Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A988
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: DECLARAÇÃO TÁCITA
Nº do Documento: SJ20070524009881
Data do Acordão: 05/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
- A declaração tácita é constituída por um “comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo”;
- Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.
- Os comportamentos que podem servir de suporte à declaração negocial tácita integram matéria de facto;
- Se eles integram ou não uma declaração negocial tácita é questão de direito, a resolver em sede de interpretação, segundo os critérios acolhidos pelo art. 236º C. Civil.
- Tratando-se de declaração receptícia, a declaração há-de valer com o sentido que um declaratário razoável (normalmente esclarecido e diligente), colocado na concreta posição do real destinatário, lhe atribuiria (impressão do destinatário);
- Do mesmo modo, a determinação do comportamento concludente, “que deve ser visto como elemento objectivo da declaração tácita”, faz-se, tal como na declaração expressa, por via interpretativa;
- Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade, devendo ser aferida por um “critério prático”, baseada numa “conduta suficientemente significativa” e que não deixe “nenhum fundamento razoável para duvidar” do significado que dos factos se depreende.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA e BB intentaram acção declarativa contra CC, Advogado, pedindo que:
- sejam considerados exorbitantes os honorários exigidos pelo Réu às Autoras (do montante de trinta milhões de escudos, acrescidos de IVA, a cada uma);
- sejam os mesmos honorários fixados em valor que não exceda globalmente 30 milhões de escudos, correspondendo a cada uma das AA. o valor, já desembolsado, de seis milhões de escudos;
- caso assim se não entenda, sejam os honorários devidos pelas AA. fixados em valor que não exceda, para cada uma 6 000 000$00, já pagos;
- seja o R. condenado a reparar às AA. o valor de esc. 2 838 356$00 pelos rendimentos perdidos directamente ocasionados pela ilegal retenção de valores que eram seus e de que o R. se apossou sem causa;
- seja o R. condenado a pagar às AA. o valor de esc. 2 838 356$00 pelos prejuízos que lhes ocasionou com a sua actuação, designadamente o elevadíssimo risco que lhes fez correr.
Alegaram as AA. que, juntamente com seus três irmãos, recorreram aos serviços do Réu, como advogado, para lhes dar assistência jurídica na preparação de uma escritura e demais problemas relacionados com a venda de uma Quinta, de que todos eram comproprietários, tendo o R., a final, fixado os honorários em 150 mil contos, montante correspondente a 6% do valor da venda, proposta que as AA. recusaram.
Sem que o R. lhes tenha feito entrega de nota de honorários e despesas, AA. pagaram-lhe seis mil contos cada uma e, como tivessem recusado o pagamento de mais 12 mil cada uma, o R. reteve dois cheques, de 200 mil contos cada, relativos à última prestação do pagamento do preço, os quais só foram entregues por imposição da Ordem dos Advogados, mediante prestação de caução.

O R. contestou e deduziu pedido reconvencional para pedir a condenação de cada uma das AA. no pagamento de esc. 24 000 000$00 de honorários, com juros vincendos à taxa legal, mais esc. 5 100 000$00 de IVA e ainda, como litigantes de má fé, em multa, com a indemnização de esc. 6 000 000$00.
Alegou que os honorários foram fixados em 150 mil contos, mais IVA de 17%, por acordo com todos os comproprietários, em reunião de 25/8/99, tendo ainda ficado acordado que tal montante seria pago em três prestações, à medida que fosse feito o pagamento do preço, o que foi satisfeito pelos restantes comproprietários, que pagaram a respectiva quota-parte, que a nota de honorários sempre esteve à disposição das AA. e que foram estas que não compareceram nem se fizeram representar no dia marcado para a entrega dos cheques representativos do resto do preço.

Nos articulados seguintes, as AA. sustentaram não ter havido qualquer acordo quanto a honorários, nem prévio nem posterior à conclusão dos trabalhos e o R. alegou que as AA. estavam, desde 1990, representadas por seu irmão EE

Após completa tramitação, na parcial procedência da acção os honorários devidos por cada uma das Autoras ao Réu foram fixados em esc. 6 000 000$00, montante já pago por cada uma das mesmas, o R. foi absolvido dos demais pedidos e as AA. foram absolvidas do pedido reconvencional.

