí referido, é de 20 de outubro de 97. E a informação que teria prestado era, obviamente, a mesma.

39. É isso que explica que todas as testemunhas dos RR., profissionais experientes e juristas de mérito, (…), foram unânimes em afirmar que, até ao caso Empresa OO, o prazo do art. 26°, quando se tratasse de decisões judiciais, se devia contar do trânsito em julgado. Mais: (…) que a decisão Empresa OO foi proferida ao arrepio da jurisprudência da Comissão. Ora,

40. É precisamente o Acórdão proferido no caso Empresa OO que demonstra a exatidão quer da interpretação que, à luz da jurisprudência do tempo, foi feita pelo R., quer do entendimento das referidas testemunhas.

41. Lê-se, com efeito, na referida decisão, parte final:

No presente caso, o momento em que os requerentes constataram que não obtiveram provimento na situação contestada é o da notificação da decisão do Supremo Tribunal Administrativo. Os requerentes não dispunham, de facto, de qualquer outro recurso eficaz que pudesse dar satisfação às suas queixas. Deste modo, a data em que esta decisão adquiriu força de caso julgado não poderá constituir o dies a quo do prazo de seis meses previsto no artigo 26° da Convenção." (fls. 632 e 633) - realce meu.

42. Na transcrita decisão está inequívoca e inquestionavelmente subentendido: o prazo poder-se-ia contar do trânsito em julgado se os AA., ali requerentes, dispusessem de um recurso eficaz, recurso de que, no entendimento da Comissão, não dispunham.

43. Tal orientação representa, ainda aqui inequívoca e inquestionavelmente, uma restrição à jurisprudência do Acórdão VV c/Itália. Com efeito,

44. Da leitura deste último Acórdão, verifica-se que não há qualquer referência à eventual eficácia ou ineficácia do recurso que podia ter sido interposto, e não foi, da decisão do Tribunal de Catania, como emerge da mera leitura desta.

45. Ergo, a jurisprudência do caso não estava modulada ou restringida pelo mérito do recurso a interpor.

46. Mas tal restrição aparece, agora, no Acórdão Empresa OO - o prazo conta-se do trânsito em julgado se da decisão judicial puder ser interposto um recurso eficaz. Ora, é no requisito "eficaz' que surge a novidade e faz do Acórdão Empresa OO uma decisão surpresa. Na verdade,

47. O Acórdão Empresa OO foi proferido pela 1ª Secção, 1ª Subsecção, do STA, e dele cabia recurso para o Pleno da Secção, nos termos do art. 24° do ETAF, com o âmbito do art. 110° do CPTA, ao tempo vigentes.

48. E atenta a latitude dos fundamentos de recurso estabelecidos no referido art. 110°, é pura temeridade pronunciar-se a Comissão pela ineficácia do recurso.

49. Certo é que o R. entendeu que não obteria provimento no Pleno, e, por isso, não recorreu.

50. Daí não pode é concluir-se, objetivamente, que não haveria procedência do recurso.

51. Do exposto, emerge que, até à decisão Empresa OO, a CEDH tinha como jurisprudência, face ao requisito decisão interna definitiva, contar o prazo do art. 26° da Convenção a partir do trânsito em julgado, quando se tratasse de decisões judiciais passíveis de recurso; nas restantes, e até ao caso Worm, ora da notificação escrita, ora da notificação oral; e, a partir deste caso, apenas da notificação escrita.

52. Com o caso Empresa OO passa a entender que o trânsito em julgado só releva para efeito de contagem de prazo se da decisão couber recurso eficaz.

53. É contra esta mudança de opinião jurisprudencial, ocorrida precisamente no caso aconselhando, que o mais diligente advogado não tem possibilidades de segurar o cliente.

54. E por aqui se vê que a informação do ora Recorrente não foi incompleta.

Correspondeu sim a uma correta indicação da jurisprudência da Comissão, tal como entendida por um declaratário normal.

55. Mais: o que evidencia sem margem a dúvidas que a informação do Recorrente não era nem errada, nem incompleta, é que a queixa da Empresa OO, nos termos do Acórdão da CEDH que a rejeita, teria sido aceite, porque o prazo se contaria do trânsito em julgado, se, embora não tendo sido interposto recurso para o Pleno da decisão do STA, como não foi, tal recurso pudesse ser eficaz.

56. É a jurisprudência do caso VV c/Itália, mas com um requisito NOVO - eficácia do recurso que caiba no caso. Por essa SURPRESA não pode censurar-se o ora Recorrente.

57. A responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações postula, além do dever jurídico de os dar, que se tenha "procedido com negligência" (ut, art. 485°, nº 2, do CCivil), a qual "é apreciada ... pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso”(ut, art. 487°, nº 2, idem).

58. A "diligência de um bom pai de família" está implícita na formulação do alto 1161° do CCivil, sobre as obrigações do mandatário, resultando dos princípios gerais, motivo por que o nosso legislador reputou inútil dizê-lo expressamente, como sucede no art. 1710° do Código italiano.

59. Com efeito, se o princípio da confiança está na base das relações entre mandante e mandatário, ele não deixa de estar presente, mediatamente, nas relações entre o mandatário e a ou as fontes onde procura resposta para as questões que lhe são colocadas.

60. Condição necessária, mas suficiente, é a de que a investigação e a pesquisa se volvam para autores credenciados, pelas suas peculiares habilitações.

61. Foi o que aconteceu no caso concreto. Tanto, que a pesquisa efetuada no acervo jurisprudencial da Comissão só veio confirmar o acerto da referida anotação de Ireneu Cabral Barreto.

62. A não se entender assim - questão que só por mera hipótese se levanta -, então é imperioso considerar a responsabilidade do novo Advogado dos Apelantes, que, acriticamente, tomou como boa a informação prestada aos clientes pelo seu Colega.

63. Aceita ele que não pôs "sequer em causa a sua exatidão" - o que é sufragado, agora, no acórdão a quo -, mas, contraditoriamente, qual lei do funil, perdoe-se o plebeísmo, recusa ao seu Colega o ter aceite como boa a informação recolhida na obra que consultou (há que admitir que Ireneu Cabral Barreto é um expert na matéria, o que não acontece com o R., ora Recorrente).

64. Daí que ala instância, fazendo impender sobre novo mandatário a responsabilidade de fazer juízo próprio, tenha concluído pela inexistência de nexo de causalidade entre a informação do ora Recorrente e os prejuízos invocados pelos AA. - estes decorreriam da atuação, com critério próprio, do novo mandatário e aqui Recorrido, não da informação do signatário, com que o Dr. LL não tinha de, nem devia, conformar-se.

65. Do exposto, resulta que aos RR. nenhuma responsabilidade possa ser imputada, seja por omissão causal de informação, seja por erro negligente de interpretação, e, consequentemente, não haja lugar a qualquer indemnização.

66. Admitindo, por mera cautela, que assim não fosse, e a alegada perda de chance nunca poderia ascender aos valores pedidos”.

         Por sua vez, a Recorrente “UU”, verteu nas conclusões:

“1ª. (…).

2ª. Se bem se interpreta o Acórdão recorrido este assenta a decisão condenatória em dois pressupostos: informação parcial e deficiente quanto à data limite para a apresentação da Queixa na Comissão Europeia dos Direitos do Homem e tardia informação sobre os processos que havia patrocinado.

3ª. Nem um, nem outro destes pressupostos, se verifica.

4ª Começando pelo primeiro constata-se que a informação prestada pelo Dr. MM era a correcta pois, à data, encontrava-se em vigor o artigo 26° da Comissão Europeia dos Direitos do Homem que fixava o início do prazo para a apresentação da Queixa na data da decisão interna definitiva, ou seja, após o trânsito em julgado desta e à luz deste preceito o prazo só terminava, como referido foi aos AA, em 06.05.1997.

5ª. Ou seja, o artigo 26° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem fixava um prazo de seis meses a partir da "decisão interna definitiva".

6ª. E só a partir de 1 de Novembro de 1998 se consignou, agora no artigo 35° da mesma Convenção, que a queixa deveria ser presente num prazo de seis meses a contar da "data da prolacão da decisão definitiva interna" o que é substancialmente diverso.

7ª. O regime de contagem do prazo sofreu pois uma alteração de "substância" e não de "forma" pelo que carece de fundamento o entendimento sufragado pelo Acórdão recorrido de que " ... trata-se apenas de estilo de redacção, não de conteúdo".

