Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
571/07.TTPRT.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
DURAÇÃO DA INTERRUPÇÃO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I – A matéria atinente à prescrição e caducidade dos direitos, incluindo os efeitos que dela decorrem, é regulada pela lei civil, não tendo, quanto à mesma, aplicação o disposto no nº 2 do artº 289º do Código de Processo Civil.

II – Para os efeitos previstos no nº 3 do artº 327º do Código Civil, é de imputar à autora a absolvição das rés da instância, por que veio a terminar uma acção, por decisão de 1 de Março de 2007, transitada em julgado em 19 seguinte, fundada na ineptidão da respectiva petição inicial, que se deveu à circunstância de se ter entendido existir ambiguidade, ininteligibilidade e incompatibilidade substancial dos pedidos formulados, vícios esses, que não obstante a autora, anteriormente, ter sido convidada a esclarecer, não foi possível ultrapassar, dado que ela, na sequência do convite, veio dizer naquele processo que não via necessidade de correcção do seu petitório.

III – Por isso, não pode a autora, na acção que, posteriormente, em 18 de Abril de 2007, intentou contra as rés, gozar do prazo ou da ficção que deflui do referido nº 3 do artº 327º do Código Civil.

IV – Daí que, tendo a relação laboral da autora com as rés cessado em Janeiro de 2004, aquela intentado contra estas, em 22 de Outubro de 2004, a acção emergente dessa relação, na qual foram citadas em 27 de Outubro de 2004, a partir desta data, por aplicação da regra inserida no nº 2 do artº 327º do Código Civil, começou a correr novo prazo prescricional, o qual, nos termos do artº 381º, nº 1, do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto) tem a duração de um ano.

V – Em conformidade com as proposições anteriores, na acção intentada em 18 de Abril de 2007, já há muito estavam prescritos os direitos nela queridos exercer
Decisão Texto Integral:
I


1. No Tribunal do Trabalho do Porto e mediante acção de processo comum, demandou AA as rés P... T..., S.A., TMN – T... M... N..., S.A., T... S... – S... de I...., S.A./PT C... – T.... e S.... de I..., S.A., e P... – E... de T... T..., Ldª, solicitando que: –
– fosse reconhecido o vínculo contratual existente entre a autora e a primeira ré (P... T...) na qualidade de utilizadora, no período compreendido entre 7 de Fevereiro a 30 de Novembro de 2000;
– fosse reconhecido o vínculo contratual existente entre a autora e a segunda ré (TMN) na qualidade de utilizadora, no período compreendido entre 11 de Setembro de 2000 e a data da instauração da acção;
– fosse a segunda ré (TMN), enquanto operadora de telecomunicações móveis nacionais, condenada a reintegrar a autora nos seus quadros de pessoal efectivo por contrato sem termo, reconhecendo-lhe a antiguidade desde a data da sua primeira contratação com a primeira ré (P... T...), declarando-se nulos os diversos termos estipulados em cada um dos contratos outorgados com a autora, por falta de justificação legal, por esta ré ser a verdadeira utilizadora e por violarem o Decreto-Lei nº 358/89, de 17 de Outubro;
– fossem as rés TMN, PT C... e P... responsabilizadas solidariamente pelo pagamento dos salários da autora que se vencessem até à data da sua efectiva reintegração.

Alternativamente, peticionou, para o caso de vir a ser entendido que a utilizadora foi a terceira ré (PT C...), que: –

– fosse esta condenada a reintegrar a autora nos seus quadros de pessoal efectivo, reconhecendo-lhe a antiguidade desde a data da sua primeira contratação, declarando-se nulos os diversos termos estipulados em cada um dos contratos outorgados entre ambas, por carecerem eles de justificação legal, ser a PT C.... a utilizadora e violarem o aludido diploma;
– fosse a mesma ré condenada a pagar os salários da autora que se vencessem até à data da sua efectiva reintegração;
– fossem as rés TMN, PT C... e P... condenadas solidariamente a pagar à autora € 20.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Em síntese, invocou que: –

