Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
61/21.9GBMTS.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: RECURSO PER SALTUM
FURTO
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA ÚNICA
MEDIDA DA PENA
PERDA DE INSTRUMENTOS
PRODUTOS E VANTAGENS
Data do Acordão: 06/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Quando os bens objeto de subtração forem recuperados, como é o caso de veículos automóveis furtados, eles devem ser restituídos às vítimas ou lesados (art. 186.º, n.º 1 do CPP), não havendo razões para operar a declaração de perda desta vantagem patrimonial.
Quando os produtos ou vantagens não puderem ser apropriados em espécie, deve o arguido ser condenado ao pagamento ao Estado do valor correspondente à vantagem patrimonial que auferiu, atento o disposto no n.º 4 do art. 111.º do CP.
Neste caso o Estado fica apenas com um direito de crédito sobre o arguido.
II - O pedido de indemnização não é uma espécie de questão prejudicial que impeça o confisco prévio dos instrumentos, produtos e vantagens decorrentes da prática do crime. Ou seja, a declaração de perda de vantagens é independente do pedido de indemnização civil e do interesse ou não do lesado na reparação do seu prejuízo.
III - O art. 130.º do CP, particularmente do seu n.º 2, ao estabelecer que «Nos casos não cobertos pela legislação a que se refere o número anterior, o tribunal pode atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os instrumentos, produtos ou vantagens declarados perdidos a favor do Estado ao abrigo dos artigos 109.º a 111.º, incluindo o valor a estes correspondente ou a receita gerada pela venda dos mesmos.», consagra a preferência da perda de bens sobre o pedido de indemnização, além de salvaguardar o direito dos lesados, que poderiam ver dificultada a execução dos bens do arguido em face da declaração do confisco.
Importa demonstrar ao arguido que o crime não compensa e, por outro lado, que se houver bens obtidos através da prática do crime devem ser usados para indemnizar os lesados.
Deste modo, nem o Estado está impedido de confiscar os proventos do crime, nem o lesado vê a sua compensação dificultada, nem o arguido pode ser constrangido a pagar duas vezes.
IV - A ideia de que o “crime não compensa” incide tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos na sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspeto deixe de caber o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração).
V - Perante estas razões de política criminal contidas no instituto da perda de vantagens e a situação socioeconómica do arguido, o STJ considera que a condenação em € 6.119,68 é no caso demasiado severa, pelo que, nos termos do art. 112.º, n.º 2 do Código Penal é razoável reduzir o seu montante e, como sustenta o MP neste STJ, fixar equitativamente o valor que o arguido deve pagar ao Estado em € 3.000,00.
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 61/21.9GBMTS.S1

Recurso Penal

Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. Nos presentes autos de processo comum coletivo, do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal de Vila do Conde - Juiz 9, foi submetido a julgamento, sob a acusação do Ministério Público, entre outros, o arguido AA, devidamente identificado nos autos, imputando-se-lhe factos pelos quais teria cometido, em concurso efetivo e na forma consumada, como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º do Código Penal, os seguintes ilícitos:

1. No Inquérito principal n.º 61/21....:

- A prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al. e) do Código Penal;

2. No Inquérito apenso “O” n.º 73/21....:

- A prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal;

3. No Inquérito apenso “I” n.º 96/21....:

- A prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal;

4. No Inquérito apenso “Q” n.º 239/21....:

- A prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal;

5. No Inquérito apenso “N” n.º 152/21....:

- A prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal;

6. No Inquérito apenso “G” n.º 125/21....:

- A prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal;

7. No Inquérito apenso “K” n.º 126/21....:

- A prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal;

8. No Inquérito apenso “A” n.º 145/21....:

- A prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal;

9. No Inquérito apenso “M” n.º 449/21....:

- A prática, em coautoria material com o arguido BB, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal;

10. No Inquérito apenso “C” n.º 245/21....:

- A prática, em coautoria material, de dois crimes de furto, previstos e punidos pelos art. 203º n.º 1 do Código Penal;

- (…);

11. No Inquérito apenso “B” n.º 240/21....:

- A prática, em coautoria material, de dois crimes de furto, previstos e punidos pelos art. 203º n.º 1 do Código Penal;

- (…);

12. No Inquérito apenso “D” n.º 248/21....:

- A prática, em coautoria material, com a arguida CC, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal;

13. No Inquérito apenso “P” n.º 244/21....:

- A prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal;

14. No Inquérito apenso “L” n.º 243/21....:

- A prática, em coautoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al. e) do Código Penal;

15. No Inquérito apenso “F” n.º 252/21....:

- A prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal;

16. No Inquérito apenso “R” n.º 347/21....:

- A prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal;

17. No Inquérito apenso “H” n.º 267/21....:

- A prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelos art. 203º n.º 1 do Código Penal;

18. No Inquérito apenso “E” n.º 280/21....:

- A prática, em coautoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al. e) do Código Penal;

19. No Inquérito apenso n.º 282/21....:

- A prática, em coautoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al. e) do Código Penal;

20. No Inquérito apenso n.º 286/21....:

- A prática, em coautoria material, com o arguido DD, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al. e) do Código Penal;

E ainda:

- A prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelos arts. 121º a 123º do Código da Estrada e 3º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03 de janeiro.

          

O Ministério Público requereu, ao abrigo do disposto no artigo 111º, nºs 1, al. b), 4 e 5 do Código Penal, que, em caso de condenação pelos crimes que lhes são imputados, venham os arguidos AA,  CC,  BB e DD, a ser condenados a pagar ao Estado o valor de € 11.458,40 (onze mil, quatrocentos e cinquenta e oito euros e quarenta cêntimos), correspondente à vantagem patrimonial obtida com a atividade criminosa.

2. Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Coletivo, por acórdão proferido a  18 de janeiro de 2022, julgou a acusação (com a alteração não substancial dos factos ocorrida em audiência quanto ao arguido AA por efeito da convolação da qualificação jurídica), parcialmente procedente, por apenas parcialmente provada e, consequentemente, além do mais:

A) - Absolver o arguido AA, por via da convolação da qualificação jurídica para o tipo legal base, da prática, em coautoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. 2) do Código Penal (factos provados nºs 35, 36 e 37) e, como reincidente relativamente aos factos perpetrados nos processos nºs 1256/16.... e 2236/11…; e

B) - Condenar o mesmo arguido AA:  

1) pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente ao facto provado n.º 3, na pena de 1 (um) ano de prisão;

2) pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente ao facto provado n.º 8, na pena de 1 (um) ano de prisão;

3) pela prática, em coautoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente ao facto provado n.º 15, na pena de 1 (um) ano de prisão;

4) pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente ao facto provado n.º 27, na pena de 1 (um) ano de prisão;

5) pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente ao facto provado n.º 32, na pena de 1 (um) ano de prisão;

6) pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 4/5, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

7) pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 6/7, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

8) pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 9/10, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

9) pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 11/12, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

10) pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 13/14, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

11) pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 16/17, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

12) pela prática, em coautoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 18/20, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

13) pela prática, em coautoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 21/22, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

14) pela prática em coautoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º  1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 23/24, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

15) pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 25/26, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

16) pela prática em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 30/31, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

17) pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 33/34, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

18) pela prática em coautoria material, por força da convolação jurídica da sua forma qualificada, pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º n.º 1 do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 35/37, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

19) pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal, relativamente aos factos provados n.ºs 1/2, na pena de 3 (três) anos de prisão;

20) pela prática em coautoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal, relativamente aos factos provados n.ºs 28/29, na pena de 3 (três) anos de prisão;

21) pela prática em coautoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal, relativamente aos factos provados n.ºs 38/39, na pena de 3 (três) anos de prisão;

22) pela prática, em coautoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal, relativamente aos factos provados nºs 40/41, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

23) pela prática, em autoria material, de 9 (nove) crimes de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelos arts. 121º/123º do Código da Estrada e 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01, relativamente aos factos provados nºs 4 e 5, 6 e 7, 9 e 10, 11 e 12, 13 e 14, 16, 18/21/23, 28 e 30, e 33, na pena de 5 (cinco) meses de prisão por cada um dos crimes;

24) Operar o cúmulo jurídico e condenar o arguido AA pelos crimes supra referidos em B.1) a B.23), na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

Mais se decidiu, designadamente:

Declarando o perdimento a favor do Estado da quantia de € 6.119,68 (seis mil, cento e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos), condenar os arguidos AA e CC ao pagamento dessa quantia ao Estado, na proporção de €5.803,68 exclusivamente a cargo do arguido AA, e de €316,49 solidariamente a cargo de ambos os arguidos AA e CC.”.

3. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o arguido AA, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):

I- O presente recurso tem como objecto a pena de prisão de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, e pagamento de €5.803,68 a favor do Estado, aplicada ao Recorrente, como autor material de 4 crimes de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203º, n.º 1 e 204º, nº 2, al. e), ambos do Código Penal; 18 crimes de furto p. e p. pelo art.203º, n.º 1, do Código Penal; e 9 crimes de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelos arts.121º a 123º do Código da Estrada e 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01.

II- Tal pena essa excessiva, desproporcionada e nunca deve ser superior a 4 anos de prisão efectiva e num montante tão elevado.

III- O Tribunal a quo violou, o disposto no artigo 71 do Código Penal, por incorrecta e imprecisa aplicação de pena de prisão de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses e pagamento de €5.803,68 ao Recorrente.

IV- O Recorrente á data dos factos era consumidor de estupefacientes, encontrando-se presentemente em tratamento.

V- A conduta posterior aos factos, de total colaboração com a justiça, que inclusive, permitiu restituir todos os veículos aos proprietários, assim como a sua confissão, e a idade do recorrente não foi tida em conta para a medida da pena.

VI- A aplicação de uma pena de prisão nunca superior a 4 anos, e o pagamento de quantia inferior, revela-se eficaz na prossecução das exigências de prevenção geral e especial.

VII- Se assim não se entender deverá ser aplicada em alternativa uma pena de prisão sempre inferior a 7 (sete) anos e 6 (seis) meses, e pagamento de quantia inferior a €5.803,68 a favor do Estado.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V.ª Exas, deve o presente recurso merecer provimento, e, por via dele, ser revogado o acórdão recorrido e, em consequência, ser substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta pelo aqui recorrente, por assim ser de lei e direito assim fazendo esse Venerando Tribunal a tão costumada Justiça!

4. O Ministério Público no Juízo Central Criminal de Vila do Conde – Juiz 9, respondeu ao recurso, pugnando pela sua rejeição e confirmação em todas as suas vertentes.

5. Por despacho de 30.03.2022, a Ex.ma Juíza de Direito determinou que os autos fossem remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça, porquanto tendo o arguido recorrido apenas da medida da pena, é a este Supremo Tribunal que compete a sua apreciação e não ao Tribunal da Relação do Porto.

6. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, nos termos que expõe, quanto à condenação do recorrente no pagamento do valor de € 6119,68 e da improcedência do recurso no que respeita à medida da pena única.

7. Cumprido o disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não houve resposta.

8. Colhidos os vistos, foram os autos presentes à Conferência.

II Fundamentação

9. A matéria de facto apurada, com relevo para a decisão do recurso, constante do acórdão recorrido é a seguinte (transcrição):

Factos provados

Inquérito principal n.º 61/21....