Mediante recurso do Réu, a Relação revogou a sentença, absolveu o R. dos pedidos em na procedência da reconvenção, condenou cada uma das Autoras a pagar-lhe a quantia em euros equivalente a 24 000 000$00, mais IVA, acrescida de juros de mora às sucessivas taxas legais desde 1 de Maio de 2003.

Agora, pedem revista as Autoras visando a anulação e a revogação do acórdão e a reposição da sentença da 1.ª Instância.

Para tanto, nas longas e prolixas “conclusões” formuladas a encerrar as alegações, suscitam as seguintes questões:
- Se houve acordo tácito quanto ao montante dos honorários propostos pelo Réu às Autoras;
- Se o pedido de honorários efectuado pelo R. integra um caso de fixação de honorários em função do resultado da lide – quota litis -, proibido pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, e nulo por violação do art. 65º do EOA;
- Se a o acórdão da Relação, não apreciando esta questão, é nulo, por omissão de pronúncia, por violação do disposto no art. 668º-1-d) CPC.

O Recorrido apresentou resposta.

Em conferência, a Relação julgou não verificada a comissão da nulidade de omissão de pronúncia arguida pelas Recorrentes.

2. - Face ao objecto do recurso, interessam à sua apreciação os seguintes factos:

1. Por escritura pública realizada no dia 19 de Agosto de 1999, no 15º Cartório Notarial de Lisboa, as AA. e outros declararam vender a “DD – Urbanizações e Construções, SA”, pelo preço de esc. 2 500 000 000$00, o prédio rústico denominado “Quinta da Carreira”, sito em S. João do Estoril;
2. Foi acordado que o pagamento do preço seria pago da seguinte forma: 500 000 000$00 na referida data, consubstanciados em cheques, dos quais, a favor de cada uma das AA. seria emitido um cheque de 100 000000$00; os restantes 2 000 000 000$00 seriam pagos em duas prestações de 1 000 000 000$00, consubstanciadas, cada uma, em cheques visados de 200 000 000$00;
3. Os cinco comproprietários recorreram aos serviços do Réu para lhes dar assistência jurídica na preparação da referida escritura e na solução de todos os problemas que pudessem surgir ligados àquela venda;
4. Ficou acordado que seria o R. a receber os cheques mencionados, o que sucedeu desde logo com os primeiros cem mil contos de cada, entregues no acto da realização da escritura;
5. O R. fixou os seus honorários em montante equivalente a 6% do valor do negócio realizado, num total de 150 000 000$00, correspondendo 30 mil contos a cada um dos comproprietários vendedores, acrescidos de IVA, a serem pagos à medida que estes fossem recebendo os cheques;
6. Cada uma das AA. entregou ao R. a quantia de 6 000 000$00 a título de honorários para pagamento dos serviços prestados;
7. Em 6 de Setembro de 1999, a A. AA enviou ao R. uma carta com o seguinte teor:
Exmo Senhor Doutor
Para pagamento parcial dos serviços prestados, conforme acordado, junto remeto a importância de 1.000.000$00 (um milhão de escudos), agradecendo o envio do respectivo recibo”;
8. Após o recebimento da terceira parte do preço da venda, de 200 mil contos para cada uma das AA., estas não entraram de imediato em poder dos respectivos cheques;
9. O R. ficou em poder dos dois cheques, no valor de 200 mil contos cada um, correspondentes ao último pagamento, até terem sido, por sua iniciativa, entregues na Ordem dos Advogados (OA);
10. As AA. solicitaram a intervenção da OA a fim de lhes serem entregues tais cheques;
11. Estes foram-lhes entregues através da OA, em 26 de Maio de 2000, mediante prévia prestação de caução de 24 000 000$00, cada uma;
12. O R. endereçou às AA. cartas, datadas de 18 de Fevereiro de 2000, que foram recebidas, nas quais solicitou a comparência pessoal das mesmas no seu escritório, nos dias 22 ou 23 de Fevereiro, a fim «de se providenciar pela entrega do cheque de DD, SA, correspondente ao pagamento da última prestação por essa firma (…), e proceder-se, simultaneamente, à liquidação do restante dos ns/ acordados honorários e IVA ainda em dívida”;
13. Em 18/2/2000, compareceram no escritório do R. a filha e a neta da A. BB, as quais não eram portadoras do montante correspondente à diferença entre a quantia de 6 000 000$00, entretanto já paga por cada uma das AA., e a de 30 000 000$00, acrescida de IVA à taxa de 17%, respeitante a cada uma das AA.;