– em 7 de Janeiro de 2000, foi admitida pela primeira ré (P... T...), outorgando um contrato de formação, que decorreu nas instalações desta ré, findo o qual foi convidada para outorgar, em 7 de Fevereiro daquele ano, um «pseudo» contrato de trabalho temporário pelo período de sete meses com a quarta ré (P...), a fim de exercer funções correspondentes à categoria profissional de «operadora de terminais de informação», contrato esse no qual foi clausulado que se destinava a satisfazer um acréscimo temporário de actividade da empresa utilizadora, T... S... – S... de I..., S.A., acréscimo esse decorrente de a esta empresa ter sido recentemente adjudicado pela P... T..., em regime de outsourcing, a prestação de serviço «informativo e de despertar», com início em 1 de Fevereiro de 2000 e até 31 de Janeiro de 2001, sendo que, em 24 de Agosto de 2000, foi outorgado um aditamento ao contrato de 7 de Fevereiro anterior, renovando-o até 30 de Novembro desse ano;
– atingido o termo da renovação, a autora não recebeu qualquer comunicação no sentido de o contrato ter caducado;
– em 11 de Setembro de 2000, a autora outorgou com a quarta ré (P...) novo contrato de trabalho temporário para, até 10 de Setembro de 2001, exercer idênticas funções com a empresa utilizadora T... S..., a qual, segundo o clausulado, firmara um contrato de prestação de serviço com a segunda ré (TMN);
– em 11 de Setembro de 2001, a autora veio a celebrar novo contrato de trabalho temporário com a quarta ré (P...), aí sendo estipulado que a contratação era efectuada com o fim de ser cedido o seu trabalho à PT C..., designação que veio a assumir a T... S..., a qual, por sua vez, se tinha obrigado a prestar, em regime de outsourcing, serviço de atendimento telefónico a clientes e agentes da segunda ré (TMN);
– em 1 de Abril de 2002, a autora firmou novo contrato de trabalho temporário com a quarta ré (P...), sendo aí exarado motivo idêntico ao indicado no contrato de 11 de Setembro de 2001;
– em 1 de Março de 2003, a autora outorgou novo contrato de trabalho temporário com a mesma quarta ré (P...), nos moldes dos dois anteriores, vindo a duração daquele, por aditamento celebrado em 1 de Dezembro de 2003, a ser estendida até 31 de Janeiro de 2004;
– com os contratos celebrados, a autora, por entre o mais, foi mudando o seu local de trabalho, alterou o seu horário de trabalho e a própria remuneração,
– a quarta ré (P...), após fazer caducar o contrato de 1 de Março de 2003, cuja vigência foi «estendida» até 31 de Janeiro de 2004, disse à autora para se apresentar ao trabalho no dia seguinte, tendo-lhe apresentado uma nova proposta de contrato;
– a autora, ao ler essa proposta, verificando que no mesmo se substituía a expressão «serviços afectados por importantes flutuações» por «actividade de carácter sazonal» e que, se bem que o salário aumentasse, como o número de horas também aumentava, isso implicava a diminuição da retribuição, recusou-se a assinar aquela proposta, o mesmo sucedendo com cerca de sessenta outros trabalhadores;
– em face da postura da autora, não foi permitida a continuidade do seu trabalho, o que configura um despedimento ilícito, já que o termo que foi aposto nos seus contratos era nulo;
– a quarta ré (P...) tinha já com a T... S..., pelo menos desde 1999, um contrato de cedência temporária de trabalhadores, com o mesmo fim que veio a consignar no contrato de trabalho temporário que firmou com a autora, sendo que, por isso, era inverídica a fundamentação de acréscimo temporário de trabalho desta última empresa;
– a segunda ré (TMN) é detida a 100% pela primeira ré (P... T...) desde Junho de 1995, o mesmo sucedendo com a T... S..., que, depois, se denominou PT C..., sendo o único cliente destas a P... T... e, por sua vez, esta o único cliente da P..., sendo esta última empresa detida a 100% pela T... S.../PT C...;
– os trabalhadores efectivos das PT C... e da P... são trabalhadores ou dirigentes cedidos pela P... T... e pela TMN;
– o processamento dos salários da autora era efectuado pela P... T...;
– as motivações constantes dos contratos celebrados com a autora eram, pois, falsas, e foram formuladas com intuito defraudatório da lei, pois que a real utilizadora não era a T... S..., mas sim a P... T..., já que esta, após ter esvaziado uma parte do seu objecto social, criou aquela, vindo a TMN, empresa do mesmo grupo, tal como as demais, depois, a ocupar-se desse objecto, sendo que a actividade dele constante sempre foi definitiva e duradoura;
– é, por isso, falaciosa a referência ao outsourcing nos contratos, pois que, quando muito, o que se depararia seria um insoursing;
– mesmo em face do seu objecto social de prestação de serviço da terceira ré (PT C...), não podia ela preencher os requisitos do artº 9º do Decreto-Lei nº 358/89, pois que era permanente a necessidade de mão-de-obra para suprir as necessidades decorrentes desse objecto.

Apresentaram as rés contestação.

Na deduzida por PT C..., S.A., foi: –

– suscitado aquilo que apelidou de “QUESTÃO PRÉVIA”, no sentido de, com a constituição da sociedade denominada PT C..., S.A. – para a qual foram transferidos todos os meios activos e passivos afectos às actividades operacionais da P... T..., S.A., vindo esta a adoptar a denominação de P... T..., SGPS, S.A. – ter deixado de existir a demandada P... T..., o que já ocorria à data dos factos, razão pela qual nunca poderia ser demandada;
– excepcionada, para além do que constava da “QUESTÃO PRÉVIA”, a sua ilegitimidade, já que a autora nunca firmou com ela ou com a sua antecessora P... T..., S.A., qualquer contrato de trabalho;
- excepcionada a ineptidão da petição inicial, no ponto em que, pedindo a autora o reconhecimento de um vínculo contratual com a P... T... desde 7 de Fevereiro a 30 de Novembro de 2000 e o reconhecimento de semelhante vínculo com a TMN desde 11 de Setembro de 2000 até à data da propositura da acção, para além de serem esses pedidos inconciliáveis, ficava-se sem saber qual o vínculo contratual peticionado entre 11 de Setembro e 30 de Novembro de 2000;
– impugnado o articulado pela autora.

Terminou a contestação pedindo que fossem julgadas procedentes as excepções suscitadas e ser a contestante absolvida.

Por aditamento à contestação que deduzira, a PT C... veio ainda excepcionar a prescrição dos créditos da autora.

Na oferecida pela ré TMN, excepcionou ela a caducidade do direito da autora a formular a pretensão de ser integrada nos quadros da contestante, pois que, aquando do termo da invocada cedência de trabalho da P..., não optou, comunicando essa vontade, pela sua integração naqueles quadros e, no mais, impugnou o invocado na petição inicial, requerendo, por isso a sua absolvição.

Na formulada pela ré PT C..., foi também impugnado o aduzido pela autora, peticionada a respectiva absolvição e, por aditamento à contestação inicialmente junta aos autos, excepcionou a prescrição dos créditos da autora.

Por último, na contestação que apresentou, a ré P..., invocou a prescrição dos créditos reclamados pela autora e propugnou pela sua absolvição.

Por despacho de 25 de Outubro de 2007, foi julgada procedente a excepção da prescrição invocada pelas PT C..., PT C... e P..., em consequência sendo as rés absolvidas dos pedidos contra as mesmas dirigidos.

Dessa decisão recorreu a autora para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 8 de Setembro de 2008, julgando procedente o recurso, revogou a decisão impugnada.


2. Desse aresto pediram revista as rés PT C..., PT C..., S.A. – estas invocando estar ele em oposição com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 6 de Março de 2008 –, TMN e P....