8ª. Acresce que o decidido, no que concerne à Queixa apresentada pelos ora AA, traduziu uma inovadora interpretação do disposto no artigo 26° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem já que o fundamento para a considerar como extemporânea assentou em se ter entendido que os Requerentes não dispunham de qualquer outro recurso eficaz que pudesse dar satisfação às suas exigências o que, implicitamente, significa que o prazo poderia ser contado do trânsito em julgado, fosse, no entender da Comissão, possível um recurso eficaz.

9ª. Tal entendimento da Comissão era, à data, inteiramente novo e surgiu, pela primeira vez, precisamente na Decisão sobre o "Caso Empresa OO", como os autos documentam.

10ª. Assim, e ao invés do que se sustenta no Acórdão recorrido, o mandatário dos A.A. não poderia transmitir esse entendimento à luz da jurisprudência das cautelas.

11ª. Na verdade, a conduta de um advogado no âmbito da sua responsabilidade civil profissional terá de aferir-se pela conduta de um "advogado normal" o qual não pode ser responsabilizado ao ser surpreendido por uma mutação jurisprudencial ocorrida posteriormente à data em que expressou uma opinião sobre o decurso de um prazo.

12ª. Isto mesmo se reconheceu no Voto de Vencido onde o Ilustre Desembargador que o subscreveu sublinha que a alteração da redacção nos preceitos em causa a “… é perfeitamente sintomática no sentido de afastar, agora sim, a referência ao trânsito em julgado".

13ª. Aliás, e como ficou decidido em 1a Instância, nem sequer se provou que a informação prestada o tenha sido no âmbito do contrato de mandato pelo que, à luz do nº 2 do artigo 485º do Código Civil, não existia o dever de dar o conselho o que exonera o Sr. Dr. MM de responder pelo teor da informação prestada mesmo que se entenda qualificar tal informação como um conselho.

14ª. Passando ao segundo dos pressupostos considerados como fundamento para responsabilizar o Sr. Dr. MM e, consequentemente, os demais R.R., pela indemnização que foi determinada, dir-se-á que a informação prestada não foi nem incompleta, nem tardia.

15ª. É o que se extrai da matéria de facto constante da alínea AE) dos FACTOS ASSENTES e das respostas aos Quesitos 2°, 4° e 5° que seria ocioso estar a transcrever, mas onde avulta que em data anterior a 17 de Abril de 1997 o 1 ° R se reuniu com representantes dos AA informando que não estava disponível para prosseguir com o patrocínio quanto aos processos a mover em sede da Comissão Europeia dos Direitos do Homem.

16ª. Por outro lado, os AA não lograram provar, como se extrai da matéria de facto constante dos nºs 1°, 2°, 5° e 35° da Base Instrutória, que houve uma prolongada ausência de noticias por parte do 1 ° R e a necessidade de solicitarem várias e insistentes vezes informações sobre a evolução dos processos e que só em 17 de Abril de 1997 o 1 ° R se reuniu com representantes seus e os informou de que não estaria disponível para prosseguir com o patrocínio quanto aos processos a mover em sede de Comissão Europeia dos Direitos do Homem.

17ª. É, portanto, ininvocável a presunção de culpa consagrada no nº 1 do artigo 799° do Código Civil pois, a montante, impõe-se que o credor prove a concretização do facto ilícito do não cumprimento, o que não fez.

18ª. E como, igualmente, não vem provado qualquer facto negligente por parte do Dr. MM não podem os RR responder por qualquer indemnização por violação do contrato de mandato.

19ª. De resto, o Advogado dos A.A., à data da apresentação da Queixa, era o Dr. LL o qual não podia deixar de analisar o teor da informação que lhe fora prestada a pretexto de que não dominava a matéria em causa pois face à alínea d) do artigo 83° do Estatuto da Ordem dos Advogados, ao tempo em vigor, só poderia aceitar o patrocínio se para tal estivesse habilitado com os necessários conhecimentos e estava obrigado a desempenhar tal patrocínio com zelo e diligência.

20ª. Impunha-se-Ihe, designadamente, a necessidade de analisar a informação prestada e de se inteirar sobre os prazos que teria de respeitar designadamente para a apresentação da referida Queixa.

21ª. Não o tendo feito o Dr. LL terá de responder, nos termos legais, por esse facto já que, como aliás se reconheceu na Decisão de 1ª Instância, o novo mandatário está vinculado aos mesmos deveres que os seus antecessores.

22ª. Em resumo, poder-se-á portanto dizer que não houve por parte do Sr. Dr. MM nem errada, nem tardia informação, e que havendo ele cessado o mandato à data da apresentação da Queixa, nunca terá de responder por uma eventual tardia apresentação dela.

23ª. Não o entendendo assim, o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 26° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na redacção anterior à que passou a vigorar a partir de 1 de Novembro de 1998, o artigo 35° da mesma Convenção, na redacção posterior a tal data, os artigos 487° nº 2, 562°, 563°, 566° e 799 nºs 1 e 2 todos do Código Civil e o artigo 83°, alínea d), do Estatuto da Ordem dos Advogados ao tempo em vigor (Lei nº 84/84, de 16/03) pois tais disposições deveriam ter sido interpretadas no sentido de que a informação prestada sobre o prazo de apresentação da Queixa era à data correcta, de que o Dr. MM exerceu com diligência o patrocínio, de que os AA não provaram qualquer facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar e de que o Dr. LL estava obrigado, no exercício do mandato que lhe foi conferido, a analisar a questão por si patrocinada em todas as suas vertentes, ou seja, em síntese, que se não provaram os pressupostos da alegada responsabilidade civil profissional do 1° R..

Sem conceder,

24ª. Ainda a admitir-se o inverso, a verdade é que os AA, como resulta das respostas negativas aos nºs 10 e 11 da Base Instrutória, não provaram que, se a Queixa apresentada junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não tivesse sido considerada extemporânea, procederia e, consequentemente, receberiam pela nacionalização da "Empresa OO, Lda.", a indemnização de € 1.160.066,49 ou qualquer outra.

25ª. Dado que esta matéria foi discutida e submetida ao crivo da prova em audiência de julgamento e dada como não provada, não poderia o Acórdão recorrido, como o fez, presumir que essa mesma Queixa teria um elevado grau de probabilidade de êxito pois, como decidido vem sendo pela jurisprudência, seria contraditório e ilógico considerar como provado um facto presumindo quando ele foi considerado como não provado em julgamento.

26ª. Por outro lado, a designada "perda de chance" ou "perda de oportunidade" assenta numa alegada probabilidade de que haveria ganho de causa o que implica um juízo de prognose sobre o mérito ou pretensão em apreço o qual não se enquadra no principio da causalidade adequada que o ordenamento jurídico português consagrou.

27ª. Mas, ainda que assim se não entendesse, dadas as respostas negativas aos nºs 10 e 11° da Base Instrutória, qualquer juízo de prognose sempre teria de concluir pela inviabilidade da pretensão dos A.A. que não lograram demonstrar uma provável viabilidade e possível deferimento da Queixa apresentada.

28ª. Em resumo, improvado está qualquer dano patrimonial.

29ª. E estando improvado qualquer dano patrimonial também se não justifica a ponderação de qualquer dano não patrimonial pois inexiste prejuízo ressarcível.

30ª. Mas, ainda a não se entender assim, o certo é que, embora no artigo 56° da Petição Inicial se qualifiquem danos patrimoniais e não patrimoniais em montante não inferior a € 1.313.792,46 acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, extrai-se dos artigos 54° e 55° que a quantia supra-referida corresponde à soma dos valores que, a título de dano patrimonial, se fixam para procedência da Queixa junto da Comissão Europeia dos Direitos do Homem e que são de € 1.160.066,49 para a "Empresa OO" e de € 153.725,97 (€ 1.160.066,49 + € 153.725,97 = € 1.313.792,46).

31ª. Nenhuma quantia é pois, peticionada a título de dano não patrimonial e também não se formula qualquer pedido genérico que posteriormente pudesse ser objecto de liquidação.

32ª. Assim sendo, inexiste pedido de indemnização por danos não patrimoniais e, consequentemente, não pode haver condenação a tal título.

33ª. Por mera cautela se adiantará que, mesmo a entender-se por forma diversa, em equidade o que se imporia, no caso vertente, seria a determinação de um "quantum" que, de alguma forma, pudesse proporcionar ao lesado momentos de distracção que contribuíssem para atenuar o dano sofrido e constante do nº 9 da Base Instrutória.

34ª. Ora, a situação dos A.A. não é diversa, a não ser eventualmente pela maior dimensão do capital investido, daquele que afectou milhares de portugueses que perderam na totalidade, ou viram fortemente reduzidas, as suas poupanças no âmbito dos diversos e inúmeros processos de nacionalização que, à data, foram implementados sem qualquer ressarcimento a título de dano não patrimonial.

35ª. A esta luz, e tendo em consideração os critérios de ponderação fixados no artigo 4960 do Código Civil, têm pois de haver-se por excessivos os montantes arbitrados que deveriam, em tal hipótese, reduzir-se a € 5.000,00 para cada um dos Recorridos, ou seja, no todo, € 15.000,00.

36ª. Em resumo, e no que ao montante ressarcitório concerne constata-se que, mesmo a considerar-se existir obrigação de indemnizar (o que só sem conceder se admite), o certo é que os AA nem provaram os danos que alegaram, nem deduziram qualquer pedido liquido ou genérico para ressarcir danos não patrimoniais pelo que quer a condenação nestes, quer a condenação em indemnização por danos patrimoniais, viola o disposto no artigo 471° alínea b) do Cód. de Proc. Civil, e os artigos 568°, 496°, 562°, 563° e 566° do Código Civil que deveriam ter sido interpretados no sentido de que se não encontrava demonstrado qualquer prejuízo pelo que não haveria indemnização a arbitrar.

37ª. Finalmente, e no que a juros de mora respeita, constata-se, por um lado, que os AA não liquidaram quaisquer juros na petição inicial pelo que os eventualmente vencidos anteriormente não poderiam ser considerados e, por outro lado, verifica-se que à data em que os R.R. foram interpelados para satisfazer o pagamento das quantias que os AA entendiam serem-lhe devidas, o crédito não poderia haver-se por liquido pois estava sujeito à prévia determinação judicial da sua eventual existência e, ainda a considerar-se, a final, existente, à fixação do seu "quantum" em equidade.

38ª. Assim, a eventual indemnização a que os AA teriam direito (sem conceder que ela exista) só poderia vencer juros desde a data da prolação do Acórdão recorrido que foi quem os fixou.

39ª. Não o entendendo assim, o Acórdão ora sob recurso violou o disposto nos nºs 1 e 3 (13 parte) do artigo 805° do Código Civil”.

         Os Autores apresentaram resposta, em apoio do julgado.

         2. - Aferidas e delimitadas, por imperativo legal, as questões a apreciar nos recursos pelo conteúdo das conclusões dos Recorrentes, poderão enunciar-se as aqui propostas como sendo:

- Na revista pedida por MM,

- a nulidade parcial do acórdão, por excesso de pronúncia, e respectivo suprimento;

- a  existência de responsabilidade pela informação prestada; e,

- a indemnização e respectivo montante.

         - Na revista da Interveniente “UU”,

- o problema, comum, da responsabilidade do Réu MM;

- a inexistência de danos e respectiva demonstração; e, subsidiariamente,

- a excessividade da indemnização arbitrada e indevida condenação em juros.

         3. – Vem definitivamente fixado o seguinte quadro factual:

   1. Os AA., AA (com 1,58%), CC (com 9,52%) e DD (com 7,14%) e ainda XX (com 14,28%), ZZ (com 7,14%), AAA (com 7,14%), BBB (com 7,14%), CCC (com 14,28%), DDD (com 14,28%), EEE (com 14,28%), FFF e GGG (ambos em comum com 1,53%), eram, à data da nacionalização, titulares do capital social da sociedade “Empresa OO, Lda.”, nas proporções acima indicadas, empresa esta que detinha a participação e controlava 99,9% do capital da sociedade “Companhia PP, S.A.R.L”, e que com esta última sociedade controlava 100% do capital da sociedade “Empresa de QQ, Lda.” (Alínea A) dos Factos Assentes);

   2. As sociedades “Empresa OO, Lda.”, “Empresa de QQ, Lda.” e “Companhia PP, SARL” foram nacionalizadas (Alínea B));

   3. O despacho normativo n° 62/87, publicado em 20 de Junho do mesmo ano, fixou o valor de 1% do capital das referidas sociedades em, à data, Esc. 584.166$50, Esc. 28.178$00 e Esc. 64$50, respectivamente (Al. C));

   4. Perante a fixação de tais valores, as pessoas identificadas em A) (Ponto 1. supra) requereram a constituição de Comissão Arbitral, nos termos da Lei n° 80/77, de 26.10, tendo nessa instância sido fixados os seguintes valores corrigidos, relativos a 1 % do capital social:

“Empresa OO, Lda.”: Esc. 2.903.180$00;

“Empresa de QQ, Lda.”: Esc. 692.518$41;

“Companhia PP, SARL”: Esc. 327.504$39 (Al. D)).

   5. Não obstante a fixação de tais valores pela Comissão Arbitral, os
mesmos não foram homologados pelo Secretário de Estado do Tesouro que, diversamente, estabeleceu os seguintes:

“Empresa OO, Lda.”: Esc. 822.473$00;

“Empresa de QQ, Lda.”: Esc. 43.404$00;

“Companhia PP, S.A.R.L.”: Esc. 64$50 (Alínea E));

   6. Dos despachos de homologação parcial do Secretário de Estado do Tesouro, as AA. AA, CC e DD e ainda XX, AAA, BBB, CCC, DDD e EEE interpuseram recursos para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo o relativo à “Empresa OO, Lda.”, que seguiu termos na 1ª Secção, 1ª Subsecção, sob o n° 29.771, e o referente à “Companhia PP, SARL”, que seguiu termos na 1ª Secção, 2ª Subsecção, sob o n° 28.890, obtido provimento (Alínea F) dos Factos Assentes);

   7. O Estado Português interpôs recurso dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo para o Tribunal Constitucional, tendo o recurso obtido provimento (Alínea G));

   8. Em conformidade com as decisões do Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal Administrativo reformou os acórdãos relativos à “Companhia PP” e à “Empresa OO, Lda.”, negando provimento ao recurso contencioso de anulação, por decisões datadas, respectivamente, de 24.10.1995 e 17.10.1996 (Al. H));

   9. Relativamente à “Empresa de QQ, Lda.”, do despacho de homologação parcial do Secretário de Estado do Tesouro, as AA. AA, CC e DD e ainda XX, AAA, BBB, CCC, DDD e EEE interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que seguiu termos na 1ª Secção, 2ª Subsecção, sob o n° 29.772, não tendo o mesmo obtido provimento (Alínea I));

   10. Em todos os procedimentos supra referidos, as AA. AA, CC e DD e ainda XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF e GGG foram patrocinados, numa fase inicial, pelo Dr. RR e, numa fase posterior, pelo 1º R., Dr. MM, sendo ambos os referidos ilustres mandatários sócios da sociedade profissional de
advogados ora 2ª R., que, por sua vez e para efeitos de notificações,
substabeleceram num solicitador (Alínea J));

   11. Relativamente à “Companhia PP, SARL”, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo referido em 8. foi notificado às pessoas aí identificadas exclusivamente na pessoa do seu mandatário, o solicitador SS, em 30.10.1995 (Al. L));

   12. Relativamente à “Empresa OO, Lda.”, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo referido em 8. foi notificado às pessoas aí identificadas exclusivamente na pessoa do seu mandatário, o solicitador SS, em 22.10.1996, tendo transitado em julgado em 06.11.1996 (Alínea M));

   13. Em 17.04.1997, o 1º R. remeteu relatório onde informava:

   «(...) O STA, em cumprimento do decidido pelo Tribunal Constitucional, reformou os Acórdãos relativos à Companhia PP, SARL (24.10.95) e Empresa OO, Lda., tendo este último transitado em julgado em 6.11.1996. (..).

Parece-me existir fundamento para recurso à Comissão Europeia dos Direitos do Homem com fundamento no art. 6o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no prazo de seis meses a partir da data da decisão interna definitiva (art. 26° da citada Convenção), pelo que, relativamente à Empresa OO, Lda., a queixa pode ser apresentada até 6 de Maio p. f..

O recurso às instâncias europeias é dispendioso e moroso e não nos parece que, face à capacidade de intervenção do Estado nessas instâncias, possa trazer resultado favorável. Daí que manifestemos a nossa indisponibilidade para assumir o patrocínio nas referidas instâncias.

