Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B1341
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
DANOS PATRIMONIAIS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
ACTUALIZAÇÃO MONETÁRIA
JUROS DE MORA
Nº do Documento: SJ20070510013417
Data do Acordão: 05/10/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
1. A circunstância de a lesionada, antes das lesões, executar diariamente todas as tarefas da sua casa de residência é insusceptível de fundar o seu direito a indemnização por esse facto durante o tempo da incapacidade temporária absoluta para o exercício da sua actividade doméstica por conta de outrem.
2. Na indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho doméstico por conta de outrem deve considerar-se a vertente dos subsídios de férias e do Natal.
3. A indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.
4. No caso de a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduzir em perda efectiva de rendimento de trabalho, releva o designado dano biológico, determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, justificativo de indemnização, caso em que as tabelas usuais se não ajustam ao seu cálculo, relevando preponderantemente o juízo de equidade.
5. Justifica-se a atribuição da indemnização por danos futuros no montante de € 12 131 à lesada de 39 anos, empregada doméstica, que trabalhava 47 horas por semana, auferia mensalmente cerca de € 500 e ficou com a incapacidade permanente de oito por cento implicante de esforços suplementares.
6. A apreciação da gravidade do dano não patrimonial, embora deva assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade.
7. Justifica-se a fixação da compensação por danos não patrimoniais no montante de € 9 000 no caso de sofrimento físico-psíquico resultante de susto e receio pela própria vida nos instantes anteriores ao embate, do traumatismo torácico anterior e do nariz e das escoriações na face, das dores de grau dois em escala de sete durante dez meses e treze dias e sua continuação em caso de esforço físico e mudanças de tempo, das sequelas envolventes de cervicalgias residuais bilaterais no pescoço, toracalgia mediana anterior, insónias, irritabilidade, ansiedade, défice mnésico progressivo e incapacidade permanente geral de oito por cento implicante de esforço suplementar e desgosto.
8. O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio, assenta na ideia de uma decisão actualizadora da indemnização lato sensu em razão da inflação ocorrida entre ela e o momento do evento danoso.
9. Face ao referido Acórdão, no caso de o tribunal da primeira instância o ter tido em conta e o disposto no nº 2 do artigo 566º do Código Civil e de se haver referido à fixação da compensação por danos não patrimoniais por referência temporal à data da sentença, os juros de mora devem ser contados desde então.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
AA intentou, no dia 25 de Junho de 2004, contra a Companhia de Seguros BB SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 80 831,16 e juros à taxa anual de 4% desde a citação e na indemnização no montante a liquidar posteriormente, com fundamento em danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no embate, no seu veículo automóvel, com a matrícula nº 00-00-GL, pelo tractor agrícola com a matrícula nº EJ-00-00 de CC, no dia 7 de Dezembro de 2002, na freguesia de ..., Viana do Castelo, a este último imputável, e no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado entre ele e a ré.
Fê-lo no quadro do apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e encargos do processo que lhe foi concedido por despacho proferido nos serviços da segurança social no dia 25 de Maio de 2004.
Na contestação, a ré negou a culpa de CC e impugnou os factos relativos aos danos invocados pela autora.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 11 de Maio de 2006, por via da qual a ré foi condenada a pagar à autora € 24 756,50 e juros de mora à taxa legal desde a citação sobre € 17 756,50 e desde a data da sentença quanto ao restante, e no que se liquidasse em execução de sentença quanto às despesas da autora relativas ao tratamento de fisioterapia, medicamentos analgésicos e relaxantes musculares, consultas de ortopedia e consequentes perdas de rendimento do trabalho e despesas de transporte.
Apelaram a autora e a ré, esta impugnando também a decisão da matéria de facto, e a Relação, por acórdão proferido no dia 14 de Dezembro de 2006, negou provimento aos recursos, do qual ambas as partes interpuseram recurso de revista.

AA formulou, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- a indemnização dos danos decorrente do período de doença com incapacidade para o trabalho deve ser fixada no montante de € 12 186,75;
- deve fixar-se a indemnização por incapacidade permanente no montante de € 45 000;
- deve ser fixada a indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 15 000;
- o tribunal da primeira instância e a Relação não actualizaram a indemnização dos danos não patrimoniais, pelo que lhe devem ser fixados os juros moratórios desde a citação da ré para a acção;
- o acórdão violou os artigos 483º, 487º, 496º, nº 1, 562º, 564º, nº s 1 e 2 e 805º,
nºs 1 a 3, do Código Civil.