Remataram as alegações adrede produzidas com os seguintes núcleos conclusivos (por ordem de apresentação nos autos): –

A PT C... – T... e S... de I..., S.A.: –

1º O nº 2 do art. 289º do CP Civil não tem qualquer aplicabilidade ao caso dos autos, reportando-se exclusivamente aos efeitos civis derivados da propositura de acção judicial, mas excluindo, ele próprio, expressamente, a matéria atinente à prescrição e à caducidade dos direitos, cujo regime remeteu, no seu proémio, para a lei civil.
2º Em caso de absolvição da instância e independentemente de qualquer juízo de imputação desse desfecho, o novo prazo prescricional dos direitos exercitados na acção começa a decorrer logo após o acto interruptivo, que, no caso dos autos, consistiu na citação das rés em 27 de Outubro de 2004 no âmbito da pregressa acção nº 1789/04.
3º Por isso, tendo a presente acção (na qual v[ê]em exercitados os mesmos direitos invocados na citada acção nº 1789/04) sido proposta em 18.04.2007, os direitos nela feitos valer (decorrentes da cessação da relação laboral da A. recorrida em 31 de Janeiro de 2004) extinguiram-se, de exacta harmonia com a disciplina do nº 1 do art. 381º do Código do Trabalho.
4º Só assim não seria se, nos termos do nº 3 do art. 327º do Cód. Civil, o motivo processual determinante da absolvição da instância decretada na primitiva acção nº 1789/04 não fosse imputável à A. ora recorrida.
5º Ora, esse motivo processual (ineptidão da p.i.) é, ao invés[ ] do que se consignou no mui douto acórdão recorrido, exclusivamente imputável à A. ora recorrida.
6º Pois que, como flui da decisão proferida na pregressa acção nº 1789/04 (fls. 32 a 37 dos autos), apesar de notificada para esclarecer o pedido aí formulado, apresentando para o efeito novo articulado inicial, a autora não só não esclareceu a dúvida apontada no despacho que assim lhe foi notificado, como afirmou não ver necessidade de efectuar a sugerida correcção.
7º Por isso, por ininteligibilidade e por incompatibilidade entre pedidos (que a A. recorrida, apesar do convite que lhe foi feito, afirmou ‘não ver necessidade de corrigir’), foi decretada a absolvição da instância (por ineptidão da p.i.) na pregressa acção nº 1789/04.
8º Esse desfecho não pode deixar de ser imputado à A. recorrida a título culposo e, até, com culpa grave, atenta a persistência da sua conduta voluntária mesmo após advertência e convite para suprimento dos vícios que vieram a determinar a absolvição da instância (de que não foi interposto qualquer recurso).
9º Sendo certo que, nos termos do nº 3 do art. 327º do Cód. Civil, basta a mera imputação ao titular do direito do motivo processual determinante da absolvição da instância, para que se recuse a aplicação da sua estatuição.
10º Para tanto, não exige o nº 3 do art. 327º do Cód. Civil que o titular do direito incorra em erro grosseiro ou culpa grave (o que até é o caso dos autos).
11º A entender-se que ao caso dos autos é aplicável a norma do nº 2 do art. 435º do Cód. Trabalho (como também se excepcionou no art. 246º da contestação da R. recorrente produzida nos autos em 24/7/2007), a presente acção caducou em virtude de haver decorrido mais de um ano após o acto interruptivo verificado em 27/1/2004 na primitiva acção nº 1789/04 e sem que, de igual modo, aproveite à R, recorrida o benefício concedido pelo nº 3 do art. 327º do Cód. Civil (para que remete o nº 1 do art. 332º do mesmo Código), devendo a R. ora recorrente ser absolvida dos pedidos contra si formulados na presente acção, tal como se decidiu em 1ª instância (muito embora se qualificando aí como de prescrição a excepção em causa).
12º O douto acórdão recorrido violou, pelo menos, o art. 289º, nº 2, do CPC, e o art. 327º, nº 3, do Cód. Civil, por indevida aplicação, e os arts. 381º, nº 1, e 435º nº 2, ambos do Cód. Trabalho.

A PT Comunicações, S.A.: –

1º – O disposto no nº 2 do artigo 289º do Código Civil reporta-se exclusivamente aos efeitos civis derivados da propositura de acção judicial não tendo aplicação ao caso dos autos.
2º – O prazo prescricional dos direitos da Autora, em consequência da absolvição da instância decretada na primitiva acção, recomeçou a correr imediatamente após a sua interrupção por aplicação do disposto nº 2 do artigo 327º do Código Civil, e portanto em 27 de Outubro de 2004.
3º – Decorridos mais de dois anos desde 27 de Outubro de 2004, estão extintos, por prescrição, os direitos que a Autora recorrida ora pretende fazer valer de acordo, aliás, com o estatuído no nº 1 do artigo 381º do Código do Trabalho.
4º – De facto, a extensão desse prazo de prescrição pressuporia que a absolvição da instância na primitiva a[]cção nº 1789/04 fosse consequência de acto que não pudesse ser imputável à Autora – titular do direito.
5º – No entendimento da Ré, ora recorrente, diverso portanto do entendimento expresso no douto acórdão, a ineptidão da p.i. é, exclusivamente, imputável à Autora, ora recorrida.
6º – A autora não só toma conhecimento dos vícios apontados à sua petição inicial como foi convidada a corrigir tais vícios e não o fez.
7ª – Com conhecimento dos mesmos, e ciente da necessidade de proceder a tal esclarecimento depois de devidamente notificada (correcção dos vícios apontados), a autora não só não responde ao convite que lhe é feito, apresentando nova p.i., como manifesta a sua intenção em não praticar tal acto, por o considerar desnecessário.
8º – Foi esta conduta persistente da Autora, ora recorrida, e apenas esta conduta e teimosia, que levou à absolvição da instância das RR. na acção nº 1789/04, pois que se tivesse respondido ao convite que lhe foi feito a acção prosseguiria os seus trâmites até final.
9º – Entendendo-se que, ‘in casu’[,] é aplicável o nº 1 do artigo 435º do Código do Trabalho e o prazo de caducidade de um ano aí contemplado, e estando decorrido mais de um ano após o acto interruptivo que se verificou em 27.0UT.04, no âmbito da acção nº 1789/04, e não aproveitando à Ré, ora recorrida, o acréscimo do prazo de caducidade contemplado no nº 3 do artigo 327º do Código Civil, por remissão do nº 1 do artigo 332º do Código Civil, a presente acção judicial já caducou, tal como a Ré, ora recorrente, excepcionou nos artigos 30º a 43º da sua contestação entrada em juízo em 27.0U[T].07.
10º – O douto acórdão recorrido violou o disposto no nº 2 do artigo 289º do Código Processo Civil e nº 3 do artigo 327º do Código Civil por aplicação indevida e ainda o disposto n[o] nº 1 do artigo 381º e nº 2 do artigo 435º ambos do Código do Trabalho.