14. O R. não lhes entregou os cheques, que só vieram a ser entregues após a intervenção da OA;
15. Em 22 de Fevereiro de 2000, a A. BB enviou ao R. uma carta da qual consta:
Tendo a minha filha (…), já por duas vezes passado pelo escritório de V. Exa., com vista ao levantamento do cheque em v/ poder, relativamente ao pagamento efectuado pelo comprador, no montante que me é devido, constatei que o mesmo não lhe foi entregue.
(…)
Pretendo esclarecer que aguardo a nota discriminativa de despesas e honorários, justificativa do valor que a esse título nos exigiu (150.000.000$00, acrescido de IVA) para poder satisfazê-la.
Para finalizar, peço a V. Exa. que entregue de imediato o cheque à m/ filha (…), devidamente credenciada por esta carta”;
16. Em 23 de Fevereiro de 2000, o R. solicitou “Pedido de Parecer, com carácter urgente” ao Presidente do C. Distrital da AO de Lisboa “quanto a poder ou não o signatário reter os valores em causa (cheques)” e pediu que o Conselho “arbitrasse caução de montante coincidente com o que lhe é devido a título de honorários e IVA pelas clientes D BB e D. AA …”;
17. Em 24 de Fevereiro de 2000, a A. BB enviou ao Bastonário da OA uma carta em que se insurgia contra o facto de o cheque relativo a parte do preço se encontrar em poder do R, e afirmava, referindo-se aos honorários fixados, que “ … a verba exigida não tem equivalência com o trabalho efectuado…” pelo R.;
18. Em 13 de Março de 2000, as AA. enviaram ao Conselho Geral da AO as cartas juntas aos autos das quais consta, além do mais, o seguinte:
1.º - Nunca esteve em causa o pagamento de honorários, apenas pretendi que me fosse apresentada a respectiva Nota.
(…)
2.º - Já entreguei ao Dr. CC a importância de 6 000 contos. Este pagamento foi efectuado por conta de honorários e despesas, com entrega em notas por sua exigência. Os restantes pagamentos, seriam segundo a sua vontade expressa, feitos por meio de três cheques não datados.”;
19. Em 14 de Abril de 2000 o R. juntou ao processo que então corria na OA a nota de honorários datada de 17 de Fevereiro de 2000;
20. Em 21 de Dezembro de 2000 o Conselho Geral da OA aprovou o parecer em que é dado laudo aos honorários apresentados pelo R., no montante referido;
21. Antes de 19 de Agosto de 1999, não foi realizado qualquer acordo entre os outorgantes na escritura e compra e venda e o R. quanto ao montante de honorários a auferir por este;
22. No dia 25 de Agosto de 1999, no decurso de uma reunião havida no escritório do R., este declarou a todos os vendedores da Quinta que os seus honorários seriam os referidos em 5., a serem pagos em três prestações, à medida que fosse efectuado o pagamento do preço da venda, ou seja, 30 000 000$00 mais IVA, com o pagamento de 500 000 000$00; 60 000 000$00 mais IVA, com o pagamento da 1ª prestação do preço, de 1 000 000 000$00 e 60 000 000$00 com o pagamento da 2ª e última prestação de 1 000 000 000$00, cabendo a cada um deles 1/5 do total, ou seja, 30 000 000$00, acrescido do IVA À taxa de 17%;
23. Nessa data, o R. não entregou às AA. a respectiva nota de honorários e despesas, nem justificou os honorários pedidos, para além da referência percentual de 6% acrescida de IVA;
24. Uma vez declarados pelo R. os respectivos honorários, nenhum dos presentes na referida reunião manifestou, na altura, discordância ao valor dos mesmos;
25. Durante a mesma reunião, nenhum dos presentes na mesma exigiu ao R. a apresentação da nota de honorários;
26. Posteriormente a 25 de Agosto de 1999, entre os comproprietários EE e FF e o filho deste e o R. foi celebrado, por escrito, um acordo, pelo qual aqueles aceitaram pagar a este a sua quota-parte do montante referido;
27. Os serviços prestados pelo R. foram o descritos na nota de honorários junta aos autos e decorreram durante o período compreendido entre 19/12/96 e 17/12/2000
28. Os comproprietários acordaram o preço da venda da Quinta através de uma terceira pessoa, do que foi dado conhecimento ao Réu, para que este e o advogado da sociedade tratassem de todos os aspectos burocráticos e técnico-jurídicos, com vista à realização da escritura.