A Companhia de Seguros BB SA formulou, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- não se provou que o período de incapacidade temporária absoluta foi desde a data do acidente e o da alta, em 20 de Outubro de 2003, não ser a mesma coisa dizer que teve alta em 20 de Novembro de 2003 e que esteve com incapacidade temporária absoluta até esse dia, pelo que a sentença e o acórdão são nulos nos termos do artigo 668º, nº 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil;
- a indemnização por danos morais deve ser fixada em € 5 000, e, por incapacidade permanente, em € 6 800, ou, a considerar-se o limite da vida activa nos setenta anos, na quantia de € 7 500;
- é excessiva a compensação por danos morais e a indemnização fixada por perdas salariais;
- AA não tem direito, por falta de prejuízo, a qualquer montante relativo ao proporcional do subsídio de férias por não haver lugar ao pagamento dessas quantias pela entidade patronal;
- não ficou provado que AA, no período da incapacidade temporária absoluta, tenha deixado de exercer as actividades domésticas nem que não tenha recebido os rendimentos disso resultantes;
- era minimamente significativo o trabalho doméstico exercido por AA na sua casa, porque trabalhava por conta de outrem quase todos os dias da semana, e não pode relevar para efeito de indemnização;
- impõe-se a redução da indemnização conexa com a incapacidade permanente;
- não há lugar a juros sobre o valor devido a titulo de danos não patrimoniais porque a compensação resultou de decisão actualizadora;
- o acórdão violou os artigos 496º, 566º do Código Civil e e 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil;
- deve proceder o seu recurso e improceder o de AA.

II
É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido:
1. Em data anterior a 7 de Dezembro de 2002, representantes da ré e CC declararam por escrito, consubstanciado na apólice nº 4100300416, a primeira assumir, mediante prémio a pagar pela última, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o tractor agrícola com a matrícula nº EJ-00-00.
2. No dia 7 de Dezembro de 2002, pelas 14 horas, na Estrada Nacional nº 308, ao quilómetros 8, em Reboledo, freguesia de ..., Viana do Castelo, ocorreu o embate entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula nº 00-00-GL, de DD, conduzido pela autora, e o tractor agrícola com a matrícula nº EJ-00-00 de CC, por este conduzido.
3. A Estrada Nacional nº 308 configura um traçado ligeiramente curvilíneo, descrito para o lado direito, sentido Balugães-Barroselas, a faixa de rodagem tem 5,50 metros de largura, o piso é pavimentado a asfalto e tem bermas nas duas margens pavimentadas a asfalto.
4. O tempo estava bom e seco e o pavimento encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação.
5. No local do embate, a Estrada Nacional nº 308 configurava um cruzamento onde confluem, pelo lado direito, a estrada que dá acesso ao lugar do Mosteiro, e, pelo lado esquerdo, a estrada que dá acesso ao lugar de Boticas, ambos da freguesia do ..., sentido Balugães-Barroselas.
6. Quem se encontrar no local do embate avista a faixa de rodagem da Estrada Nacional 308 ao longo de uma distância superior a 100 metros em direcção a Balugães e ao longo de mais de 500 metros em direcção a Barroselas,
7. O veículo 00-00-GL circulava pela Estrada Nacional 308, no sentido Barroselas-Balugães, pela metade direita da faixa de rodagem, atento aquele sentido de marcha, e o condutor do veículo nº EJ-00-00 pretendia efectuar a manobra de mudança de direcção à esquerda no cruzamento acima referido e seguir em direcção ao lugar do Mosteiro.
8. Antes de virar à esquerda, o condutor do veículo automóvel nº EJ-00-00 avistou o veículo nº 00-00-GL a cerca de 60 metros, numa altura em que se encontrava a uma distância não inferior a dez metros do cruzamento referido, e o condutor do primeiro virou o veículo para a esquerda e, sem travar nem reduzir a velocidade, invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, atravessando-o completamente naquela metade esquerda da faixa de rodagem, no momento em que o último se encontrava a uma distância de cerca de 20 metros do mencionado cruzamento.
9. Ao mesmo tempo que travou o veículo nº 00-00-GL, a autora guinou o veículo para o seu lado direito, e o embate ocorreu sobre a metade direita da faixa de rodagem e parcialmente sobre a berma do mesmo lado, sentido Balugães-Barroselas.
10. O veículo EJ-00-00 circulava a velocidade não superior a 20 quilómetros por hora, e antes de chegar ao aludido cruzamento, o seu condutor accionou o pisca do lado esquerdo do veículo, e, no momento em que virou à esquerda, não se aproximava algum veículo do lado de Barroselas.
11. Quando a sua condutora travou, o veículo nº 00-00-GL apanhou gravilha no solo e deixou rastos de travagem no pavimento na extensão de 8,10 metros.
12. Os dois veículos embateram, com a parte frontal do 00-00-GL e a parte lateral direita do veículo EJ-00-00 em cheio, a nível da roda traseira do mesmo lado, tendo a autora, antes do embate, travado a fundo.
13. O veículo automóvel nº 00-00-GL teve estragos que ocasionaram a sua perda total, e a ré pagou à autora € 5 000 correspondente ao seu valor venal e ficou com os salvados.