A TMN – T... M... N..., S.A.: –

a) Da leitura do n.º 2 do art. 289.º do CPC, mormente da restrição expressa inserta no respectivo proémio, [resulta?] que no domínio da prescrição e da caducidade de direitos – e ainda que a nova acção seja intentada contra o mesmo réu e verse sobre o mesmo objecto – a norma aplicável é a do n.º 3 do art. 327.º do CC e não a do n.º 2 do art. 289.º do CPC.
b) O n.º 2 do art. 289.º do CPC não afasta nem exclui a aplicação prevalecente da lei civil, especialmente o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 327.º do CC, no domínio do prescrição e caducidade dos direitos.
c) A previsão do n.º 2 do art. 289.º do CPC mostra-se, assim, de todo irrelevante para a boa decisão da presente lide.
d) Na 1.ª acção intentada pela Recorrida, em 22 de Outubro de 2004, as Rés foram absolvidas da instância, por decisão transitada em julgado em 19 de Março de 2007.
e) Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 327.º do CC, o novo prazo prescricional – subsequente à interrupção decorrente da propositura da 1.ª acção – começou a correr logo após o acto interruptivo verificado, de acordo com o estatuído no n.º 2 do art. 323.º do CC, em 27 de Outubro de 2004.
f) Os direitos que a Recorrida peticiona nos autos a quo, e cujo prazo de prescrição e de caducidade é, nos termos do disposto, respectivamente, nos arts. 381.º n.º 1 e 435.º n.º 2, ambos do CT, de um ano, prescreveram/caducaram em 27 de Outubro de 2005.
g) À Recorrida não aproveita a estatuição do n.º 3 do art. 327.º do CC, na medida em que a absolvição da instância, decidida na 1.ª acção, é efectivamente imputável à própria Autora, aqui Recorrida.
h) Em primeiro lugar, porquanto a lei é clara e taxativa ao referir que a extensão ficcional do prazo da prescrição pressupõe que a absolvição da instância seja consequência de acto ‘não imputável’ ao autor.
i) A lei não distingue, quanto a este aspecto, situações de dolo ou de negligência e, dentro desta, de negligência grosseira: a não imputabilidade decorrerá aqui apenas, como noutros domínios, da ocorrência de um evento anormal e estranho à vontade do titular do direito.
j) Em segundo lugar, cumpre evidenciar que a ineptidão da petição inicial da 1.ª acção intentada pela Autora, aqui Recorrida, é, indubitavelmente, imputável àquela.
k) Pode ler-se no despacho saneador (saneador sentença), proferido a fls. 1238 a 1243 da 1.ª acção: ‘Na sequência do despacho fls. 78, apesar de notificada para esclarecer o pedido deduzido quanto à sua alínea a), apresentando para o efeito novo articulado inicial, a autora veio apresentar o requerimento de fls. 83 a 84, o qual, salvo o devido respeito, não esclareceu a dúvida apontada naquele despacho, e no qual afirma não ver a necessidade de corrigir tal articulado’ (destacado nosso).
l) Na decisão que pôs termo à 1.ª acção, foram as Rés absolvidas da instância por ineptidão da petição inicial: considerou aquele Tribunal que os pedidos foram formulados de forma ambígua e imprecisa, não permitindo determinar em relação a qual das demandadas a Autora pretendia ver reconhecidos os direitos que se arrogava, os quais eram, aliás, inconciliáveis na medida em que acabariam por resultar no reconhecimento – impossível – à Autora, em simultâneo, de um vínculo contratual a várias entidades distintas entre si.
m) A decisão proferida na 1.ª acção é clara ao determinar que os vícios que conduziram à absolvição da instância das Rés são imputáveis, de forma exclusiva à Autora, que podia e devia ter agido de outro modo, decisão esta que já transitou em julgado, formando, como vimos supra, caso julgado formal.
n) Em face do acima exposto, à Recorrida, não lhe aproveita a extensão do prazo prescricional previsto no n.º 3 do art. 327.º, pelo que bem mal andou o Tribunal a quo ao julgar improcedente, no acórdão recorrido, a excepção da prescrição, revogando a sentença de fls. 103.
o) Ao fazê-lo, o Tribunal a quo violou, nos termos sobreditos, o disposto no art. 289.º n.º 2 do CPC, nos arts. 323.º n.º 1, 326.º n.º 1 e 327.º n.º 2 e n.º 3, ambos do CC e nos arts. 381.º n.º 1 e 435.º n.º 2, ambos do CPT.

Como, na alegação que produziu, a P... – E... de T... T..., Ldª, não formulou «conclusões» o relator, por despacho de 13 de Março de 2009, endereçou-lhe convite para tal formulação.