Junto em anexo, e conforme solicitado, dossier contendo as principais peças processuais (…)», remetendo em anexo o dossier contendo as principais peças processuais (Alínea N) dos Factos Assentes);

   14. Relativamente à “Empresa OO, Lda”, em 06.05.1997, os AA. AA, BB, CC, DD, EE, II, JJ e LL e ainda AAA, BBB, HHH, KK, III, GGG e FFF, patrocinados pelo A. Dr. LL, apresentaram junto da Comissão Europeia dos Direitos do Homem uma queixa contra o Estado Português, tendo tal procedimento corrido termos sob o n° 35998/97 (Alínea O));

   15. Em 22.12.1997, as pessoas identificadas em O) [Ponto 14. antecedente] foram notificados da decisão da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, nos termos da qual foi negada a admissibilidade da respectiva queixa com fundamento em extemporaneidade, esclarecendo a Comissão que uma vez que a decisão interna definitiva ocorreu em 17.10.1996 e foi notificada ao mandatário dos requerentes em 22.10.1996, a queixa apenas poderia ter sido apresentada até 22 de Abril de 1997 (Alínea P));

   16. Relativamente à “Empresa de QQ, Lda.”, em
11.11.999, a A. AA, XX representada pela A.
BB, ZZ representada por AAA, a A. CC, a A. DD, BBB, CCC representada pela A. EE, DDD representado por HHH e pela A. II, EEE representada pelos M. JJe LL e por KK e III, e FFF representado por GGG e FFF apresentaram junto da Comissão Europeia dos Direitos do Homem uma outra queixa contra o Estado Português, tendo tal procedimento corrido termos sob o n° 52662/99, tendo sido peticionada, após ter sido considerada não admissível a queixa apresentada por FFF, a quantia global de € 1.065.004,60, sendo € 266.074,36 a título de danos materiais, € 309.813,7 a título de juros moratórias, € 49.879,78, para cada um, a título de danos morais e € 40. 198,66 a título de reembolso de custas e honorários pagos (Alínea Q));

   17. Por carta de 19.02.2004, as pessoas identificadas em O) [Ponto 14. supra] foram notificados da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a qual entendeu que o Estado Português violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tendo, em consequência, condenado o Estado Português a pagar aos requerentes a quantia de € 100.000,00 a título de danos patrimoniais e morais, acrescida do montante de € 8.000,00 (oito mil euros) a título de custas e despesas (Alínea R));

   18. A decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não foi objecto de recurso e transitou em julgado em 19.05.2004 (Alínea S));

   19. Em 13.12.2000 e 12.12.2003, os AA. e outros requereram a notificação judicial avulsa dos ora RR. para, respectivamente, "pagarem aos ora Requerentes a quantia de Esc. 998.852.998$00, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal até integral e efectivo pagamento" e "pagarem aos ora Requerentes a quantia de € 5.286.358,76, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal até integral e efectivo pagamento", efectivadas em 19.12.2000 e 19.12.2003 (Alínea T));

   20. Os AA. enviaram ao 1º R. carta datada de 12.04.2004, por este recebida em 06.05.2004, cuja cópia se encontra junta a fls. 359-361 dos autos e que aqui se dá por reproduzida (Alínea U));

   21. XX faleceu no dia ……..19…, tendo-lhe sucedido como única herdeira a A. BB (Alínea V) dos Factos Assentes);

   22. ZZ faleceu no dia ……..19…, tendo-lhe sucedido corno única herdeira AAA, entretanto também falecida no dia 09.04.2002, tendo-lhe sucedido como única herdeira JJJ (Alínea X));

   23. BBB faleceu em ….0...20…, tendo-lhe sucedido como única herdeira a A. DD (Alínea Z));

   24. CCC faleceu no dia ……, tendo-lhe sucedido como única herdeira a A. EE (Alínea AA) dos Factos Assentes);

   25. DDD faleceu no dia ……, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros a A. II e ainda HHH, este entretanto falecido no dia …, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros os AA. FF, GG e HH (Alínea AB));

   26. EEE faleceu no dia …., tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros os AA. JJ, KK e LL e ainda III (Al. AC));

   27. FFF faleceu no dia …, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros GGG e FFF (Al. AD));

   28. Por carta datada de 05.02.1997, o A. LL comunica ao 1º R. que "Fui mandatado pelos herdeiros de LL para proceder ao contacto com o Exmo. Colega relativamente ao assunto supra, tendo em consideração de que, face à informação prestada por V. Exa., se encontra esgotado o recurso às instâncias jurisdicionais nacionais. (...)

Em face do exposto, urge, pois, esclarecer qual o estado dos processos judiciais promovidos pelos herdeiros de LL bem como, qual o procedimento mais adequado a estabelecer no futuro, em caso disso, pelo que, desde já, e sem prejuízo de se realizar, em data a definir, uma reunião para o efeito, se solicita a V. Exa. o esclarecimento dos seguintes pontos:

Qual o estado dos processas judiciais instaurados?

Em face das circunstâncias dos processos existe viabilidade de recurso às instâncias judiciais europeias, designadamente junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem? Em caso disso, qual o prazo? (...)

 4- Interesse da Sociedade de Advogados supra melhor identificada em patrocinar, em caso disso, queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem? (...)” (Alínea AE) dos Factos Assentes);

   29. O A. Dr. LL é advogado, encontrando-se inscrito na Ordem dos Advogados desde 02.01.1988 (Alínea AF));

   30. Por conta do 1º R., a extinta “Companhia de Seguros TT” garantia, até 31.12.2001, a responsabilidade civil da 2ª R., por danos corporais e/ou materiais, até ao montante de Esc: 10.000.000S00 (hoje € 50.000,00), nos termos da apólice nº … (Al. AG));

   31. Por conta do Dr. KKK, a extinta “Companhia de Seguros TT” garantia, até 19.06.1997, a responsabilidade civil da 2ª R., por danos corporais e/ou materiais até ao montante de Esc: 10.000.000$00 (hoje € 50.000,00) nos termos da apólice nº … (Alínea AH));

   32. Por conta do Dr. RR a extinta
“Companhia de Seguros TT” garantia, até 28.12.1999, a responsabilidade civil da 2ª R., por danos corporais e/ou materiais, nos termos da apólice n° … (Al. Al));

   33. Por conta do Dr. DDD a extinta “Companhia de Seguros TT” garantia, até 31.01.2001, a responsabilidade civil da 2ª R., por danos corporais e/ou materiais, nos termos da apólice n° …/02 (Al. AJ));

   34. A “Companhia de Seguros TT” encontra-se hoje integrada na Interveniente “TT - Companhia de Seguros, SA” (Al. AL));

   35. Sobre a apólice n° … incide uma franquia de 10% do sinistro com um mínimo de Esc: 200.000$00 (hoje € 1.000,00) e sobre a apólice n° … incide uma franquia de Esc: 150.000$00 (Alínea AM));

   36. Em data anterior a 17 de Abril de 1997, o 1º R. reuniu-se com representantes dos AA. informando de que não estava disponível para prosseguir com o patrocínio quanto aos processos a mover em sede da Comissão Europeia dos Direitos do Homem (Resposta ao quesito 2° da BI);

   37. Os A.A. sempre manifestaram aos RR. interesse em utilizar todas as vias legalmente admissíveis para exposição e julgamento da sua pretensão (Resposta ao quesito 3º);

   38. Perante a posição assumida pelo 1º R. no sentido de não querer assumir o patrocínio quanto aos processos a mover em sede da Comissão Europeia dos Direitos do Homem e a fim de possibilitar a instrução dos mesmos, os AA. solicitaram a consulta aos respectivos dossiers (Resposta ao quesito 4º);

   39. O 1º R. disponibilizou aos AA. o dossier contendo as principais peças processuais conforme referido em N) [Ponto 13., supra]) (Resp. quesito 5º);

   40. Atenta a informação referida em N) [Ponto 13., supra] quanto ao prazo para apresentar a queixa à Comissão relativamente à “Empresa OO, Lda.”, e não pondo sequer em causa a sua exactidão, os AA. apresentaram a queixa referida em O) [Ponto 14., supra] (Resp. quesito 6º da BI);

   41. Como os RR. sempre souberam, a atribuição de uma justa indemnização pela nacionalização das sociedades “Empresa de QQ, Lda.”, “Empresa OO, Lda.” e “Companhia PP, SARL” e o reconhecimento do direito dos AA. tem sido, desde há longa data, uma morosa cruzada e uma batalha moral dos AA. (Resposta ao quesito 9º da BI);

   42. Os RR. estavam mandatados pelos AA. para patrocinarem os interesses destes relacionados com as nacionalizações/indemnizações (Resp. quesito 13º);

   43. Após ter recebido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo relativo à “Companhia PP”, o 1º R. dele deu conhecimento ao Dr. LL, remetendo-lhe cópia (Resposta ao quesito 15º);

   44. A informação referida em N) [Ponto 13., supra] quanto ao prazo para apresentar a queixa à Comissão, foi prestada pelo 1º Réu em resposta a um pedido de esclarecimento formulado pelo A., Dr. LL, formulado na carta aludida em AE) [Ponto 28. supra] (Resp. quesito 18º);

   45. Os AA. sabem que o 1º R. e todos os associados da 2ª R. são advogados com muito prestígio, vasta clientela e que exerceram e exercem cargos públicos de relevo (um deles foi Bastonário da Ordem dos Advogados, outro foi Ministro da Justiça) (Resposta ao quesito 19º);

   46. Os AA. sabem que os RR. são muito respeitados social e
profissionalmente (Resp. quesito 20º);

   47. A presente acção tornou-se conhecida nos meios forenses pelo pedido e pessoas dos RR. (Resposta ao quesito 22º da BI);

   48. O 1º R. empreendeu várias diligências junto do Governo para tentar obter uma solução de equidade para a medida da indemnização que havia sido paga aos AA., diligências que não tiveram êxito (Resp. quesito 26º);

   49. O patrocínio conferido ao Dr. LL para a elaboração e apresentação de queixa relativamente à “Empresa OO, Lda.” foi-lhe conferido em Maio de 1997 (Resposta ao quesito 27º da BI);

   50. Os AA. e seus antecessores conferiram aos RR. um mandato amplo com todos os poderes forenses gerais em direito permitidos, para a defesa de todos os seus direitos e interesses, sem qualquer determinação da natureza, âmbito e nacionalidade da(s) jurisdição(ões) a accionar (Resp. quesito 29º);

   51. O 1º R. prestou a informação do prazo para apresentação da queixa junto da comissão referida em N) [Ponto 13., supra] (Resp. quesito 32º);

   52. Com o dossier referido em N) [Ponto 13. supra], os AA. tiveram conhecimento de toda a documentação dos processos judiciais (Resposta ao quesito 33º da BI).

         4. - Mérito dos recursos.

        

         4. 1. - Nulidade parcial do acórdão. Recurso do Réu MM.

        

         O Recorrente argúi a nulidade parcial do acórdão que impugna a pretexto de o fundamento do pedido dos Autores ter sido “tão só e exclusivamente a prestação de informação errada quanto ao termo do prazo de queixa perante a CEDH” e de, apesar disso, os Julgadores se terem ocupado da questão “informação/entrega tardia” dos dossiers, não invocada como causa de pedir, como fundamento da responsabilidade e da obrigação de indemnização.

         Visto o conteúdo do acórdão recorrido, constata-se que, depois de apreciar o comportamento profissional do R. na vertente da informação prestada sobre o prazo de interposição do recurso, que foi tido por “menos cuidadoso”, se passou a analisar a “questão fulcral … da tardia informação prestada pelo 1º R. ao A., seu cliente”, que “principalmente, veio a determinar o desfecho da acção naquele Tribunal (TEDH)”, concluindo-se “que o 1º R., no exercício do mandato, omitiu actos essenciais à prossecução dos interesses dos AA, actos que estava contratualmente obrigado a praticar”.

         Compulsada a sentença, verifica-se que, relativamente à “Empresa OO” o fundamento/causa de pedir da responsabilidade do 1º R. objecto de apreciação e julgamento foi a informação errada sobre o prazo do recurso, que determinou a respectiva apresentação tardia.

         Finalmente, recuando até à petição inicial, relevará o contido nos artigos 31º a 34º e 42º, alegação onde se faz assentar a responsabilidade do R. apenas na incorrecta ou errada informação, impeditiva do exercício do direito de recurso.            

         Como se sabe, a nulidade cominada no art. 668º-1-d), 2º parte – excesso de pronúncia – é a sanção para a violação do disposto no n.º 2 do art. 660º CPC.

         Por isso, o excesso de pronúncia existe quando o julgador, fora do âmbito das questões de que a lei lhe impõe conhecimento oficioso, se ocupe (conheça) de questões não suscitadas pelas partes, violando o princípio da correspondência entre a acção e a sentença.

         Por “questão” deve entender-se o conjunto formado pelo pedido e pela causa de pedir que o fundamenta.

         Ora, assim sendo, bem se vê que ao apreciar ex novo o tema da “tardia informação prestada pelo 1º Réu”, quanto à “Empresa OO”, como constitutivo de responsabilidade e fonte da obrigação de indemnizar, sem que a respectiva factualidade tivesse, com tal finalidade, sido articulada na petição e tratada na sentença, o acórdão incorreu e padece do vício formal que lhe vem imputado.

         A nulidade deve ser suprida por este Tribunal, como determinado no n.º 1 do art. 731º CPC, suprimento que, por ser o adequado, terá de consistir na eliminação desse fundamento do operado reconhecimento do incumprimento da obrigação pelo Réu.

         Consequentemente, o acórdão recorrido considera-se modificado mediante a supressão da parte relativa ao conhecimento da questão da responsabilidade fundada na “tardia informação prestada”.

         4. 2. - Responsabilidade pela informação. Questão comum a ambos os recursos.

        

         4. 2. 1. - Como já definido no aresto impugnado, em causa está apenas a matéria relacionada com a actuação do Réu MM perante os Autores, no tocante ao exercício do direito ao recurso para o TEDH, relativamente à decisão do STA proferida no processo de avaliação “Empresa OO, Lda.”.

            Mais restritamente, como decidido no ponto anterior, fica sob apreciação a conduta do referido Réu, e seus efeitos, consubstanciada na informação escrita, prestada ao R. LL, a pedido deste, que o recurso poderia ser interposto “no prazo de seis meses a partir da data da decisão interna definitiva (art. 26º da Convenção), pelo que, relativamente à Empresa OO, a queixa pode ser apresentada até 6 de Maio p.f.”. 

            Apreciando o comportamento profissional do 1º Réu, a Relação considerou “a resposta dada, em termos jurídicos incompleta”, por decorrer da filiação a uma das correntes jurisprudenciais, que nem sequer era maioritária, impondo-se-lhe, por isso, que indicasse o termo do prazo seguido por cada uma das duas correntes, omissão que reflecte um “comportamento menos cuidadoso”, do mesmo passo que afastou a ideia de que de o 10º A., pelo facto de ser advogado, não devesse aceitar como boas as informações ou tivesse de as pôr em crise, provindo, como provinham, de advogado conceituado e com prestígio profissional, que, por isso, deixava os AA. “sossegados e confiantes perante as informações que lhes foram sendo prestada”.

           

            O Réu insiste na posição que defende desde a contestação, agora com mais desenvolvida argumentação, no sentido de que a informação em causa não foi prestada no âmbito do mandato, mas em resposta a uma pergunta do 10º A., advogado, que patrocinou a queixa na CEDH, informação que correspondia à interpretação correcta, em face da lei, doutrina e jurisprudência ao tempo conhecidas, em Portugal representada e liderada por Ireneu Cabral Barreto e vertida nas anotações à 1ª edição da Convenção Europeia, ocorrendo a alteração da orientação da jurisprudência do TEDH com o caso LLL, de sorte que, no contexto em que a informação foi prestada, outra não era exigível. Além disso, o novo mandatário dos AA. tinha também o dever de estudar a Convenção e o direito de queixa, prevenindo, se fosse o caso, interpretação diversa.     

       

            4. 2. 2. - Importará, antes de mais, convocar, de entre a matéria de facto que vem provada, a efectivamente relevante para a apreciação e decisão da questão, a saber:

         O Réu MM foi mandatário forense dos AA. em três processos de impugnação contenciosa de acto do Governo, um dos quais referente à “Empresa OO, Lda.” em que o STA proferiu decisão, que, notificada ao 1º R., transitou em julgado em 6-11-96;

         Em data anterior a 17 de Abril de 1997, o 1º R. reuniu-se com representantes dos AA. informando que não estava disponível para prosseguir com o patrocínio quanto aos processos a mover em sede da CEDH;

         Perante a posição assumida pelo 1º R., de não querer assumir o patrocínio quanto a processos a mover n CEDH, e a fim de possibilitar a instrução dos mesmos, os AA. solicitaram a consulta dos respectivos dossiers;

Por carta datada de 05.02.1997, o A. LL comunicou ao 1º R. que "Fui mandatado pelos herdeiros de LL para proceder ao contacto com o Exmo. Colega relativamente ao assunto supra, tendo em consideração de que, face à informação prestada por V. Exa., se encontra esgotado o recurso às instâncias jurisdicionais nacionais. (...)

Em face do exposto, urge, pois, esclarecer qual o estado dos processos judiciais promovidos pelos herdeiros de LL bem como, qual o procedimento mais adequado a estabelecer no futuro, em caso disso, pelo que, desde já, e sem prejuízo de se realizar, em data a definir, uma reunião para o efeito, se solicita a V. Exa. o esclarecimento dos seguintes pontos:

Qual o estado dos processas judiciais instaurados?

Em face das circunstâncias dos processos existe viabilidade de recurso às instâncias judiciais europeias, designadamente junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem? Em caso disso, qual o prazo? (...)

 4- Interesse da Sociedade de Advogados supra melhor identificada em patrocinar, em caso disso, queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem?”;        

         Em 17.04.1997, o 1º R. remeteu relatório onde informava:

   «(...) O STA, em cumprimento do decidido pelo Tribunal Constitucional, reformou os Acórdãos relativos à Companhia PP, SARL (24.10.95) e Empresa OO, Lda., tendo este último transitado em julgado em 6.11.1996. (..).

Parece-me existir fundamento para recurso à Comissão Europeia dos Direitos do Homem com fundamento no art. 6º da Convenção, no prazo de seis meses a partir da data da decisão interna definitiva (art. 26° da citada Convenção), pelo que, relativamente à Empresa OO, Lda., a queixa pode ser apresentada até 6 de Maio p. f..

O recurso às instâncias europeias (…). Daí que manifestemos a nossa indisponibilidade para assumir o patrocínio nas referidas instâncias.

Junto em anexo, e conforme solicitado, dossier contendo as principais peças processuais (…)»;

Atenta a informação referida quanto ao prazo para apresentar a queixa à Comissão relativamente à “Empresa OO, Lda.”, e não pondo sequer em causa a sua exactidão, os AA. apresentaram queixa junto da CEDH, contra o Estado Português, em 06-5-1997, patrocinados pelo A., Dr. LL;

O A. Dr. LL é advogado, encontrando-se inscrito na Ordem dos Advogados desde 02-01-1988.

A queixa não foi admitida, com fundamento em extemporaneidade, com fundamento em que “o prazo de seis meses se conta a partir do momento em que o requerente constata que não obteve provimento na situação contestada” e que “quando, por força do direito interno, a decisão interna definitiva deva ser notificada por escrito (…), este prazo é contado a partir da data da notificação”. Porque esta ocorreu em 22-10-96, a queixa poderia ser apresentada até 22-4-97.

Em anotação ao art. 26º, então em vigor, da “Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, de Ireneu Cabral Barreto, pode ler-se no ponto 4., que se transcreve:

“4. A queixa tem de ser apresentada no prazo de seis meses a contar da data da decisão interna definitiva, evitando-se assim que decisões antigas sejam postas em questão e com elas a sua segurança jurídica.

Esta regra, constituindo uma excepção às atributivas de competência, exige uma interpretação restritiva - Decisão de 9 de Junho de 1958, Queixa n.º 214/ /56, Ann. Conv., vol. lI, p. 215.

Por decisão interna definitiva deve entender-se a decisão tomada no quadro normal de esgotamento das vias internas de recurso utilizáveis para fazer cessar ou reparar a violação - Decisões de 14 de Julho de 1977, Queixa n.º 7629/75, DR,9, p. 37, 16 de Maio de 1985, Queixa n.º 10 530/83, DR, 42, p. 171, e de 12 de Fevereiro de 1992, Queixa n.º 14807/89, DR, 72, p. 148.

O prazo conta-se a partir, não da data da decisão, mas do momento em que o requerente ou o seu advogado teve dela conhecimento ou devia conhecê-la ­Decisão de 28 de Maio de 1991, Queixa n.º 14056/88, DR, 70, p. 208 (397).

Se a decisão foi tomada em audiência pública, na presença do requerente ou do seu advogado, é a partir da data da audiência que o prazo começa, em princípio, a correr - Decisões de 20 de Maio de 1976, Queixa n.º S7S9/72-R, 6, p. 15, e de 12 de Julho de 1984, Queixa n.º 9991/82, DR, 39, p. 147.

Mas, se segundo o direito interno, o «conhecimento» da decisão exige notifi­cação, será a partir desta que o prazo se inicia - Decisão de 13 de Março de 1984, Queixa n.º 9299/81, DR, 36, p. 20.

  ____________________

(397)  Se se trata de uma decisão judicial, a partir da data em que transita em julgado ­Decisão de 9 de Dezembro de 1991, Queixa n.º 12077/86, DR, 71, p. 12”.

4. 2. 3. - Seguramente que a informação prestada pelo Réu, quanto à concretização da data do termo do prazo de apresentação da queixa perante a Comissão, foi julgada errada, pois que, segundo esta Entidade assentou no erróneo pressuposto de o termo a quo se dever contar, naquele caso, da data da notificação do acórdão do STA, havido como decisão interna definitiva.

Foi, com efeito, neste sentido que, na decisão de não admissão a Comissão interpretou e aplicou a norma do art. 26º da Convenção (actualmente art. 35º-1) que dispõe que “A Comissão (hoje, o Tribunal) só pode ser solicitado a conhecer de um assunto …num prazo de seis meses a contar da data da decisão interna definitiva (dans um delai de six mois à partir de la date de la décision interne définitive)”.

De notar, abrindo, este propósito, um parêntese, que, na versão autêntica em língua francesa, não há qualquer alteração na redacção do segmento do preceito que ora nos ocupa desde a originária, aprovada em Portugal pela Lei n.º 65/78, de 13/10, até à do actual art. 35º-1, emergente do Protocolo n.º 11, de 1994, aprovado pela Resolução da AR n.º 21/97 e publicada no DR n.º 102-1ª Série, de 3-5-97. A alteração surge apenas, com o aditamento intercalar da expressão “de prolação”, sem qualquer justificação, na tradução para língua portuguesa da dita versão autêntica (cfr. o texto do corpo da Resolução) do mesmo Protocolo, publicada no citado DR., de 1997, de sorte que nessa tradução do n.º 1 do art. 35º se pode agora ler “a contar da data de prolação da decisão interna definitiva”.  

Como reconhece o R. MM, a informação foi prestada como advogado.

Foi, ela, prestada ao Autor LL, também ele advogado, mediante solicitação deste, já ciente de que se encontrava esgotado o recurso às instâncias jurisdicionais nacionais. 

Sabe-se ainda que, quando o Réu prestou a informação, já os AA. conheciam a sua indisponibilidade para prosseguir com o patrocínio junto da CEDH, embora se desconheça se esse facto já era do conhecimento do A. LL, designadamente em data anterior à do envio da carta em que solicitava as informações.

Nesta conformidade, crê-se não ser possível integrar a conduta do Réu no âmbito das prestações principais devidas em cumprimento do contrato de mandato forense, quanto à informação em questão, tendo em conta o momento em que foi prestada, desde logo à luz da regra da livre revogabilidade do mandato, sendo que não está em causa a cessação injustificada do patrocínio das questões cometidas (arts. 1170º-1 C. Civil e 83º (actualmente 95º) -1-e) do Estatuto da Ordem dos Advogados).

Com efeito, não só os quesitos onde tal se indagava – positiva e negativamente, em questionário bi-partido segundo as versões das Partes -, nomeadamente os n.ºs 18º, 30º, 32º e 33º, mereceram respostas negativas ou restritivas relativamente à extensão e conteúdo do mandato e ao tempo de conhecimento da intenção dos RR. de não continuarem a patrocinar os AA., como, por via de tais respostas, se haveria de ter por a inviabilizada a admissibilidade de qualquer ilação sobre a matéria, a integrar uma verdadeira alteração, e não consentida, da matéria de facto.

É que, ao menos a nosso ver, as informações pedidas e prestadas não têm a mesma natureza.

Assim, se parece claro que as perguntas sobre o estado dos processos e viabilidade de recursos para as instâncias europeias, e respectivas respostas, bem como a entrega do dossier, cabem nas prestações devidas pelo mandatário (arts. 1161º-b) e c) C. Civil e 83º (agora 95º) -1, a) e b) do EAO), pois que se referem ainda à relação contratual, ainda que em liquidação, tendo por objecto as questões confiadas e respectivo andamento, já nos não parece que uma informação sobre o prazo para instaurar uma queixa, que o autor da informação, enquanto técnico, já anunciara não patrocinar, possa, sem mais, considerar-se inserido no âmbito das obrigações de um mandato forense que o mandatário anunciara não aceitar continuar.

Trata-se, ao demais, de uma espécie de informação que só se compreende bem enquanto resposta a consulta feita por alguém que tem como pressuposta e admitida a hipótese provável de o mandato para a instauração da queixa não ser aceite pelo mandatário que dera por finda a sua actuação. Tudo, enfim, para além do mandato anteriormente em vigor, ou seja, já fora da actividade que se provou ter sido ajustada, e aquém de um renovado mandato, porque referido a actividade nunca aceite.      

Tal não significará, porém, que, dadas as relações entre as Partes e todo o circunstancialismo envolvente da extinção do vínculo contratual, se deva remeter a questão da responsabilidade para o puro campo da responsabilidade extracontratual, pois que, se bem se pensa, apesar das aludidas posição profissional do destinatário e especificidade da natureza da informação, tudo se passa, ainda, no âmbito de deveres de prestação compreendidos nas operações de liquidação das relações obrigacionais entre as Partes, em cujo cumprimento a informação se apresenta diluída (cfr. A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 125).     

  

Com efeito, é geralmente aceite que certas obrigações laterais de prestação de informação possam “resultar da exigência da boa fé, em ligação com os usos do tráfico e o conteúdo concreto da relação contratual”, sendo que deveres desse tipo avultam com particular intensidade “nas relações jurídicas duradouras, que geram uma confiança especial (SINDE MONTEIRO, “Responsabilidade por Conselhos Recomendações e Informações”, 1989, pg. 47).

Escreve ainda o mesmo Ilustre Professor (ob. cit., 48) que, quando as informações ou conselhos são prestados, espontaneamente ou mediante pedido prévio, no desenvolvimento de uma relação obrigacional “ou em ligação com o respectivo objecto, existe o dever de os dar com a necessária diligência e cuidado, pelo menos na medida em que a outra parte pode considerar o que informa possuidor de especiais conhecimentos sobre a matéria”.

 

4. 2. 4. - O art. 485º do C. Civil prevê a responsabilidade de quem dá informações ou conselhos quando, designadamente, haja o dever jurídico de dar o conselho ou informação e o agente tenha procedido com negligência.

Embora sediada entre as normas que tratam da responsabilidade civil extracontratual, está-se perante uma previsão de responsabilidade de fonte legal ou negocial, pois que só em tais situações se verificará o pressuposto da existência do dever jurídico.

A informação prestada deve ser conforme à verdade e tão completa quanto possível.

Por isso, uma informação objectivamente incorrecta, se for culposamente prestada, gera, para o informante, a obrigação de indemnizar.

De notar que, no juízo sobre a incorrecção objectiva da informação não pode deixar de se considerar que a mesma “tem como conteúdo a concepção pessoal do perguntado”. Por isso, quando a informação pressuponha um estudo científico da questão sobre que recai ou um trabalho de investigação intelectual, não pode ser exigida uma absoluta exactidão, pois que está em causa uma obrigação de meios e não de obtenção de certo resultado.

 Deve, então, o agente “informar-se dos elementos necessários à formação da opinião, e fazer a respectiva aplicação técnica, de acordo com as leges artis, sendo nesta dupla perspectiva que se analisa a exactidão, a apreciar com referência ao momento em que é dada, segundo as informações mais recentes então disponíveis” (A. e ob. cit., 388-389).

Se o autor da informação actua de forma leviana e inconsciente, há, seguramente, negligência qualificada, com violação grave dos deveres profissionais.

Em qualquer caso, se é cognoscível que a informação é pedida e dada para servir como base de uma decisão, é exigível que nela se ponha o cuidado exigível e adequado à satisfação do interesse visado, impondo-se que sejam “evitadas omissões de factos geradores de uma falsa impressão; não se podem afirmar como seguros aqueles de cuja verdade o informante não estava convencido, ou não pode estar convencido se usar um mínimo de reflexão; eventualmente, as dúvidas devem ser comunicadas”.

A “conduta leviana, inconsiderada, irresponsável ou grosseiramente negligente poderá traduzir uma indiferença pela verdade, que o juízo de ilicitude seja (…) de afirmar” (SINDE MONTEIRO, cit., 565/6).     

         Em sede prova da violação dos deveres objectivos de cuidado, encerrando ilicitude e culpa, e respectivo ónus da prova, será de referir que, movendo-nos no domínio das obrigações de meios, não bastará a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para considerar provado o incumprimento ou o cumprimento defeituoso. É necessário provar que o devedor (médico ou advogado, por exemplo) não realizou os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão.

Deverá o credor, além de demonstrar a falta de verificação do resultado prosseguido, “individualizar uma concreta falta de cumprimento (ilícita). Dada a índole da obrigação, carece de demonstrar que os meios foram não empregues pelo devedor ou que a diligência prometida com vista a um resultado não foi observada”, de sorte que, em tal tipo de obrigações, obrigações terá o credor de identificar e fazer provar a exigibilidade dos meios ou da diligência (objectivamente) devida. “A presunção de culpa tende, portanto, a confinar-se à mera censurabilidade pessoal do devedor” isto é, a presunção reduzir-se-á à culpa em sentido estrito (CARNEIRO DA FRADA, “Responsabilidade Civil – O Método do Caso”, 81; A. VARELA, ob. cit., 88; ac. de 28-9-2010, desta Secção- proc. 171/2002.S1).

Se não está em causa a prestação de um resultado determinado, não será suficiente alegar e demonstrar a sua não obtenção ou a verificação de um resultado diferente do esperado para que exista incumprimento ou cumprimento defeituoso, pois que a violação da obrigação reside sempre na prática deficiente/defeituosa do acto ou na abstenção da prática de actos exigidos pela situação que se coloca. O que se exige, sob pena de violação do dever jurídico que enforma a sua prestação, é que o devedor actue em conformidade com as regras de arte e actue com diligência normal (ac. de 18-9-2007- proc. 07A2334, relatado pelo ora relator).

4. 2. 5. - Estando sob escrutínio a actuação profissional de Advogado, tratar-se-á de saber se se deve concluir que a informação prestada foi objectivamente desconforme ao padrão de conduta profissional que um advogado medianamente competente, prudente e sensato teria tido, quando confrontado, na ocasião, com uma solicitação daquele teor, e se, apesar disso, o R. demonstrou que a sua conduta foi, no caso e perante as circunstâncias, a que lhe era exigível.  

         Relembre-se, aqui, que o juízo relevante a formular recai sobre a conformidade ou justeza, em termos objectivos, do conteúdo da informação efectivamente fornecida com o referido padrão de conduta profissional, em ordem à obtenção do resultado pretendido com a respectiva obtenção.

                É através dele que se afere o cumprimento da obrigação de meios, a ilicitude da conduta.      

        Trata-se, portanto, de saber, na determinação do concurso da ilicitude da conduta, se os meios exigíveis, adequados e diligentes, postulados pelas regras estatutárias e deontológicas dos advogados, não foram cumpridos pelo Réu, enquanto devedor de um comportamento enformado por essa diligência.

         A exigibilidade de comportamento diferente interessa já à matéria de culpa e ao afastamento da respectiva presunção (art. 799º-1 C. Civil).

         Como consta do transcrito art. 83º-1-d) do EOA, o advogado tem o dever de “estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido” e, como, a este propósito se escreve no acórdão recorrido «se não tem preparação, ou não dispõe de tempo para o fazer, não deve aceitar o mandato». Se lhe falha competência ou não estuda a questão, procurando dominar os seus possíveis desfechos, e, por causa disso, comete um erro grave, incumpre o dever de prestação e deve ser responsabilizado.

         Tem-se entendido, com efeito, que o facto gerador de responsabilidade terá que decorrer da falta de diligência na abordagem da questão a tratar e que, além disso, tem de ser passível de censura, por integrar um erro profissional indesculpável (ac.de 10-3-2011-proc. 9195/03.0TVLSB.L1.S1).

4. 2. 6. - Na decisão impugnada julgou-se, como dito, “menos cuidadoso” o comportamento do 1º Réu, com o fundamento de, em resumo, a resposta dada ter sido incompleta, por a indicação do prazo ali indicado decorrer da filiação do Exmo. Mandatário a uma das correntes jurisprudenciais, que então vingava naquele Tribunal Europeu, sendo certo que nem sequer era a maioritária, o que imporia ao senhor Advogado que, perante a existência de duas correntes jurisprudenciais distintas, indicasse o termo do prazo de cada uma delas, seguindo a denominada "jurisprudência das cautelas".

