Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A2207
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: ALEGAÇÕES
Nº do Documento: SJ200707120022071
Data do Acordão: 07/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
a. O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – e salvo a situação do artigo 725º do Código de Processo Civil – destina-se a impugnar o Acórdão da Relação e a argumentar contra os seus fundamentos.
b. Se o recorrente usa a mesma argumentação, com reprodução “pari passu” das conclusões da alegação produzida na apelação, fica plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº5 do artigo 713º do CPC, ou, e no limite, uma fundamentação muito sucinta.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, AA e mulher BB, então a representarem a sua filha menor CC intentaram acção, com processo ordinário contra “DD – Companhia de Seguros, SA” pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 8.393.200$00, a titulo de indemnização pelos danos que sofreu em atropelamento.

Na 1ª instância a acção foi julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

A Relação do Porto confirmou o julgado.

Recorre, agora, a CC – que entretanto atingiu a maioridade – assim concluindo a sua alegação:

a) a recorrente crê que o douto acórdão recorrido ofendeu o estabelecido pelos artigos 483°, n° 1 e 570°, n° 1 do código civil e os artigos 24°, n° 1, 25°, n° 1 e 23° do código da estrada.
b) o douto acórdão recorrido considerou que a culpa pela produção do sinistro se ficou a dever-se à lesada CC e que não se apurou qualquer contributo culposo do condutor do velocípede para a sua ocorrência.
c) salvo todo o devido respeito, que é muito e merecido, os factos provados
evidenciam à saciedade precisamente o contrário: o condutor do velocípede
avistou a menor a iniciar a travessia a cerca de 5 ou seis metros - facto provado n° 45; colheu-a a cerca de meio metro, um metro da berma direita da via, projectando-a - facto provado n° 21; a via tem cerca de 7,40 metros — facto provado n°5; da curva de onde provinha não tinha visibilidade para a estrada e o acidente ocorreu a cerca de 15 metros dessa curva- factos provados 14 e 15.
d) então, o condutor do velocípede saiu duma curva sem visibilidade para a estrada para onde se dirigia, apercebeu-se de uma criança a cerca de meio metro ou um metro na berma direita da via, a cerca de 5 ou 6 metros de
distância, dispunha de uma via com 7.40 metros de largura e de uma faixa de rodagem no seu sentido de circulação com 3,70 metros de largura e nada faz para evitar colhê-la.
e) é, pois, evidente, face aos enunciados factos que, ainda que não se tenha por demonstrada a velocidade concreta a que seguia, que agiu de forma imponderada e descuidada, imprimindo ao veículo por si tripulado velocidade manifestamente superior à exigida por aquelas disposições legais.
f) ao sair de uma curva com velocidade tal que, num espaço de cerca de 6 metros, não logrou parar ou sequer conseguir-se desviar da CC , quando esta se encontrava a apenas um metro da berma e quando dispunha da totalidade da via livre para efectuar a manobra de evasão do obstáculo.
g) manobras que se impunham e, aliás, eram concretamente exigíveis a qualquer condutor médio, minimamente cauteloso e avisado.
h) agindo claramente em infracção aos referidos artigos 24°, n° 1 e 25°, n°1, alíneas c) e f) do código da estrada, violação que, manifestamente é causal do acidente produzido, como melhor resulta dos vários acórdãos, todos do supremo tribunal de justiça, que supra se transcrevem.
i) em face da concorrência de culpas que emerge dos factos tido como provados, e tal como dispõe o artigo 570° n° 1 do código civil há então apreciar, com base nas culpas de ambas as partes e das consequências que dela resultam, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
j) aqui a recorrente não pode deixar de vincar, muito firmemente, que é preciso atender à circunstância de a utilização de um veículo motorizado traduzir um risco especial e significativo para os terceiros que com ele têm de partilhar a via pública,
k) por outro lado, basta ver os factos provados 23° a 37° para concluir que também é preciso sublinhar que a CC era uma menina de apenas 8 anos de idade, que se viu a braços com sérias e significas lesões no seu corpo infligidas pelo acidente de viação, que, por sua vez, acarretaram pesadas e relevantes sequelas.
l) deste modo e essencialmente face a estes dois elementos, entendem os recorrentes que a indemnização deveria ser totalmente concedida, ou, pelo
menos, a vir a defender-se a sua redução, ser esta reduzida em apenas 20%, por claramente assim se fazer a adequada e equitativa justiça.

Contra alegou a Ré em defesa do julgado e concluindo em síntese:

Tendo ficado provado que a Recorrente “Iniciou a travessia encoberta pelo veículo estacionado e meteu-se na frente do 4-VNG-00-00 à passagem deste”, resulta, claramente, que o acto de a Recorrente iniciar a travessia foi praticamente imediato.
O facto de o condutor do velocípede a ter avistado a cerca de 5/6 metros de distância significa, em tempo real, segundos antes de embater na menor, não sendo tempo suficiente para efectuar qualquer manobra de recurso com
vista a evitar o embate.
Apesar de a condução de velocípedes apresentar um risco acrescido para terceiros, o facto de surgir um peão na via, encoberto por um veículo e cerca de 5 metros apenas de distância do condutor do velocípede, demonstra claramente que o mesmo não teve culpa pelo sinistro, pois não teria forma alguma de evitar o embate.
Se em vez de um velocípede o EE tripulasse um veículo automóvel, o acidente teria certamente ocorrido e com consequências provavelmente bem mais graves para a Recorrente.
Uma criança com 8 anos de idade não pode, de forma alguma, atravessar uma via pública, com pouca visibilidade, totalmente sozinha.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto:

1- No dia 14.10.95, pelas 17h e 40m, a CC encontrava-se dentro de um veículo automóvel que se encontrava estacionado na Rua ...., em Perosinho, Vila Nova de Gaia, no lado direito da faixa de rodagem, atento o sentido Norte-Sul (Carvalhos/Perosinho), num local destinado ao parqueamento de automóveis existentes na berma da via.
2- O dito veículo encontrava-se estacionado em sentido contrário ao da circulação, com a frente virada para Norte
3- A menor pretendia atravessar a via.
4- O velocípede 4-VNG-00-00 imobilizou-se a cerca de 6,10 metros do local onde atropelou a menor.
5- A via tem no local cerca de 7,40 metros de largura e encontra-se integrada num agregado populacional, dentro de uma localidade.
6- O piso de paralelepípedos de granito encontrava-se em bom estado de conservação.
7- À data do embate a CC tinha 8 anos, sendo que os ora AA. são pais da mesma.
8- O proprietário do velocípede com motor de matrícula 4-VNG havia transferido para a Ré, através de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n°00000000 os riscos próprios da circulação do veículo.
9- A CC encontrava-se sentada no lugar da frente destinado aos passageiros.
10- A dado momento decidiu abandonar o veículo accionado o mecanismo de abertura da respectiva porta.
11- E imediatamente saiu do automóvel.
12- Antes de iniciar a travessia, fechou a porta do automóvel.
13- No local a via desenvolve-se como uma recta com cerca de 50 metros. 14- É precedida, naquele sentido Norte-Sul, de uma curva, cujo final se localiza a cerca de 15 metros do ponto onde se encontrava a CC .
15- A visibilidade dessa curva, para quem circula no sentido Norte/Sul era completamente excluída pelo mato, constituído por arbustos e ervas altas que no seu lado direito crescia livremente atingindo os 2 metros de altura.
16- No inverso também impedia completamente a visibilidade para lá do início da referida curva e daquela distância de 14 metros, aferida no local onde se encontrava a CC .
17- A CC avançou.
18- Somente avançou cerca de meio metro/um metro na faixa de rodagem.
19- Foi colhida por um velocípede com a matrícula 4-VNG-00-00.
20- O EE seguia no referido sentido Norte-Sul.
21- E colheu a CC a cerca de meio metro/um metro da berma direita, atento o sentido de marcha, projectando-a.
22- Logo após o acidente, a CC foi imediatamente transportada para o CHVNG e daí para o Hospital Geral de Santo António.
23- Onde lhe foi diagnosticado uma hemorragia subaracnoide e uma contusão hemorrágica temporal, com fractura da caixa craniana e seu afundamento.
24- Lesões acompanhadas de dificuldades respiratórias, tudo o que determinou o seu imediato internamento na respectiva unidade de cuidados intensivos, onde se manteve 3 dias.
25- Durante 48 horas esteve em coma, ligada a um aparelho de ventilação, de molde a manter em funcionamento forçado os seus órgãos vitais.
26- Durante aquele período a CC sofreu de fortes dores.
27- Logo que acordou do coma viu-se numa cama de hospital ligada a inúmeros aparelhos.
28- Tem alterações comportamentais sérias.
29- Manifesta uma extraordinária dificuldade de concentração e manutenção da atenção.
30- É acometida frequentemente de violentas cefaleias, que pela sua violência a obrigam a recolher ao leito
31- Até à altura do acidente a CC tinha um aproveitamento escolar razoável.
32- Depois do acidente deixou de ter o rendimento escolar normal numa criança da sua idade.
33- Tem dificuldades de executar as mais simples tarefas curriculares.
34- Antes era uma criança alegre e comunicativa.
35- Hoje é apática e pouco sociável.
36- Era intenção dos seus pais dar-lhe não só a instrução básica mas também formação superior.
37- Por via do embate a CC sofre de uma IPP de, pelo menos, 5%.
38- Os pais da CC gastaram em despesas médicas e medicamentos a quantia de 143.200$00.
39- O velocípede circulava pela metade da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Carvalhos — Perosinho.
40- Foi-se aproximando de um local onde à sua direita se encontrava estacionado um veículo ligeiro de passageiros com a respectiva frente voltada para Norte.
41- Nessa ocasião surgiu a menor CC a atravessar a estrada.
42- Fê-lo da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do velocípede seguro pela Ré.
43- Iniciou a travessia encoberta pelo veículo estacionado.
44- E meteu-se na frente do 4-VNG-00-00 à passagem deste.
45- Quando a menor se lhe atravessou na frente o velocípede aproximava-se a uma distância não superior a 5/6.
46- O atropelamento deu-se na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do velocípede.
45- O velocípede com motor de matrícula 4-VNG-00-00 era propriedade de FF.


Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1- Alegações.
2- Conclusões.


1- Alegações.

A recorrente reproduz, “pari passu”, as alegações que ofereceu na apelação, transcrevendo, quase exactamente, as mesmas conclusões, à excepção obviamente da parte referente à impugnação da matéria de facto que naufragara.
O Acórdão recorrido não é remissivo, antes abordando todas as questões que o recorrente suscitara perante a Relação.
Ora, sendo a revista destinada a impugnar o julgado pela Relação, a argumentação recursiva deve ser dirigida a este aresto, que não ao decidido na 1ª instância.
Isto é, deve atacar os pontos concretos da decisão recorrida sendo que, e como julgou o Acórdão do STJ de 21 de Dezembro de 2005 – 05B2188 – não o fazendo, “o recorrente não atendeu verdadeiramente ao conteúdo do Acórdão recorrido, antes na realidade reiterou a sua discordância relativamente à decisão apelada, sem verdadeira originalidade ou aditamento que tivesse em conta a fundamentação do Acórdão sob recurso.”
Nesta perspectiva – que se acolhe – ou se entende que a prática de reprodução alegatória equivale à deserção do recurso, por falta de alegações, porque, embora se possa dizer que, formalmente foi cumprido o ónus de formar conclusões, já em termos substanciais é legitimo inferir que terá faltado uma verdadeira e própria oposição conclusiva à decisão recorrida nomeadamente porque a repetição não atingiu apenas as conclusões, afectando também o corpo das alegações” (Acórdão do STJ de 11 de Maio de 1999 – Pº 257/99 – 1ª); ou, e numa óptica menos rígida, se aceita o recurso mas se considera plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº5 do artigo 713º do CPC (cf. Acórdão citado de 21 de Dezembro de 2005).
Como julgou o Acórdão de 3 de Outubro de 2006 (Pº 2993/06) do mesmo Relator, “adere-se a este entendimento jurisprudencial, sempre enfatizando que a decisão recorrida é “o Acórdão da Relação e não a sentença da 1ª instancia – cf., v.g. os Acórdãos do STJ de 12 de Julho de 2005 – Pº 1860/05 – 2ª; de 17 de Março de 2005 – Pº 1304/04-2ª; de 22 de Setembro de 2005 – Pº 3727/03-2ª e Pº 2088/05-2ª – e na linha dos Acórdãos de 27 de Abril de 2006 – 06 A945 – e de 18 de Maio de 2006 – 06 A1134 – deste mesmo Relator, considera-se que nestes casos, se legitima plenamente o uso da faculdade remissiva ou, quando muito, uma fundamentação mais sucinta. (cf. ainda, o Acórdão de 22 de Setembro acima citado – 03B727).”
Não sendo assim, o STJ estaria a apreciar detalhadamente não o mérito do Acórdão mas a sentença da 1ª instância, já que o recorrente só formalmente se insurge contra aquele.
O Acórdão recorrido ponderou detalhadamente os argumentos do recorrente e este não trás perante este Supremo Tribunal razões que possam infirmar as conclusões ali tiradas e que imputaram o evento lesivo apenas à conduta do lesado sem qualquer contribuição do tripulante do veiculo.
Improcede, em consequência, o recurso, por acolhimento dos fundamentos do Acórdão recorrido, nos termos do nº5 do artigo 713º do Código de Processo Civil, por nada mais se nos oferecer acrescentar, ainda que por forma breve.

2- Conclusões.

a) O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – e salvo a situação do artigo 725º do Código de Processo Civil – destina-se a impugnar o Acórdão da Relação e a argumentar contra os seus fundamentos.
b) Se o recorrente usa a mesma argumentação, com reprodução “pari passu” das conclusões da alegação produzida na apelação, fica plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº5 do artigo 713º do CPC, ou, e no limite, uma fundamentação muito sucinta.

Nos termos expostos, acordam negar a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 12 de Julho de 2007

Sebastião Póvoas( relator)
Moreira Alves
Alves Velho