3. - Mérito do recurso.

3. 1. - A declaração negocial tácita.

Como se deixou já referido a questão essencial colocada no recurso consiste em saber se houve ou não acordo entre as Partes quanto aos honorários propostos pelo Réu às Autoras, obtido, nomeadamente, através de declaração negocial tácita destas últimas.

A segunda das questões enunciadas tem como pressuposto a resposta afirmativa à da existência de acordo vinculativo, tal como o tem a da arguida omissão de pronúncia sobre a questão da quota litis.

Àquela primeira questão respondeu afirmativamente a Relação.

Depois de se considerar não ter havido ajuste prévio de honorários e que o silêncio das Autoras, na reunião de 25 de Agosto, no escritório do Réu, não vale como declaração de vontade, nos termos previstos no art. 218º C. Civil, pois que não existe lei, uso ou convenção que lhe atribua tal valor, retirando, assim, à inacção das AA. qualquer significado juridicamente relevante, no sentido da aceitação da proposta de honorários apresentada pelo R., no acórdão impugnado veio a concluir-se pela existência de acordo de vontades gerador de mútuo consenso, vinculativo para os contraentes, por ter havido declaração tácita, pois que “da descrita actuação das apeladas deduz-se, com segurança, que a vontade destas foi no sentido de não questionar e pagar os ditos honorários, muito embora posteriormente tivessem alterado a sua posição”.

Os elementos de facto postos em relevo como integradores da declaração tácita são, como no acórdão se lê, os seguintes:
Posteriormente à reunião realizada em 25 de Agosto de 1999, os irmãos das AA. celebraram com o R. um acordo escrito pelo qual aceitaram pagar-lhe a sua quota parte nos honorários pedidos;
Outro tanto não fizeram as Autoras;
Estas, depois de realizada a dita reunião, entregaram-lhe, cada uma, 6 000 000$00, a título de honorários. Esta quantia, que correspondia exactamente a 6% do primeiro pagamento do preço da Quinta da Carreira, como estabelecido pelo Réu na aludida reunião, foi paga em dinheiro, como este indicara, sem que tivesse sido alegado ou qualquer facto indicie que as AA. tivessem então colocado qualquer reserva perante o R. quanto ao montante dos honorários estabelecidos;
Só no momento em que o Réu reteve os cheques destinados a pagar às Autoras a última prestação do preço da Quinta, no valor de 200 000 000$00 para cada uma, estas solicitaram a intervenção da Ordem dos Advogados para que os cheques lhes fossem entregues e questionaram perante esta o valor dos honorários fixados pelo Réu;
Nas cartas que endereçaram, com data de 13 de Março de 2000, ao Presidente do Conselho Distrital da AO, as AA. referiram: “Já entreguei ao Dr. CC a importância de 6 000 contos. Este pagamento foi efectuado por conta de honorários e despesas, com entrega em notas por sua exigência. Os restantes pagamentos, seriam segundo a sua vontade expressa, feitos por meio de três cheques não datados.

A declaração tácita é admitida como modalidade de declaração negocial, a par da declaração expressa – “feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade” -, definindo-a a lei como aquela que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam” – art. 217º-2 C. Civil.
Declaração expressa e declaração tácita têm, em regra, e têm no caso, o mesmo valor.

