Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO RECIDIVA | ||
Apenso: | | ||
Data do Acordão: | 07/14/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : |
I- A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho e a prestação por incapacidade permanente visam compensar o mesmo dano, o dano da perda da capacidade de trabalho ou ganho, não se justificando, como regra, a sua cumulação. II- Recebendo um praticante desportivo uma pensão por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual que atinge o máximo legal previsto no artigo 2.º n.º 2 da Lei n.º 8/2003 de 12 de maio, aplicável em razão da data em que ocorreu o sinistro, não pode o trabalhador pretender em caso de recidiva cumular tal pensão com uma indemnização por incapacidade temporária absoluta. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 133/12.0TTBCL.7.P1.S1
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
Relatório Se pensarmos que o sinistrado está a receber uma pensão anual e vitalícia até aos 35 anos de € 111.300,00 pela sua permanente e definitiva perda da capacidade de trabalho e ganho na sua profissão habitual, não encontramos palavras bonitas para qualificar a pretensão de quem quer receber € 91.581,12 por cerca de metade desse período anual e cumular essa quantia com aquela (quando aquela que seria sempre a que teria a receber se estivesse numa situação de IPA”).
O Tribunal de 1.ª instância deferiu o pedido do sinistrado, tendo decidido que: - € 200,004,00 x 1,2371= € 247.424,95 Dado que a questão do desconto dessa pensão não foi suscitada no âmbito do incidente anómalo, mas, eventualmente, poderá ser uma das vias para a solução do litígio em causa, e não estando o Tribunal de recurso impedido de a considerar, atento o disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, notifique as partes nos termos e para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do mesmo diploma.” Em resposta o sinistrado pronunciou-se no sentido de que “a pensão por incapacidade permanente e a indemnização por ITA são cumuláveis” e que “não existe fundamento legal para operar o desconto da pensão por incapacidade permanente já paga”. O segurador, por seu turno, veio afirmar o seguinte: “Com efeito, sendo evidente a duplicação, a dedução ao valor da ITA do pago a título de pensão relativo a esse período, evitaria a duplicação e nessa medida, a recorrente concorda, subsidiariamente, com tal solução. Ela deixa, todavia, por resolver, salvo melhor opinião, a dissimulada forma de contornar o limite máximo legal fixado pelo legislador para a pensão, consubstanciada na pretensão do recorrido e acolhida na decisão recorrida.” O Tribunal da Relação proferiu Acórdão em que decidiu: Fundamentação De facto (transcrição da Sentença) “Dos elementos juntos autos resulta que ao sinistrado, jogador de futebol, foi fixada, por força do acidente ocorrido em 29.01.2011, uma IPP de 20%, a que corresponde uma IPP especifica de 34,37%, com IPATH, ou seja, que aquele ficou incapaz para o exercício da sua profissão habitual de praticante desportivo de profissional de futebol. De acordo com o disposto no artigo 2º, nº 2 da Lei 8/2003, de 12.05, foi atribuído ao sinistrado a partir de 18.08.2016, a pensão anual de € 111.300,00 até aos 35 anos do sinistrado e a pensão anual de € 59.360,00 a partir dessa idade. Resulta assim que por causa do acidente, o sinistrado deixou de exercer a sua profissão de jogador profissional ficando incapaz para o efeito de um modo permanente, tendo-lhe sido atribuída uma pensão em função dessa mesma IPATH que está a ser paga desde 18.08.2016, sem qualquer interrupção. As partes estão ainda de acordo, porque a Ré seguradora não põe isso em causa, que o sinistrado teve uma recidiva em consequência do acidente de trabalho a que se reportam os autos, o que determinou uma intervenção cirúrgica (artrodese tibio-társica com placa anterior + parafuso) em 04.01.2019 e uma ITA até 15.07.2019. É a própria Fidelidade Seguros que procedeu ao tratamento [reparação em espécie de acordo com o disposto no artigo 23º, al. a) e 25º, nº 1, al. a) da LAT], estabelecendo o período de ITA e a data da alta, conforme doc. 1 junto com o requerimento inicial.