Na sequência, a Platoforma veio apresentar as seguintes «conclusões»: –

a) No acórdão objecto do presente recurso, entendeu o Tribunal da Relação do Porto que a acção de impugnação de despedimento intentada em 18.04.2007 foi tempestiva, por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 327.º do Código Civil.
b) Entendeu aquele Tribunal que a decisão que julgou procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e que levou à absolvição da instância das RR., na primeira acção intentada em 22.10.2004, não se deveu a erro grosseiro da autora, que lhe fosse imputável, operando assim o disposto n.º 3 do artigo 327.º do C.C.
c) Pelo que[,] tendo a primeira acção transitado em julgado em 19.03.2007, com a instauração da ‘nova’ acção em 18.04.2007, interrompeu-se, novamente, o prazo de prescrição;
d) A Recorrente não se conforma com o decisão vertida no acórdão recorrido, porque: primeiro, a ineptidão da petição inicial e a nulidade de todo o processado é uma excepção dilatória que leva à absolvição da instância por facto, manifestamente, imputável à A; segundo, a determinação de ‘motivo processual imputável ao titular do direito’ não está dependente de ‘erro grosseiro’, tal como parece decorrer do teor do acórdão recorrido e, terceiro, porque ao contrário do alegado naquele acórdão, podem subsistir casos de absolvição da instância não imputáveis ao autor, titular do direito;
e) Em 22 de Outubro de 2004, a A. intentou acção judicial, que correu os seus termos sob o n.º 1789/04.3TTPRT, no 2.º Juízo, 3ª Secção do Tribunal do Trabalho do Porto, pedindo a condenação das RR. no pagamento solidário dos salários que se vencerem desde a data da cessação do contrato de trabalho, em 31 de Janeiro de 2004, até à data da sua efectiva reintegração;
f) A acção intentada pela A., em 22 de Outubro de 2004, culminou com a absolvição da instância das RR. com fundamento na ineptidão da petição inicial, por acto imputável à A, porquanto ‘...a formulação do pedido em causa se mostra imprecisa e ambígua (...) não identificando assim a demandada relativamente à qual de dirige a pretensão, e quando é certo que não havia lugar em concreto a qualquer declaração de culpa...’ (cfr. n.º 1 do artigo 193º, conjugado com o disposto na alínea b) do artigo 494º e n.º 2 do artigo 493º, todos do CPC);
g) Esta acção, que culminou com procedência da excepção dilatória de nulidade do processado e, consequente, a absolvição da instância das RR., transitou em julgado em 19.03.2007;
h) Procurando fazer-se valer da segunda parte do disposto no n.º 2 do artigo 289.º do CPC, a A. intentou nova acção com idêntica causa de pedir em 18.04.2007;
i) Dispõe o n.º 2 daquele artigo que, ‘sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos (...) os efeitos civis da propositura da primeira causa e da citação do R. mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o R. citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.’ (sublinhado nosso);
j) Entenderam os Venerandos Desembargadores da Relação do Porto, no acórdão que agora se recorre, que ‘no caso em apreço, não se vislumbra que ocorra uma situação enquadrável em erro grosseiro por parte da autora’. Assim, ‘ponderando os termos em que se desenrolou o processado nestes autos e porque se não pode concluir no sentido de ser imputável à autora a absolvição da instância’ (na acção que correu os seus termos sobre o n.º 1789/04.0TTPRT), ‘é aplicável o citado no n.º 3 do artigo 327.º do CC’;
k) Com a devida vénia, este entendimento não pode proceder: Nos ‘efeitos civis’ referidos no nº 2 do artigo 289º do CPC., contrariamente ao sustentado pelos Venerandos Desembargadores, nunca poderão estar considerados os relativos a ‘prescrição e caducidade de direitos’, porque expressamente ressalvados pela parte inicial da norma, com remissão para a lei civil, ou seja, o artigo 327º do CC.;
l) Com o devido respeito, não existe confusão possível entre as previsões do nº 2 do artigo 289º do CPC e do nº 3 do artigo 327º do CC. O primeiro regerá para todos os efeitos civis, como por exemplo os referidos nos artigos 481º, alínea a) do CPC ou no artigo 805º, nº 1, do CC, com excepção daqueles que tenham a ver com a prescrição e caducidade dos direitos, ao quais se deverão aplicar as regras da lei civil, contidas no artigo 327º do CC;
m) No caso dos autos não há lugar à aplicação do disposto no nº 2 do artigo 289º do CPC, mas sim às regras estabelecidas no artigo 327º do CC, nomeadamente no seu nº 3.
n) O denominado ‘erro grosseiro’ não é, indubitavelmente, factor determinante para imputar a absolvição da instância por facto imputável ao titular do direito, pelo menos à luz do disposto no nº 3 do artigo 327º do CC;
o) Aí se dispõe que: ‘se por motivo processual não imputável ao titular do direito, o R. for absolvido da instância (...) não se considera completada a prescrição antes de findarem aqueles dois meses’.
p) A extensão da duração da prescrição, tal como consta da letra e espírito da norma citada, pressupõe que a absolvição da instância seja consequência de acto ‘não imputável ao titular do direito’ e nada mais do que isso;
q) A aplicação da norma em causa está, pois, dependente da ocorrência de um evento estranho à vontade e à conduta do titular do direito e que a este se sobrepõe;
r) De acordo com entendimento assente no Supremo Tribunal de Justiça, ‘...há culpa do autor se propôs a acção em termos de haver nulidade da petição...’ (cf. Acórdão do STJ, de 21-10-1993);
s) Uma vez afastada a previsão do disposto no n.º 3 do artigo 327.º do CC, aplicar-se-ia, ao caso concreto, o previsto no n.º 2 daquela norma;
t) A especialidade do n.º 3 do artigo 327º do Código Civil só tem lugar quando a absolvição da instância decorrer de motivo processual não imputável ao titular do direito; ‘...No n.º 3 prevê-se um caso que, praticamente, só tem interesse em relação às prescrições de curto prazo (...) sobre os fundamentos que podem determinar a absolvição da instância, veja-se o artigo 288º do Código de Processo Civil. Se esta absolvição se der por motivo imputável ao titular do direito, a doutrina aplicável é a do n.º 2, e não a do n.º 3 do artigo 327º...’ (cf. página 292, Código Civil Anotado, Professores Pires de lima e Antunes Varela, 3ª edição, volume I);
u) Dispõe o n.º 2 daquele artigo que, quando se verifique a ‘...absolvição da instância (...) o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interrompido...’; leia-se, citação da R., ora Recorrente, efectuada em 25 de Outubro de 2004 (cfr. n.º 2 do artigo 327º conjugado com o n.º 1 do 323º, ambos do Código Civil, sublinhado nosso);
v) Termos em que, o direito a que a A. se arroga e que fundamenta os pedidos formulados na presente acção contra as RR. prescreveu em 27 de Outubro de 2005, decorrido um ano após o momento da citação das RR. na primeira acção (cf. n.º 1 do artigo 381.º do Código do Trabalho).


Respondeu a autora às alegações das impugnantes, sustentando a improcedência do recurso.

A Ex.ma Magistrada do Ministério Público neste Supremo exarou «parecer», no qual propugnou pela procedência das revistas.

Notificado tal «parecer» às partes, nenhuma delas veio a efectuar qualquer pronúncia.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II


1. O acórdão em sindicância deu por assente a seguinte factualidade: –

– a) a relação laboral da autora cessou em Janeiro de 2004;
– b) em 22 de Outubro de 2004 foi [proposta] pela autora acção (Procº nº 1789/04TTP) contra as rés;
– c) a citação das rés para essa acção ocorreu em 27 de Outubro de 2004;
– d) por decisão datada de 1 de Março de 2007, transitada em julgado em 19 [seguinte], foram as rés absolvidas da instância;
– e) a presente acção [de onde emerge o vertente recurso] foi instaurada em 18 de Abril de 2007.


2. Como deflui do «relato» supra efectuado, aquele aresto teve por improcedente a excepção da prescrição.

Fê-lo com esteio na seguinte argumentação: –

“(…)
A questão que a autora coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se ocorreu interrupção da prescrição resultante da citação das rés na 1.ª acção de acordo com o art. 289, de modo a poder considerar-se que a presente acção foi instaurada atempadamente.
Como resulta dos factos provados, a autora intentou anteriormente acção contra as rés, que vieram a ser absolvidas da instância por ineptidão da petição inicial. Importa, pois, aquilatar se a citação das rés naquela acção teve o condão de interromper a prescrição nos termos previstos no citado art. 289. Rege este normativo que:
‘1. A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto.
2. Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira acção e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.’
Comentando este artigo, refere Rodrigues Bastos, ‘Notas ao Código de Processo Civil’, Vol. II, Lisboa, pág. 59, na sequência dos ensinamentos de José Alberto dos Reis, a propósito da enigmática expressão ‘quando seja possível’, que ‘… a intenção do legislador foi exactamente … que a nova acção prevista no preceito pode ter como partes pessoas que não intervieram na primeira acção.

Se a nova acção tem o mesmo objecto e corre entre as mesmas partes, não há qualquer dúvida quanto à aplicabilidade integral do preceito: os efeitos civis derivados da propositura da primeira mantêm-se sempre, desde que a acção seja intentada ou a citação seja levada a cabo dentro do prazo estabelecido por lei’.
De acordo com o preceituado no art. 323[] do Código Civil a prescrição interrompe-se, nomeadamente, pela citação. ‘A interrupção da prescrição inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do n.º s 1 e 3, do artigo seguinte’ – é o que resulta do art. 326.
Determina-se, por seu turno, no art. 327, que
1. Se a interrupção resultar da citação…, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2. Quando[,] porém[,] se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
3. Se por motivo processual, não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância … , e o prazo processual tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão … , não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.’
As rés pretendem que, tendo sido absolvidas da instância naquela acção, por ineptidão da petição inicial, essa absolvição é efectivamente imputável à apelante não tendo, assim, aplicação, ao caso, o citado n.º 3, do art. 327.
Os casos de absolvição da instância estão contemplados no art. 288, estabelecendo-se no art. 289[] que a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto, o que se compreende, uma vez que com a absolvição da instância extinguiu-se apenas a relação jurídica processual, nada se tendo decidido quanto à relação jurídica substancial, que, assim, se manteve intacta.
À semelhança do que refere Artur Anselmo de Castro, ‘Direito Processual Declaratório’, Almedina, Vol. II, pág. 275, ‘Difícil será o caso em que seguramente possa dizer-se que a absolvição da instância não seja imputável ao autor’. Na verdade, competindo a ele a iniciativa e o impulso processual, formulando o pedido e causa de pedir, art. 264, se vem a ocorrer a absolvição da instância, essa situação será em derradeira hipótese sempre imputável ao autor.
Ora, não pode ter sido essa a intenção do legislador, pois se assim fosse não faria sentido a existência do n.º 2[] do art. 323[] do Código Civil (onde está pressuposta essa imputabilidade) e o referido n.º 3, onde o legislador tem precisamente em vista a ausência de culpa do autor (por motivo processual não imputável ao titular do direito) e, por via disso, atribui uma maior dilação aos efeitos interruptivos da prescrição.
Por isso, e de novo à semelhança do que refere Anselmo de Castro, Ob. Cit. pág. 276, deve considerar-se que ‘literalmente os efeitos civis (da prescrição) irão manter-se sempre, posto dificilmente possa falar-se em falta de culpa por se estar perante erros grosseiros’.
No caso em apreço, não se vislumbra que ocorra uma situação enquadrável em erro grosseiro por parte da autora, que apresentou a sua petição, tendo-a contestado as rés. E, se é certo, foram as mesmas rés absolvidas da instância no despacho saneador, com base em ineptidão da petição inicial, essa situação não pode imputar-se (pelo menos exclusivamente) à autora, pois a ineptidão constituía motivo de indeferimento liminar da petição inicial por se traduzir em excepção dilatória do conhecimento oficioso – artigos 494, 495 e 234-A do CPC e art. 54, do Código de Processo do Trabalho.
E, se assim se tivesse verificado, nos termos do art. 476, a autora teria tido a possibilidade de apresentar nova petição, dentro de 10 dias subsequentes ao despacho de indeferimento liminar, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição fora apresentada em juízo, o que se traduziria em que as rés teriam sido citadas, com as consequências substantivas decorrentes desse acto, em termos de interrupção da citação – e significaria que o prazo prescricional se teria interrompido e o novo prazo não começaria a correr enquanto não passasse em julgado a decisão que pusesse termo ao processo (artigos 323, 326 e 327, n.º 1, do Código Civil).
Ponderando, pois, os termos em que se desenrolou o processado nestes autos e porque se não pode concluir no sentido de ser imputável à autora a absolvição da instância, nos termos supra referidos, é aplicável o citado art. 327, n.º 3.
Uma vez que a decisão que absolveu da instância as rés transitou em julgado em 19.03.2007 (quando já havia decorrido o prazo prescricional de um ano, art. 381, do CT), não se considerará completada a prescrição antes de findarem dois meses sobre aquela data. Desta feita, tendo a 2.ª acção sido intentada em 18.04.2007, mostra-se a mesma perfeitamente em tempo.
A igual conclusão se chegaria (de não decurso do prazo prescricional) através da aplicação do art. 289, n.º 2, mantendo-se os efeitos civis derivados da propositura da 1.ª acção e citação da rés, visto a 2.ª acção ter sido instaurada precisamente no 30.º dia a contar do transito em julgado da decisão da absolvição da instância.
Tudo isto para se concluir pela procedência das conclusões de recurso da autora.
(…)”

Nas revistas em apreço, as ora recorrentes sustentam que se devem considerar prescritos os créditos peticionados pela autora, já que não deve ser entendido que a interrupção da prescrição que resultou da suas citações para a primeira acção se mantém na acção de onde emerge o vertente recurso, porquanto, ex vi do nº 3 do artº 323º do Código Civil, não pode subsistir o benefício daquela interrupção, atendendo a que aquela primitiva acção terminou por absolvição da instância em face da ineptidão da petição inicial que a ela deu origem, facto que somente à autora pode ser imputável.

Esta, pois, a questão a resolver.


3. De harmonia com a regra inserta no nº 1 do artº 381º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto (diploma esse que há-de reger a situação sub iudicio, por isso que o negócio jurídico laboral do qual a autora intenta exercer os direitos que reclama cessou em 31 de Janeiro de 2004), e tendo em conta aquela data de cessação, o prazo de prescrição dos créditos emergentes do dito negócio iniciar-se-ia em 1 de Fevereiro de 2004 e completar-se-ia em 1 de Fevereiro de 2005 [cfr. artigos 279º, alínea c), e 306º, ambos do Código Civil].

Acontece que, no decurso daquele prazo, a autora, em 22 de Outubro de 2004, intentou contra as também agora rés uma acção, em que peticionou os mesmos pedidos que vem solicitar na presente acção, tendo a citação delas ocorrido em 27 dos mesmos mês e ano.

Com aquela citação, e de acordo com as disposições constantes dos artigos 323º, nº 1, e 326º, nº 1, ambos do Código Civil, o prazo prescricional atinente aos créditos reclamados ter-se-ia de considerar interrompido, assim ficando inutilizado todo o tempo anteriormente decorrido e começando a correr novo prazo a partir da data da citação.

Todavia, e ainda de acordo com aquele nº 1 do artº 326º, aquelas situações de inutilização do tempo anteriormente decorrido e de começo de novo prazo sucedem sem prejuízo do que se comanda nos números 1 e 3 do artº 327º do mesmo compêndio normativo, que assim regem: –

1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
……………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………
3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo de prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.

Na primitiva acção instaurada pela autora contra as também agora rés (e em que, como se disse, eram formulados os mesmos pedidos que agora o foram na vertente acção), foi proferida, em 1 de Março de 2007, decisão que as absolveu da instância, decisão essa que assumiu foros de caso julgado em 19 seguinte.

Perante a regra surpreendida no transcrito nº 1 do artº 327º, poder-se-ia ser levado, numa primeira aparência, a considerar que, como a acção de onde emerge este recurso foi intentada em 18 de Abril de 2007, somente a partir da data em que aquela decisão passou em julgado – 19 de Março de 2007 – é que começava a correr o novo prazo de prescrição, sendo que o anterior prazo tinha sido interrompido pela citação das rés para a primeira acção.

Simplesmente, o nº 2 do falado artº 327º, ao jeito de excepção à regra ínsita no seu nº 1, vem prescrever: –

2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.

Ora, de acordo com este específico preceito, seríamos conduzidos a considerar que, porque a primeira acção terminou com a absolvição da instância das rés, o novo prazo prescricional começaria a correr desde a data em que as mesmas foram citadas para tal acção, sendo que, como resulta do igualmente transcrito nº 3, se a absolvição da instância tiver ocorrido por motivo imputável ao titular do direito, e se o prazo prescricional tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão, não beneficiará aquele titular da consideração de que a prescrição se tem de haver como não completada antes de findarem esses dois meses.

Mas, a par destas disposições civis substantivas, o Código de Processo Civil consagra nos números 1 e 2 do seu artº 289º (com redacção intocada mesmo após a alteração emergente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, alteração que aqui não é aplicável), respectivamente, que a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto, e que sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da propositura da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.

Está bem de ver que é na conjugação das disposições que ora se afloraram que reside a dissensão originadora deste recurso.

Na verdade, enquanto o acórdão impugnado sufragou uma perspectiva segundo a qual os efeitos civis a que se reporta o nº 2 do artº 289º do diploma adjectivo abarcam todos e quaisquer efeitos, as recorrentes sustentam que a matéria respeitante à prescrição e à caducidade dos direitos, que é pautada pela lei civil, não se encontra incluída naqueles efeitos.

Entende este Supremo assistir razão às impugnantes.

Efectivamente, se fosse desiderato do legislador a consagração da regra de que os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação se mantinham, caso a nova acção fosse intentada ou o réu para ela fosse citado dentro de trinta dias contados do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância, certamente que não teria antecedido a redacção do preceito da asserção «Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade».

Se o fez, foi porque não desejou passar em claro que a matéria atinente à prescrição e caducidade dos direitos era regida pela lei civil, aí se incluindo os efeitos que dela decorrem.

Além deste argumento, um outro, de índole histórica, aponta no mesmo sentido.

Assim, no Código de Processo Civil de 1939, o corpo do artº 294º prescrevia: –

A absolvição da instância em caso algum obstará a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto.
Os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu manter-se-ão, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.

No Código de Processo Civil de 1961, os números 1 e 2 do artº 289º mantiveram prescrições idênticas às dos primeiro e segundo parágrafos do artº 294º do Código de 1939, com ligeiríssimas alterações de redacção, já que aí se dispôs: –

1. A absolvição da instância em caso algum obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto.
2. Os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.

A aposição da proposição «Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos» só ocorreu com a reforma de 1967, após a vigência do Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966, podendo ler-se na «observação» do Projecto, após a primeira revisão ministerial (Boletim do Ministério da Justiça, nº 122, 92) que “são aceitáveis as pequenas alterações de texto sugeridas pela Comissão”, sendo que, como decorre do relatório preambular do Decreto-Lei nº 47.690, de 11 de Maio de 1967, as modificações introduzidas no diploma adjectivo civil tiveram “como fim quase exclusivo consagrar as inovações e as alterações exigidas pela entrada em vigor da nossa lei civil, por não se julgar necessário e oportuno levar mais longe, neste momento, a revisão do direito adjectivo”.

Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, 2ª edição, com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Volume I, 272), ao “lado da interrupção admite-se, nos casos enumerados no n.º 1 [reportam-se ao artº 327º do Código Civil], um prolongamento dos efeitos da interrupção até ao julgamento da causa; só neste momento é que começa a contar-se o novo prazo.
Exceptuam-se, porém, no n.º 2, quatro casos: o de o autor desistir da instância, o de o réu ser absolvido da instância, o de a instância ficar deserta e o de o compromisso arbitral ficar sem efeito. Nestes casos, o novo prazo de prescrição começará a contar-se desde a interrupção, nos termos do artigo anterior.
Modificou-se, assim, o regime que era consagrado nos artigos 289.º, n.º 2, e 285.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 47 690.

Também Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, II volume, 1982, 274 e 275) refere que para “os efeitos civis da prescrição e caducidade passaram a reger os arts. 327.º e 332.º do Cód. Civ. – art. 327.º, n.º 3”, considerando, imediatamente antes, que os “efeitos civis a que se reporta esta disposição [o artº 289º, nº 2, do Código de Processo Civil] são a cessação da boa fé do possuidor (art.º 481.º a)), a constituição do devedor em mora quando a obrigação não dependa de prazo certo (art. 805.º, n.º 2 do Cód. Civ.) e a inibição do réu de propor contra o autor a acção destinada à apreciação da mesma questão jur[í]dica – Código Proc. Civ. Art. 481.º, c)”.

E, se bem entendemos o ensinamento deste último autor, as considerações que, a seguir, efectua naquela obra e que se encontram transcritas no acórdão impugnado, não podem ser desligadas daqueles efeitos a que antecedentemente se reportava e que imediatamente acima se extractaram.

Assim, não pode este Supremo anuir a que do nº 2 do artº 289º do Código de Processo Civil se extraia, na prática, uma derrogação do preceituado no nº 2 do artº 327º do Código Civil, ou, ao menos, uma regência da forma como começaria a contar o novo prazo prescricional, em moldes diversos daqueles que a lei substantiva figurou.


4. Porém, alcançada esta conclusão, nem por isso o problema fica completamente solucionado.

Na verdade, ponderando a estatuição constante do nº 3 do artº 327º, mister é que se saiba se, na situação sub specie, a absolvição das rés da instância operada na primeira acção é de imputar à autora, pois, se o não fosse, beneficiaria ela da extensão ficcionada a que se refere a parte final do preceito.

Consta dos presentes autos (cfr. fls. 32 a 37) que a decisão de absolvição da instância das rés na primeira acção – decisão essa que, como já se assinalou, transitou em julgado e, precisamente por isso, não poderá ser questionada –, fundada na ineptidão da respectiva petição inicial, se deveu à circunstância de se ter entendido que existia ambiguidade, ininteligibilidade e incompatibilidade substancial dos pedidos formulados – designadamente o pedido constante da alínea a) –, vícios esses que, não obstante a autora, anteriormente, ter sido convidada a esclarecer, não foi possível ultrapassar, dado que ela, na sequência do convite, veio dizer naquele processo que não via necessidade de correcção do seu petitório.

Neste circunstancialismo, não se lobriga como seja possível defender que a decretada absolvição da instância se não deveu a uma actuação imputável à autora naquela acção, agora também titular dos direitos que pretende exercer na acção de que emerge este recurso.

Efectivamente, se a mesma, no seguimento do convite que lhe foi endereçado, tivesse suprido os vícios detectados na sua petição, não teria havido lugar à decidida absolvição da instância esteada na ineptidão daquela peça processual.

Ora, sendo de imputar à autora da primeira acção a causa da absolvição da instância – causa essa de natureza processual –, não pode a mesma, como titular dos direitos intentados exercer na presente acção, gozar do prazo ou da ficção que deflui do nº 3 do artº 327º do Código Civil (cfr., verbi gratia, o Acórdão deste Supremo de 21 de Outubro de 1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1993, 3º Tomo, 79 e segs.).

De onde dever cobrar plena aplicação a regra inserida no nº 2 do mesmo artº 327º, o que inculca que, a partir da citação das rés para a primeira acção, ocorrida em 27 de Outubro de 2004, começou a correr novo prazo prescricional, o qual, como se referiu já, nos termos do artº 381º, nº 1, do Código do Trabalho, tem a duração de um ano.

Neste contexto, e uma vez que a vertente acção somente foi intentada em 18 de Abril de 2007, já há muito estavam prescritos os direitos nela queridos exercer.

Apõe-se aqui uma ligeira nótula para realçar que o Acórdão deste Supremo de 15 de Novembro de 2006, proferido na Revista nº 1732/2006, da 4ª Secção, disponível em www.dgsi.pt sob o documento nº SJ20611150017324, citado pela recorrida na resposta à alegação das impugnantes, em nada contraria a solução agora atingida.
III


Em face do exposto, concedendo-se a revista, revoga-se o acórdão recorrido, por forma a subsistir o decidido na 1ª instância.

Lisboa, 1 de Julho de 2009

Bravo Serra (Realtor)
Mário Pereira
Sousa Peixoto