A declaração tácita será, então, constituída por um “comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo” (P. PAIS DE VASCONCELOS, “Teoria Geral do Direito Civil”, 2.ª ed., 298), ou, nas palavras de MOTA PINTO “Teoria Geral”, 3.ª ed. 425), “quando do seu conteúdo directo se infere um outro, isto é, quando se destina a um certo fim, mas torna cognoscível, a latere, um auto-regulamento sobre outro ponto – em via oblíqua, imediata, lateral”.
Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.
Há-de, porém, tratar-se de “comportamentos positivos, compreendidos com um valor negocial e que neles se não vislumbre uma finalidade directamente dirigida ao negócio jurídico em causa” (C. FERREIRA DE ALMEIDA, “Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico”, II, 718).

Os comportamentos que podem servir de suporte à declaração negocial tácita integram matéria de facto, que vem fixada pelas Instâncias.

Se eles integram ou não uma declaração negocial tácita é questão de direito, a resolver em sede de interpretação, segundo os critérios acolhidos pelo art. 236º C. Civil.
Tratando-se de declaração receptícia, a declaração há-de valer com o sentido que um declaratário razoável (normalmente esclarecido e diligente), colocado na concreta posição do real destinatário, lhe atribuiria (impressão do destinatário).

Do mesmo modo, a determinação do comportamento concludente, “que deve ser visto como elemento objectivo da declaração tácita”, faz-se, tal como na declaração expressa, por via interpretativa.

Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que “a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido do auto-regulamento tacitamente expresso seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade”, devendo ser “aferida por um critério prático”, «baseada numa “conduta suficientemente significativa” e que não deixe “nenhum fundamento razoável para duvidar” do significado que dos factos se depreende» (AA. ob. e loc. cits.; RUI DE ALARCÃO, (“A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, I, 192); Ac. STJ de 16/01/07 – Proc. n.º 4386/06-1 e de 04/11/04, Proc. 05A1247-ITIJ).

Resta, agora, à luz dos princípios enunciados, tomar posição sobre a concludência dos factos disponíveis e seu significado enquanto declaração negocial.

Em termos de comportamentos positivos, há a considerar, como ponderado no douto acórdão recorrido, o pagamento de quantia correspondente à primeira parcela dos honorários propostos, embora sem IVA, as cartas de 13 de Março de 2000, e o facto de as Autoras apenas terem solicitado a intervenção da Ordem dos Advogados, questionando os honorários, após a retenção dos cheques que titulavam a última prestação do preço.
Vem ainda provado que em 22/02/2000 a A. BB fez saber ao R. que “aguardo a apresentação da nota descriminativa (sic) de despesas e honorários, justificativa do valor que a esse título nos exigiu (…), para poder satisfazê-la”, nota que o R. apresentou no processo a correr na OA em 14 de Abril de 2000.

Ora, com todo o respeito pela conclusão a que se chegou no acórdão impugnado, entende-se que os comportamentos convocados são insuficientes para satisfazer o âmbito mínimo de concludência exigível de uma declaração de vontade das Autoras de não questionarem o conteúdo da proposta sobre honorários, por forma a ter-se por adquirido sem “fundamento razoável para duvidar”, ou com toda a probabilidade, que houve o reconhecido “encontro de vontades, gerador de mútuo consenso”.

Com efeito, relativamente aos pagamentos efectuados, embora correspondentes ao montante da primeira prestação proposta, sem IVA, não mostra qualquer dos factos, contemporâneo, anterior ou posterior a esses pagamentos, que através deles pretendessem as AA., embora sem o referirem expressamente, solver essa primeira prestação, nela imputando as entregas. Não se mostra, desde logo, que estas tenham sido feitas com o primeiro pagamento, como declarado às AA. na reunião havida.
Depois, as cartas de 13 de Março referem o pagamento de honorários e não dos honorários, aludindo, no mais, à proposta do Réu, já antes rejeitada – pelo menos desde o momento da entrega ao R. da carta de 22/2, anterior ao pedido de intervenção da Ordem dos Advogados, em que o pagamento de honorários foi condicionado à apresentação da respectiva nota -, de os pagamentos serem feitos “por meio de três cheques não datados”; Crê-se que dessas cartas não pode inferir-se que nelas as AA. já pressupõem terem aceite o pagamento dos honorários propostos, encerrando o respectivo conteúdo uma manifestação de arrependimento, pois que já antes a questão da justificação do valor dos honorários e despesas, mediante apresentação da respectiva nota, havia sido colocada “para poder satisfazê-la”.
Finalmente, pensa-se que, pelas mesmas razões, o pedido de intervenção da OA, apenas após a retenção dos cheques, não representa acto revestido de significado quanto a terem ou não as AA. anteriormente aceite o pagamento dos honorários pedidos na reunião de 25 de Agosto, após a prestação dos serviços.