De Direito
A sentença de 1.ª instância entendeu que, como defende o Recorrente, a prestação correspondente a uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (doravante designada por IPATH) ou a uma incapacidade permanente parcial (doravante designada por IPP) era cumulável com a prestação por uma incapacidade temporária absoluta (doravante designada por ITA). Partindo da premissa de que a LAT não visa uma reparação integral do dano, a sentença afirma, no entanto, que “a atribuição de uma indemnização pelos períodos de incapacidade temporária e de uma pensão por IPP com IPATH têm finalidades totalmente diferentes e obedecem a critérios e formas de cálculo totalmente diversos”. Tratar-se-ia da reparação de danos diferentes, podendo, pois, cumular-se as respetivas prestações. Acresce que e por isso mesmo – por se tratar de danos distintos – não seria obstáculo a esta cumulação, relativamente aos praticantes desportivos profissionais, o disposto no artigo 2.º, n.º 2 da Lei n.º 8/2003 (aplicável à fixação da pensão por força da data em que ocorreu o acidente). Antes de mais, importa destacar que o trabalhador veio deduzir incidente de revisão, mas pediu o pagamento da indemnização devida pelo período de ITA de 04.01.2019 a 15.07.2019. A responsabilidade por acidentes de trabalho, quando não se verifiquem as situações previstas no seu artigo 18.º n.º 1 e seja, por conseguinte, uma responsabilidade que não assente na culpa do empregador, tem como escopo uma reparação do dano que não é integral. Trata-se, todavia, sempre da reparação (mesmo que parcial) de um dano pelo que é inexata a afirmação feita pelo Recorrente de que o dano não é um pressuposto desta responsabilidade. A reparação, como se disse, não é integral. Tal resulta, não apenas do facto de que apenas um certo dano é reparado, a saber, o que resulta da perda da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador sinistrado – como, de algum modo já resulta da própria noção de acidente de trabalho que consta do n.º 1 do artigo 8.º da LAT – como da circunstância de que mesmo esse dano está sujeito a limites na sua reparação. Com efeito, a LAT não contempla uma “perda de chance” e a eventual possibilidade de mudança de carreira ou profissão e fixa o montante da retribuição como o limite da prestação, nos casos em que a responsabilidade por acidente de trabalho não se funda em culpa do empregador[1]. Em todo o caso, o dano que se visa reparar é sempre o da perda de capacidade de trabalho ou de ganho. Essa perda pode ser temporária, por um período de tempo limitado – “a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho” (n.º 1 do artigo 48.º da LAT) – como pode ser permanente e a prestação por incapacidade permanente é uma das prestações “destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho” (n.º 2 do artigo 48.º da LAT). Em suma, não se trata de dois danos distintos, mas sim do mesmo dano encarado como sendo (ou admitindo-se que possa ser) transitório ou, ao invés, já caraterizado como permanente[2]. Sublinhe-se, também, que o artigo 19.º da LAT depois de estabelecer que “o acidente de trabalho pode determinar incapacidade temporária pu permanente para o trabalho” (n.º 1) e de afirmar que a incapacidade, seja temporária ou permanente, tanto pode ser parcial como absoluta, apenas em relação à incapacidade permanente é que introduz a distinção entre uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho. Esta distinção releva, face ao disposto nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 48.º para a fixação do montante da pensão anual e vitalícia nos casos de incapacidade permanente absoluta, atendendo-se caso a incapacidade permanente absoluta não seja para todo e qualquer trabalho, mas apenas para o trabalho habitual, à capacidade funcional residual do sinistrado para o exercício de outra função compatível. A incapacidade temporária cessa com a alta ou com a transição para a incapacidade permanente (regime paralelo em matéria de doenças profissionais consta do artigo 132.º da LAT). Aliás, a incapacidade temporária converte-se em permanente, em princípio, decorridos 18 meses consecutivos (n.º 1 do artigo 22.º), com a ressalva do n.º 2 do mesmo artigo 22.º e da possibilidade prevista nesse número de o Ministério Público poder prorrogar o prazo quando estiver a ser prestado o tratamento clínico necessário ao sinistrado até ao máximo de 30 meses, a requerimento da entidade responsável e/ou do sinistrado. Sublinhe-se que “a indemnização por incapacidade temporária é devida enquanto o sinistrado estiver em regime de tratamento ambulatório ou de reabilitação profissional” (n.º 4 do artigo 48.ª). A pensão por incapacidade permanente “começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado” (artigo 50.º n.º 2), prevendo a lei a possibilidade de uma pensão provisória por incapacidade permanente entre o dia seguinte ao da alta e o momento da fixação da pensão definitiva (n.º 1 do artigo 52.º da LAT). É certo que a lei prevê igualmente no artigo 24.º n.º 2 da LAT que o direito à indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, previsto na alínea b) do artigo anterior, em caso de recidiva ou agravamento, mantém-se: a) Após a atribuição ao sinistrado de nova baixa; b) Entre a data da alta e a da nova baixa seguinte, se esta última vier a ser dada no prazo de oito dias” Trata-se, contudo, de uma norma que pressupõe a possibilidade para o trabalhador de regressar ao seu trabalho e de à alta se seguir uma nova baixa. A referida norma não tem aplicação em um caso como o dos autos em que o trabalhador sinistrado tinha já uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual quando se deu a recidiva. Em conclusão, não se encontra na LAT fundamento legal para cumular, em geral, uma prestação por incapacidade temporária com uma prestação por incapacidade permanente[3]. Importa, também, referir que, contrariamente ao que pretende o Recorrente, não existe modernamente no direito do trabalho um qualquer princípio de que as leis devem ser interpretadas no sentido mais favorável ao trabalhador. Sendo o sinistrado um praticante desportivo profissional e tendo o acidente ocorrido a 29.01.2011 é aplicável a Lei n.º 8/2003 de 12 de maio, então em vigor, à fixação da pensão e mormente o limite previsto no seu artigo 2.º, n.º 2, o sinistrado estava já, antes da recidiva, a receber o máximo legal previsto para a pensão por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual para o trabalho. O legislador entendeu que se justifica um regime especial para estes trabalhadores em razão, designadamente, da curta duração da sua vida profissional como praticantes desportivos e não se vislumbra aqui uma qualquer inconstitucionalidade. Face ao pedido do segurador – que é apenas o da confirmação do Acórdão recorrido – e considerando que não se justifica legalmente a cumulação da pensão por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual com uma indemnização pela incapacidade temporária absoluta, há que concluir que o sinistrado é devedor do segurador para efeitos da compensação a que se reporta a decisão recorrida. Decisão: Confirma-se o Acórdão recorrido. Custas pelo Requerente. Lisboa, 14 de julho de 2022
Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator) Ramalho Pinto Mário Belo Morgado
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