Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
003120
Nº Convencional: JSTJ00012778
Relator: PRAZERES PAIS
Descritores: GREVE ROTATIVA
GREVE SELECTIVA
RETRIBUIÇÃO
DESCONTO DE DIAS DE GREVE
Nº do Documento: SJ199111060031204
Data do Acordão: 11/06/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N411 ANO1991 PAG410
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4932/88
Data: 12/12/1990
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: MONTEIRO FERNANDES TEMAS LABORAIS RELAÇÕES COLECTIVAS DE TRABALHO GREVE INTERMITENTE PAG153.
Área Temática: DIR TRAB - GREVE.
Legislação Nacional:
Sumário : Se a situação de facto não espelha as caracteristicas das denominadas greves rotativas e selectivas, por se não mostrar que tivesse havido uma concertada e calculada paralização da empresa por periodos sucessivos, de forma a resultar a impossibilidade total de laboração, a empresa, apesar da greve, e, embora em produção diminuida, não pode efectuar descontos nos vencimentos dos trabalhadores grevistas, para além das horas formais da greve.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de
Justiça:
O Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Tabacos instaurou acção com processo comum, ordinário, contra
"A Tabaqueira, Empresa Industrial de Tabacos, pedindo que se declare ilegal a prática adaptada pela Ré na sequência de uma greve levada a efeito pelos seus trabalhadores entre 12 e 28 de Janeiro de 1982, com paralisação de 2 horas por dia num total de 28 horas, de ter feito no salário dos grevistas descontos que excedem os correspondentes aos periodos de paralisação efectiva, pedindo ainda que a Ré seja condenada a devolver a todos os trabalhadores a parte do salário descontado para além das 28 horas de efectiva paralisação.
Entende o Autor que a Ré só podia legalmente proceder ao desconto das horas da efectiva paralisação de cada trabalhador.
Contestou a Ré nos termos do seu articulado de folhas
21, suscitando a questão da legitimidade do Autor.
Esta questão foi julgada procedente no despacho saneador, decisão que em recurso veio a ser confirmada pela Relação, mas que depois foi revogada pelo Supremo
Tribunal de Justiça o acordão, julgando-se o Autor parte legitima.
Procedeu-se, então a julgamento e por sentença de folhas 136 e seguintes julgou-se a acção procedente e provada condenando-se a Ré no pedido.
A Ré, inconformada com a sentença, dela apelou, alterando-se em parte a decisão recorrida, conforme os termos finais do respectivo acordão.
Na parte em que decaíu, recorreu de revista o Sindicato, alegando nas conclusões:
- Antes do inicio da greve e após o seu termo o trabalhador tem direito à retribuição, ainda que, por motivo daquela, não lhe possam ser oferecidas condições que lhe permitam uma prestação normal de trabalho
(parecer da Procuradoria Geral da República, in Boletim do Ministério da Justiça 337 - página 83)
- Os trabalhadores abrangidos pelo pre-aviso da greve
(e não unicamente os representados pelo Recorrente) têm direito de aderirem a tal greve, a ver descontado o periodo de efectiva paralisação.
- Tanto mais que, fora desse periodo, a empresa não estava totalmente paralisada, uma vez que, mesmo na versão da recorrida se produziu 60 por cento do normal.
- Ou seja, se mais não se produziu foi por razões de ordem tecnica e economica imputaveis a recorrida.
- A recorrida não alegou nem provou que a quebra na produção tivesse uma origem diversa da enunciada e que a da greve determinou - dolosamente - aquele resultado.
- Não e licito nem legal, sob pena de se violar os artigos 7º e 9º da Lei da greve, impor descontos na retribuição superiores ao periodo de efectiva paralisação.
- E, muito menos, licito e legal, é a conduta da recorrida ao proceder manus militari a descontos nas retribuições dos trabalhadores para além da previsão taxativa do artigo 95 da L.C.T.
- O acordão recorrido, ao criar o conceito de "trabalhadores ligados directamente às operações de produção" criou e legitimou uma iniqua perda à recorrida que se desdobra em 3 ilicitas faculdades.
- A de apurar o montante a descontar.
- A de proceder ao desconto.
- A de eleger os trabalhadores a atingir.
- O parecer da Procuradoria Geral da República citado pelo acordão recorrido não defende a tese deste aresto e pressupõe a paralisação total da produção por virtude da intencional justaposição de periodos de greve.
- A invocação do abuso de direito para o caso sub judice além de não corresponder à materia de facto
(tanto mais que houve 60 por cento da produção) não tem qualquer suporte na matéria de facto assente na 1 instância.
- Violou, assim, o acordão recorrido os artigos 7 e 9 da Lei da Greve e o artigo 98 da L.C.T.
E conclui que, provido o recurso, se revogue o acordão recorrido e se confirme a sentença da 1 instância.
Nas suas contra-alegações, a recorrida conclui pela confirmação do acordão.
O Excelentissimo Representante do Ministério Público, no seu douto parecer, opina por dar razão ao Sindicato recorrente.
O que tudo visto e decidindo:
A) - Quanto aos factos.
Foram dados como provados os seguintes:
- O autor ao longo do processo de negociação do acordo da Empresa, mediante a deliberação dos trabalhadores emitiu diversos pré-avisos de greve.
- O direito à greve foi exercido nos termos, periodos e condições fixados nos referidos pré-avisos, juntos a folhas 5 e seguintes que se dão por reproduzidos.
- A cada trabalhador correspondem, entre 12 e 28 de
Janeiro de 1982, a paralisação de 2 horas em cada dia.
- O que determinou que, no seu conjunto, cada trabalhador paralisou efectivamente 28 horas.
- A Ré descontou aos trabalhadores que detêm um horário de trabalho semanal de 37,5 horas um total de 58,5 horas de salário.
- Para os que têm horario semanal de 40 horas o desconto foi de 62,4 horas de salário.
- E para os trabalhadores que, no A.C.T. têm fixado um horário de 42,5 horas o desconto foi de 66,5 horas.
- Tais descontos foram impostos pela Ré em função dos niveis de produção.
- Estes niveis foram calculados em 40 por cento do
"normal" e, consequentemente impuseram o desconto de 60 por cento da retribuição, ou seja, as horas já anteriormente referidas.
- Este critério estendeu-se também aos trabalhadores não ligados directamente â produção.
- A referida paralisação foi sucessiva em sectores do processo produtivo.
- O nivel alcançado na produção, de cerca de 40 por cento deveu-se fundamentalmente, aos trabalhadores não grevistas.
B) - Quanto ao direito:
Com fundamento na mencionada matéria de facto, a 1 instância julgou a acção procedente e provada, condenando a Ré, ora recorrida, no pagamento aos trabalhadores da parte do salário descontado que ultrapassou as 28 horas de efectiva paralisação.
Desta decisão recorreu a Ré tendo a Relação no acordão sob revista, julgado procedente em parte a apelação, alterando-se a decisão da 1 instancia de forma a que a Ré ficou apenas condenada a pagar aos trabalhadores, representados pelo Autor, que tomaram parte na greve levada a efeito entre 12 e 28 de Janeiro de 1982 e que não estavam directamente ligados às operações de produção as quantias que mais lhes descontou nas respectivas retribuições para além do salário correspondente às duas horas de greve praticadas em cada dia.
Do restante pedido foi a Ré absolvida pelo acordão.
A questão, pois, equacionada, é a de se é legitimo o desconto efectuado pela entidade patronal Re nos vencimentos dos trabalhadores que aderiram à greve parcial de 2 horas diárias, entre os dias 12 e 28 de
Janeiro de 1982, não somente em relação àquelas horas, mas como se a greve fosse total ou geral.
Vejamos assim qual das posições, se a da 1 instância ou a da Relação no acordão, ora recorrido, deve ser aceite. Aquela invoca a seu favor o Parecer da Procuradoria Geral da República n. 168/82, publicado no
Boletim do Ministério da Justiça n. 337, páginas 75 e seguintes, e esta última, o Parecer da Procuradoria
Geral da República n. 156/81, no Boletim do Ministério da Justiça n. 316 - páginas 82 e seguintes.
O direito à greve é garantido pelo artigo 57 da Constituição da República Portuguesa e confirmado pela
Lei da Greve - Lei 65/77, de 26 de Agosto, sendo ainda assegurado pelo artigo 8 do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e aprovados pela Lei 45/78, de 11 de Julho.
A greve é assim um meio legal de pressão dos trabalhadores para, através dos prejuízos causados à entidade patronal, obterem a cedencia as suas reivindicações.
A greve caracteriza-se, assim, essencialmente, pelos prejuízos, em sua consequência causados ao patronato, que perante os interesses económicos em jogo, cederá ou não às reivindicações de que é alvo.
A licitude da greve e aceite pacificamente face ao que se dispõe na Constituição da República Portuguesa e demais diplomas e pelos próprios Tribunais. Aliás, os citados Pareceres da Procuradoria da República são um reflexo disso.
Nao existe de facto na Constituição e inclusivé na legislação ordinária, qualquer limitação no que se refere às formas de greve.
Mas, as formas de que se reveste o exercicio do direito
à greve são ilicitas quando não possam qualificar-se como greve, cujo conceito pressupõe, como elemento nuclear, a efectiva cessação ou paralisação concertada do trabalho, ou quando possam produzir danos injustos e desproporcionados para o dador do trabalho, para terceiros ou para a própria colectividade, nomeadamente quando resultantes do propósito da desorganização da produção e de sabotagem da economia (Parecer n.
123/76-B, transcrito no Parecer n. 168/82, de 10 de Fevereiro de 1933 - Boletim do Ministério da Justiça
337 - página 75)
A greve rotativa pressupõe, assim, uma concertação entre os promotores e uma paralisação por periodos sucessivos, sabiamente calculada ou executada, de modo a importar, de facto, a impossibilidade de laboração da empresa no seu conjunto pelo somatório desses periodos.
Ressalvados os referidos limites a greve rotativa será licita (confere Parecer da Procuradoria Geral da República n. 168/82).
Em suma: semelhante greve será licita se "... não acompanhada de actos de violência ..., e que não impliquem mais que uma simples perturbação e não uma mera paralisia de actividade ..." (Parecer, n. 79/76 da Procuradoria Geral da República, Boletim do Ministério da Justiça 265 - página 86).
É uso denominar-se greve selectiva a suspensão de prestação de trabalho por parte dos trabalhadores de uma profissão em sector da empresa cujas funções são vitais para o prosseguimento de toda a actividade, pelo que a paragem de tais trabalhadores implica a paralisação por completo daquela - (Parecer da Procuradoria Geral da República n. 185/82, Boletim do Ministério da Justiça 337, página 80)
Como se dispõe no artigo 7 - 1 da Lei 65/77 "a greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a ela aderiram, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição, e, em consequência desvincula-os dos deveres de subordinação e assiduidade"
Mas, põe-se agora a questão salarial perante a greve licita ou ilicita.
Como bem observa Monteiro Fernandes, em "Temas Laborais
- Relações Colectivas de Trabalho - greve intermitente
- página 153, o "efeito salarial" da greve deve configurar-se em função, não propriamente da estricta duração dos periodos de recusa explicita da prestação de trabalho por parte da cada trabalhador ..., mas das caracteristicas do comportamento colectivo enquanto tal, naquilo em que determina ou pode determinar a inutilidade ou inviabilidade - logo a neutralidade funcional, no esquema tipico do contrato de trabalho - das "fracções" de aparente e formal disponibilidade que se inserem no quadro desse comportamento -."
Assim,consoante se extrai dos Pareceres da Procuradoria
Geral da República ns. 168/82 e 156/81, publicados, respectivamente nos Boletins do Ministério da Justiça
337 e 316 já anteriormente assinalados, tanto nas chamadas greve rotativas, como nas greves selectivas, haverá lugar ao desconto total no salário dos trabalhadores grevistas, não só em relação ao periodo de horas declaradas em greve mas também em relação
àquele de aparente disponibilidade para o trabalho, desde que a situação de facto originada por aqueles na empresa naquele periodo aparente seja a mesma que se vive em greve, por inutilidade ou inviabilidade de utilizar a força de trabalho supostamente colocada ao dispôr da produção pelos trabalhadores.
Só na verificação de "paralisia" ou "redução anormal da produção" como nota o Excelentissimo Representante do Ministério Público, se justifica e impõe a consideração de que o periodo de suspensão do trabalho abarca não só o periodo formal da greve como aquele que aparentemente não o e, para, em termos de desconto no salário se somaram todos aqueles, de autêntica paralisação de produção.
Conforme se referiu, oportunamente, no parecer n.
156/81 da Procuradoria Geral da República a páginas 91, para que exista uma autêntica greve rotativa torna-se necessário que a cessação de trabalho do pessoal de um sector de serviço em greve implique "forçosamente" dada a sua interdependências, e "paragem" dos demais...".
Pergunta-se, então, naquele Parecer se naquele caso, os trabalhadores têm direito à retribuição durante o tempo em que, presentes nos locais de trabalho, fora do seu periodo formal de greve, em cumprimento dos seus deveres de subordinação e assiduidade não podem, efectivamente dada a referida interdependência, prestar serviço a que estavam adstrictos.
A resposta, segundo o Parecer não pode deixar de ser negativa, sob pena de consagração de uma clara situação de "fraude à lei", condenada pela moral e o direito.
Assim, apenas nos casos de paragem forçada de trabalhadores não grevistas, na greve rotativa ou selectiva dos grevistas, a entidade patronal poderá descontar a estes últimos o número de horas de efectiva paralisação produtiva.
No caso dos autos a Ré, como lhe competia, não provou
(artigo 342 do Código Civil) que a greve de duas horas diárias, durante o periodo de 26 dias, foi abusiva provocando-lhe perturbações graves, tal como a baixa de rendimentos muito superior à que resultaria da simples cessação do trabalho.
Além disso, não provou que a diminuição da produção se possa considerar de anormal, provocada pelas duas horas diárias de greve em que a paralisação do sector produtivo se tenha perfeito. Na verdade é a própria Ré que afirma que o nivel de produção, cerca de 40 por cento se deveu, fundamentalmente aos trabalhadores não grevistas.
De facto era a Ré que competia provar que a baixa de produção foi para além anormalmente da baixa de produção "tipica" e necessária a uma paralisação diária de 2 horas, durante 26 dias.
A Ré não demonstrou, pois, que no decurso do periodo de
26 dias tenha havido paralisação da empresa na globalidade.
A situação dos autos não espelha assim as caracteristicas das denominadas greves rotativa e selectiva, não se mostrando que tivesse havido uma concertada e calculada paralisação da empresa por periodos sucessivos por forma a resultar a impossibilidade total da laboração daquela, em consequência de tais periodos, em que durou a greve.
A Empresa Ré, apesar da greve, continuou em produção diminuida a um nivel, como se referiu não pode considerar-se anormal.
Deste modo e face ao preceituado nos artigos 7 e 9 da
Lei da Greve - 65/77, de 26 de Agosto e 95 do L.C.T. conclui-se que a empresa Ré não podia efectuar descontos nos vencimentos dos trabalhadores grevistas, para além das horas formais da greve.
Termos em que se concede provimento a revista e se revoga o acordão recorrido, mantendo-se a sentença da
1 instância.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 6 de Novembro de 1991.
Prazeres Pais,
Castelo Paulo,
Barbieri Cardoso.
Decisões impugnadas:
- Despacho do Tribunal do Trabalho de Lisboa de 85.01.30;
- Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 90.12.12.