Se de facta concludentia pode falar-se, na globalidade do comportamento disponível para interpretação, e entende-se que pode, ficam-se eles pela manifestação de vontade de realização do pagamento dos honorários justificados na respectiva nota.
Foi isso que, depois do silêncio, e em termos de comportamento positivo, foi dado a conhecer ao R. e terá sido isso que, a seguir, foi proposto na solicitada intervenção da Ordem dos Advogados.

Nada mais, ao menos a nosso ver, pode extrair-se em sede interpretativa.
Ou seja, não se demonstra qualquer outro comportamento que traduza ou revele, com toda a probabilidade, uma intenção de adesão ao preço dos serviços que o R. exigiu, como facto consumado.
Há, no mínimo, uma situação de ambiguidade ou dúvida razoável que inviabiliza a concludência no sentido da significação de adesão – reiterando-se estar fora de causa qualquer ajuste - ao preço declarado pelo Réu.

Consequentemente, não poderá dizer-se que houve aceitação tácita pelas Autoras do valor dos honorários propostos pelo Réu na reunião de 25 de Agosto de 1999, com a inerente vinculação ao respectivo pagamento, nos termos dos arts. 217º-1, 762º-1, 1158º-2 e 1167º-b), todos do C. Civil, e 65º do EOA.

3. 2. – Os honorários como “quota litis”, efeitos dessa fixação e omissão de pronúncia sobre essa questão.

As questões da apreciação da fixação dos honorários por referência a uma percentagem do resultado da lide ou dos serviços prestados e da não pronúncia da Relação apresentam-se, por natureza, como subsidiárias e, consequentemente, prejudicadas pela solução dada à questão que pressuporia a eventual necessidade – a ser ainda possível conhecer do objecto da primeira delas – dessa apreciação.
Efectivamente, só se se considerasse ter havido acordo das Partes quanto à fixação de honorários por percentagem poderia interessar apreciar a validade ou efeitos de um tal ajuste.

Assim, por prejudicadas pela solução dada à primeira, não se conhece das questões ora em referência – art. 660º-2 CPC.

3. 3. – O objecto do recurso e a decisão.

Como também faz notar o Recorrido nas suas contra-alegações, não tendo as AA. impugnado a decisão da 1ª Instância e tendo a Relação decidido que houve acordo quando aos honorários, “prejudicada ficou a sua determinação por outra via, face à procedência do acordo vinculativo” sendo, para as AA., “o único objecto legalmente possível do presente recurso de revista (…) esta parte decisória do acórdão recorrido”.
Assim é, efectivamente.

E a inversa é igualmente verdadeira.
Tal como se posicionaram as AA. relativamente à sentença, agora também o R. que não impugnou a decisão da Relação, interpondo, por exemplo, recurso subordinado ou ampliando o objecto do recurso.

Assim, decidido que não houve acordo quanto aos honorários, não há que apreciar seja o que for sobre a bondade, razoabilidade ou adequação do montante exigido pelo Réu-reconvinte às Autoras.

Fica necessariamente a valer a decisão da 1ª Instância – art. 684º-4 CPC.

4. - Decisão.

Em conformidade com o que ficou exposto, decide-se:
- Conceder a revista pedida pelas Autoras;
- Revogar o acórdão impugnado;
- Repor em vigor a sentença proferida na 1ª Instância; e,
- Condenar o Recorrido nas custas do recurso.

Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Maio de 2007

Alves Velho (relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias