Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
234/00.8JAAVR.C2.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: DIREITO AO RECURSO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
MATÉRIA DE DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
RENOVAÇÃO DA PROVA
FUNDAMENTAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACORDÃO DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 09/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário :

I - A jurisprudência do TC tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal. Esse direito ao recurso, como garantia de defesa, é de há muito identificado pelo TC como a garantia do duplo grau de jurisdição, “quanto a decisões penais condenatórias e, ainda, quanto a decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais”.
II - O exposto significa que, embora valha no processo penal português o princípio da recorribilidade das decisões judiciais, plasmado no art. 399.º do CPP, do ponto de vista jurídico-constitucional não são ilegítimas, à luz do art. 32.º, n.º 1, da CRP, restrições do direito ao recurso relativamente a decisões penais não condenatórias ou que não afectem a liberdade ou outros direitos fundamentais do arguido. Esta disposição constitucional não imporá, portanto, a concessão ao arguido do direito de recorrer de toda e qualquer decisão judicial que lhe seja desfavorável.
III - Segundo o TC, o duplo grau de jurisdição, imposto pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP, abrange tanto o recurso em matéria de direito, como o recurso em matéria de facto, com a salvaguarda de que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não tem, porém, de “implicar renovação de prova perante o tribunal ad quem, nem tão pouco que conduzir à reapreciação de provas gravadas ou registadas (Ac. do TC n.º 573/98, tirado em plenário). Como se refere ainda nesta decisão, “o tribunal colectivo tendo em conta as regras do seu próprio modo de funcionamento e as que comandam a audiência de discussão e julgamento, constitui, ele próprio, uma primeira garantia de acerto no julgamento da matéria de facto. Depois, no recurso de revista alargada, há também lugar a uma audiência de julgamento, sujeita às regras respectivas, nela podendo haver alegações orais. E, embora esse recurso de revista alargada vise, em regra, tão-só o reexame da matéria de direito, o STJ pode, não apenas anular a decisão recorrida, como decretar o reenvio do processo para novo julgamento. Questão (para este último efeito) é que detecte erros grosseiros no julgamento do facto (a saber: insuficiência da matéria de facto, contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova) e que o vício detectado resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum”.
IV - Não tendo o direito ao recurso sobre a matéria de facto – como decidiu o TC no Ac. n.º 401/91 (publicado no DR, I Série-A, de 08-01-92) – que implicar renovação de prova perante o tribunal ad quem, nem tão-pouco que conduzir à reapreciação de provas gravadas ou registadas – Ac. n.º 253/92 (publicado no DR, II Série, de 27-10-92) –, a garantia do duplo grau de jurisdição sobre o facto tem fatalmente que circunscrever-se a uma verificação pelo tribunal de recurso da coerência interna e da concludência de tal decisão; e sendo certo que a efectividade de tal reapreciação do acerto da decisão sobre a matéria de facto pelo tribunal ad quem depende, de forma decisiva, da circunstância de ela estar substancialmente fundamentada ou motivada – não através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios, mas de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto relevante como provado ou não provado.
V - O sistema da revista alargada preserva, assim, o núcleo essencial do direito ao recurso, em matéria de facto, contra sentenças penais condenatórias.
VI - O Ac. do STJ n.º 4/2009, de 18-02, publicado no DR, I Série, de 19-03-2009, fixou jurisprudência no sentido de que, em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais penais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1.ª instância.
VII - A decisão de 1.ª instância, no caso vertente, foi proferida em 2009. Nessa data estava já em vigor a versão do CPP resultante das alterações que nele foram introduzidas pela Lei 48/07, de 29-08, como decorre do seu art. 7.º.
VIII - É o art. 432.º do CPP que define a recorribilidade das decisões penais para o STJ. De forma directa, nas als. a), c) e d), do seu n.º 1; de modo indirecto, na al. b) do mesmo número, através da referência às decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do n.º 1 do art. 400.º.
IX - Estando aqui em causa um recurso interposto de um acórdão de um Tribunal da Relação proferido em recurso, perante um recurso em segundo grau, portanto, a norma a ter em conta é a daquela al. b).
X - Ora, o Tribunal da Relação confirmou as penas parcelares fixadas pelo Tribunal de 1.ª instância de 7 anos e 5 meses de prisão e 8 meses de prisão, bem como confirmou a pena conjunta de 7 anos e 10 meses de prisão por que o arguido foi condenado. Como assim, a al. b) do n.º 1 do art. 432.º remete-nos para a al. f) do n.º 1 do art. 400.º.
XI - A Lei 48/07 alterou substancialmente esta disposição legal: se antes, era a pena aplicável o pressuposto (um dos pressupostos) da (ir)recorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, agora esse pressuposto passou a ser o da pena concretamente aplicada.
XII - No caso de concurso de crimes, pena aplicada é tanto a pena parcelar cominada para cada um dos crimes como a pena conjunta. Assim, no caso de concurso de crimes, só são recorríveis as decisões das Relações que, incidindo sobre cada um dos crimes e das correspondentes penas parcelares, ou sobre a pena conjunta, apliquem ou confirmem pena de prisão superior a 8 anos.


Decisão Texto Integral: