Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1029/12.1TAMAI.P1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR
Descritores: RECURSO PENAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVEL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA
DANOS FUTUROS
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: PARCIALMENTE CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
Doutrina:
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 115;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, p. 501.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 496.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 28-01-2017, PROCESSO N.º 1862/13.7TBGDM.P1.S1 ;
- DE 22-02-2017, PROCESSO N.º 5808/12.1TBALM.L1.S1.

-*-

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 17-09-2013, PROCESSO N.º 7977/11.9TBMAI.P1;
- DE 27-01-2016, PROCESSO N.º 180/12GCAMT.P1;
- DE 07-04-2016, PROCESSO N.º 171/14.9 TVPRT.P1.
Sumário :
I - Mesmo não sendo perspectiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, a perda genérica de potencialidades funcionais do lesado, com o consequente aumento da penosidade no exercício das tarefas do dia a dia, constitui um dano ressarcível, de natureza específica, envolvendo prioritariamente uma afectação da saúde e da plena integridade física do lesado, sendo configurável como um tertius genus, com autonomia relativamente ao dano não patrimonial.
II - No exercício da sua actividade, a sinistrada, cujo défice funcional permanente de integridade físico-psíquica é de 31 pontos, passou a ter de desenvolver, em consequência do acidente para o qual nada contribuiu, um esforço bem maior nas tarefas do dia a dia, quando comparado com aquele a que as pessoas da sua idade estão sujeitas, tornando a sua vida bem mais penosa.
III - Passando a sinistrada a necessitar, diariamente, de ajuda de terceira pessoa, que a auxilia na execução da lide doméstica, nos cuidados pessoais, na efectivação das compras para o seu lar, a penosidade que teria de suportar sem o sobredito apoio aparece fortemente mitigada, justificando a redução da indemnização por dano biológico, de forma a não se verificar uma dupla indemnização para o mesmo dano, através da compensação, por um lado, da aludida penosidade e, por outro, da reparação do dano futuro decorrente do custo do apoio por terceira pessoa.
IV - Analisando as lesões que a demandante sofreu, as dores que padeceu, os tratamentos médico-cirúrgicos e de fisioterapia a que foi sujeita, os internamentos hospitalares e em residências medicalizadas, a Relação teve como justa uma compensação no montante de € 25.000,00, valor que não diverge dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, por haverem sido ponderadas adequadamente as circunstâncias do caso e os critérios prudenciais que devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade.
V - Para evitar subjectivismos capazes de afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade, a quantificação dos danos emergentes futuros deve assentar o mais possível em elementos objectivos, tal como sucede com a fixação do valor dos lucros cessantes, que é Sumários de obtido através de tabelas, de fórmulas matemáticas ou de cálculos financeiros; o valor apurado deve, porém, ser temperado com o recurso à equidade, a qual desempenha um papel corrector e de adequação às circunstâncias específicas do caso, de forma a que o valor da indemnização seja fixado de harmonia com as regras de boa prudência, da justa medida das coisas. Assim, de harmonia com as regras de boa prudência, da justa medida das coisas, tem-se como correcta uma indemnização por danos futuros no valor 75.000,00€.
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

  1. Após julgamento, o arguido AA, identificado nos autos, foi condenado, por sentença do tribunal singular da Instância Local da ..., Secção Criminal, Juiz ... da comarca do ..., na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, perfazendo € 1440,00, pela prática de um crime de ofensa à integridade física negligente, p. e p. e pelo art. 148º nºs 1 e 3 do Código Penal.

            Por essa mesma sentença foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante BB e, em consequência, a demandada CC SA foi condenada a pagar àquela a quantia de € 121.453,00, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento, contados desde a citação quanto aos danos patrimoniais (€ 51.453,00) e desde a decisão quanto aos danos não patrimoniais (€ 70.000,00).

            E foi julgado improcedente o pedido formulado pela demandante DD e, em consequência, dele absolvido a demandada CC SA.  

 Inconformadas quanto ao pedido cível, recorreram para o Tribunal da Relação do Porto quer as demandantes, quer a demandada.

            Por acórdão de 13 de Julho de 2016, a Relação do Porto negou provimento ao recurso interposto pela demandada CC e concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelas demandantes nos seguintes termos:

            1 - eliminar-se do facto provado nº 39 a parte em que se afirma que a Lusitânia pagou à demandante BB, a titulo de reembolso de despesas, a quantia de € 36.722,70;

2 – fixar em € 25.000,00 a indemnização a título de dano biológico, a pagar pela demandada à demandante BB;

3 - fixar em € 94.784,00 a indemnização a título de danos patrimoniais futuros, a pagar pela demandada à demandante BB, sendo € 87.000,00 pela necessidade de ajuda de terceiros, € 5.000,00 por tratamentos de fisioterapia, € 1.740,00 por medicamentos e € 1,044,00 por fraldas;

4 - fixar em € 25.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais, a pagar pela demandada à demandante BB;

Continuando irresignada, a demandada CC SA recorre ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído a sua motivação nos seguintes termos:

1- A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Douto Tribunal "a quo", porquanto na mesma não houve uma correcta apreciação dos pressupostos de direito
c
onstantes dos presentes autos.

2- Entenderam os Venerandos Juízes Desembargadores condenar a Recorrente no montante de € 25.000,00 a título de dano biológico, € 94.784,00 a título de despesas médicas futuras e € 25.000,00 a título de danos morais.

3- Não pode a Recorrente concordar com atribuição daqueles montantes, porque os Juízes Desembargadores não tiveram em conta o juízo de equidade necessário, tendo em conta a idade avançada da vítima, o facto de não exercer qualquer actividade profissional, a
u
ltrapassagem do limite previsível da vida activa e esperança de vida.

4- O tribunal a quo ignorou que a Recorrente BB tinha antecedentes pessoais de hipertensão arterial, patologia degenerativa osteoarticular (nomeadamente do ráquis),
hipotiroidism
o, e estava medicada para os nervos, conforme relatório do Instituto Nacional de Medicina Legal.

5- Ficou demonstrado que o défice permanente que afecta a recorrida não tem repercussão na sua actividade de ganho, posto que, à data do acidente, a recorrida, que na altura contava já com 74 anos de idade, se encontrava já reformada.

6- Com efeito, entende a Recorrente que este dano funcional, que deverá ser avaliado em função da situação concreta em que a recorrida se encontra, nos termos do art 566º do C.C., pelo que não se nos afigura justo e equilibrado que seja arbitrada à Recorrida uma indemnização a titulo de dano biológico muito superior àquelas que são fixadas a lesados muito mais novos e cuja capacidade de ganho foi realmente afectada.

7- Na verdade se compararmos o montante fixado no presente caso a este título, com outros que vêm sendo atribuídos pela nossa jurisprudência em situações semelhantes, verifica-se que o mesmo se mostra desajustado impondo-se a sua redução.

8- Sem prejuízo dos défices funcionais permanentes atribuídos terem sido inferiores ao do presente pleito, salientamos o Acórdão da Relação do Porto de 17.09.2013, proferido no âmbito do processo nº 7977/11.9 TBMAI, no qual se determinou que, tendo a sinistrada 73 anos à data do acidente, não exercendo a mesma qualquer actividade remunerada,
c
onsiderou-se justa e adequada, para compensação do dano biológico, a quantia de
€ 2
.500.00, assim como, o Acórdão da Relação do Porto de 07-04-2016, proferido no âmbito

do processo 171/14.9TVPRT.P1, que para uma lesada de 78 anos de idade, reformada da
ac
tividade de médica, considerou-se atendível o valor de €8.000,00.

9- Considerando que a Recorrente contava com, sensivelmente, a mesma idade que as lesadas de ambos os acórdãos referidos, forçoso é de concluir que a indemnização a arbitrar à recorrida a este titulo se deverá situar num montante inferior àquele que foi atribuído pelo Tribunal da Relão do Porto.

10- Tendo em conta que o défice da recorrida não tem repercussão na capacidade de ganho, o facto de a sinistrada ter antecedentes médicos de doenças do foro psiquiátrico (depressão) e estar medicada com vários fármacos, não deverá a indemnização a titulo de dano biológico ser superior a € 8.000,00.

11- Ao entender-se que a incapacidade não tem repercussão directa na capacidade de ganho da Recorrida, nem sequer implica um maior esforço, apenas se podia considerar existir dano não patrimonial, facto que não [foi] levado em consideração pelo tribunal a quo.

12- Neste sentido, Acórdão do STJ de 20.01.2010, relativo ao processo 03/99.9TBVRL.P1.S1, em que se entendeu que tendo a sinistrada uma incapacidade genérica, no caso de 5%, que não tinha consequência directa no exercício da actividade profissional, nem sequer implicava um maior esforço, tal incapacidade, não deve ser qualificada como dano patrimonial. Consequentemente, no caso concreto, a incapacidade tem apenas natureza "funcional" ao não acarretar quaisquer efeitos diretos ou indiretos na vida profissional.

13- Segundo aquele Acórdão do STJ de 20.01.2010, as consequências da lesão da sinistrada, consideradas como "dano biológico" ou "dano à saúde", podem conduzir-se, por um lado ao Quantum Doloris e por outro lado ao Dano Estético, ambos enquadráveis no dano não patrimonial, analise que achamos a correcta, e que não foi tida em conta pelo Tribunal da Relação.

14- Quanto ao Quantum Doloris, citando J. Álvaro Dias, pp 114-115, “esboçam hoje tendências no sentido de abranger em tal conceito os sofrimentos suportados durante o período pós-consolidação, que vão desde as dores físicas crónicas, sem repercussão funcional
ao sof
rimento psíquico implicado pelas sequelas e incapacidades ou handicaps que delas resultam ou aos próprios sofrimentos e esforços desenvolvidos para que a vitima possa continuar a realizar, apos a consolidação, os trabalhos ou tarefas que antes realizava de
forma nat
ural, e se a dor física tiver repercussão funcional, então, é que a sede de avaliação já não será a do quantum doloris mas antes a da incapacidade permanente parcial psico-fisica.

15- Relativamente ao Dano Estético declara-se que é certo que não raras vezes as lesões constituem um dano que é simultaneamente funcional e estético, devendo ser reparado na sua dupla vertente.

16- No caso dos autos, quer o quantum doloris como o Dano Estético não tiveram, para recorrida, qualquer repercussão patrimonial, pelo que andaram mal, quer o Tribunal da
Pri
meira Instância, quer o Tribunal da Relação ao considerar existir dano patrimonial.

17-  Com o mesmo sentido e orientação, o Acóro do STJ de 17.12.2009, atinente ao processo nQ 340/03.7TBPNH.C1.S1, que considerou que a maior penosidade no exercício de uma actividade profissional, sem diminuição de remuneração, ou redução da força de trabalho, no geral, não podem qualificar-se, senão, como dano não patrimonial, na medida em que a referida penosidade não tem consequências nem directas nem indirectas no património do lesado.

18- Considera a Recorrente, ainda, que a redução da força de trabalho, no sentido em que no futuro a Recorrida iria ter esforços acrescidos no âmbito de uma actividade profissional, não se aplica ao presente caso, pois, por um lado, nunca a recorrida alegou que pretendia desenvolver uma atividade, e depois porque, não era crível, face á idade da recorrida, que tal acontecesse.

19- Nesse sentido o Acórdão da Relação do Porto de 7 de Julho de 2009, proc. 3306/08, com sumário disponível em www.stj.pt. em cujo ponto II. se diz: "Sendo o lesado reformado, a IPP de 60% de que ficou a padecer para as diversas tarefas da vida diária, doméstica e de lazer em consequência das lesões causadas pelo acidente, não se traduz numa perda de capacidade de ganho, nem ao menos numa fórmula de acréscimo de esforço para obter igual resultado, a não ser que o sinistrada alegue e prove que, não obstante aposentado, não
estava impedido de co
ntinuar a trabalhar para além da reforma e de por isso ter um ganho a acrescer à sua pensão").

20- A Aqui recorrente não pode, igualmente, conformar-se com a decisão do tribunal a quo que fixou em € 25.000,00 a indemnização a atribuir à Recorrida BB a título de danos não patrimoniais.

21- Mais uma vez e salvo sempre o devido respeito, quer-nos parecer que este montante se afigura excessivo, se comparando com outras decisões proferidas pelas instâncias superiores em casos semelhantes.

22- Veja-se a título de exemplo, o decidido no Tribunal da Relação do Porto de 22.01.2013, proferido no âmbito do processo nº 13492/05.2TBMAI.P1, Tribunal da Relação do Porto de 07-04-2016 proferido no âmbito do processo nº 171/14.9TVPRT.P1.

23- Não pretendendo menosprezar o sofrimento da Recorrida, o certo é que no Acórdão da Relação do Porto de 29-09-2009, proferido no proc. n.º 6894/03.0TVPRT.P1 (em
w
ww.dgsi.pt/jtrp.nsf/) foi fixado o montante de 25.000,00, o mesmo que o tribunal a quo
fi
cou no presente caso, para a situação de uma menor que ficou com cicatrizes e dificuldades em caminhar e efectuar os movimentos básicos necessários à actividade diária (como lavar-se, vestir-se, etc) que lhe determinaram uma IPP de 30%.

24- Atento o exposto, é a recorrente da opinião de que se mostra mais justa, adequada e proporcional uma quantia inferior a título de danos morais, àquela que foi atribuída pelo tribunal a quo.

25- A título de danos futuros de natureza patrimonial, condenou o tribunal a quo a Lusitânia no pagamento € 94.784,00.

26- Para tanto o tribunal a quo considerou que o montante fixado foi dado como provado e que os mesmos não se consideram excessivos.

27- Desde já se refere que aquele montante consistiu numa ampliação do pedido tendo em conta o resultado do exame pericial que foi objecto de impugnação quanto ao conteúdo e valores peticionados pela Recorrente, sendo tal impugnação admitida.

28- Tal matéria, relativa a despesas com terceira pessoa, tratamentos médicos futuros, danos futuros com medicamentos e despesas com fraldas, tão pouco consta dos factos provados na Sentea da Insncia.

29- O valor de € 94.784,00 assentou em cálculos aritméticos apresentados pela Demandante e que não foram dados como provados, devendo, quanto muito, o tribunal a quo remeter a questão para um incidente de liquidação, o que não aconteceu.

30- Note-se que, por exemplo, que as consultas de fisioterapia, de acordo com o relatório do INML são a definir conforme acompanhamento clinico, não sendo portanto garantido que seja uma necessidade mensal ou anual, e que a demandada já era medicada ao tempo do acidente, a titulo de antecedentes pessoais com vários medicamentos.

31- Refere-se ainda que o valor atribuído a titulo de assistência de terceira pessoa é manifestamente excessivo tendo em conta a idade da recorrida e a mais recente jurisprudência.

32- Nesse sentido atente-se ao Acórdão do STJ de 10.03.2016 relativo ao processo
16
02/10.2TBVFR.Pl.Sl que para um lesado de 50 anos com um défice de 37 pontos foi atribuído o valor de € 20.000,00 para suportar com o custo previsível com a assistência doméstica.

33- Face ao exposto o valor justo tendo em conta a assistência doméstica rondará o previsto naquele Acórdão e não o atribuído pelo tribunal a quo.

Responderam as demandantes que pugnaram pela manutenção da decisão ora recorrida.

            Neste Supremo Tribunal, os autos foram a vistos e vêm agora à conferência para decisão.

            2. Os factos considerados provados são os seguintes, depois de introduzida a alteração decidida pela Relação:

1 - No dia 03 de Maio de 2012, pelas 17,35 horas, a ofendida BB, transitando a pé pelo passeio que ladeia o lado direito da Rua ..., atento o sentido sudoeste-nordeste, após se certificar que não circulavam veículos automóveis em ambos os sentidos daquela via, que é uma reta com boa visibilidade em toda a sua largura e extensão e possui 6,50 m de largura, iniciou a travessia de uma passadeira para peões existente próximo do n.º 2902, devidamente sinalizada, através de marcação no piso e por sinal informativo vertical;

2 - A ofendida BB iniciou tal travessia, no sentido da direita para a esquerda da via e na direção do referido n.º 2902, atento o sentido de marcha sudoeste/nordeste;

3 - O arguido, que circulava pela hemi-faixa direita, no sentido sudoeste - nordeste, da já referida Rua, conduzindo o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ...-QE, marca Peugeot, modelo 206, cor cinza, de forma desatenta, não viu a ofendida, que se lhe apresentavam a atravessar, na passadeira, a referida via da direita para a esquerda, considerando o seu sentido de marcha, não reduziu a velocidade a que seguia e, no momento em que aquela se encontrava a efetuar tal travessia e próximo do lado direito da via atento o seu sentido de marcha, colheu-a com a parte da frente do seu veículo, embatendo na ofendida, fazendo com que fosse projetada a mais de 8 metros e caísse no chão inconsciente, ficando com o seu corpo na faixa de rodagem da direita atendo o sentido de marcha do arguido;

4 - Após tal embate, o arguido não logrou imobilizar o veículo que conduzia, vindo ainda a subir o passeio existente no lado direito da via, atento o seu sentido de marcha, e embater com a frente do mesmo na parede do estabelecimento comercial existente no n° 2902;

5 - Como consequência do embate, sofreu a ofendida BB, direta e necessariamente, lesões, designadamente dores, múltiplos traumatismos, entre os quais se destacam os de crânio cerebral (com perda de consciência) e do membro inferior esquerdo, que careceram de receber tratamento hospitalar, que lhe foi prestado numa fase inicial pelo Hospital ..., onde esteve internada até ao dia 23.05.2012, após o que foi nesse dia transferida para o Hospital ... onde ficou internada cerca de um mês e veio a ser submetida a intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo por apresentar fratura de prato tibial e rotura ligamentar. Após foi transferida para as residências medicalizadas ..., onde permaneceu cerca de 4 meses e onde lhe foi prestada assistência médica que carecia. Em Outubro/Novembro de 2012 fui ainda internada e submetida a intervenção cirúrgica na Casa de Saúde ...;

6 - Desde o atropelamento e até à presente data, a ofendida realizou ainda fisioterapia nas instituições onde esteve internada e ainda, em regime ambulatório, no Centro ... e clinicamente acompanhada na Casa de Saúde ... e na Clínica ...;

7 - Em 05.02.2013 e aquando da realização de exame médico legal a ofendida apresentava as seguintes lesões:

- face: cicatriz linear, de trajeto irregular, rosa-nacarada, ligeiramente aderente aos planos subjacentes, sem retração tecidular associada, interessando a metade esquerda da região frontal, região supra-cilar e palpebral superior esquerda com 8 cm de comprimento (sem disformia significativa dos supra cílíos);

- pescoço: cicatriz rosada, disposta transversalmente no terço médio da região antero lateral esquerda do pescoço, com 5 cm de comprimento (resultante de intervenção cirúrgica);

- ráquis: identificação da mobilidade da coluna, com défice dos últimos graus em todos os arcos (predominantemente a nível cervical); desvio axial, ligeira contractura muscular para-vertebral difusa;

- membro superior direito: défice da abdução e flexão ativa do ombro (100%); leva a mão, ainda que lentamente; à região occipital, região acro-lombar e ombro-contra- lateral;

- membro superior esquerdo: défice de abdução e flexão ativa do ombro (100%) ainda que lentamente, à região occipital, região sacro lombar e ombro contra-lateral;

- membro inferior esquerdo: desvio do eixo em varo (< 10°); sem derrame intra articular ou edema dos tecidos moles; duas cicatrizes do tipo cirúrgico, a maior das quais com 7 cm de comprimento; défices dos últimos graus à flexão do joelho (<5°); ligeira instabilidade aparente ao stress em varo e à gaveta posterior; provas meniscais negativas.

8 - Ao agir da forma exposta, o arguido não usou do cuidado e precaução inerentes a todos os que, nas vias públicas, conduzem um veículo automóvel e, pela omissão de tais deveres, não previu o arguido as consequências da sua conduta, embora bem as pudesse prever e evitar;

9 - O atropelamento ficou a dever-se, tão somente, ao comportamento estradal do arguido, que não cumpriu. como estava obrigado e era capaz, as regras de condução que lhe são impostas, isto porque efetuou o exercício da condução de uma forma desatenta, motivo pelo qual não viu a sinalização informativa de aproximação/existência de passadeira, não reduziu nem adequou a velocidade ao local por onde seguia nem às circunstâncias do tempo, uma vez que o piso, apesar de estar em bom estado de conservação e estar bem iluminado, estava molhado por ter chovido e não viu a ofendida a atravessar a via na respetiva passadeira, não lhe tendo, portanto, cedido a passagem tal como lhe é imposto por aquelas regras, quando aquela já se encontrava a efetuar a travessia;

10 - O arguido agiu com violação dos deveres objetivos de cuidado que lhe eram exigidos e dos quais era capaz;

11 - Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei;

12 - A ofendida BB nasceu a ....1937;

13 - A responsabilidade por danos causados a terceiros do veículo ...-QE, à data, estava transferida para a demandada "CC, S.A.", nos termos da apólice n.º 2667292;

14 - A demandante BB foi transportada de imediato, pelos serviços do INEM, para o Serviço de Urgência do ..., no Porto;

15 - Aí chegada, após prestação de medidas urgentes, realizou exames imagiológicos, tendo-lhe sido diagnosticas as seguintes lesões:

- traumatismo crânio encefálico, com ferida contusa na região frontal (com perda de consciência);

- dor nos membros inferiores, mais à esquerda que à direita;

16 - A demandante BB realizou diversos exames médicos;

17 - A demandante BB tem continuado a receber apoio de terceira pessoa e a fazer tratamentos de fisioterapia;

18 - A demandante BB sofreu angústia e a dor inerente a um internamento hospitalar e a duas intervenções cirúrgicas;

19 - Quando obteve alta hospitalar, a demandante BB recolheu a sua casa, onde se mantém em repouso, apenas daí saindo para ir à:-; consultas externas e ir fazer os tratamentos de fisioterapia;

20 - A demandante BB tem apresentado um quadro depressivo, procurando isolar-se de todos, até dos seus familiares;

21 - Com as intervenções cirúrgicas, a demandante BB sofreu dores e incómodos;

22 - Atualmente, sofre dores e cefaleias constantes;

23 - A demandada "CC" já efetuou pagamentos de despesas, no montante de € 20.925,94, a saber:

- em 02.10.2012 foi pago o montante de € 337,40;

- em 04.02.2012 foi pago o montante de € 6.288,23;

- em 11.12.2013 foi pago o montante de € 12.423,31;

- em 14.01.2013 foi pago o montante de € 550,00;

- em 03.04.2013 foi pago o montante de € 1.287,00;

24 - A demandante já pagou as seguintes despesas:

- pagamentos dos tratamentos de fisioterapia ao Centro ..., no montante de € 1.560,00;

- pagamento de análises clínicas ao Hospital da ... no montante de € 3,00;

- pagamento do internamento no ..., fatura de 31.09.2012, no montante de € 3.591,01;

- pagamento do internamento no ..., fatura de 31.10 .2012, no montante de € 3.468,82;

- pagamento do transporte em ambulância para os diversos tratamentos efetuados no valor de € 4.355,00;

- pagamento de tratamentos efetuados na Clínica de ... no montante de € 1.726,00;

- despesas de farmácia no montante de € 81,47;

- compra de cadeira de banho rotativa no valor de € 133,96;

25 - Entre Junho de 2013 e 04 de Fevereiro de 2015, a demandante BB efetuou os seguintes pagamentos:

- pagamento de tratamentos de fisioterapia no Centro ...a, no montante de € 567,00;

- pagamento de tratamentos de fisioterapia na "..., Lda.", no montante de € 421,40;

- pagamento de consultas de psiquiatria no Hospital ..., S.A., no montante de € 23,94;

- pagamento de transporte em ambulância para os diversos tratamentos € 6.519,00;

26 - A demandante BB pagou por apoio domiciliário à "...", entre 01.03.2014 e 05.02.2015, a quantia de € 15.090,34;

27 - A demandante BB, entre 04 de Fevereiro de 2015 e 14 de Outubro de 2015, efetuou os seguintes pagamentos:

- pagamento de tratamentos de fisioterapia na "..., Lda.", no montante de € 262,97;

- pagamento de consultas e exames no Hospital ..., S.A., no montante de € 131,11;

- pagamento de consulta de ortopedia na "..." no valor de € 77,00;

- pagamento de fraldas à empresa "..., Lda.", no valor de € 162,00;

28 - A demandante BB pagou por apoio domiciliário à "... - Serviço de Apoio Domiciliário, Lda.", entre 01.01.2015 e 14.10.2015, a quantia de € 13.278,98;

29 - Por via das lesões sofridas a demandante BB teve dores físicas, incómodo e mal-estar, que persistem e se mantêm e a acompanharão durante toda a vida;

30 - Antes do atropelamento, a demandante BB vivia sozinha, sendo autónoma;

31 - A demandante BB vive num 3.° andar de um edifício sem elevador;

32 - A demandante BB ficou limitada nos seus movimentos, o que faz com que algumas tarefas simples se tornassem para ela um verdadeiro obstáculo, que muitas vezes só com muito custo consegue ultrapassar;

33 - As sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, mal estar e incómodo, que a vão acompanhar toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo;

34 - A demandante BB vive uma grande tristeza, frustração e desânimo;

35 - A demandante DD é sobrinha da demandante BB;

36 - A demandante DD é enfermeira no Hospital de Santo António do Porto;

37- A demandante DD acompanhou a sua tia, a demandante BB, a diversas consultas e tratamentos;

38 - O veículo de matrícula ...-QE encontrava-se seguro, nas circunstâncias de tempo referidas em 1, na demandada "CC, S.A.", pela apólice n.º ...;

39- A demandada "CC" já pagou, por conta do acidente, o montante de € 100.696,90 a diversas entidade;

40 - A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela demandante BB é fixável em 16.12.2013;

41 - A demandante BB, como consequência direta do atropelamento, sofreu e padece:

- um Défice Funcional Temporário Total de 182 dias (de 03.05.2012 a 31.10.2012);

- um Défice Funcional Temporário Parcial de 411 dias (de 01.11.2012 a 16.12.2013);

- Quantum doloris fixável no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente;

- um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 31 pontos;

- Dano Estético Permanente fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente;

- necessita de ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares; ajudas técnicas;

- necessita ainda de ajuda de terceira pessoa, durante o dia, para a generalidade das tarefas domésticas, auxílio no auto-cuidado e nas deslocações, nomeadamente para consulta e tratamentos médicos, nas compras domésticas, etc.

42 - Como consequência direta do atropelamento, resultou para a demandante BB uma perturbação persistente do humor com repercussão ligeira na sua autonomia pessoal e social, que constituem Défice Funcional Permanente na integridade físico-psíquica, com repercussão nas atividades da vida diária fixável em 6 pontos;

43 - A demandante já estava medicada, em momento anterior ao atropelamento, com Morfex, Diazepan, Arcoxia, Higroton, Biloban, Displina, Magnaral, Thyrax, Tercian,
Glucosamina, Oslar;

44 - O arguido circulava, nas circunstâncias dadas por provadas em 3, acompanhado pelo seu filho menor, na altura dos factos, com 4 anos de idade;

45 - O arguido circulava com a 3.a velocidade engrenada;

46 - O arguido, antes do embate, passou por um cruzamento com sinalização vertical luminosa, por um entroncamento, que se lhe apresentava pela direita e pela sinalização vertical com indicação de passagem para peões;

47 - O veículo QE era dotado de travões de disco no eixo dianteiro e de tambores no eixo traseiro, sem ABS;

48 - Foi submetido ao teste de álcool no sangue, tendo resultado 0,0 g/l;

49 - O arguido está socialmente integrado;

50 - É professor de ... na Escola ..., auferindo um rendimento mensal de cerca de € 1.300,00;

51 - É casado e a sua esposa é também professora, auferindo um rendimento mensal de cerca de € 1.300,00;

52 - Tem dois filhos menores, com 8 e 3 anos de idade, que frequentam, respetivamente, escola e infantário;

53 - O arguido sempre trabalhou, por forma a garantir o sustento do seu agregado familiar;

54- Cumpre todas as suas obrigações como cidadão;

55 - É pessoa avessa a desacatos, de boa formação cívica, elevada estatura moral e grande sensibilidade;

56- É titular da carta de condução há cerca de 20 anos;

57 - Vive em casa própria, pela qual paga cerca de € 400,00 mensais pelo empréstimo
que contraiu a uma instituição bancária para a sua aquisição;

58- É licenciado em engenharia eletrónica e informática;

59- O arguido não tem antecedentes criminais.

3. A discordância da recorrente respeita aos montantes fixados pela decisão recorrida para indemnização do dano biológico, aos danos não patrimoniais e aos danos futuros. Defende ainda que a incapacidade da demandante, não tendo repercussão directa na capacidade de ganho, apenas se poderia considerar como integradora de dano não patrimonial.

4. A questão suscitada pela recorrente relativamente à caracterização da incapacidade da sinistrada como dano não patrimonial, com fundamento em que, estando reformada, a sua capacidade de ganho não foi atingida, teve adequado tratamento na decisão recorrida.

Reproduzindo um trecho do acórdão de 27-01-2016 da Relação do Porto (Proc 180/12GCAMT.P1, com o mesmo relator), o acórdão recorrido refere que “não existe um entendimento único sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido, o dano biológico: uma parte da jurisprudência (maioritária) configura-o como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; outra parte admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, devendo ser analisado casuisticamente. Conforme variem as consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais) assim variará também o próprio dano biológico. Há ainda quem admita que, por se tratar de um dano base ou dano-evento deve ser ressarcido autonomamente.”

Conforme se afirmou no recente acórdão de 28-01-2017 – Proc. 1862/13.7TBGDM.P1.S1 deste Supremo Tribunal, “devendo o dano biológico ser entendido como uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, tal dano existe em qualquer situação de lesão dessa integridade, mesma que sem rebate profissional e sem perda do rendimento do trabalho, já que, havendo uma incapacidade permanente, dela sempre resultará uma afetação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que, de futuro, terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo.” Por isso, ali se entendeu que “o dano biológico não se pode reduzir aos danos de natureza não patrimonial na medida em que nestes estão apenas em causa prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária e naquele estão também em causa prejuízos de natureza patrimonial provenientes das consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado.”

Foi esta a interpretação seguida no acórdão recorrido, onde se considerou que “o dano biológico, enquanto lesão da integridade psicofísica susceptível de avaliação médico-legal, deve ser um dano tendencialmente igual para todos e entendido enquanto lesão do bem jurídico saúde ou integridade psicofisica, valor imaterial, devidamente reconhecido na Constituição da República Portuguesa, onde, no Art." 24.°, n. ° 1, se pode ler: "A integridade moral e física das pessoas é inviolável e ainda "inserido na tutela geral da personalidade, no Art.º 70.°, n.º 1 do Código Civil, que diz: "A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral".

Mesmo não sendo perspectiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, a perda genérica de potencialidades funcionais do lesado constitui, pois,  um dano ressarcível resultante da penosidade acrescida no exercício das tarefas do dia a dia, dano que, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito. Constitui, portanto, um dano de natureza específica, envolvendo prioritariamente uma afectação da saúde e plena integridade física do lesado, sendo configurável como um tertius genus, com autonomia relativamente ao dano não patrimonial.

5.  A recorrente defende, relativamente ao dano biológico, que o défice permanente que afecta a recorrida não tem repercussão na sua capacidade de ganho, uma vez que, à data do acidente, tinha 74 anos e estava reformada e considera não ser justo que lhe seja atribuída uma indemnização muito superior àquelas que, em circunstâncias similares, têm sido arbitradas. Em abono do que alega, invoca os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 17-09-2013 (Proc. 7977/11.9TBMAI.P1) e de 07-04-2016 (Proc. 171/14.9 TVPRT.P1) que, a lesadas com idade superior a 70 anos, atribuíram indemnizações cujo montante não ultrapassou € 8.000,00.

Analisando a situação de facto referente a esta lesão, mencionou-se na decisão recorrida: “Descendo ao concreto da situação sub judice, foi fixada à demandante BB um défice funcional de 31 pontos, o que, considerando a sua idade, de 78 anos, representa uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais, que serão necessariamente agravadas pelo decurso do tempo, assim se percutindo na qualidade da sua vida, quer laboral, se vier a precisar de trabalhar, apesar de estar aposentada, quer mesmo no seu quotidiano, na medida em que se apurou que a demandante não consegue, sequer, cuidar da sua higiene, precisando da ajuda de uma terceira pessoa para executar as lides caseiras e para as deslocações, estando ainda dependente de ajudas técnicas e medicamentosas e necessitando de usar fraldas, pois em consequência do acidente de que foi vítima ficou incontinente, o que lhe provoca uma perturbação persistente do humor.”

Ali se considerou, também, tal como sucedera já na decisão de 1ª instância, que a indemnização a arbitrar é calculada segundo critérios de equidade, devendo ter-se em conta a percentagem de incapacidade de que a demandante ficou afetada, a sua idade, a esperança média de vida da população portuguesa - que, pelo INE, foi fixada nos 83 anos - as características das sequelas sofridas e, ainda, a taxa de juro e o coeficiente de desvalorização da moeda.

           Como se referiu, a seguradora recorrente invoca dois acórdãos da Relação do Porto que, relativamente a duas sinistradas com idades próximas da da recorrida D. BB, fixou a indemnização por dano biológico em montante indemnizatório bastante mais reduzido. Comparando as situações de facto desses dois arestos e a dos presentes autos, verifica-se, contudo, que apenas há similitudes quanto à idade das sinistradas, tendo uma delas a condição de reformada, divergindo, porém, notoriamente, no grau de incapacidade, como em abono da verdade a seguradora não deixou de referir. Com efeito, nas duas decisões invocadas o grau de incapacidade é, numa de 3 pontos, e noutra de 4 pontos. Tal significa que, no exercício da sua actividade, a recorrida D. BB, cujo défice funcional permanente de integridade físico-psíquica é de 31 pontos, passou a ter de desenvolver, em consequência do acidente para o qual nada contribuiu, um esforço bem maior nas tarefas do dia a dia quando comparado com aquele a que as pessoas da sua idade estão sujeitas, mas também com o esforço que tem de ser desenvolvido por qualquer das sinistradas dos processos aludidos pela recorrente para executar o mesmo tipo de tarefas. A vida da sinistrada dos presentes autos tornou-se, pois, bem mais penosa. Tal como ficou provado, “algumas tarefas simples se tornassem para ela um verdadeiro obstáculo, que muitas vezes só com muito custo consegue ultrapassar” (facto 32).

Tal poderia justificar que o valor indemnizatório fixado pela decisão recorrida fosse bem superior ao que consta das decisões que a recorrente apresenta como exemplo de uma indemnização justa.

Contudo, a sinistrada necessita de ajuda de terceira pessoa no seu dia a dia, auxiliando-a na execução da lide doméstica, nos cuidados pessoais, na efectivação das compras para o seu lar, conforme ficou provado, o que tem como consequência que aquela penosidade na prática das tarefas do dia a dia, que a sinistrada teria de suportar sem o sobredito apoio, aparece fortemente mitigada, deixando, por consequência, de justificar uma tão elevada indemnização.

Daí que se deva reduzir a indemnização por dano biológico para € 10.000,00, para que não exista uma dupla indemnização para o mesmo dano, através da compensação, por um lado, da aludida penosidade e da reparação, por outro, do dano futuro decorrente do custo do apoio por terceira pessoa.

 Procede, assim, embora por razões diferentes, a pretensão da recorrente relativa a este ponto.

            6.  Discorda a recorrente também do montante arbitrado como indemnização por danos não patrimoniais, o qual considera excessivo.

           A sentença de 1ª instância, considerando a natureza e a intensidade dos danos sofridos pela sinistrada, tinha fixado a indemnização por danos não patrimoniais em € 10.000,00; por via da procedência do recurso interposto pela demandante, a Relação do Porto alterou essa importância para € 25.000,00.

           Para tanto, considerou-se no acórdão recorrido ser “entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de «compensação», não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.

            Depois de analisar as lesões que a demandante sofreu, as dores que padeceu, os tratamentos médico-cirúrgicos e de fisioterapia a que foi sujeita, os internamentos hospitalares e em residências medicalizadas que constam da matéria de facto, a Relação, tomando em consideração que “as consequências que dos factos em causa resultaram para a lesada revelam um quadro de profundas dores físicas e graves transtornos psicológicos, os quais, alguns deles, ainda hoje persistem e que devem ser mitigados tanto quanto possível, com a atribuição de um valor indemnizatório, a título de danos não patrimoniais, equitativo e adequado à sua dimensão e natureza”, teve como justa uma compensação no montante de € 25.000,00.

A recorrente nada alega quanto a este valor indemnizatório, salvo qualificá-lo de “excessivo”.

           De harmonia com o disposto no nº 1 do art. 496º do Código Civil, “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, estabelecendo o nº 3 que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º”.

            Por referência a esta disposição, ensinava o Prof. Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, pág. 115) que estes danos não patrimoniais “resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico)” E explicava que “não sendo estes prejuízo avaliáveis em dinheiro, a atribuição de uma soma pecuniária correspondente legitima-se, não pela ideia de indemnização ou reconstituição, mas pela de compensação.” Ou seja: “não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um ‘preço da dor’ ou um ‘preço do sangue’, mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses”.

            Porque não se trata de danos avaliáveis em dinheiro, a lei impõe que o montante da indemnização seja determinado segundo um juízo ex aequo et bono, atendendo, conforme anotam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, I, pág. 501), “ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
           
A lesada em nada contribuiu para o eclodir do acidente, tendo sido surpreendida quando atravessava uma passadeira para peões.
Desse acidente resultaram para a demandante civil lesões crânio-encefálicas e nos membros superiores e inferior esquerdo. Essas lesões, que demandaram internamentos superiores a seis meses, quer em meio hospitalar, quer em residências medicalizadas. Teve um Défice Funcional Temporário Total de 182 dias e um Défice Funcional Temporário Parcial de 411 dias, um Quantum Doloris fixável no grau 5 duma escala de 7 e um Dano Estético Permanente de grau numa escala de 7. Como consequência permanente, um Défice Funcional de Integridade Físico-Psíquica de 31 pontos, que inclui uma perturbação persistente do humor com repercussão ligeira na sua autonomia pessoal e social. Necessita de ajudas técnicas permanentes, ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e ajuda de terceira pessoa, durante o dia, para a generalidade das tarefas domésticas, auxílio na higiene pessoal e em deslocações.
           Os danos não patrimoniais atinentes a toda esta situação merecem tutela do direito, justificando, assim, a atribuição de uma indemnização com algum significado.   
E, como disse este Supremo Tribunal no recente acórdão de 22-02-2017 – Proc. 5808/12.1TBALM.L1.S1, “mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados.”
Ora, ponderadas adequadamente as circunstâncias do caso e os critérios prudenciais que devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, o valor fixado pela Relação não diverge dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis.
E, sendo assim, merece integral confirmação a decisão recorrida na parte em que como compensação dos danos morais sofridos pela sinistrada arbitrou a indemnização de € 25.000,00.

            Improcede, pois, nesta parte, o recurso.

7. Relativamente aos danos futuros, diz a recorrente que o valor de € 94.784,00, aceite pelas instâncias, assenta em cálculos aritméticos apresentados pela demandante que não foram dados como provados, devendo, quanto muito, o tribunal a quo remeter a questão para um incidente de liquidação, o que não aconteceu. Concretizando, alega que as consultas de fisioterapia, de acordo com o relatório do INML, serão definidas conforme acompanhamento clinico, não sendo garantido que seja uma necessidade mensal ou anual, que a demandada já era medicada ao tempo do acidente, a titulo de antecedentes pessoais, e que o valor atribuído a titulo de assistência de terceira pessoa é manifestamente excessivo tendo em conta a idade da recorrida e a mais recente jurisprudência.

           

            Tendo ficado provado que a demandante passou a necessitar de ajudas técnicas permanentes, de ajudas medicamentosas, de tratamentos médicos regulares e que  necessita ainda de ajuda de terceira pessoa, durante o dia, para a generalidade das tarefas domésticas, auxílio na higiene pessoal e nas deslocações, nomeadamente para consulta e tratamentos médicos, a 1ª instância fixou um valor global  de € 50.000,00 como indemnização desses danos futuros, por ter considerado que os valores pedidos pela demandante, resultantes “de mero cálculo aritmético, são manifestamente excessivos se comparados com a realidade indemnizatória da jurisprudência portuguesa”.

           Deste valor indemnizatório discordaram, quer a demandante, quer a seguradora, dele tendo feito objecto dos recursos que interpuseram para a Relação.

           Pelo acórdão recorrido foi dado provimento ao recurso da demandante, tendo sido estabelecida a indemnização a título de danos futuros nos valores demandados pela sinistrada. Para tanto, o acórdão recorrido apresentou a seguinte fundamentação: “… os valores em causa têm plena correspondência com o que se deu como provado a título dos danos futuros da demandante - como aliás é assumido pela decisão a quo - mas porquanto, tratando-se de danos futuros de natureza meramente patrimonial, relacionados com os custos que a demandante terá em consequência do acidente, não se vê que os mesmos devam ser objecto de correcção por se considerarem excessivos, ou por comparação com outras realidades, designadamente, de natureza moral ou não susceptiveis de aferição pecuniária.

Não estando em causa os respectivos valores - atribuídos pela sentença recorrida nos exactos termos em que são peticionados e nas dimensões solicitadas - apenas há que declarar a sua procedência, independentemente de os mesmos configurarem, ou não, uma importância avultada.

São importâncias certas e determináveis e, nessa medida, são o que são, nem muito, nem pouco, mas apenas e tão só, a expressão dos custos futuros que a demandante BB terá com a ajuda de uma terceira pessoa, os tratamentos de fisioterapia, os medicamentos, e as fraldas.    

Acresce que os mesmos foram calculados - como decorre da factualidade provada - de uma forma rigorosa, tendo em conta o que já foi gasto, a esses níveis, pela demandante, e que, nessa medida, até poderão pecar por defeito, tendo em conta a taxa de inflação futura e o natural aumento do custo dos serviços prestados.”

Entendendo não serem de introduzir factores de equidade, a Relação arbitrou a indemnização com o valor resultante do somatório das quatro parcelas, ou seja, de € 94.784,00.

Conforme resulta do art. 564º do Código Civil, é incontroverso o dever de indemnizar por danos futuros previsíveis, quer se trate de lucros cessantes, quer de danos emergentes, não sendo tal dever questionado pela demandada. O que está fundamentalmente em causa, segundo o seu recurso, é o método de cálculo a adoptar para apurar o montante  da indemnização.

Como vimos, considerou a decisão recorrida que, tratando-se de “importâncias certas e determináveis e, nessa medida, são o que são, nem muito, nem pouco, mas apenas e tão só, a expressão dos custos futuros”, apenas há que declarar a procedência do pedido.

Todavia, contrariamente ao que foi decidido, não podem, sem mais, ser aplicadas as regras inerentes à indemnização por danos já apurados causados pelo acidente.

É certo que para evitar subjectivismos capazes de afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade, a quantificação dos danos emergentes futuros deve assentar o mais possível em elementos objectivos, tal como sucede com a fixação do valor dos lucros cessantes, que é obtido através de tabelas, de fórmulas matemáticas ou de cálculos financeiros. O valor apurado deve, porém, ser temperado com o recurso à equidade, a qual desempenha um papel corrector e de adequação às circunstâncias específicas do caso.

As instâncias, no apuramento dos danos emergentes futuros tiveram como elementos objectivos os valores despendidos pela sinistrada com ajuda de uma terceira pessoa, os tratamentos médicos e de fisioterapia, os medicamentos, e as fraldas, cujo uso se impõe dada a incontinência urinária que a afecta, e que foram considerados como danos patrimoniais a cujo pagamento a seguradora foi condenada,  Destes valores se partiu para encontrar o dispêndio mensal, o qual foi multiplicado pelo factor 58, correspondente ao número de meses que decorrerão até a sinistrada atingir o tempo de esperança média de vida, que para as mulheres em Portugal, segundo o Instituto Nacional de Estatística, é de 83 anos.

No que respeita ao apoio por terceira pessoa, partiu-se do valor € 1500,00. Todavia, segundo as duas verbas a cujo pagamento a seguradora foi condenada, o custo mensal pago às empresas que asseguraram tal serviço de apoio não excedeu € 1.370,00, importância que, multiplicada por 58, atinge € 79.460,00, e não € 87.000,00 como consta da decisão recorrida.

Também quanto a fraldas, a única despesa que a seguradora teve de suportar correspondeu ao pagamento da € 162,00 à empresa ..., L.da, que prestou serviço de apoio à sinistrada entre 01-01-2015 e 14-10-2015, o que permite obter uma verba mensal de cerca de € 15,00, que multiplicado pelo factos 58, atinge € 870,00, e não € 1.044,00, como vem peticionado.

Somando estes dois valores, com € 5.000,00 para tratamentos médicos e de fisioterapia e com € 1.740,00 para medicamentos, obtém-se o montante de € 87.070,00. Como se referiu, o valor assim apurado deve ser temperado com o recurso à equidade, a qual desempenha um papel corrector e de adequação às circunstâncias específicas do caso. Assim, de harmonia com as regras de boa prudência, da justa medida das coisas, tem-se como correcta uma indemnização por danos futuros no valor de € 75.000,00.

Procede, assim, neste ponto, o recurso.

            DECISÃO

Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça em julgar o recurso da demandada civil CC S.A. parcialmente procedente, alterando a valor da indemnização por dano biológico para € 10.000,00 (dez mil euros) e por danos futuros para € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), no mais mantendo o que foi decidido pelas instâncias.

            São devidas custas, na proporção do decaimento.

                                                           Lisboa, 8 de Junho de 2017

Arménio Sottomayor (Relator)

Souto de Moura