14. No local do acidente, as bermas têm a largura de 0,80 metros cada, e a Estrada Nacional nº 308 e a estrada que com ela conflui pelo seu lado esquerdo, tendo em conta o sentido Barroselas-Balugães, permitem o trânsito de veículos nos seus dois sentidos.
15. Em consequência do embate, a autora sofreu traumatismo torácico anterior e do nariz e escoriações na face, foi transportada de ambulância para o Centro Hospitalar do Alto Minho, em Viana do Castelo, logo após o embate, voltando a ser vista no mesmo serviço de urgência no dia 19 de Dezembro de 2002.
16. No serviço de urgência, foram-lhe prestados os primeiros socorros, efectuados exames radiológicos às regiões do externo e da grade costal, e efectuadas desinfecções às escoriações sofridas e prescrita medicação analgésica e anti-inflamatória.
17. A autora, que nasceu no dia 30 de Novembro de 1964, frequentou os serviços clínicos da ré, no Porto, onde se dirigiu oito vezes, desde 2 de Maio até 20 de Outubro de 2003, tendo-lhe sido dada alta nessa data, com incapacidade parcial permanente para o trabalho.
18. Em simultâneo, por indicação dos serviços clínicos da ré, a expensas desta, a autora frequentou tratamentos de fisioterapia na Policlínica ..., nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2003, no total de 42 sessões
19. A autora andou com um colar cervical durante algumas semanas e, após o embate, ficou um mês de cama e, posteriormente, passou a frequentar o Centro de Enfermagem de Viana do Castelo, onde lhe foram efectuadas lavagens, desinfecções e curativos às lesões sofridas, passando depois a ser acompanhada e assistida por um médico especialista de ortopedia.
20. No momento do embate e nos instantes que o precederam, a autora sofreu um grande susto e receou pela própria vida e, em consequência daquele, no período de incapacidade temporária, sofreu dores na coluna, no nariz e na região torácica, no grau 2 em escala de um a sete.
21. A autora continua actualmente a sofrer dores cervicais e torácicas anteriores, dores que se fazem sentir quando ela faz esforços físicos e nas mudanças de tempo.
22. Como sequelas das lesões sofridas no acidente, a autora ainda apresenta cervicalgias residuais bilaterais no pescoço, toracalgia mediana anterior, insónias, irritabilidade, crises de ansiedade e défice mnésico progressivo.
23. À data do embate, a autora era saudável, forte e dinâmica, as sequelas causaram-lhe desgosto e determinaram-lhe incapacidade parcial permanente geral de 8%, implicando esforços suplementares.
24. À data do embate, a autora era empregada doméstica cinco dias por semana e oito horas por dia, auferia o ordenado de € 375 mensais e, aos sábados, fazia serviços domésticos para outra pessoa ao longo de sete horas, auferindo € 31,50 em cada sábado.
25. A autora providenciava ainda pela manutenção, limpeza e arranjo do jardim da casa de residência de EE, serviço que era remunerado, e executava diariamente todas as tarefas domésticas na sua casa de residência.
26. No período de incapacidade temporária absoluta, a autora deixou de auferir as referidas quantias e fez despesas em consultas médicas e em transportes e gastou € 15 na obtenção da sua certidão de nascimento.
27. A autora vai necessitar de fazer tratamentos de fisioterapia e de tomar medicamentos analgésicos e relaxantes musculares, para o que vai ter de consultar um ortopedista e de perder dias de trabalho e de suportar despesas com transportes.

III
As questões essenciais decidendas objecto de ambos os recursos em causa são as de saber se deve ou não ser reduzido ou ampliado o montante da indemnização fixado pela Relação devido a AA.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas por AA e pela Companhia de Seguros BB SA, a resposta às referidas questões pressupõe a análise da seguinte problemática:
- delimitação do objecto dos recursos;
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade por falta de fundamentação ou contradição entre esta e a decisão?
- quantum indemnizatório decorrente da incapacidade temporária absoluta para o trabalho;
- quantum indemnizatório devido a AA por virtude da incapacidade permanente de que ficou afectada;
- quantum compensatório por danos não patrimoniais sofridos por AA;
- tem ou não AA direito a indemnização a liquidar posteriormente?
- terminus a quo da contagem de juros moratórios relativamente à compensação por danos não patrimoniais sofridos por AA;
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela delimitação do objecto dos recursos em função do conteúdo das respectivas conclusões de alegação.
O objecto do recurso em análise é delimitado pelo conteúdo das alegações das recorrentes (artigos 664º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
As recorrentes não põem em causa nas alegações dos recursos a exclusiva imputabilidade do acidente a CC a título de culpa nem o nexo de causalidade entre a condução automóvel ilícita e culposa dele e as lesões sofridas por AA.
O quadro das conclusões das partes também não envolve a problemática da condenação em objecto ilíquido nem a não inclusão nela do serviço de jardinagem prestado por AA a EE.
Também não está em causa nos recursos o valor da indemnização pelos danos patrimoniais não reportados à perda de capacidade de ganho, nem a cobertura pelo contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel da indemnização em causa, nos termos dos artigos 427º do Código Comercial e 5º, alínea a) e 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro.
Consequentemente, porque as recorrentes não suscitaram a referida problemática, não nos pronunciaremos sobre ela nos recursos.
O que essencialmente está em causa nos recursos é o quantitativo indemnizatório devido a AA correspondente, aos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade temporária e permanente, aos danos não patrimoniais, e o momento a partir do qual são devidos juros de mora relativamente à compensação por estes últimos danos.
Assim, é sobre esta última problemática que nos pronunciaremos nos recursos de revista em análise.

2.
Atentemos agora sobre se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por falta de fundamentação ou contradição entre esta e a decisão.
A recorrente Companhia de Seguros BB SA fundamentou a arguição bifronte da nulidade do acórdão sob o argumento de se não ter provado a incapacidade temporária absoluta da recorrente AA desde 7 de Dezembro de 2002, data do acidente, e a da respectiva alta clínica, no dia 20 de Outubro de 2003, acrescentando que a referia alta não pode significar o termo da incapacidade temporária absoluta.
Refere-se à circunstância de a perícia ter considerado que a recorrente AA retomou a actividade laboral no dia 30 de Maio de 2003, na sequência de 174 dias de incapacidade absoluta e, com base nisso, considera que o acórdão recorrido não justifica como é que fez coincidir a alta clínica com o termo da incapacidade absoluta daquela para o trabalho.
A este propósito, importa ter em linha de conta que este Tribunal não tem competência funcional para, no caso vertente, sindicar o juízo das instâncias na fixação da matéria de facto, porque não ocorre qualquer das excepções a que se reporta o artigo 729º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Por isso, não pode este Tribunal alterar o quadro de facto assente, certo que o mesmo, neste ponto, resultou de prova de apreciação livre pelas instâncias, designadamente a pericial (artigo 389º do Código Civil).
Em consequência, neste ponto, apenas se nos impõe averiguar se o acórdão recorrido está afectado de nulidade por falta de fundamentação ou de contradição lógica entre a fundamentação de facto e ou de direito e o concernente segmento decisório.
Ora, a lei estabelece, neste ponto, que o acórdão é nulo quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão (artigos 668º, nº 1, alínea c), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Resulta dos referidos normativos que os fundamentos de facto e de direito utilizados no acórdão da Relação devem ser harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, corolário do princípio de que as decisões judiciais em geral devem ser fundamentadas de facto e de direito.
Com efeito, o referido requisito não se verifica caso ocorra contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão nos quais assenta.
Todavia, o erro de interpretação dos factos e ou do direito ou na aplicação deste constitui erro de julgamento, e não o referido vício, certo que ele só ocorre quando os fundamentos de facto e ou de direito invocados no acórdão conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório.
Além disso, o acórdão da Relação é nulo quando careça de fundamentação de facto e ou de direito (artigos 668º, nº 1, alínea b), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A Constituição e a lei ordinária estabelecem que as decisões judiciais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas (artigos 205º, nº 1, da Constituição e 158º, nº 1, do Código de Processo Civil).
É que o acórdão deve representar a vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à Relação, pelo que, sem fundamentação de facto e ou de direito, não se consegue esse escopo nem se permite às partes por ele afectadas o conhecimento do seu acerto ou desacerto, designadamente para efeito de interposição de recurso.
Mas uma coisa é a falta absoluta de fundamentação e outra a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, e só a primeira constitui o fundamento de nulidade a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
No tribunal da primeira instância, com vista ao cálculo da indemnização devida à recorrente AA pelo dano decorrente da perda de salário por efeito directo das lesões, considerou-se o período compreendido entre da data das lesões e o da alta clínica, ou seja, durante dez meses e meio.
A Relação considerou não haver fundamento para a alteração da decisão da matéria de facto e não haver contradição lógica entre a fundamentação e a decisão, acrescentando que o artigo 659º, nº 2, do Código de Processo Civil não se reporta à fundamentação das respostas à base instrutória.
Isso significa que Relação, no quadro da confirmação da sentença proferida no tribunal da primeira instância, fundamentou suficientemente o respectivo segmento decisório no direito e nos factos disponíveis e não incorreu em desconformidade lógica entre a fundamentação e a decisão.
A conclusão é, por isso, no sentido de que não ocorre a nulidade do acórdão por falta de fundamentação de facto e ou de direito nem por contradição lógica entre a referida fundamentação e a decisão invocada pela recorrente Companhia de Seguros BB SA.

3.
Vejamos agora o quantum indemnizatório decorrente da incapacidade temporária absoluta para o trabalho devida à recorrente AA.