1. No dia 7 de Fevereiro de 2021, entre as 00h00 e as 06h05, o arguido AA deslocou-se ao estabelecimento municipal “Casa da Juventude de ...”, sito na Rua ..., ..., ..., a fim de se apoderar de objectos de valor que aí se encontrassem.

2. Aí, subiu e saltou um muro das traseiras que delimita a propriedade e forçou a fechadura da porta do pátio, por onde entrou, e de onde retirou e levou consigo uma televisão, LCD, de marca ..., tamanho 43´´, no valor de 555€.

Inquérito apenso O n.º 73/21....

3. No período compreendido entre as 19h00 do dia 20 de Fevereiro de 2021 e as 17h30 do dia 21 de Fevereiro de 2021, o arguido AA, mediante o uso de um canivete, apoderou-se do veículo automóvel ligeiros de passageiros, com a matrícula RQ-..-.., de marca ..., modelo ..., de cor ..., no valor de 1.400€, pertencente a EE, e que se encontrava estacionado na Travessa ..., ....

Inquérito apenso I n.º 96/21....

4. Acto contínuo, por volta das 14h30 do dia 21 de Fevereiro, o arguido AA, conduzindo o veículo com a matrícula RQ-..-.., acima identificado, deslocou-se às instalações do posto de abastecimento “...”, pertencente à sociedade “R..., Lda.”, sito na Rua ..., ..., ..., com o intuito de se apropriar de combustível.

5. Aí, socorrendo-se de jerricans que já previamente transportava consigo, subtraiu 106.31 litros de gasolina s/c 95, no valor de 164,14€, e ausentou-se do local sem efectuar o seu pagamento.

Inquérito apenso Q n.º 239/21....

6. No dia 26 de Fevereiro de 2021, pelas 08h25, o arguido AA, deslocou-se às instalações do posto de abastecimento de combustível denominado “A... & C.ª”, pertencente à sociedade “A... & C.ª.”, sito na Av. ..., ..., ..., a fim de se apoderar de combustível, conduzindo o veículo com a matricula RQ-..-.., acima melhor identificado.

7. Aí, o arguido abasteceu-o com 66,95 litros de gasóleo, no valor de 97,35€ e ausentou-se do local sem efectuar o respectivo pagamento.

Inquérito apenso N n.º 152/21....

8. No dia 4 de Março de 2021, por volta das 15h30, o arguido AA, mediante o uso de um canivete, apoderou-se do veículo automóvel ligeiros de passageiros, com a matrícula TP-..-.., de marca ..., modelo ..., de cor ..., no valor de 500€, pertencente a FF, e que se encontrava estacionado na Rua ..., ....

Inquérito apenso G n.º 125/21....

9. No dia 4 de Março de 2021, por volta das 19h00, o arguido AA, conduzindo o veículo com a matrícula TP-..-.., acima identificado e acompanhado de um outro indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, dirigiu-se à oficina de automóveis sita na Av. ..., ..., ..., pertencente à sociedade “P..., Lda.”.

10. Aí, o arguido AA e esse indivíduo, aproveitando a distracção da funcionária, retiraram e levaram consigo quatro bidões de plástico de 25 litros cada, sem procederem ao seu pagamento.

Inquérito apenso K n.º 126/21....

11. No dia 6 de Março de 2021, por volta das 16h40, o arguido AA, deslocou-se ao posto de combustível “...”, sito na Alameda ..., ..., ..., pertencente à sociedade “G..., S.A.”, com o intuito de subtrair combustível, conduzindo o veículo com a matricula TP-..-.., acima melhor identificado.

12. Aí, socorrendo-se de jerricans que já previamente transportava consigo, retirou e levou consigo cerca de 124 litros de gasóleo, no valor de 182,16€, e ausentou-se do local sem efectuar o seu pagamento.

Inquérito apenso A n.º 145/21....

13. No dia 18 de Março de 2021, pelas 11h24, o arguido AA, deslocou-se às instalações do posto de abastecimento de combustível denominado “A... & C.ª”, pertencente à sociedade “A... & C.ª.”, sito na Av. ..., ..., ..., a fim de se apoderar de combustível, utilizando como transporte um veículo de marca ..., modelo ..., de cor ..., com a matricula ..-..-FA.

14. Aí, socorrendo-se de jerricans que já previamente transportava consigo, subtraiu 59,49 litros de gasolina s/c 95, no valor de 92,29€ e ausentou-se do local sem efectuar o pagamento.

Inquérito apenso M n.º449/21....

15. No período compreendido entre as 18h30 do dia 30 de Abril de 2021 e as 8h00 do dia 1 de Maio de 2021, o arguido AA e indivíduo não concretamente apurado, mediante um plano previamente combinado entre ambos, mediante o uso de um canivete, apoderaram-se do veículo automóvel ligeiros de passageiros, com a matrícula ..-..-CV, de marca ..., modelo ..., de cor ..., no valor de 500€, pertencente a GG, que se encontrava estacionado na Praceta ..., ..., ....

Inquérito apenso C n.º 245/21....

16. No dia 1 de Maio de 2021, por volta das 11h56, o arguido AA, conduzindo o veículo com a matrícula ..-..-CV, acima identificado, deslocou-se às instalações do estabelecimento denominado de “Gi...”, pertencente a HH, sito na Rua ..., ..., ..., com o intuito de se apoderar de objectos que se encontrassem no seu interior.

17. Aí, o arguido AA subtraiu de uma das caixas de acondicionamento que ali se encontravam para venda, uma máquina de corte cabelo, no valor de 24,95€, objecto que fez seu, ausentando-se para parte incerta sem proceder ao seu pagamento na respectiva caixa registadora.

Inquérito apenso B n.º 240/21....

18. No dia 5 de Maio de 2021, por voltas das 14h44, o arguido AA, conduzindo o veículo com a matrícula ..-..-CV, acima identificado, e a arguida CC, mediante plano previamente delineado entre ambos, deslocaram-se às instalações do edifício comercial denominado de “D... Unipessoal, Lda”, pertencente a D... Unipessoal, Lda.”, sito na Rua ..., ..., ..., com o intuito de se apoderarem de objectos que se encontrassem no seu interior.

19. Aí, a arguida CC deslocou-se ao interior do sobredito estabelecimento e encheu um saco de caixas de café, de marca ... num valor de 241,54€, as quais colocou próximo das caixas registadoras.

20. Por sua vez, o arguido AA deslocou-se ao interior do estabelecimento, apossou-se do referido saco e abandonou o local pela zona de acesso ao estabelecimento, evitando as caixas registadoras, fazendo das caixas de café como suas sem que procedesse ao respectivo pagamento.

Inquérito apenso D n.º 248/21....

21. No dia 5 de Maio de 2021, pelas 16h45, o arguido AA, conduzindo o veículo com a matrícula ..-..-CV, acima identificado, e a arguida CC, mediante plano previamente acordado entre ambos, deslocaram-se a um supermercado pertencente a “A... Unipessoal, Lda.”, sito na Rua ..., ..., com o intuito de se apoderarem de objectos que aí se encontrassem.

22. Já no interior do estabelecimento, os arguidos AA e CC, aproveitando a distracção da proprietária do estabelecimento, apoderaram-se de diversos objectos que ali se encontravam para venda, designadamente uma pasta de dentes, de marca ..., um desodorizante, várias pares de meias, diversas peças de vestuário de roupa interior, no valor global de 50€, que subtraíram e fizeram seus, abandonando o estabelecimento sem proceder ao respectivo pagamento.

Inquérito apenso C n.º 245/21....

23. No dia 5 de Maio de 2021, por volta das 17h45, o arguido AA, conduzindo o veículo com a matrícula ..-..-CV, acima identificado, e a arguida CC, mediante um plano previamente estabelecido entre ambos, deslocaram-se novamente às instalações do estabelecimento denominado de “Gi...”, acima identificado, com o intuito de se apoderarem de objectos que se encontrassem no seu interior.

24. Aí, subtraíram outra máquina de cortar cabelo, no valor de 24,95€, objecto que fizeram seu, colocando-se de seguida em fuga, sem proceder ao seu pagamento.

Inquérito apenso B n.º 240/21....

25. No dia 5 de Maio de 2021, por voltas das 20h15, o arguido AA, deslocou-se novamente às instalações do edifício comercial denominado de “Dia”, sito em Rua ..., ..., ..., com o intuito de se apoderar de objectos que se encontrassem no seu interior.

26. Aí, o arguido, das prateleiras ali existentes, retirou e levou consigo diversas caixas de café, de marca ... num valor de 247,74€ e abandonou o local pela zona de acesso ao estabelecimento, evitando as caixas registadoras, fazendo das caixas de café como suas sem que procedesse ao respectivo pagamento.

Inquérito apenso P n.º 244/21....

27. No período compreendido entre as 23h00 do dia 6 de Maio de 2021 e as 01h30 do dia 7 de Maio de 2021, o arguido AA, mediante o uso de um canivete, apoderou-se do veículo automóvel ligeiros de mercadorias, com a matrícula MQ-..-.., de marca ..., modelo ..., de cor ..., no valor de 800€, pertencente a II, e que se encontrava estacionado na Rua ..., ..., ..., ....

Inquérito apenso L n.º 243/21....

28. Acto contínuo, por volta das 02h10 desse dia, o arguido AA, conduzindo o veículo com matrícula MQ-..-.., acompanhado de um individuo de sexo masculino, cuja identidade não foi possível apurar, mediante um plano previamente estabelecido entre ambos, deslocaram-se a um supermercado, pertencente à sociedade “A... Unipessoal, Lda.”, sito na rua ..., ..., ... e, com recurso a uma pedra que previamente transportavam consigo, quebraram o vidro da porta principal, introduzindo-se assim no sobredito estabelecimento.

29. Do seu interior, retiraram e levaram consigo diversos objectos, num total de 659,34€, designadamente amaciadores de cabelo, shampoos e roll-on, os quais fizeram seus.

Inquérito apenso F n.º 252/21....

30. No dia 7 de Maio de 2021, pelas 21h50, o arguido AA, deslocou-se às instalações do posto de abastecimento de combustível denominado “A... & C.ª”, pertencente à sociedade “A... & C.ª.”, sito na Av. ..., ..., ..., a fim de se apoderar de combustível, utilizando como transporte o veículo com a matricula MQ-..-.., acima melhor identificado.

31. Aí, o arguido apoderou-se de 61,99 litros de gasolina, no valor de 104,08 euros e ausentou-se do local sem efectuar o respectivo pagamento.

Inquérito apenso R n.º 347/21....

32. No período compreendido entre as 10h45 e as 20h00 do dia 12 de Maio de 2021, o arguido AA, mediante o uso de um canivete, apoderou-se do veículo automóvel ligeiros de passageiros, com a matrícula ..-..-IS, de marca ..., modelo ..., de cor ..., no valor de 1.500€, pertencente a JJ, e que se encontrava estacionado na Rua ..., ....

Inquérito apenso H n.º 267/21....

33. No dia 14 de Maio de 2021, por volta das 21h00, o arguido AA, conduzindo o veículo com a matrícula ..-..-IS, acima identificado, deslocou-se novamente às instalações do edifício comercial denominado “Dia”, sito na Rua ..., ..., ... com o intuito de se apoderar de objectos que aí se encontrassem.

34. Já no interior, encheu um cesto de caixas de café da marca ..., no valor de 296,46€ e, ludibriando a zona das caixas de pagamento, abandonou o local na posse dos referidos objectos, os quais fez seus sem que tivesse procedido ao seu pagamento;

Inquérito apenso E n.º 280/21....

35. No dia 22 de Maio de 2021, pelas 20h32, o arguido AA, acompanhado de um individuo de sexo masculino, cuja identidade não foi possível apurar, mediante um plano previamente estabelecido entre ambos, deslocaram-se à lavandaria denominada “F...”, sita na Rua ..., ..., ..., pertencente a KK, a fim de se apropriar de objectos de valor que aí se encontrassem.

36. Aí dentro, forçaram a porta que dá acesso à área reservada munidos de uma chave de fendas que transportavam consigo.

37. No interior da lavandaria, na zona de acesso livre ao público, retiraram do moedeiro da máquina de vending de café, pelo menos, 20,00€, que fizeram seus.

Inquérito apenso n.º 282/21....

38. No dia 23 de Maio de 2021, pelas 04h27, o arguido AA, acompanhado de um indivíduo de sexo masculino, cuja identidade não foi possível apurar, mediante um plano previamente estabelecido entre ambos, deslocaram-se à “P...”, sita no Largo ..., ..., ..., pertencente a LL, a fim de se apropriarem de objectos de valor que aí se encontrassem.

39. Aí, com recurso a um paralelo, forçaram as portas que dão acesso ao seu interior, de onde retiraram e levaram consigo:

- 50€ em numerário que se encontrava na caixa registadora;

- Uma caixa de perfumes, de marca ..., no valor de 175€;

- Duas canetas de marca ..., no valor de 29,10€;

- Uma caneta de marca ..., no valor de 8,40€;

- Seis pen drive, no valor de 49,90€;

No valor global de 312,40€.

Inquérito apenso n.º 286/21....

40. No dia 24 de Maio de 2021, por volta das 02h10, o arguido AA e outro indivíduo cuja identidade não se apurou, mediante um plano previamente estabelecido entre ambos, deslocaram-se à “P...”, sita na Praceta ..., ..., ..., pertencente a MM, a fim de se apropriarem de objectos de valor que aí se encontrassem.

41. Aí, com recurso a uma pedra, partiram o vidro da porta que dá acesso ao seu interior, de onde retiraram e levaram consigo, assim os fazendo seus, os seguintes objectos:

- Vários maços de tabaco de diversas marcas no valor aproximado de 2.800.00€;

- 6 máquinas de tabaco aquecido, de marca ..., no valor de 226.00€;

- 200.00€ em numerário;

- Uma gaveta da caixa registadora, no valor de 80€;

- Vários pacotes de pastilhas, no valor de 35€;

No valor global de 3.341€.

42. O arguido AA conduzia nos dias, horas e locais descritos nos factos nºs 4 e 5; 6 e 7; 9 e 10; 11 e 12; 13 e 14; 16; 18, 21 e 23; 28 e 30; e 33, aqueles veículos sem ser titular de carta de condução ou documento equivalente para o efeito, sabendo ser-lhe vedado conduzir tais veículos na via pública sem ter habilitação legal.

43. Os arguidos AA e CC agiram de forma livre, voluntária, consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços.

44. O arguido AA agiu com o propósito concretizado de fazer seus aqueles objectos, veículos e combustível, não obstante saber que não lhe pertenciam e que actuava sem o consentimento e contra a vontade dos seus donos.

45. Os arguidos AA e CC agiram com o propósito concretizado de fazerem seus aqueles objectos, não obstante saberem que não lhes pertenciam e que actuavam sem o consentimento e contra a vontade dos seus donos.

46. Os arguidos AA e CC tinham, ainda, conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

*

47. Do certificado de registo criminal do arguido AA constam averbadas as seguintes condenações:

- Processo Sumário n.º 1008/06.... do ... Juízo Criminal ..., por decisão de 20.11.2006, transitada em 05.12.2006, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 2,50, pela prática, em 18.11.2006, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º do D-L n.º 2/98 de 03.01, pena extinta em 07.02.2007;

- Processo Abreviado n.º 356/10.... do ... Juízo Criminal ..., por decisão de 17.06.2010, transitada em 19.08.2010, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, num total de € 330,00 pela prática, em 18.02.2010, de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203º do Código Penal; por despacho de 11.05.2011 substitui-se a pena de multa por 40 dias de prisão, a qual foi extinta em 02.03.2012;

- Processo Colectivo n.º 2179/08.... do ... Juízo Criminal ..., por acórdão de 23.02.2010, transitado em 08.11.2010, na pena única de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por 15 meses, com regime de prova, pela prática, em 29.03.2008, de dois crimes de roubo e de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do D-L 2/98 de 03.01.; por despacho de 27.01.2014, transitado a 03.07.2014, revogou-se a suspensão da execução da pena de prisão tendo cumprido 15 meses de prisão efectiva.

- Processo Comum n.º 469/10.... do ... Juízo Criminal ..., por sentença de 30.11.2011, transitada a 06.12.2012, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, num total de € 500,00, pela prática, em 09.07.2010, de um crime de furto p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal.

Por decisão que cumulou esta pena com a dos autos 356/10.7, datada de 06.05.2015, transitada em 05.06.2015, foi-lhe aplicada a pena única de 130 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, num total de € 650,00, a qual foi substituída por 42 dias de prisão subsidiária - cfr. despacho de 15.02.2016, transitado a 13.04.2016 – e extinta em 12.07.2016.

- Processo Colectivo n.º 2236/11.... do ..., por acórdão de 28.05.2012, transitado em 18.06.2012, pela prática, em 09 e 10.12.2011, de dois crimes de roubo p. e p. pelo art. 210º, n.º 1, do CP, com referência ao art. 204º, nºs 1, al. e) e 2, al. f) – 1 ano e 3 meses de prisão por cada um – e pela prática em 12.12.2011 de um crime de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, al. b) do mesmo Código – 9 meses de prisão –, na pena única de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, com regime de prova; por despacho de 22.05.2013, transitado em 03.07.2014, revogou-se a suspensão da execução da pena de prisão.

- Processo Sumário n.º 1554/12.... do ... Juízo Criminal ..., por sentença de 29.11.2012, transitada em 19.12.2012, pela prática, em 08.11.2012, de um crime de introdução em lugar vedado ao público p. e p. pelo art. 191º do Código Penal, e de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203º do mesmo diploma legal, na pena única de 6 meses e 15 dias de prisão efectiva, extinta em 17.12.2014.

- Processo Sumário n.º 638/14.... do Juízo Local Criminal ..., J1, por sentença de 09.07.2014, transitada em 24.09.2014, pela prática, em 26.05.2014, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º, n.º 2, do D-L n.º 2/98 de 03.01, de um crime de receptação p. e p. pelo art. 231º, n.º 1, do Código Penal, e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art. 347º, n.º 2, do Código Penal, na pena única de 16 meses de prisão efectiva, extinta em 03.09.2017.

- Processo Colectivo n.º 1256/16.... do ..., por acórdão de 02.03.2017, transitado em 03.04.2017, pela prática, em 24.02.2016, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, al. a), do D.L n.º 15/93 de 22.01, na pena de 2 anos de prisão efectiva, extinta em 03.09.2019.

- Por despacho datado de 03.12.2019 e transitado a 17.01.2020, proferido no Proc. n.º 608/14...., no Juízo de Execução de Penas ..., J5, foi-lhe concedida liberdade condicional com efeitos a partir de 31 de Janeiro de 2020 até 18 de Abril de 2021, correspondente ao tempo de prisão que ainda lhe faltaria cumprir da pena em execução nos processos nºs 2179/08, 2236/11, 1554/12, 469/10, 638/14 e 1256/16.

Por decisão de 28.09.2021, transitada a 28.09.2021, no âmbito de incidente de incumprimento tramitada no Ap. L destes autos, foi revogada a liberdade condicional e determinada a execução das penas de prisão ainda não cumpridas.

48. O arguido esteve detido no estabelecimento prisional desde 3 de Junho de 2014 até 31 de Janeiro de 2020.

49. Não obstante tais condenações, o arguido AA praticou os factos acima descritos.

(…)

53. Os veículos de matrícula “RQ-..-..”, “TP-..-..”, “..-..-CV”, “MQ-..-..” e “..-..-IS” foram recuperados e entregues aos respectivos proprietários.

(…)

Condições socioeconómicas dos arguidos:

(…)

81. O processo de desenvolvimento psicossocial de AA decorreu junto do seu agregado familiar de origem, de humilde condição sócio económica, composto pelos pais e quatro filhos, sendo o arguido o mais velho.

82. Ambos os progenitores estavam laboralmente ativos, sobressaindo uma dinâmica familiar caracterizada pela afetividade e a existência de laços de coesão entre os seus elementos.

83. O processo de aprendizagem decorreu de forma regular até completar o 1º ciclo do ensino básico, após o que passou a demonstrar desinteresse e desmotivação pelas atividades letivas, registando diversas reprovações no 5º ano de escolaridade. Neste contexto, por decisão parental, abandonou o sistema de ensino cerca dos 14/15 anos e encetou atividade laboral no setor da restauração, com registo de regularidade e estabilidade, até se envolver e privilegiar o convívio com grupo de pares desviantes e conotados com o consumo de substâncias estupefacientes, hábito que também adquiriu por volta dos 18 anos e que progrediu até à condição de dependência.

84. Não obstante se encontrar inscrito no Centro de Respostas Integradas (CRI) – Equipa de Tratamento (ET) de ..., AA mantinha um quotidiano de risco que se refletiu na sua imagem social, com perda de oportunidades sociais, nomeadamente ao nível laboral onde, após um período em que desenvolveu funções como ..., entre novembro/2008 e janeiro/2009, passou à situação de inatividade.

85. Neste contexto, assumiu a prática de comportamentos de risco e transgressivos, que vieram a originar confrontos com o Sistema de Administração da Justiça Penal, não tendo colaborado na elaboração dos planos de reinserção social e nos acompanhamentos determinados no âmbito de penas/medidas não privativas de liberdade, mas aderiu a acompanhamento à problemática aditiva.

86. O percurso prisional foi pautado pela dificuldade no cumprimento do normativo institucional vigente, embora com aparente sucesso no processo de desvinculação das drogas.

87. Depois de libertado, em meio livre, reintegrou o agregado familiar de origem, domiciliado em ..., .... Iniciou a realização de alguns trabalhos na construção civil, em regime informal, embora tivesse efetuado inscrição no Instituto de Emprego e Formação Profissional.

88. No âmbito da toxicodependência, apesar de à data da libertação estar aparentemente abstinente, reativou a inscrição no ..., evidenciando fraca adesão, alegando abstinência e ainda dificuldades no agendamento das consultas devido às limitações impostas pelo combate à pandemia por COVID-19.

89. No domínio afetivo, AA estabeleceu algumas relações afetivas, sem continuidade, sendo que a última conhecida terminou em janeiro/2021.

90. À data dos factos pelos quais se encontra acusado no presente processo, AA mantinha-se em acompanhamento no âmbito da execução da liberdade condicional e a residir formalmente com o seu núcleo familiar de origem, à data composto pelos pais, dois irmãos e dois sobrinhos. Contudo, vinha a evidenciar alguma instabilidade pessoal, tendo-se mantido neste agregado apenas durante um curto período.

