Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1052/16.7T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
Data do Acordão: 09/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / MANDATO / NOÇÃO.
Doutrina:
- Júlio Vieira Gomes, SOBRE O DANO DA PERDA DE CHANCE, Direito e Justiça, volume XIV, tomo II, 205, p. 43.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4 E 639.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1157.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 390.º, N.º 1.
ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (EOA): - ARTIGO 62.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 30-09-2014, PROCESSO N.º 739/09.5TVLSB.L1-A.DS1;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 5105/12.2TBSXL.L1.S1;
- DE 30-11-2017, PROCESSO N.º 12198/14.6T8LSB.L1.S1;
- DE 15-11-2018, PROCESSO N.º 296/16.6T8GRD.C1.S2;
- DE 30-05-2019, PROCESSO N.º 22174/15.6T8PRT.P1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I – O incumprimento dos deveres adstritos ao advogado pela celebração do contrato de mandato pode determinar a sua responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante.

II - O dever de defender diligentemente os interesses e objectivos visados pelo mandante não incluiu, porém, a obrigação de obter o ganho da causa, caracterizando-se a sua prestação como obrigação de meios e não de resultado.

III - O ressarcimento por perda de chance, encarado como uma nova e autónoma espécie de dano, não visa indemnizar a perda do resultado querido, antes e apenas a oportunidade perdida enquanto um direito em si mesmo violado com uma conduta ilícita.

IV - A verificação do dano por perda de chance exige a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem (ou de evitar um prejuízo) segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, que terá de ser aferido casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados.

V – Nessa apreciação casuística impõe-se ao tribunal realizar uma apreciação/representação que, em termos de probabilidade, permita perspectivar o que teria sido decidido no processo (critério do julgamento dentro do julgamento).

Decisão Texto Integral:
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório

1. AA propôs contra BB, CC e DD, SA, acção declarativa de condenação sob a forma do processo comum pedindo a condenação dos Réus no pagamento das seguintes quantias: 43.000,00€ a título de danos patrimoniais; 8.000,00€ a título de danos não patrimoniais; custas processuais que despendeu e venha a despender no processo 447/11.7TTVFR, recursos e quaisquer encargos daí decorrentes, bem como na quantia de 8.959,63€.

Fundamentou a acção quanto aos dois primeiros Réus em responsabilidade profissional por violação do dever de diligência no âmbito da acção proposta para pagamento da totalidade dos créditos provenientes da cessação do seu contrato de trabalho, por considerar que um advogado diligente teria peticionado o pagamento das retribuições intercalares a que tinha direito (que ascendiam a 43.000,00€) e teria interposto recurso de decisão desfavorável dentro do prazo legal.

Alega ainda que ao saber que o recurso para o STJ do acórdão que lhe foi desfavorável foi interposto fora de prazo ficou desgostoso e em estado depressivo, sentindo-se defraudado na confiança que depositou nos seus mandatários.

Invocou igualmente que para cobrança dos demais créditos em que a sua empregadora foi condenada intentou execução no âmbito da qual foi cobrada a quantia de 8.959,63€, que lhe era devida, mas que não recebeu.

Fundamentou a acção contra a 3ª Ré no contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados no âmbito do qual está transferida a responsabilidade civil decorrente do exercício da profissão de advogado.

2. Os Réus BB e CC contestaram concluindo pela improcedência da acção por inexistência de violação dos respectivos deveres de diligência no exercício do mandato judicial conferido. Requereram a intervenção acessória da EE SA e da DD, SA.

            A Ré DD, SA contestou defendendo não ser responsável pelo pagamento de qualquer indemnização quer por a situação não se encontrar abrangida pela apólice de seguro, que se iniciou apenas em 2014, quer por não se verificarem os pressupostos de responsabilidade civil do advogado.

3. Foi liminarmente indeferido o pedido de intervenção da DD, SA por ser parte principal na acção e deferida a intervenção, como parte acessória, da EE, SA, que apresentou contestação esclarecendo em que limites responde perante o Réu BB.   

4. Após julgamento foi proferida sentença (em 19-01-2018) que julgou a acção improcedente.

5. Apelou o Autor tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão (de 05-11-2018) que julgou a apelação parcialmente procedente condenando solidariamente os Réus BB e DD, SA a pagar ao Autor a quantia de 43.000,00€, absolvendo-os quanto ao mais pedido.

6. A Ré DD, SA interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões (transcrição)

“1. Por não se conformar com a douta sentença absolutória proferida pelo Tribunal de Primeira Instância a qual, apreciando todas as questões fácticas e jurídicas suscitadas nos presentes autos, julgou improcedente, por não provada, a ação interposta pelo Autor, veio o mesmo interpor recurso da decisão para o Tribunal da Relação do Porto.

2. O Tribunal da Relação do Porto revogou a decisão anteriormente proferida, pronunciando-se no sentido de que a atuação dos RR. têm como preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil previstos, nomeadamente, no artigo 483.º CC e, ainda, que não se poderá aplicara exclusão do pré-conhecimento prevista no artigo 3.º, alínea a) da apólice de seguro celebrada com a ora Recorrente DD S.A.;

3. Ora, como é consabido, a obrigação de indemnizar não nasce apenas pela (alegada) existência de um ato ilícito e culposo, tendo de se encontrar preenchidos todos os restantes requisitos que fundamentem a responsabilidade civil dos RR. o que, no presente caso, não se pode ter como verificada.

4. Ainda que se equacionasse a atuação ilícita por parte do Réu em virtude da omissão do pedido de retribuição intercalares em virtude do despedimento ilícito de que o Autor foi alvo, sempre seria de excluir a obrigação de indemnizar por inexistência de dano.

5. Não é toda a atuação ilícita que acarreta dano e, o presente caso consubstancia essa mesma situação dado que, na sequência do despedimento, o Autor além de pelo menos manterá remuneração que auferia antes do despedimento ilícito, pôde ainda exercer a sua atividade de profissional liberal a tempo inteiro.

6. A circunstância de o Autor, pelo menos, manter a remuneração e passar a poder exercer a sua atividade profissional a tempo inteiro - algo que não seria possível em momento anterior ao despedimento da FF- não é suscetível de constituir um dano.

7. Só é possível colocar o trabalhador na situação em que estava antes de ter sido despedido se se retirarem ou deduzirem todas as quantias que o trabalhador entretanto recebeu e que não teria recebido se tivesse continuado a trabalhar na empresa de onde foi ilicitamente despedido.

8. Direcionando o teor do artigo 390.º do CT ao caso concreto, e atendendo ao Ponto 39) dos Factos julgados provados, depreende-se que o trabalhador {in casu, aqui Autor), ao ser despedido da FF, Lda., passou a exercer a sua função de profissional liberal a tempo inteiro o que, conforme já referido, se afigurava como impossível em momento prévio ao despedimento considerado ilícito visto que não poderia o trabalhador desempenhar duas atividades a tempo inteiro.

9. Além disso, do teor do artigo 390.º do CT resulta que às retribuições intercalares alegadamente devidas, sempre terão de ser deduzidas as quantias que o Autor recebeu em consequência do despedimento e que não as teria recebido se tivesse continuado a manter o seu posto de trabalho.

10. Assim, com o exercício da função de profissional liberal a tempo inteiro, a remuneração que anteriormente auferia com este trabalho - a tempo parcial - sofreu alterações, dado o aumento de horas agora disponíveis da parte do trabalhador.

11. Este entendimento resulta não só do artigo supra mencionado, mas também da própria jurisprudência, sendo essa a única maneira de colocar o trabalhador na situação em que se iria encontrar caso não tivesse sido despedido.

12. Inexistindo dano e, consequentemente, nexo de causalidade entre o alegado facto ilícito e o (inexistente) dano, não poderão dar-se como preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil e, como tal, não haverá lugar a qualquer indemnização.

13. De facto, aos €30.250,00 (valor alegadamente devido), sempre teriam de ser deduzidas as quantias que o Autor recebeu em decorrência do despedimento ilícito, ou seja, as quantias que o Autor não receberia se tivesse continuado a exercer a sua atividade na FF.

14. É neste âmbito que o Tribunal de Primeira Instância considera - e, no nosso ver, com total razão - que, não poderá dar-se como verificada a ocorrência de qualquer dano para o Autor.

15.          Deste modo, inexistindo dano - requisito essencial para a efetivação da responsabilidade civil - não se poderão ter como verificados os pressupostos do artigo 483.º do CC, entendimento com o qual se concorda e se tem como único aplicáveL

16. Acresce que, a impossibilidade de receber as retribuições intercalares sempre se manteria mesmo que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça tivesse sido interposto, em prazo, pela Ré Advogada. Conforme ficou exposto na decisão do Tribunal de Primeira Instância, as deduções das quantias que o Autor auferiu em consequência do despedimento, seriam mais elevadas do que as retribuições intercalares a que este, alegadamente, teria direito.

17. Nos termos dos artigos 562.º, 563.º e 564.º do CC, só se poderá ressarcir a chance perdida quando a existência de chance puder ser provada. Com efeito, se fosse outra a solução, criar-se-ia o caso de todos os alegados danos e chances que se afirmam ter sido perdidas, levarem à sua ressarcibilidade (o que, de todo, não se poderá admitir, sob pena de ser possível a obtenção, por via da responsabilização civil de um advogado, e com base na doutrina da "perda de chance", de um benefício patrimonial superior àquele que se teria obtido por via do "curso normal das coisas" - neste sentido, veja-se "Vaz Serra, Obrigação de Indemnização, BMJ n9 84, ns 5.", acerca da Teoria da causalidade adequada).

18. Assim, não tendo o Autor logrado provar que, através da omissão do pedido de retribuições intercalares imputável ao Réu advogado, perdeu, realmente, a chance de lhe ver serem atribuídas essas retribuições, não se poderá ter como preenchido o conceito de perda de chance e a sua consequente indemnização.

19. Deste modo, mesmo que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça fosse interposto em prazo, o direito às retribuições intercalares continuariam a ser rejeitadas.

20. Por outro lado, e no que respeita à pretensa responsabilidade da ora Recorrente, por via do contrato de seguro n.º ... celebrado com a Ordem dos Advogados, sempre se dirá que, salvo melhor e douta opinião em contrário, atendendo à matéria de facto julgada provada nos autos, nunca poderá a ora Recorrente DD responder pelos (pretensos) danos e/ou prejuízos reclamados nos autos pelo A.;

21. Na verdade, da matéria de facto julgada provada nos autos, resulta evidente que o Réu advogado, à data de início do período seguro da apólice n.º ..., garantida pela ora Recorrente, tinha perfeito e efetivo conhecimento da possibilidade de vir a ser responsabilizado pelo A., em decorrência da atuação profissional posta em crise nos autos;

22. Podendo, assim, o 1.º Réu, razoavelmente prever, em data anterior ao início de vigência dos referidos contratos de seguro, que a sua atuação profissional no âmbito do patrocínio forense assumido perante o A., poderia (ainda que em tese) gerar uma reclamação, passível de acionar as coberturas e garantias na apólice de seguro de responsabilidade civil profissional, não podendo desconhecer e/ou desconsiderar a existência de tal risco;

23. Ora, de facto, e tal como resultou efetivamente demonstrado nos autos, nos termos da alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais da apólice ..., ficam expressamente excluídas da cobertura da apólice as Reclamações "por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à data de início do período seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação".

24. Efetivamente, o que releva para efeitos de aplicação da referida cláusula de delimitação de cobertura, é o facto e/ou circunstância que, sendo razoavelmente conhecido do segurado à data de início do período seguro, possa razoavelmente vir gerar uma reclamação.

25. Assim, prevendo, de facto, a apólice n.9 ... a retroatividade ilimitada quanto à data de ocorrência dos factos, encontra-se, contudo, a abrangência (ou não) de tais factos nas coberturas contratuais, delimitada pela data da tomada de consciência pelo segurado da possibilidade/razoabilidade de tais factos poderem conduzir à sua responsabilização civil.

26. De facto, a referida cláusula contratual, pese embora se encontre inserida num capítulo da Apólice de seguro dedicado às Exclusões, sendo assim impropriamente designada de "exclusão de pré-conhecimento", assume a natureza de disposição delimitadora do objecto da apólice;

27. Nomeadamente por ser clarificadora da disposição de retroatividade temporal, limitando-se o seu âmbito de cobertura aos factos geradores de responsabilidade civil que, tendo sido cometidos em data anterior ao termo do período de vigência da apólice, sejam desconhecidos do Segurado em data anterior ao inicio do período de vigência dessa mesma apólice.

 28. Ora, de facto, das disposições legais constantes dos artigos 100.º e 101.º da LCS (DL 72/2008 de 16 de Abril), resulta limitar-se o seu âmbito de aplicação ao incumprimento da obrigação a cargo do segurado de participação de sinistro na vigência do contrato de seguro;

29. Âmbito esse que, como se têm por manifesto, não engloba a exclusão prevista na alínea a) do artigo 3.º das condições da apólice, a qual regula os "sinistros" conhecidos pelo Segurado em data anterior ao início do período seguro;

30. Não impondo ao segurado (como em face do seu objecto não poderia impor), qualquer ónus de participação do sinistro.

31. Na verdade, a exclusão do sinistro da cobertura da apólice, nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das condições particulares da apólice n.º ..., não resulta de qualquer relação e/ou incumprimento por parte do segurado, de deveres contratualmente estabelecidos.

32. De facto, como se tem por inequívoco, não poderá a exclusão em causa ser reconduzida a um incumprimento de uma obrigação (quer por parte do segurado, quer pelo tomador de seguro), quando o facto consubstanciador da exclusão é prévio à própria fonte das obrigações assumidas pelas partes, in casu, à própria celebração do contrato de seguro.

33. Assim, e como se tem por manifesto, o conhecimento por parte da Seguradora de qualquer acto ou omissão do segurado, que este, em data anterior ao início de vigência do contrato, saiba ser potencialmente gerador de danos, não poderá deixar de ser determinante para a aferição do âmbito de cobertura da apólice.

34. Sendo, por razões evidentes, expressamente excluídos aqueles actos ou omissões já conhecidos pelos segurados, à data de início do período seguro;

35. O que, aliás, tem pleno respaldo no regime jurídico do contrato de seguro, nomeadamente no artigo 24.e, n.e 1 do DL 72/2008 de 16 de Abril;

36. De modo que, não sendo aplicável à "exclusão" prevista na alínea a) do artigo 3.2 das condições particulares da apólice, o previsto no n.s 4 do artigo 101.B do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como a inoponibilidade do incumprimento das obrigações assumidas pelas partes ao terceiro é, novamente com o devido respeito, irrelevante para a sua aplicação a pretensa natureza obrigatória do contrato de seguro, sendo, consequentemente, despiciendas as considerações vertidas na douta sentença recorrida sobre esta matéria.

37. Nessa medida, e por tudo quanto se encontra exposto, sendo inequívoco que o Réu advogado, em data anterior a 01.01.2014, tem conhecimento dos factos e circunstâncias passíveis, ainda que em tese, de gerar a sua responsabilização civil perante o A. (ou, no limite, uma reclamação, nos termos previstos na apólice de seguro garantida pela Ordem dos Advogados), sempre será de concluir (salvo o devido respeito por melhor e douta opinião em contrário) pela impossibilidade de responsabilização da Seguradora, ora Recorrente pelos danos presumivelmente decorrentes da atuação profissional do Réu advogado no âmbito do patrocínio assumido perante o A., nomeadamente por aplicação da cláusula contratual prevista no artigo 3.º, alínea a) das condições especiais da apólice, e bem assim do n.º 2 do artigo 44.º da Lei do Contrato de Seguro (D.L 72/2008 de 16 de Abril).