AA pretende que a referida indemnização seja fixada no montante de € 12 186,75, excluindo, assim, a vertente relativa ao serviço de jardinagem que prestava a EE.
No tribunal da primeira instância foi fixada a referida indemnização no montante de € 5 260,50, correspondente a dez meses e meio a € 375 mensais e ao trabalho em 42 sábados a € 31,5 cada.
Não considerou, neste ponto, a perda por AA do rendimento trabalho de jardinagem sob o argumento da falta de prova, nem o trabalho na sua própria casa, por não poder ser traduzido em dinheiro, nem qualquer valor relativo ao subsídio de natal nem ao subsídio de férias.
A Relação confirmou o decidido pelo tribunal da primeira instância, designadamente a asserção de que o período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho por parte de AA coincidiu com o que decorreu entre a data das lesões e a data da alta clínica.
Mas ela pretende também ser indemnizada pela perda de € 626,25 relativos aos valores proporcionais aos subsídios de Natal e de férias e também no montante de € 6 300 correspondente ao valor do trabalho doméstico que antes realizava na sua própria casa de residência.
Reportando-nos à alegação da Companhia de Seguros BB SA, conforme acima se referiu, por incompetência funcional, não pode este Tribunal sindicar esta conclusão de facto, porque resultante de prova de apreciação livre e de presunção judicial.
A propósito do trabalho doméstico realizado por AA na sua própria casa de residência, apenas está assente que ela executava diariamente todas as tarefas domésticas.
Mas esses factos não revelam qual a repercussão das lesões que afectaram AA nas tarefas domésticas concernentes à sua casa de residência. Ignora-se, com efeito, quais as operações domésticas que foram realizadas no mencionado período, quem as realizou e se isso ocorreu a título gratuito ou oneroso.
Assim, não se pode concluir dos factos provados a existência de prejuízo reparável afectante da esfera patrimonial de AA que justifique a obrigação de a indemnizar por parte da Companhia de Seguros BB SA quanto ao serviço doméstico realizado na própria residência. (artigos 483º, nº 1, 562º e 566º, nº 1, do Código Civil).
As instâncias consideraram no cálculo da indemnização devida a AA pelo dano futuro derivado da incapacidade geral permanente o salário anual relativo a catorze meses.
Trata-se, assim, de motivação implícita de que AA auferia, no âmbito da sua relação laboral, subsídios de férias e de Natal.
Deve, por isso, considerar-se no cálculo da indemnização por incapacidade temporária devida a AA, em correcção do decidido nas instâncias, o quantitativo de € 626,25 por ela indicado, resultante do cálculo proporcional por referência ao salário mensal por ela auferido e ao tempo em que esteve incapacitada de trabalhar.
Assim, face aos mencionados normativos e aos factos provados, tem a recorrente AA direito a exigir da recorrente Companhia de Seguros BB SA o acréscimo da indemnização concernente à perda parcial do subsídio de Natal e de férias em causa.

4.
Vejamos agora o quantum indemnizatório devido a AA por danos patrimoniais decorrentes de incapacidade permanente.
O ressarcimento dos danos futuros, como é o caso vertente, por cálculo imediato, depende da sua previsibilidade e determinabilidade (artigo 564º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil).
No caso de os danos futuros não serem imediatamente determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (artigo 564º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil).
Assim, na fixação da indemnização devem ser atendidos os danos futuros – sejam danos emergentes ou lucros cessantes – desde que previsíveis, isto é, quando sejam razoavelmente prognosticáveis em quadro de antecipação do tempo em que irão ocorrer.
Entre os danos futuros previsíveis, demarcam-se os certos, razoavelmente prognosticáveis, e os que são meramente eventuais, isto é, os que comportam maior ou menor grau de certeza de ocorrência, susceptíveis ou não de antecipada indemnização.
A referência da lei à previsibilidade do dano implica que não são susceptíveis de indemnização os danos futuros imprevisíveis, ou seja, quando, face aos factos provados, não sejam razoavelmente prognosticáveis, aos quais são assimilados os eventuais com intenso grau de incerteza de verificação.
Os conceitos de determinabilidade e de indeterminabilidade reportam-se aos danos certos, ou seja, àqueles em que os factos permitem ou não de imediato a precisão do seu montante.
Os danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, são essencialmente os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente, por virtude de lesão corporal.
A regra é no sentido de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, a fixar em dinheiro no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (artigos 562º e 566º, n.º 1, do Código Civil).
A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que ele teria então se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser determinado o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566º, nºs 2 e 3, do Código Civil).
A incapacidade permanente é, além do mais, susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou para exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas.
No primeiro caso, procurando atingir a justiça do caso, têm os tribunais vindo a acolher a solução de a indemnização do lesado por danos futuros dever representar um capital que se extinga ao fim da sua vida activa e seja susceptível de lhe garantir, durante ela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.
Têm sido utilizadas para o efeito pela jurisprudência fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério tanto quanto possível uniforme.
Mas as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro e do custo de vida.
Acresce que não existe uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício profissional em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exactamente proporcional à da incapacidade funcional em causa.
Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta.
Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade.
A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso.
Apesar do longo período de funcionamento da previsão, a quantificação deve ser imediata, sob a atenuação da fluidez do cálculo no confronto da referida previsibilidade, no âmbito da variável inatingível da trajectória futura do lesado, quanto ao tempo de vida e de trabalho e à espécie deste, por via dos referidos juízos de equidade.
Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção, em
regra por defeito, dos valores resultantes do cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental.
No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.
Mas na segunda das supracitadas hipóteses, em que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduz em perda de rendimento de trabalho, deve todavia relevar o designado dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado.
O referido dano biológico, de cariz patrimonial, justifica, com efeito, a indemnização, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial. Mas as regras de cálculo da indemnização por via das mencionadas tabelas não se ajustam, como é natural, a essa situação.
O tribunal da primeira instância, sob argumentação de recurso a fórmulas matemáticas, de capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda de ganho, com base no salário anual de € 5 250, na progressão profissional, na taxa de inflação de 2% e na taxa de juro de 3%, fixou no montante de € 12 131 esta vertente do dano que afectou AA.
A Relação confirmou o referido segmento decisório, e AA pretende que lhe seja fixada, a esse título, indemnização no montante de € 45 000, e a Companhia de Seguros BB SA entende dever ser fixada até € 6 800 ou € 7 500 consoante se considere o limite de vida activo aos 65 ou 70 anos.
Ora, não estamos perante uma situação de incapacidade para o trabalho em geral, nem para o exercício pela recorrente AA da sua profissão, porque do que se trata é de uma incapacidade funcional geral, embora com repercussões na sua actividade profissional, na medida em que lhe vai exigir maior esforço do que aquele que lhe seria exigido se não fosse essa incapacidade.
Os factos provados não revelam que a recorrente AA exerça a sua actividade de empregada doméstica para além da idade normal geral de reforma em Portugal que é a de sessenta e cinco anos, ou seja, considerando a data da alta clínica, por mais 26 anos, um mês e um dia.
Acresce que, face aos mencionados elementos de facto, nada permite concluir que a recorrente trabalhará regularmente, durante o longo período de tempo considerado, nos termos em que actualmente o faz.
Além disso, no rendimento do trabalho a considerar como base do cálculo indemnizatório em causa não pode deixar de relevar a sua vertente líquida de impostos, em termos de equidade.
Assim, considerando a situação de incapacidade geral de que a recorrente AA ficou afectada, a sua idade, a profissão que exerce, o rendimento de trabalho que aufere e as regras da probabilidade normal do devir das coisas, a conclusão deve ser no sentido de que, na espécie, se está apenas perante um dano futuro previsível em razão do maior esforço que lhe vai ser exigido no exercício da sua profissão.
O cálculo da indemnização devida pelo referido dano funcional que afecta o recorrente terá que ser essencialmente determinado à luz dos referidos factos e com base nos juízos de equidade a que se reporta o artigo 566º, nº 3, do Código Civil.
Perante este quadro de facto, em que se ignora o devir das coisas, e na envolvência de um juízo de equidade, inexiste fundamento legal para alterar o acórdão da Relação confirmativo da sentença proferida no tribunal da primeira instância que fixou a indemnização por danos futuros devida à recorrente AA no montante de € 12 131.

5.
Atentemos agora no quantum compensatório devido a AA por danos não patrimoniais.
Os danos não patrimoniais não são avaliáveis em dinheiro, certo que não atingem bens integrantes do património do lesado, antes incidindo em bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, o bom nome e a beleza.
O seu ressarcimento assume, por isso, uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória.
Expressa a lei que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, aferida em termos objectivos, mereçam a tutela do direito (artigo 496º, n.º 1, do Código Civil).
O montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (artigo 496º, n.º 3, 1ª parte, do Código Civil).
No caso de a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (artigo 494º do Código Civil).
As circunstâncias a que, em qualquer caso, o artigo 496º, nº 3, manda atender são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.
O acórdão recorrido confirmou a sentença proferida no tribunal da 1ª instância que fixou a compensação por danos não patrimoniais devida à recorrente AA no montante de € 7 000.
Ela pretende, porém, que a mencionada compensação seja fixada no montante de € 15 000, enquanto a recorrente Companhia de Seguros BB SA entende que ela não deve ultrapassar a quantia de € 5 000.
No momento do embate e nos instantes que o precederam, AA experimentou um grande susto e receou pela própria vida, sofreu traumatismo torácico anterior e do nariz e escoriações na face, esteve acamada durante um mês e usou colar cervical durante algumas semanas.
Lesionada, foi logo assistida no hospital, foram-lhe ministrados analgésicos e anti-inflamatórios, voltou a ser lá observada, doze dias depois, passou a ser submetida a lavagens, desinfecções e curativos num centro de enfermagem e a ser acompanhada por um médico ortopedista.
Experimentou dores do grau dois em escala de sete na coluna, no nariz e na região torácica durante dez meses e treze dias, continua actualmente a sofrer dores cervicais e torácicas anteriores quando faz esforços físicos e por altura das mudanças de tempo.
Ainda sofre as sequelas das lesões sofridas consubstanciadas em cervicalgias residuais bilaterais no pescoço, toracalgia mediana anterior, insónias, irritabilidade, ansiedade e défice mnésico progressivo, o que lhe determinou incapacidade permanente geral de oito por cento e esforço suplementar e causa desgosto.
Estamos no caso vertente perante um quadro de sofrimento físico-psíquico com gravidade que, aferida em termos objectivos, justifica a tutela do direito.
Não se conhece exactamente a situação financeira da recorrente AA, salvo a que decorre da configuração da sua situação profissional e da circunstância de lhe haver sido concedido o apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária.
Também não se conhece a situação económica de CC, a quem o acidente é imputável a título de culpa, que se não revela intensa, mas esta circunstância não releva porque está a ser accionada uma empresa em virtude de funcionar a cobertura de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel.
Tendo em conta o referido quadro de dano não patrimonial e usando do juízo de equidade a que se reporta o artigo 496º, nº 3, 1ª parte, do Código Civil, julga-se adequada a compensação global de € 9 000.

6.
Vejamos agora o terminus a quo da contagem de juros moratórios relativamente à compensação pelos danos não patrimoniais sofridos por AA.
Releva neste ponto a interpretação dos artigos 566º, n.º 2, e 805º, n.º 3, segunda parte, do Código Civil operada no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio, publicado no Diário da República, I Série A, n.º 146, de 27 de Junho de 2002.
No recurso de revista ampliada em que foi preferido o referido acórdão uniformizador de jurisprudência, na sequência de no acórdão da Relação se haver fixado a compensação por danos não patrimoniais actualizada à data da sentença, os recorrentes alegaram que sobre o montante global da indemnização devia incidir a actualização em função dos valores da inflação entre a data do acidente e a da propositura da acção, e que, a partir da data da citação e até ao pagamento, deviam incidir juros moratórios sobre o montante global da indemnização.
No referido acórdão afirmou-se, além do mais que aqui não releva, que o valor da compensação a título de danos não patrimoniais havia sido actualizado à data da sentença, em conformidade com o disposto no artigo 566º, n.º 2, do Código Civil, e que a questão de direito a resolver se prendia com a determinação do momento do início da contagem de juros de mora sobre os quantitativos da indemnização arbitrada a título de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, designadamente os respeitantes a danos não patrimoniais
Referiu-se, ademais, tratar-se de interpretar a segunda parte do n.º 3 do artigo 805º na sua ligação sistemática com o artigo 566º, n.º 2, ambos do Código Civil e que, conforme se adoptasse uma ou outra das orientações em confronto, adquirida que estivesse a atribuição de uma indemnização actualizada, ou seja, objecto de correcção monetária, o sentido do primeiro dos referidos normativos, na sua necessária articulação com o segundo, teria de ser objecto de interpretação literal ou restritiva.
Colocou-se em confronto a orientação que entendia a compatibilidade dos mencionados normativos, ou seja, da acumulação de juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização em função da taxa da inflação, fundada no argumento do distinto objecto e da diversa natureza que preside à actualização da expressão monetária da indemnização entre as datas da citação e da decisão actualizadora, e a da não cumulatividade de juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização, fundada no facto de ambas as providências influenciadoras do cálculo obedecerem à mesma finalidade de fazer face à erosão do valor da moeda entre o evento danoso e a satisfação da obrigação indemnizatória.
Referiu-se que se o juiz fizer apelo ao critério actualizador previsto no artigo 566º, n.º 2, do Código Civil, atribuindo a indemnização monetária aferida pelo valor da moeda à data da sentença da primeira instância, não podia, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante os juros de mora desde a citação por força do n.º 3 do artigo 805º daquele diploma.
Salientou-se ainda, por um lado, que a intenção do legislador de 1983 só foi a de compensar o prejuízo da inflação relativamente ao que falhava na previsão do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil quando, por efeito dela, o valor do pedido se depreciava em termos tais que a actualização com referência à data da sentença conduzia a um valor superior ao do pedido que o tribunal não podia considerar, atenta a limitação decorrente do artigo 661º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
E, por outro, expressou-se que no caso de o juiz não poder valer-se do n.º 2 do artigo 566º, por o pedido estar muito desactualizado e não ter sido ampliado, os juros de mora podiam e deviam ser contados desde a citação, por aplicação do n.º 3 do artigo 805º, ambos do Código Civil.
Essencialmente com base na mencionada argumentação é que foi votado maioritariamente o acórdão de uniformização de jurisprudência em causa, segundo o qual, sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo, nos termos do n.º 2 do artigo 566º, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3, interpretado restritivamente, e 806º, n.º 1, todos do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.
Dele resulta, tendo em conta o seu conteúdo e o das alegações de recurso sobre as quais se pronunciou, a ideia de uma decisão actualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso causador do dano, sob a invocação do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, que consagra o critério derivado do confronto da efectiva situação patrimonial do lesado na data mais recente atendível pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano.
A prolação dessa decisão actualizadora, tendo em conta a motivação do referido acórdão de uniformização de jurisprudência, tem que ter alguma expressão nesse sentido, designadamente a referência à utilização no cálculo do critério chamado da diferença na esfera jurídico-patrimonial constante no artigo 566º, n.º 2, do Código Civil e à consideração, no cômputo da indemnização ou da compensação, da desvalorização do valor da moeda.
O tribunal da primeira instância, depois de ponderar o quadro de sofrimento físico-psíquico que para AA resultou das lesões por ela sofridas no acidente, referindo-se à equidade, declarou fixar a respectiva compensação por danos não patrimoniais por referência à data da decisão e condenou a Companhia de Seguros BB SA no pagamento de juros moratórios desde então.
Uma decisão actualizadora da indemnização, em rigor, pressupõe que sobre algo já quantificado incida algum elemento ou índice de actualização, situação que se não reconduz necessariamente ao cálculo da indemnização com base no princípio da diferença da esfera patrimonial ou em danos não patrimoniais.
Todavia, o tribunal da primeira instância, teve em conta o referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência e o disposto no nº 2 do artigo 566º do Código Civil e referiu-se à fixação da compensação em causa por referência temporal à data da sentença.
Em consequência, tal como foi considerado no acórdão recorrido, os juros relativos à quantia relativa à mencionada compensação são contados desde a data da mencionada sentença.

7.
Atentemos, finalmente, na síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
O âmbito dos recursos de revista, dado o conteúdo das respectivas conclusões de alegação, envolve a problemática da nulidade do acórdão recorrido, do quantitativo indemnizatório devido a AA correspondente aos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade temporária e permanente, do montante da compensação relativa aos danos não patrimoniais e do momento a partir do qual são devidos juros de mora relativamente à mencionada compensação.
O acórdão recorrido não está afectado de nulidade por falta de fundamentação nem por contradição desta com o respectivo segmento decisório.
O quantum indemnizatório decorrente da incapacidade temporária absoluta para o trabalho de AA deve incluir o subsídio de férias e de Natal correspondente à perda de dez meses e meio de trabalho.
Os factos provados não justificam a fixação da indemnização devida a AA relativa a perda de capacidade de ganho em valor diverso daquele que foi considerado nas instâncias.
O quadro de sofrimento físico-psíquico assente justifica a fixação da compensação devida a AA por danos não patrimoniais em mais € 2 000.
A Companhia de Seguros BB SA foi condenada, com base na factualidade mencionada sob II 27, no que se liquidasse em execução de sentença.
Trata-se, pois, nesta parte, de condenação genérica que não depende de cálculo aritmético, pelo que a respectiva liquidação ocorre em incidente desta acção e não em execução de sentença (artigo 378º, nº 2, e 661º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Daí que se imponha, nesta sede, a correcção, em conformidade, do referido segmento decisório.
Improcede, por isso, o recurso interposto pela Companhia de Seguros BB SA, e procede parcialmente o recurso interposto por AA.
Vencida no recurso que interpôs, é a Companhia de Seguros BB SA responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Vencidas no recurso interposto por AA, são, esta e a Companhia de Seguros BB SA responsáveis pelo pagamento das custas respectivas, na proporção do vencimento (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, como AA beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, considerando o disposto nos artigos 15º, alínea a), 37º, n.º 1 e 54º, n.ºs 1 e 3, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nºs 1 e 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para que seja condenada no pagamento das custas do recurso.


IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso interposto pela Companhia de Seguros BB SA, dá-se parcial provimento ao recurso interposto por AA, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido, condena-se a primeira a pagar à última, a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta, a quantia de cinco mil oitocentos e oitenta e seis euros setenta e cinco cêntimos, e, a título de compensação por danos não patrimoniais a quantia de nove mil euros, mantendo-se no restante o decidido nas instâncias, incluindo a vertente dos juros de mora, salvo o segmento relativo à condenação em execução de sentença, que se substitui pelo segmento condenação no que vier a liquidar-se posteriormente.
Condena-se a Companhia de Seguros BB SA no pagamento das custas relativas ao recurso que interpôs e das custas relativas ao recurso interposto por AA, na proporção do vencimento.

lisboa, 10 de Maio de 2007.

Salvador da Costa (relator)
Ferreira de Sousa
Armindo Luis