Para tanto, argumentou-se com as anotações ao art. 26º da Convenção na obra de Ireneu Cabral Barreto, supra referida, onde, escreveu-se «o que podemos ler, como constituindo uma opinião emitida pelo mesmo, é que "o prazo conta-se a partir, não da data da decisão, mas no momento em que o requerente ou o seu advogado, teve dela conhecimento ou devia conhecê-la - Decisão de 28 de Maio de 1991. Queixa n° 14 056/88, DR. 70, p. 208". Em nota de rodapé refere, apenas, uma outra decisão de 09 de Dezembro de 1991 (Queixa n° 12 077/86, DR. 71, p. 12), em que transcreve: "se se trata de uma decisão judicial, a partir da data em que transita em julgado", nada podendo sustentar, como o pretendem os RR., que se trata de uma opinião sufragada pelo mesmo.

Aliás, tanto assim o não é que, no parágrafo seguinte àquela primeira afirmação, podemos ler no texto que: "se a decisão foi tomada em audiência pública, na presença do requerente ou do seu advogado, é a partir da data da audiência que o prazo começa, em princípio, a correr (...)".

Fundamentando a sua pretensão indemnizatória baseada na informação prestada pelo Réu, os AA. alegaram, e alegaram apenas, que, recebida a mesma, não puseram sequer em causa a sua exactidão (art. 25º), que “como o 1º R, não devia ignorar , a observância do prazo de seis meses previsto no art. 26º (…) para a apresentação da queixa constitui uma condição de admissibilidade, sendo examinada ex officio pela Comissão” (art. 27º), que “deste modo, é manifesto que a orientação técnica preconizada pelo 1º R. comprometeu irremediavelmente os interesses (…) dos AA.” (29º), que “a incorrecta informação quanto ao momento até ao qual poderia ser apresentada a queixa (…)” impediu a pretensão indemnizatória dos AA. (32º), “única e exclusivamente derivado da informação errada” (35º).

O Réu, por sua vez, respondeu, relembra-se, que a informação dada era correcta, e não errada, pois que a data do acórdão do STA só se tornou definitiva em 6-1196, como consta da informação, sendo que uma decisão judicial só se torna “definitiva” quando transita em julgado, tendo-se o Réu apoiado na doutrina, ao tempo, mais representativa em Portugal, liderada por Ireneu Cabral Barreto, designadamente na nota n.º 397 ao art. 26º da Convenção, respeitante a decisão em que se estatuía que quando uma decisão judicial fosse susceptível de recurso (no caso sê-lo-ia para o Pleno do STA), o prazo contar-se-ia a partir do trânsito em julgado. Acrescentou que essa jurisprudência foi alterada, precisamente, como o caso destes autos.

Pois bem.

Como reflecte a transcrita matéria alegada como fundamento da pretensão da A., limitando-se ela, como limita, a remeter para apenas para a prestação de uma informação incorrecta ou errada, causa do dano, há-de convir-se que nada se alegou e, consequentemente, se provou, relativamente a desconformidade, deficiência, inadequação ou outra forma de má execução relativamente à sequência de actos praticados pelo Réu que se concluíram com a transmissão da informação tida como errada na decisão da Comissão.

Alegaram-se e provaram-se “resultados”.

Ora, como se deixou enunciado, no campo específico das obrigações de meios, não basta a demonstração da não obtenção do resultado almejado com a prestação para considerar provado o incumprimento, isto é, a ilicitude da conduta do devedor, sendo ainda necessário demonstrar que não se empregaram os meios que a natureza da obrigação e a diligência devida reclamavam, alegação e prova que, por omissão dos AA., ficou por fazer, apesar de sobre eles recair o respectivo ónus.   

Sobram, pois, os elementos objectivados no texto da lei e da interpretação que o Réu dela fez.

O Réu forneceu ao A. que lhe pediu a informação, também ele Advogado, o texto da lei, indicando o artigo e o diploma, mas, interpretando-o e concretizando o resultado dessa actividade, acrescentou que “a queixa pode ser apresentada até 6 de Maio, p.f.”. Tivesse-se o Réu ficado pela transcrição do texto da norma e referência à data da decisão e, certamente, não se estaria a falar de incorrecção ou incompletude da informação, tendo presente que a solicitação era de alguém que tinha a qualidade de Advogado, sendo também o seu destinatário.

  

         De qualquer do que se dispõe e está em causa é se, perante a doutrina e jurisprudência conhecidas em Abril de 1997, ao 1º Réu violou objectivamente deveres de cuidado na recolha ou selecção de elementos adequados à prestação da informação que acabou por dar.

         Divergindo da argumentação utilizada no acórdão recorrido, afigura-se-nos que a factualidade disponível não permite emitir um juízo de negligência (pouco cuidado) sobre o comportamento do Recorrente.

         Com efeito, em primeiro lugar, não parece que possa afirmar-se, para depois valorar, que o R. tivesse optado por uma qualquer corrente jurisprudencial em detrimento de outra ou outras. Não se vê que tal se encontre provado ou de qualquer forma adquirido no processo, não tendo mesmo sido alegado.

         Não se vislumbra, com esse fundamento, incompletude na informação e violação da cautela exigível.

  

         Depois, quanto à interpretação do preceito, não pode rejeitar-se, por irrazoável, a interpretação do sentido da expressão “data da decisão interna definitiva” como correspondente a data do trânsito em julgado da decisão dos tribunais nacionais, pois que é este o sentido com que, em regra, o termo “definitiva”, referido a decisões judiciais, é utilizado e entendido para o intérprete nacional.

         Consequentemente, sendo essa uma das interpretações possíveis, nada choca que, lendo as mencionadas (e transcritas) anotações ao art. 26º, conhecidas a exiguidade da doutrina e jurisprudência sobre a matéria e a autoridade do Autor da obra, também nada repugna que delas se conclua que, sendo a decisão a impugnar uma decisão judicial, sobretudo, se ela mesma poderia ter sido impugnada, o prazo para apresentação da queixa se conte da data do respectivo trânsito em julgado.

         É que, ao menos em nosso juízo, não será de afirmar linearmente que as várias anotações sejam antagónicas, conflituem entre si ou reflictam diferentes posições jurisprudenciais ou doutrinais.

         Efectivamente, neutras, relativamente o tema, as três primeiras anotações, restam a 4ª, 5ª e 6ª.

         Em nenhuma delas se faz expressa referência à natureza da decisão como decisão judicial, sendo que, como é sabido, a competência da Comissão se estende sobre um vasto leque de decisões da administração, no seu sentido mais lato, desde que tenham por objecto a violação da Convenção (art. 32º), incluindo as judiciais.

         Ora, referindo-se a 4ª anotação a contagem do prazo “a partir, não da data da decisão, mas do momento em que o requerente ou o seu advogado teve dela conhecimento”, sem, mais uma vez, identificar essa decisão como uma decisão judicial, acrescentando-lhe a nota 397 a dizer que “se se trata de decisão judicial, a partir da data em que transita em julgado”, parece que, perante uma tal específica sequência e ligação entre essa – apenas essa – anotação e a nota que lhe merece, tudo sugere que a conclusão vá direitinha para o entendimento que o Réu acabou por acolher.         

Se, por via disso, o Réu se convenceu do acerto técnico da posição jurídica que verteu na informação, e aquela se apresenta como plausível e fundada, não se vê que, ao agir como agiu, possa ter incorrido em negligência passível de integrar responsabilidade profissional.

Indemonstrado o incumprimento objectivo dos deveres de cuidado – a ilicitude -, a questão da prova, pelo 1º Réu, da utilização dos meios exigíveis e adequados disponíveis, em sede de ilisão de culpa, já nem sequer se coloca, embora, pelas razões convocadas, trazidas a lide pelo Réu, o juízo de censura se não antolhe de formular. 

Em conclusão, não concorrem os pressupostos da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar, por falhar, desde logo, a prática de facto ilícito imputável ao Réu.

4. 3. – Recurso da Interveniente.

Como consequência do decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões propostas no recurso da Interveniente “UU, SA”, bem como as colocadas na revista do Réu  MM, que tinham como pressuposto o reconhecimento da responsabilidade e obrigação de indemnizar deste Réu – art. 660º-2 CPC.

Por isso, a decisão impugnada não pode subsistir, devendo, antes, repor-se o sentenciado na 1ª Instância.

5. - Decisão.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em:

- Conceder as revistas;

- Revogar o acórdão impugnado;

- Repor em vigor o decidido na sentença da 1ª Instância; e,

- Condenar os Recorridos nas custas.

Lisboa, 5 Fevereiro 2013

Alves Velho (relator)

Paulo Sá

Garcia Calejo