91. Manteve uma relação de namoro, com coabitação, na zona de ..., a qual se revelou efémera devido a recaída no consumo de drogas, sensivelmente em janeiro/2021, ausentando-se para casas de amigos ou conhecidos.

92. Nesta sequência, abandonou o trabalho na construção civil, não desenvolvendo qualquer atividade laboral, mantendo um quotidiano desorganizado e centrado na manutenção do consumo de substâncias estupefacientes, deslocando-se com frequência a bairros sociais da cidade ... para a aquisição de tais produtos.

93. Institucionalmente, tem apresentado uma conduta ajustada e de normal cumprimento das normas. Não apresenta nenhuma ocupação estruturada, embora tenha mostrado motivação para obter colocação ocupacional e/ou integrar a escola, o que até ao presente não foi viabilizado.

94. Mantém acompanhamento em Psicologia e Psiquiatria.

95. Em meio prisional acolhe o apoio familiar circunscrito à figura materna, consubstanciado em visitas regulares ao estabelecimento prisional.

96. O seu agregado familiar reside numa habitação arrendada de tipologia 2, localizada na Rua ..., ..., em ..., .... O pai trabalha como operário da construção civil e a mãe como ajudante de cozinha, auferindo o casal remuneração equivalente ao salário mínimo nacional (SMN). A irmã do arguido realiza limpezas domésticas e o irmão trabalha como lavador de viaturas, auferindo igualmente o SMN.

97. O valor da renda da habitação corresponde a 250€ mensais, para além dos consumos domésticos

98. (…)

Factos não provados

1) Nas circunstâncias descritas no facto provado n.º 15, o arguido BB também se tivesse apoderado do veículo automóvel ligeiros de passageiros, ..., matrícula ..-..-CV.

2) Nas circunstâncias descritas nos factos provados nºs 36º e 37º, o arguido AA e o outro individuo estroncaram diversas máquinas de lavandaria.

3) Nas circunstâncias descritas nos factos provados nºs 36º e 37º, o arguido AA e o outro individuo subtraíram o moedeiro no valor de € 300,00.

4) Nas circunstâncias descritas nos factos provados nºs 36º e 37º, que a máquina de vending de café tivesse € 65,00 em numerário, valor que o arguido fez seu.

5) Nas circunstâncias descritas no facto provado n.º 40, o arguido DD também se deslocou à “P...”, a fim de se apropriar de objectos de valor que aí se encontrassem.

6) Os factos descritos no facto provado nº 40 tivessem ocorrido no dia 23 de Maio de 2021.

7) Os arguidos BB e DD agiram de forma livre, voluntária, consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços.

8) Agiram os arguidos BB e DD com o propósito concretizado de fazerem seus aqueles objectos, veículos e combustível, não obstante saberem que não lhes pertenciam e que actuavam sem o consentimento e contra a vontade dos seus donos.

9) Tinham, ainda, conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

10) Com deslocações dos seus colaboradores aos OPC, comunicações e despesas de expediente, a “A... & C.ª, S.A.” suportou custos não inferiores a € 50,00.
Motivação:

No apuramento da factualidade provada e não provada, o Tribunal colectivo atendeu à apreciação crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência de julgamento, valorada à luz das regras da experiência comum e da sua livre convicção.

Concretamente, serviram de base para formar a convicção positiva do Tribunal, os seguintes elementos de prova:

- a CONFISSÃO do arguido AA, que os reconheceu, em audiência, nos termos supra descritos (cfr. igualmente declarações prestadas em sede de Primeiro Interrogatório Judicial) dado ter assumido cada uma das concretas condutas imputadas, admitindo as circunstâncias de tempo, modo e lugar em relação a cada facto, onde se inclui a subtração do veículo ... de matrícula “RQ-..-..” (facto provado n.º 3), não obstante a sua reserva inicial.

Com excepção do valor em numerário retirado do moedeiro da máquina de vending de café na Lavandaria “F...” (cujas declarações, como infra veremos, acabariam por vir a ser corroboradas), em momento algum sindicou os valores atribuídos aos veículos, bens e quantias monetárias, subtraídos.

As declarações confessórias deste arguido alargaram-se às várias ocasiões em que conduziu tais veículos sem se mostrar habilitado com carta de condução, sendo também possível identificá-lo nessa actividade nas várias imagens/fotogramas que adestram os autos, designadamente, nos postos de abastecimento, sendo assim segura e evidente a comprovação desta factualidade.

Estendem-se igualmente ao produto dos furtos, isto é, objectos, veículos, combustível e quantias monetárias, modo de entrada nos automóveis e em cada um dos locais (estabelecimentos comerciais e Casa da Juventude de ...), especificando os instrumentos e objectos utilizados, respectivamente, no estroncamento dos veículos e das portas dos estabelecimentos, explicações que se revelaram coerentes e consistentes.

Como decorre do Acórdão da R.P. no âmbito do Proc. n.º 260/13.7GFVNG, “a credibilidade das declarações e dos depoimentos há-se ser averiguada (afirmada ou negada) no confronto do conteúdo concreto da sua descrição dos factos, num quadro de averiguação cuidadosa, da motivação e do interesse de cada um, nos factos, por forma a afastar a sua credibilidade, se se ficar com a percepção que os mesmos estavam concertados, no sentido da alteração da verdade ou de criação de uma realidade virtual”.

Ora, as declarações deste arguido relevaram-se notoriamente credíveis, confessando agora o que já tinha admitido em sede de primeiro interrogatório judicial, indo mais longe ao concretizar pormenores nunca referidos como a utilização do canivete, das chaves-de-fendas e de pedras (paralelo) nos estroncamentos, como aludimos.

Em reforço dessa credibilidade, importa ainda referir que as suas declarações se mostram corroboradas pela vasta prova documental e pericial realizada, que o colocam inelutavelmente na prática dos factos.

- no que toca à prova TESTEMUNHAL, procurando não descurar da isenção dos depoimentos prestados, da razão de ciência e do conhecimento directo de cada um, levou-se em linha de conta os depoimentos devidamente concatenados com os restantes meios de prova produzidos, nos seguintes termos:

A testemunha NN, Militar da GNR, em depoimento espontâneo e rigoroso sustentado em evidente razão de ciência decorrente das funções exercidas, veio dizer como o visionamento das imagens, sobretudo nos Postos de Abastecimento e no D... Unipessoal, Lda, e os vestígios recolhidos (impressões digitais) lhes permitiram chegar até ao arguido AA; neste âmbito confirmou a presença de vestígios lofoscópicos no veículo recuperado na ..., matrícula “CV” e o resultado positivo obtido relativamente aos arguidos AA e BB; embora não tenham logrado apreender o objecto utilizado nos furtos, admite como possível a utilização do canivete adiantado pelo arguido, e a quebra de vidros nos casos da duas Papelarias em ...; quanto à participação dos arguidos CC e DD, esclarece que terão chegado à primeira pelo visionamento das imagens, mas em relação ao segundo, conhecido pelo “Z...”, esclarece que foi o arguido AA quem lhes disse que o acompanhou no assalto de uma das Papelarias; disse também que o montante apreendido na máquina de vending de café na Lavandaria, um dos aspectos controversos que também justificou a sua inquirição, foi indicado pelo seu proprietário; perguntado, esclarece ainda que os veículos em causa são mais fáceis de colocar em funcionamento porque o canhão de ignição ganha folgas e facilmente é colocado a trabalhar; já quanto à subtracção do veículo “QV”, embora desconhecendo o seu autor, refere que o modus operandi foi o mesmo dos outros veículos; por fim e em relação ao ... de matrícula “MQ-..-..”, considera que não terá capacidade para os 61,99 litros subtraídos, correspondentes aos mencionados € 104,08, referindo que o arguido deve ter enchido algum depósito que transportava.

A testemunha OO, Militar da GNR, com a mesma razão de ciência e rigor, veio dizer só conhecer o AA, tendo participado na recuperação do ... na ..., que inspecionou, e de onde foram recolhidas impressões digitais; em relação ao furto no estabelecimento “Gi...”, visualizou as imagens logrando aperceber-se da chegada do arguido AA e de uma senhora; por ter acorrido ao local, esclareceu ter sido utilizada pedra para partir o vido no caso do furto a uma das papelarias em ....

A testemunha EE, proprietário do veículo ...”, de cor ..., foi inquirida em consequência do menor rigor evidenciado pelo arguido quando admitiu a sua subtração; em depoimento desinteressado e isento, esclareceu o valor do veículo - entre € 1400/€ 1500 - e do prejuízo suportado na reparação dos danos após a restituição, sobretudo no interior; com relevância deu ainda conta que estacionou o veículo cerca das 19H00 do dia 20.02.2021 e que quando o foi buscar no dia seguinte, dia 21, cerca das 17H30, já não o encontrou.

Este depoimento, concatenado com as declarações do arguido e prova documental, permitiu dar como assente o facto provado n.º 3.

A discrepância relativamente ao montante existente no moedeiro da máquina de vending de café e os esclarecimentos do Militar NN, justificou a inquirição da testemunha AA, proprietário da máquina que de modo preciso e consistente deu conta do valor que ali se encontrava no dia da prática dos factos, corroborando os € 20,00 aludidos pelo arguido.

O apuramento rigoroso dos factos justificou igualmente a inquirição da testemunha KK, proprietária da Lavandaria “F...” que, de facto, confirmou que no dia e hora da prática dos factos, a porta de entrada do estabelecimento se encontrava aberta por se tratar de Lavandaria “self service”; corroborou também que estroncaram a porta de acesso ao interior do estabelecimento e a tentativa de estroncamento da máquina de pré-pagamento, mas que nada foi subtraído.

Estas declarações e depoimentos foram concatenados com os restantes meios de prova, DOCUMENTAL e PERICIAL, nomeadamente, os vários fotogramas, não se oferecendo dúvidas sobre a participação do arguido AA, e os relatórios de exame pericial que incidiram sobre os vestígios (impressões digitais) recolhidos em cada uma das situações em que tal se revelou possível, cuja relevância se mostra indiscutível na identificação positiva do mesmo como autor desses vestígios; meios, que no geral assumiram especial relevância na investigação e permitiram a identificação do AA, indo uns e outros ao encontro das suas declarações confessórias, a saber:

- os vários autos de notícia, cujos teores não saem infirmados pela restante prova produzida; sendo que o auto de notícia de fls. 4/5 do inquérito 286/21.... permite esclarecer e assentar a data dos factos indicada no facto provado n.º 40 [por oposição ao facto não provado n.º 6)].

- Relatórios de vestígios lofoscópicos de fls. 35 a 43, 51 a 60, 586 a 592, 800 a 810 e 2139 a 2144 do inquérito principal e 36 a 43 do inquérito apenso n.º 152/21....; Relatórios de inspecção ocular de fls. 15 a 17, 498/502 e 580/584; Reportagem fotográfica de fls. 18 e 19; Auto de visionamento de imagens de fls. 20 a 25; Imagens de videovigilância de fls. 30; Imagens de videovigilância de fls. 11 a 13 do inquérito apenso 73/..., bem como, Relatório de inspecção judiciária de fls. 22 a 26 desse inquérito; Fotografias de fls. 662 a 668 do inquérito principal; Auto de visionamento de imagens de fls. 36 a 55 do inquérito apenso 96/... e Imagens de videovigilância de fls. 60 desse inquérito; Imagens de videovigilância de fls. 18 do inquérito 239/... e Auto de visionamento de imagens de fls. 21 a 23 do mesmo inquérito; Auto de visionamento de imagens de fls. 47 e ss. do inquérito 125/...; Imagens de videovigilância de fls. 31 do inquérito 126/... e Auto de visionamento de imagens de fls. 47 a 68 do referido inquérito; Imagens de videovigilância de fls. 31 do inquérito 145/... e Auto de visionamento de imagens de fls. 44 a 54 do mesmo; Relatório de inspecção judiciária de fls. 47 a 50 do inquérito 449/...; Imagens de videovigilância de fls. 25 do inquérito 245/... e Autos de visionamento de imagens de fls. 99 a 139 do inquérito principal; Recibos de fls. 24 e 33 do inquérito 240/... e de fls. 560 e 561 do inquérito principal, bem como Imagens de videovigilância de fls. 34 de tal inquérito e Auto de visionamento de imagens de fls. 77 a 87 do inquérito principal; Imagens de videovigilância da contra-capa do inquérito 248/... e Autos de visionamento de imagens de fls. 146 a 156 do inquérito principal; Auto de visionamento de imagens de fls. 733 a 741 do inquérito principal; Fotografias de fls. 44, 45, 52 e 53 do inquérito 243/... e Autos de visionamento de imagens de fls. 90 a 94 do inquérito principal; Imagens de videovigilância de fls. 30 e Auto de visionamento de imagens de fls. 309 a 315 do inquérito principal; Imagens de videovigilância de fls. 24 do inquérito 267/... e Auto de visionamento de imagens de fls. 167 a 171 do inquérito principal; Imagens de videovigilância de fls. 21 do inquérito 280/..., Relatório fotográfico de fls. 41 e 42 e Auto de visionamento de imagens de fls. 176 a 190 do inquérito principal; Relatório fotográfico de fls. 10, 11 e 19 a 22 do inquérito 282/... e Imagens de videovigilância de fls. 209, bem como Auto de visionamento de imagens de fls. 202 a 208 do inquérito principal; Relatório fotográfico de fls. 19 a 21 do inquérito 286/..., Autos de visionamento de imagens de fls. 202 a 208 do inquérito principal, Imagens de videovigilância de fls. 209 do apenso e 747 do inquérito principal, bem como Auto de visionamento de imagens de fls. 748 a 754 do inquérito principal; Reportagem fotográfica de fls. 322 a 326; Fotogramas de fls. 663/668; Relatório fotográfico de fls. 1199 a 1203.

Tais elementos foram conjugados com os Relatos de diligência externa de fls. 780 a 791.

Por esta via (abundantemente inequívoca) e pelo seu cotejo com as declarações do arguido AA, possui o Tribunal elementos objectivos resultantes de um conjunto de prova directa que comprovam a sua actuação bem como o efectivo domínio de todos os factos apurados.

- Para prova da participação da arguida CC, o Tribunal fundou mais uma vez a sua convicção com recurso às declarações do co-arguido AA que, sem se recusar responder a quaisquer perguntas, admitiu a participação conjunta da arguida nas ocasiões descritas em 18) a 20), 21) a 22) e 23) a 24) dos factos provados, declarações conjugadas com os autos de visionamento referentes aos estabelecimentos em causa (“D... Unipessoal, Lda”, “A... Unipessoal, Lda” e “Gi...”) onde é perceptível a co-autoria da arguida nas três situações.

As declarações prestadas por co-arguido constituem um meio de prova válido a apreciar livremente pelo tribunal (artigos 344º, n.º 3 e 127º do CPP), revelando-se essencial o respeito pelo princípio do contraditório, que as declarações sejam corroboradas com outro ou outros meios de prova (in casu, documental), e que não ocorra a situação prevista no art. 345º, n.º 4, do mesmo código, o que aqui não se concede uma vez que não obstante o exercício do direito ao silêncio por parte da arguida CC, nunca lhe foi vedada a possibilidade de refutar as declarações do AA e de apresentar outros meios de prova no sentido de contraditar e infirmar os factos que a desfavorecem e de pôr em causa a validade probatória das afirmações de AA - o que optou por não fazer -, assim se resumindo o actual entendimento da doutrina e da jurisprudência.

Em cada caso o Tribunal deve aferir da credibilidade das declarações do co-arguido de forma objectiva, estando particularmente atento às suas razões e motivações, devendo as mesmas ser apreciadas de forma cautelosa (vd. Ac. da R.E. datado de 17.06.2017 no âmbito do Proc. n.º 38/16.6T8STB); ora, neste aspecto, não resulta das declarações de AA a menor desavença com a co-arguida CC ou qualquer intenção de a prejudicar na lide.

Donde, possui o tribunal um conjunto de elementos de prova que conjugados entre si permitem concluir pela comprovação da factualidade imputada à arguida.

- Quanto aos bens/objectos, subtraídos, e respectivos valores, foram valorados pelo Tribunal vários documentos que compõem os autos e que incluem cópias das respectivas facturas e/ou relação descritiva de bens, de resto, matéria não infirmada pelo arguido AA que com excepção da questão referente ao moedeiro, os admitiu nos concretos termos vertidos na acusação, valores que de um modo geral se apresentam como razoáveis, designadamente:

- Factura de fls. 68/69; Factura de fls. 6 do inquérito 96/...; Talões de fls. 10 do inquérito 239/...; Facturas de fls. 16 do inquérito 126/...; Factura de fls. 20 do inquérito n.º ...; Factura de fls. 22 do inquérito 125/...; Recibos de fls. 568 do inquérito principal; Recibos de fls. 24, 33 do inquérito apenso, 560, 561 e 562 do inquérito principal; Listagem de objectos de fls. 43 do inquérito 243/...; Facturas de fls. 599 a 641 do inquérito principal; Factura de fls. 22 do inquérito 252/...; Recibo de fls. 19 do inquérito 267/...; Facturas de fls. 705 a 711 do inquérito principal; Facturas de fls. 713 a 728 do inquérito principal; recibo de fls. 33 do inquérito 240/21.....

- Para prova do facto n.º 53, atentamos aos Termos de fls. 17 e 18 do Ap. N (01.03.2021); fls. 14 e 15 do Ap. M (13.03.2021); fls. 9 do Ap. L (07.05.2021); fls. 14 e 15 do Ap. Q (18.05.2021); e fls. 935/936 dos autos principais.

Em conjugação valoramos ainda:

- Auto de revista e apreensão de fls. 328 e 329;

- Informação do IMTT de fls. 431 relativamente à inexistência de título que habilite o arguido AA a conduzir veículos motorizados;

- Certidões judiciais de fls. 438 a 482 e 2226 a 2251 (anteriores condenações do arguido AA);

- Registos de propriedade de veículos de fls. 1043 a 1048;

- Aditamento de fls. 19 do inquérito 73/...;

- Aditamento de fls. 13 do inquérito 244/...;

- Auto de apreensão de fls. 729 do inquérito principal;

- Auto de revista e apreensão de fls. 328 e 329;    

- Teor da Ficha de Recluso de fls. 65/67 e fls. 2257 do arguido AA.

Bem como,

- C.R.C.s dos arguidos de fls. 2184/2194, 2195, 2196/2202 e 2208.

- Teores dos relatórios sociais no apuramento dos respectivos percursos de vida e condições pessoais de fls. 2174/2176, 2179/2180, 2204/2206 e 2211/2213.

- Relativamente aos elementos do Pedido de Indemnização Civil, os mesmos decorrem do supra referido quanto ao crime de furto, máxime, os autos de visionamento e os recibos concernentes à quantidade e valor do combustível subtraído.

Quanto à RESTANTE factualidade dada por NÃO ASSENTE:

- No geral, resulta a mesma das considerações já expendidas, mas também por não ter sido produzida prova sólida e bastante sobre a mesma, o que fez criar a dúvida ao Tribunal acerca da ocorrência dessa factualidade.

(…).

9. Âmbito do recurso

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (art.412.º, n.º1 do Código de Processo Penal). São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.[1]

Face às conclusões da motivação do recorrente AA as questões a decidir são duas:

1.ª - se a medida da pena de 7 anos e 6 meses de prisão, que lhe foi aplicada, é excessiva; e

2.ª - se é também excessivo o pagamento da quantia de € 5.803,68 como perda de vantagem patrimonial a favor do Estado.

10. Apreciando.

Previamente ao conhecimento do objeto do recurso, impõe-se tomar posição sobre a competência do Supremo Tribunal de Justiça para o conhecimento do recurso, na medida em que o recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto e a Ex.ma Juíza da 1.ª instância remeteu os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, por o considerar competente para o conhecimento do recurso interposto pelo arguido.
O art.432.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça» dispõe, designadamente, o seguinte:
«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
(…)
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;
(…)
2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º

Em função do estabelecido no n.º 2 do artigo 432.º do CPP, que resulta da revisão do Código Penal de 2007, é evidente a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito (ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º).
A Relação só tem competência para o conhecimento do recurso de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão se o recorrente, ao provocar a reapreciação do caso penal, quiser impugnar a própria matéria de facto nos termos do art.412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P..

No caso em apreciação, o objeto do recurso é um acórdão condenatório proferido por um tribunal coletivo; em que foi aplicada ao recorrente uma pena de 7 anos e 6 meses de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material.

Deste modo, estando em equação uma deliberação final de um tribunal coletivo, visando o recurso apenas o reexame de matéria de direito (circunscrita à redução da pena que lhe foi aplicada e à perda de bens), cabe efetivamente ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer do recurso, direto, per saltum, nos termos do art.432.º, n.ºs 1, alínea c) e 2, do Código de Processo Penal.

1.ª Questão

Da medida da pena fixada

11. O recorrente AA defende que o acórdão recorrido, ao aplicar-lhe uma pena de 7 anos e 6 meses de prisão, violou o disposto no art.71.º do Código Penal, pois uma pena nunca superior a 4 anos de prisão seria eficaz na prossecução das exigências de prevenção geral e especial.  

Apresenta, no essencial, os seguintes argumentos: (i) o arguido, ora recorrente, era consumidor à data dos factos e encontra-se presentemente em tratamento; (ii) colaborou totalmente com a justiça, o que permitiu, inclusive, restituir todos os veículos aos seus proprietários; (iii) confessou os factos, e (iv) não foi tida em conta na medida da pena a idade do arguido, ora recorrente.

Vejamos.

Nos termos do art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

Culpa e prevenção são os dois vetores através dos quais é determinada a medida da pena.

Sintetizando o entendimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a propósito destes vetores, pode ler-se no acórdão de 14 de setembro de 2016, que “o modelo do CP é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de proteção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto”.

A pena serve “finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena”.

A culpabilidade aqui referida não se confunde com a intensidade do dolo ou a gravidade da negligência; é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal. Como observa Figueiredo Dias, o facto punível não se esgota com a ação ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “…isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sociocomunitário.”[2]

O requisito de que sejam levadas em conta, na determinação da medida concreta da pena, as exigências de prevenção, remete-nos para a realização in casu das finalidades da pena.

De acordo com o art.40.º, n.º1, do Código Penal, a aplicação de penas (e de medidas de segurança) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.

Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.

É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.”.

Os fatores da medida da pena podem ser divididos em: 1) Fatores relativos à execução do facto, considerando-se a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram”... 2) Fatores relativos à personalidade do agente,  onde se incluem as condições pessoais e económicas do agente, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto; e 3) Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior aos factos.[3]

Podem ser agrupados nas alíneas a), b) c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º do C.P., os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), do mesmo preceito, os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), ainda, os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior aos factos.[4]

Nas situações em que o agente praticou vários crimes, o concurso efetivo de crimes impõe que se tenham em consideração as regras da punição do concurso.

O regime de concurso efetivo ou real de crimes, em termos de consequências jurídicas, é tratado em dois grandes sistemas: a) sistema da acumulação material; e b) sistema da pena única ou conjunta.

No sistema da acumulação material de penas, a determinação da medida global das penas corresponde à totalidade das penas individuais aplicadas, que serão sucessivamente cumpridas, se tiverem a mesma natureza. Este sistema, com pouca aceitação nas legislações, tem vários inconvenientes, como as penas aplicadas facilmente ultrapassarem a medida da culpa e não ser compaginável com as finalidades de prevenção especial, na medida em que a execução sucessiva das penas fragmentadas obsta a uma tentativa séria de ressocialização.

O cúmulo material de penas nunca foi acolhido por nenhum dos Código Penal portugueses.[5] 

O sistema da pena única é o adotado pela generalidade das legislações, pois é político-criminalmente aceitável à luz das exigências de culpa e de prevenção, sobretudo de prevenção especial. Este sistema pode assumir, ainda, duas formas diferentes:

(i)  de pena unitária; ou (ii) de pena conjunta.

Em termos muito sucintos, seguindo aqui ainda Figueiredo Dias, a «pena unitária» “existirá quando a punição do concurso sobrevenha sem consideração pelo número de crimes concorrentes e independentemente da forma como poderiam combinar-se as penas que a cada um caberiam. Os crimes concorrentes perdem aqui toda a sua autonomia, não se tornando sequer necessário determinar a pena de cada um: elas não têm relevo decisivo (…) para a pena do concurso.”. [6]

No sistema de pena unitária tudo se passa como se o conjunto dos factos praticados pelo agente, que integram o concurso de crimes, constituísse um só crime a punir tendo em conta a culpa e as exigências de prevenção que deles resulta.

Era este o sistema previsto no Projeto do Código Penal de 1963, defendido por Eduardo Correia, que no seu art.91.º, estabelecia que «Quando alguém houver praticado vários crimes será punível na moldura de uma pena que tem como limite superior a soma das que correspondem a cada crime, sem que, porém, possa ultrapassar o seu máximo legal.».[7]

As alterações posteriores ao Projeto do Código Penal, tornaram clara a necessidade de exigência de referência às penas concretamente aplicadas aos vários crimes, como o exigia, na altura em que foi elaborado o Projeto, o § 2.º do art.102.º do Código Penal de 1986 então em vigor.

O sistema da pena unitária previsto naquele Projeto não foi consagrado pelo legislador no Código Penal de 1982, que no seu art.77.º Código Penal, na atual redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março, estabelece, com interesse para a presente decisão:

«1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

 2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.».

O art.77.º do Código Penal perfilha, sem dúvidas possíveis, o «sistema da pena conjunta», na medida em a punição do concurso de crimes supõe a discriminação das penas concretas que o integram.

Na lição de Figueiredo Dias “Pena conjunta existirá sempre que as molduras penais previstas, ou as penas concretamente determinadas, para cada um dos crimes em concurso sejam depois transformadas ou convertidas, segundo um «princípio de combinação» legal, na moldura penal ou na pena do concurso.”.

Dentro deste sistema, é habitual configurar-se um princípio de absorção puro, em que a punição do concurso será constituída simplesmente pela pena mais grave dentre as penas parcelares, e um princípio da exasperação ou agravação, em que “a punição do concurso ocorrerá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade dos crimes (sem que, todavia, possa ultrapassar a soma das penas que concretamente seriam aplicadas aos crimes singulares).”.

A doutrina vem entendendo que o modelo de punição do concurso de crimes consagrado no art.77.º do Código Penal, sendo um sistema de pena conjunta, não é construído, porém, de acordo com o princípio de absorção puro, nem com o princípio da exasperação ou agravação, nos termos definidos, mas sim de acordo com um sistema misto, que vem sendo chamado de sistema do cúmulo jurídico.[8]

Também a jurisprudência segue este caminho, consignando-se, entre outros, no acórdão do S.T.J. de 3 de outubro de 2012, que o modelo de punição do nosso Código Penal é um sistema misto de pena conjunta “erigido não de conformidade com o sistema de absorção pura por aplicação da pena concreta mais grave, nem de acordo com o princípio da exasperação ou agravação, que agrega a si a punição do concurso com a moldura do crime mais grave, agravada pelo concurso de crimes.”[9].    

Doutrina e jurisprudência coincidem em especificar que no cúmulo jurídico, a pena conjunta é definida dentro de uma moldura cujo limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o limite máximo resulta da soma das penas efetivamente aplicadas, emergindo a medida concreta da pena da imagem global do facto imputado e da personalidade do agente.

O agente é sancionado, não apenas pelos factos individualmente considerados, numa visão atomística, mas especialmente pelo conjunto dos factos, enquanto reveladores da gravidade da ilicitude global da conduta do agente e da sua personalidade.

A pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art.71º.º, n.º1, um critério especial estabelecido no art.77.º, nº 1, 2ª parte, ambos do Código Penal.[10]

Os parâmetros indicados no art.71.º do Código Penal, servem apenas, porém, de guia para a operação de fixação da pena conjunta, não podendo ser valorados novamente, sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais fatores tenham um alcance diferente enquanto referidos à totalidade de crimes.[11]

Na busca da pena do concurso, explicita Figueiredo Dias, na obra que vimos seguindo, que “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. E acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).”

Como refere ainda, na doutrina, Cristina Líbano Monteiro, com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.[12]

As conexões ou ligações fundamentais na avaliação da gravidade da ilicitude global, são as que emergem do tipo e número de crimes, dos bens jurídicos individualmente afetados, da motivação, do modo de execução, das suas consequências e da distância temporal entre os factos.

Ínsita nos factos ilícitos unificados no âmbito da pena de concurso, a personalidade do agente, é um fator essencial à formação da pena única.

A revelação da personalidade global do agente, o seu modo de ser e atuar em sociedade, emerge essencialmente dos factos ilícitos praticados, mas também das suas condições pessoais e económicas e da sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado.

A interiorização das condutas ilícitas e consequentes penas parcelares que lhe foram aplicadas traduzidas na vontade clara de alteração do comportamento antissocial violador de bens jurídico criminais, assente em factos que o demonstrem, relevam assim, particularmente, no apuramento das exigências de prevenção no momento de determinar a pena única. 

Sendo as necessidades de prevenção mais exigentes quando o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, do que quando esse ilícito se reconduz a uma situação de pluriocasionalidade, a pena conjunta deverá refletir esta singularidade da personalidade do agente.

11.1. Presentes os critérios e finalidades que se acabam de expor, retomemos o caso concreto.

O recorrente AA ao defender que o acórdão recorrido violou o disposto no art.71.º do Código Penal, ao aplicar-lhe uma pena de 7 anos e 6 meses de prisão, não questiona, especificadamente, qualquer umas das penas parcelares que lhe foram aplicadas – traduzidas em cinco penas de 1 ano de prisão e treze penas de 4 meses de prisão, pela prática de dezoito crimes de furto simples, p. e p. pelo art.203.º, n.º 1 do Código Penal; em três penas de 3 anos de prisão e uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática de quatro crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º1 e 204.º, n.º2, al. e), do Código Penal; e em 5 meses de pena de prisão, pela prática de cada um dos nove crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro –, pois apenas requer a redução da pena única para não mais de 4 anos de prisão.

Ainda assim, importa aqui relembrar os fatores relativos à execução dos factos, à personalidade do arguido AA e à sua conduta anterior e posterior aos factos, consignados no acórdão recorrido, tidos em conta na determinação da medida concreta das penas parcelares aplicadas, nos termos do art.71.º do Código Penal, pois os parâmetros aqui indicados, como se referiu já, não podem, em princípio, ser valorados novamente na operação de fixação da pena conjunta, sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração.

De acordo com o acórdão recorrido, “- a ilicitude da conduta (…) é relevante – não obstante o distinto número de imputações, objectos/bens subtraídos e respectivos valores –, face ao bem jurídico ofendido, ao atentarem contra o direito de propriedade alheio, de matriz constitucional.

Em relação aos crimes de condução ilegal, a ilicitude mostra-se mediana, dentro do modo normal de cometimento do ilícito.

- o dolo é directo e intenso em relação a todas as imputações; mesmo sabendo que lhes estava vedado o acesso aos estabelecimentos, veículos automóveis e restantes bens, nas demonstradas e concretas circunstâncias em que cada um participou, e que os objectos e bens lhes não pertenciam, não foi tal facto impeditivo de se absterem de os subtrair nos termos dados como assentes; nem a falta de habilitação legal, que o arguido sabia carecer, serviu para o afastar da condução dos aludidos veículos.

(…)

[A culpa] Quanto ao arguido AA, já se situa num grau de arrimada gravidade, considerando os seus antecedentes criminais e o relevante número de factos antijurídicos perpetrados.

- regista-se igualmente a ausência de juízo crítico e de arrependimento sincero relativamente ao resultado perpetrado, por parte de ambos.

- o arguido AA actuou em algumas situações a coberto da noite. AA actuou em algumas situações a coberto da noite.

- nas situações de co-autoria, [fê-lo]em concertação de meios e de “caso pensado”.

- o arguido AA utilizou meios, designadamente um canivete e chaves de fendas, que revelam a sua disposição interior e inequívoca censurabilidade.

- como vincamos, são consideráveis as exigências de prevenção geral dado que urge por termo a estes comportamentos reprováveis; com efeito, as expectativas comunitárias na estabilização das normas jurídicas violadas são elevadas, tendo em consideração as exigências de reprovação e prevenção geral que se fazem sentir no cometimento de ambos os tipos legais de ilícitos, face à sua profusão não apenas na comarca mas a nível nacional; relativamente aos crimes contra o património, encontra-se inelutavelmente associado a clima de insegurança pública, intranquilidade e alarme social, susceptível de gerar fortes sentimentos de repúdio social.

Como tal, exige-se resposta punitiva célere e adequada.

Em relação ao crime de condução sem habilitação legal, as exigências de prevenção geral são medianas.

- o desvalor do resultado é elevado, pois que os bens subtraídos não foram voluntariamente restituídos pelos arguidos, o que só veio a acontecer relativamente aos veículos automóveis por força da acção dos elementos da GNR responsáveis pela sua apreensão.

- quanto às exigências de prevenção especial e para além do exposto passado criminal de ambos, não há como não as considerar prementes e significativas relativamente ao arguido AA (…).

Em consequência do passado criminal do arguido AA (a quem cumpre assacar o averbamento de crimes de reconhecida gravidade), as suas condenações, como não poderia deixar de ser, vieram a derivar em penas de prisão efectivas que de nada valeram para o arredar da prática de novos crimes.

A sua personalidade revela acentuadas fragilidades de formação e de socialização (…).

Em bom rigor, numa visão global da realidade apurada em relação ao AA, e respectiva personalidade, importa destacar que os factos foram praticados pouco depois da sua restituição à liberdade e durante o período de liberdade condicional concedida, a qual lhe foi entretanto revogada, num período em que vivia numa inequívoca situação de marginalidade social, sem meios de subsistência autónomos dado ter abandonado o trabalho na construção civil e dedicado ao consumo de estupefacientes com rotinas de deslocação a bairros sociais do ... para aquisição de tais produtos; portanto, em que os proventos a obter com o furto serviriam como forma de obtenção de meios de subsistência, nomeadamente, em suporte aos consumos de drogas como, de resto, o mesmo admitiu.

Ainda relativamente ao arguido, é patente o exercício de actividades profissionais remuneradas em serviços indiferenciados, sem regularidade, antes da sua reclusão e, nos últimos tempos, a adesão a registo de ociosidade, mantendo-se activo no consumo de substâncias aditivas, num projecto de vida executado pessoalmente em evidente desestruturação.

Resumindo, em meio livre o arguido persistiu na senda criminosa e no consumo de estupefacientes, sendo patente a falta de interiorização do desvalor cometido, e o desrespeito que evidencia, além do mais, pelo património alheio (…).

Olhando a este panorama e ao teor do seu relatório (…) socia (…) não há como não concluir estarmos perante pessoa (…) indiferente (…) a regras básicas de vivência em sociedade e por assim dizer, à ordem normativa, aspecto reforçado pela postura desinvestida que sempre assumi[u], em maior ou menor grau, em termos ocupacionais e terapêuticos. (…)

Têm como atenuantes:

- a confissão do arguido AA, embora de importância relativa dada a prova documental e pericial abundante nos autos;

- na condição de recluso, há a salientar a sua disponibilidade para desempenhar ocupação laboral ou integrar a escola, a que acresce a adopção de conduta ajustada e de normal cumprimento das normas instituídas no E.P.

- (…)”.

Deste segmento do acórdão recorrido, resulta que o Tribunal a quo teve em consideração para a determinação da medida concreta das penas parcelares, nos termos do art.71.º do Código Penal, que o arguido era consumidor de produtos estupefacientes à data dos factos, confessou os factos, colaborou com a justiça e mantém um comportamento institucional adequado a quem se encontra num Estabelecimento Prisional.

É certa a afirmação do recorrente de que o acórdão recorrido não teve em conta, na determinação das penas, a idade do arguido, mas não sendo este, nem jovem, nem pessoa idosa, seria irrelevante essa menção para efeitos de atenuação da sua responsabilidade penal.

Estando longe de serem excessivas as penas parcelares que lhe foram aplicadas, em face das razões de prevenção geral e especial e da culpa que se retira dos factos, passemos a verificar se a medida da pena única aplicada ao ora recorrente é excessiva.      

A moldura penal do número de crimes em concurso situa-se entre os 3 anos e 6 meses de prisão (a pena parcelar mais elevada) e os 25 anos de prisão (limite máximo, por a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes os ultrapassar).

Observando o ilícito global, que emerge da análise unificada dos factos, não se pode deixar de concordar com o acórdão recorrido quando o qualifica como de “elevada gravidade”.

Assim:

-  São trinta e um os crimes em concurso, dezoito de furto simples, quatro de furto qualificado e nove de condução sem habilitação legal;

- Estão em causa, por um lado, crimes contra o património, em que o valor total dos bens subtraídos e apropriados pelo arguido atinge os € 11.113,40 e, por outro, crimes contra a segurança rodoviária, havendo uma evidente ligação entre a condução de veículos automóveis e a prática dos furtos;

- A distância temporal entre todos os crimes em concurso é de pouco mais de 4 meses e o tempo em que o arguido persistiu na atividade criminosa revela um acentuado dolo.

A culpa global do arguido, que se retira da intensa e prolongada vontade de praticar os factos em concurso, quando se encontrava em liberdade condicional, é acentuada.

Do conjunto dos factos em concurso, do percurso de vida do arguido, do seu já longo passado criminal que se retira do CRC, e das condições familiares, socioeconómicas e laborais, resulta que o AA tem uma personalidade unitária desconforme ao modo de ser suposto pela ordem jurídico-criminal, evidenciando fraca sensibilidade e suscetibilidade de ser influenciado pelas penas criminais.

Para a formação desta personalidade defeituosa é preponderante a sua adição ao consumo de produtos estupefacientes, desde a juventude.

Pese embora, no que toca à prevenção especial, se entenda que o recorrente carece de premente ressocialização, cremos que o ilícito global agora julgado, embora já próximo, não é resultado de uma tendência criminosa, assumindo ainda um carácter pluriocasional.

Face à personalidade do arguido manifestada nos factos, entende-se, que as elevadas exigências de prevenção especial postulam a aplicação de uma pena que possa ser interiorizada pelo arguido, como dissuasora da prática de novos crimes e para que sirva de aviso para que adapte o seu comportamento às normas socialmente vigentes.

Importa ainda não esquecer “as necessidades de prevenção geral”, que são elevadas, particularmente nos crimes de furto, pois causam grande alarme social e intranquilidade na sociedade, sem esquecer a grande frequência com que este tipo de crime, bem como os de condução sem habilitação legal, são praticados no país.

Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, entendemos que se não se mostra excessiva, face às finalidades de prevenção, à culpa e à personalidade do arguido/recorrente AA a pena conjunta fixada em 7 anos e 6 meses de prisão - bem mais perto do limite mínimo da moldura abstrata do concurso (3 anos e 6 meses de prisão) do que do seu limite máximo (25 anos de prisão).

Assim, mantendo-se a pena conjunta fixada em cúmulo jurídico pelo Tribunal a quo, improcede esta primeira questão.

2.ª Questão

12. Da perda da vantagen patrimonial a favor do Estado

12.1 Tendo o Ministério Público requerido, ao abrigo do disposto no art.111.º, n.ºs 1, al. b), 4 e 5 do Código Penal, que os arguidos AA, CC, BB e DD, fossem condenados a pagar ao Estado o valor de € 11.458,40, correspondente à vantagem patrimonial obtida com a atividade criminosa, veio o Tribunal a quo condenar o arguido AA na quantia de € 6.119,68, sendo  € 5.803,68 exclusivamente a seu cargo e € 316,49, solidariamente a cargo com a arguida CC.

Consignou-se no acórdão recorrido, além do mais, após menção às finalidades do instituto da perda de vantagens do crime e aos pressupostos da declaração da perda de vantagens enunciados no art.110.º do Código Penal, o seguinte:

No caso vertente, restringiu-se aos arguidos AA e CC a condenação pela prática dos crimes de furto nas circunstâncias descritas.

Também só a lesada “A... & C.ª S.A.” deduziu Pedido de Indemnização Civil pleiteando, além do mais, o ressarcimento da quantia de € 293,72, pedido esse que, como vimos, mereceu o devido provimento.

Nesta medida, tal quantia não deve ser declarada perdida a favor do Estado. Assim é, porquanto, nesta matéria, propendemos para entendimento, de acordo com o qual, não deve ser declarada a perda das vantagens patrimoniais a favor do Estado no caso do lesado deduzir PIC em montante correspondente e/ou integrante no que vem requerido pelo MP (na proporção desta lesada), desse modo assegurando que o instituto da declaração de perda de vantagens não prejudicará os direitos do próprio lesado, nem acarretará dupla penalização para o agente na vertente cível.

Apurou-se igualmente que os cinco veículos subtraídos, nos montantes de € 1,400,00, € 500,00, € 500,00, € 800,00 e € 1.500.00, e que perfazem o montante global de € 4.700,00, foram recuperados e entregues aos proprietários.

Neste pressuposto, descontando os montantes de € 293,72 e de € 4.700,00 (sem descurar dos factos não provados concernentes às quantias subtraídas da Lavandaria – inquérito E), a actividade ilícita descrita nos autos permitiu obter uma vantagem patrimonial no valor de € 6.119,68 correspondente aos bens e objectos subtraídos.

Desse quantitativo, a arguida CC é apenas responsável pela co-subtração do montante de € 316,49 (€ 241,54+€ 50,00+€ 24,95), pelo qual responde solidariamente com o arguido AA, já não o sendo relativamente ao restante valor apurado.

Pelo que, na procedência parcial do pedido formulado pelo Ministério Público, se declara perdida a favor do Estado a quantia de € 6.119,68.

Dessa quantia, o montante de € 5.803,19 será da integral responsabilidade do arguido AA, e o montante de € 316,49 será da responsabilidade solidária dos dois arguidos AA e CC.”

O ora recorrente AA não se conforma com o pagamento desta quantia a favor do Estado, pugnando pelo pagamento de uma quantia inferior a € 5.803,19, argumentado que se revelará eficaz na prossecução das exigências de prevenção geral e especial.

O Ministério Público, no Supremo Tribunal de Justiça, por sua vez, perante a situação socioeconómica do arguido AA que resulta dos factos dados como provados nos pontos n.ºs 81 a 97 e o disposto nos artigos 110.º, n.ºs 1, al. b) e 4 e 112.º, n.º1, ambos do Código Penal, concede que o valor que este foi condenado a pagar, correspondente às vantagens adquiridas através dos crimes de furto, seja reduzido para € 3.000,00, a pagar em 20 prestações mensais, de € 150,00.

 Vejamos.

 12.2. É hoje pacífica a afirmação de que o combate ao crime centrado nas penas criminais não é suficiente, em especial, para combater o crime organizado.

Além da aplicação de uma pena criminal é necessário retirar aos criminosos os meios que lhes permitem desenvolver as suas atividades ilícitas, privando-os dos instrumentos do crime, do produto do crime e das suas vantagens, direta ou indiretamente, delas advenientes.

A perda de bens, com o sentido de perda definitiva, de ativos de qualquer espécie, serve no dizer de Euclides Dâmaso Simões e José Luís Trindade, na publicação “Recuperação de activos: Da perda ampliada à actio in rem (Virtudes e defeitos de remédios fortes para patologias graves[13], três objetivos:

1) o de acentuar as intenções de prevenção, geral e especial, através da demonstração de que o crime não compensa;

2) o de evitar o investimento de ganhos ilegais no cometimento de novas infrações, propiciando, pelo contrário, a sua aplicação na indemnização das vítimas e no apetrechamento das instituições de combate ao crime; e

3) o de reduzir os riscos de concorrência desleal no mercado, resultantes do investimento de proventos ilícitos nas atividades empresariais.

No mesmo sentido, refere João Conde Correia, na obra “Da proibição do confisco à perda Alargada”, que “Nenhum dos fins das penas, seja ele qual for, será concretizado se o condenado (cumprida que seja a pena de prisão aplicada) poder conservar toda a fortuna gerada pelo crime. (…) Sendo impossível impedir a prática do crime, devemos pelo menos evitar que ele compense, seja reutilizado na prática de novos crimes e contamine a economia legal”.[14] 

Como bem se anota, ainda nesta obra, “A atual Constituição da República Portuguesa, ao contrário das suas antecessoras, não proíbe, mas também não autoriza, expressamente, o confisco. (…) Apesar deste silêncio, o confisco tem legitimidade jurídico-constitucional, mas também encontra aí claros limites. Com efeito, se é verdade que um Estado de direito não pode conviver com um património baseado na prática de ilícitos jurídico-criminais, também é verdade que ele não é compatível com formas arbitrárias ou desproporcionadas de confisco. Em ambos os casos, o princípio do Estado de direito (art.2.º da CRP) funciona como fundamento jurídico- constitucional. (…) Se o Estado é de direito não pode tolerar a criação, manutenção e consolidação de situações patrimoniais contrárias ao direito, nem formas para a sua ablação incompatíveis com um efetivo due processo of law”.[15]      

Efetivamente, tem de ser encontrado um justo equilíbrio entre, por um lado, a necessidade de assegurar que o crime não compensa, infligindo aos criminosos um abalo económico por meio da perda das vantagens do facto ilícito típico a favor do Estado ou mesmo das vítimas e, por outro, o dever de garantir o respeito pelos direitos fundamentais, designadamente o direito de propriedade privada, através de procedimentos com eles compatíveis.

Os mecanismos colocados à disposição do legislador para encontrar este justo equilíbrio, compatíveis com a Constituição da República Portuguesa e a Convenção dos Direitos do Homem, são diversos.

Em matéria de perda de bens, ou confisco, o nosso ordenamento jurídico comporta um sistema central, que podemos chamar de “perda comum ou clássica”, que abarcando simultaneamente a perda de instrumentos, produtos e vantagens, encontra a sua regulação prevista no Capítulo IX – do Titulo III (Das consequências jurídicas do facto), Livro I (Parte Geral) – , do Código Penal, sob a epígrafe «perda de instrumentos, produtos e vantagens», e num conjunto de “diplomas especiais”, que regulam parcialmente a mesma matéria, como, entre outros, o DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, que define o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas (artigos 35.º a 39.º), o DL n.º 28/84, de 20 de janeiro (art.9.º), que regula o regime de infrações antieconómicas e contra a saúde pública, ou a Lei n.º 15/2001, de 5 de junho (artigos 18.º a 20.º), que estabelece o regime geral das infrações tributárias.

No regime comum ou clássico de perda de bens, que integra o Código Penal e estes diplomas especiais, a perda dos instrumentos, dos produtos e das vantagens, pressupõe a prova, no processo, da existência de uma relação de conexão entre o facto ilícito criminal concreto e os correspondentes instrumentos, produtos e vantagens.

Na atual arrumação do citado Capítulo IX do Código Penal, que resultou das alterações nele introduzidas pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, o art.110.º regula, conjuntamente, a «perda de produtos e vantagens», nos seguintes termos:

« 1 - São declarados perdidos a favor do Estado:

a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e

b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.

2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem.

3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.

4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.

5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.

6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido

A norma define o que são “produtos”, “vantagens” e “recompensa”.

A definição de vantagens de facto ilícito típico – que aqui interessa –, como sendo, designadamente, todas as “vantagens que constituam vantagem económica”, não parece particularmente feliz. Em vez da definição de vantagens de facto ilícito típico, como sendo todas as “vantagens que constituam vantagem económica», talvez tivesse sido preferível dizer que são todos os benefícios que constituam vantagem económica.

A perda de vantagens tem em vista, primordialmente, uma perigosidade em abstrato, um propósito de prevenção da criminalidade em geral. A perda de vantagens procura demonstrar que o crime não compensa; na sua base está a necessidade de retirar ao arguido os benefícios resultantes ou alcançados através do facto ilícito típico.

Tal como a perda de instrumentos e produtos do crime, também a perda de vantagens vem sendo definida, maioritariamente, no que respeita à sua natureza jurídica, como uma “providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança.”.     

A vantagem patrimonial obtida pelo autor de um crime de furto corresponde ao prejuízo patrimonial da vítima.

Quando os bens objeto de subtração forem recuperados, como é o caso de veículos automóveis furtados, eles devem ser restituídos às vítimas ou lesados (art.186.º, n.º1 do C.P.P.), não havendo razões para operar a declaração de perda desta vantagem patrimonial.

Quando os produtos ou vantagens não puderem ser apropriados em espécie, deve o arguido ser condenado ao pagamento ao Estado do valor correspondente à vantagem patrimonial que auferiu, atento o disposto no n.º 4 do art.111.º do Código Penal.

Neste caso o Estado fica apenas com um direito de crédito sobre o arguido.

O pedido de indemnização não é uma espécie de questão prejudicial que impeça o confisco prévio dos instrumentos, produtos e vantagens decorrentes da prática do crime. [16]

Ou seja, a declaração de perda de vantagens é independente do pedido de indemnização civil e do interesse ou não do lesado na reparação do seu prejuízo.

O art.130.º do Código Penal, particularmente do seu n.º 2, ao estabelecer que « Nos casos não cobertos pela legislação a que se refere o número anterior, o tribunal pode atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os instrumentos, produtos ou vantagens declarados perdidos a favor do Estado ao abrigo dos artigos 109.º a 111.º, incluindo o valor a estes correspondente ou a receita gerada pela venda dos mesmos.», consagra a preferência da perda de bens sobre o pedido de indemnização, além de salvaguardar o direito dos lesados, que poderiam ver dificultada a execução dos bens do arguido em face da declaração do confisco.

Importa demonstrar ao arguido que o crime não compensa e, por outro lado, que se houver bens obtidos através da prática do crime devem ser usados para indemnizar os lesados.

Deste modo, nem o Estado está impedido de confiscar os proventos do crime, nem o lesado vê a sua compensação dificultada, nem o arguido pode ser constrangido a pagar duas vezes.

Por fim, importa atender, como bem realça o Ministério Público neste Supremo Tribunal ao disposto no art.112.º do Código Penal, que estabelece:

«1 - Quando a aplicação do disposto nos artigos 109.º, 110.º ou 111.º vier a traduzir-se, em concreto, no pagamento de uma soma pecuniária, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 47.º

2 - Se, atenta a situação socioeconómica da pessoa em causa, a aplicação do n.º 3 do artigo 109.º, do n.º 4 do artigo 110.º ou do n.º 3 do artigo anterior se mostrar injusta ou demasiado severa, pode o tribunal atenuar equitativamente o valor referido naqueles preceitos

Por sua vez, o art.47.º do Código Penal, para que remete o n.º1 do art.112.º, dispõe, na parte em causa:

« (…)

3 - Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.

4 - Dentro dos limites referidos no número anterior e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.».

12.3 Retomando o caso concreto.

Da factualidade dada como provada resulta que o arguido AA obteve, com os vários furtos descritos nos factos provados, uma vantagem patrimonial no valor de € 11.113,40.   

A este valor, o Tribunal a quo descontou os montantes correspondentes aos valores dos veículos automóveis recuperados e restituídos aos seus proprietários, que totalizam € 4.700,00 (ponto n.º 53 dos factos provados) e, ainda, o montante de € 293,72, correspondente ao ressarcimento atribuído à lesada “A... & C.ª S.A.” face ao pedido de indemnização que formulara.

Independentemente da bondade deste último abatimento, o certo é que nesta parte se formou caso julgado, pelo que o valor global da vantagem patrimonial obtida pelo ora recorrente AA com a sua atividade criminosa, a ter em consideração, corresponde a €6.119,68.

Sendo €6.119,68 o valor que este, prima facie, lhe deve ser retirado, para se demonstrar que o crime não compensa, vejamos agora se o mesmo é muito elevado, como defende o recorrente e, nesse caso, se nos termos do art.112.º do Código Penal, o seu pagamento pode ser diferido, realizado em prestações ou objeto de atenuação.

A resposta depende, em primeiro lugar, da situação socioeconómica do arguido.

Da factualidade descrita nos pontos n.ºs 81 a 97 dos factos provados no acórdão recorrido, resulta que o arguido é de modesta a condição social, tendo como habilitações literárias o 1.º Ciclo e de muito fraca situação económica, vivendo na marginalidade social, sem trabalho, fazendo dos furtos meios de obtenção de proventos para subsistir e suportar os consumos de estupefacientes. O agregado familiar do arguido, que pouco frequentava antes de ficar novamente privado da liberdade, tem uma situação económica modesta.

A ideia de que o “crime não compensa” incide tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos na sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspeto deixe de caber o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração).[17]

Perante estas razões de política criminal contidas no instituto da perda de vantagens e a situação socioeconómica do arguido, o Supremo Tribunal de Justiça considera que a condenação em € € 6.119,68 é no caso demasiado severa, pelo que, nos termos do art.112.º, n.º 2 do Código Penal é razoável reduzir o seu montante e, como sustenta o Ministério Público neste Supremo Tribunal, fixar equitativamente o valor que o arguido deve pagar ao Estado em € 3.000,00.

O arguido viu revogada a liberdade condicional e determinada a execução das penas a cumprir, (ponto n.º 47 dos factos provados) e tem a cumprir a pena de prisão de 7 anos e 6 meses a que foi condenado neste processo.

O arguido não requereu o pagamento da quantia em que foi condenado em prestações ou o seu diferimento e, por outro lado, não tendo nós elementos mínimos para estabelecer um número de prestações mensais e o respetivo montante por se desconhecer o seu futuro imediato quando sair em liberdade, nomeadamente a nível familiar e económico-financeiro, entendemos não determinar aquele pagamento em prestações.

Não havendo razões para alterar a condenação do arguido no pagamento do valor de € 316,49 solidariamente com a coarguida CC, que aliás o recorrente não pede, mantem-se a mesma.

Procede, assim, parcialmente esta segunda questão.

III - Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda o Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, reduzir, equitativamente, de € 6.119,68 (seis mil, cento e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos) para € 3.000,00 (três mil euros) o montante da condenação do arguido no pagamento ao Estado, mantendo-se no mais o acórdão recorrido.   

Sem custas (art.513.º, n.º1 do Código de Processo Penal).

*

Lisboa, 2 de junho de 2022

Orlando Gonçalves (Relator)

Adelaide Sequeira (Adjunta)

Eduardo Loureiro (Presidente da Secção)

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[1] Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 (BMJ n.º 458º, pág. 98) e de 24-3-1999 (CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.)

[2] Cf. Fig. Dias, in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.
[3]  Cf. Figueiredo Dias, inAs consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, pág. 245 e seguintes.
[4]  Cf. Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra, Lições 2010-2011, págs. 32 e 33.   
[5] Cf. Cavaleiro de Ferreira, “Lições de Direito Penal”, II, 2010, pág. 156.
[6] Cf. a citada obra “As consequências jurídicas do crime”, págs. 280-281.
[7] Cf.  “Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal”, Ministério da Justiça, Parte Geral, Vol. II, Lisboa 1965, pág. 151.
[8] Cf. Figueiredo Dias, obra cit. págs. 282 a 284 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 283
[9] Cf. proc. n.º 900/05.1PRLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.

[10]  Cf. “Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág.290/2. 

[11] Cf. Figueiredo Dias, obra cit., pág. 292.

[12]  Cf. “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1, , pág. 155 a 166 e acórdão do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1. 
[13] In Revista Julgar on line 2009, p. 3, disponível em ttps://sites.google.com/site/julgaronline/.)

[14] Edição INCM, páginas 36 e 37.  
[15] Pág. 64.
[16] Neste sentido, João Conde Correia, “Anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 01-12-2014, proferido no processo 218/11.0GACBC.G1”, in “Julgar on line”, pág. 9.  
[17] Cf. “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág.632.