38. Não obstante, e acautelando-se, apenas por mera hipótese de raciocínio, o entendimento de V. Exas. em contrário, ainda que a Recorrente DD viesse a ser responsabilizada perante o A., por via do contrato de seguro em apreço nos autos (o que, de todo não se admite, atendendo a tudo quanto resultou exposto), sempre deverá a responsabilidade da ora Recorrente ser apreciada e decidida tendo por base as cláusulas ºcontratuais previstas na apólice n.2 ..., nomeadamente no que respeita à coexistência de seguros;

39. De facto, e conforme resultou provado nos autos (cfr. ponto 21 dos factos provados), para além da Apólice da DD, encontrava-se em vigor entre 26 de Setembro de 2010 e 26 de Setembro de 2014 a Apólice de seguro contratada com a congénere EE, a qual tem como capital seguro o montante de €500.000,00.

40. Existindo duas (ou mais) apólices a proteger o segurado, será considerado um caso de concorrência de seguros, a qual, nos termos do artigo 8.º/11 das Condições Particulares da Apólice da DD, fará com que esta última apenas responda em excesso das garantias providenciadas pela Apólice da EE, considerando-se a Apólice da EE como celebrada anteriormente.

41. Na verdade, ainda que a Apólice da EE disponha de artigo semelhante ao artigo 8.º/11 da Apólice da DD, a DD responderá proporcionalmente aos limites garantidos (conforme artigo 8.º/12 das Condições Particulares da Apólice da DD).

42. Independentemente do artigo a ser aplicado ao presente caso (artigo 8.º/11 ou artigo 8.º/12), o resultado sempre será a impossibilidade de a Seguradora DD ser a única a responder pelo sinistro em causa.

43. Deste modo, a responsabilidade terá de ser considerada nos termos do artigo 8.º/11 ou artigo 8.º/12, isto é, a DD apenas responderá em excesso das garantias providenciadas pela Apólice da EE ou as seguradoras responderão proporcionalmente aos limites garantidos, os quais, nos termos de ambas as apólices se fixam em €150.000,00 quanto à DD e €500.000,00 quanto à EE.

44. Deste modo, inexistindo lugar ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil previstos nos artigos 483.º,562.º,563.º e 564.º do CC, e consequente indemnização por ausência de dano, e bem assim do artigo 390. , n.º s 1 e 2, alínea a) do CT, sendo ainda aplicável ao presente caso a exclusão de pré-conhecimento prevista no artigo 3.º alínea a) da apólice e, ainda, à existência de um caso de concorrência de seguros, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão proferido, o que desde já se alega e requer para todos os efeitos legais, só assim se fazendo

VERDADEIRA JUSTIÇA!”.

7. Em contra alegações a EE, SA defende a improcedência do recurso invocando ainda que na qualidade de parte acessória não pode ser condenada no âmbito da presente acção.    

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC) mostram-se submetidas à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
Ø Existência de dano causado ao Autor resultante da actuação profissional do Réu no exerício do mandato judicial conferido
Ø Aplicabilidade ao caso da cláusula de exclusão/delimitação prevista no artigo 3.º, alínea a) das condições particulares do contrato de seguro [1]

1. Os factos

1.1 provados

1 - No dia 16 de Junho de 2011, o A. outorgou procuração forense a favor do Ex. Sr. Dr. BB, conferindo-lhe os poderes gerais de direito, incluindo os de substabelecer.

2 - Com a outorga da procuração forense, o Ex.mo Sr. Dr. BB, mandatado pelo A., intentou acção declarativa emergente de contrato de trabalho individual em processo comum contra FF, Lda., no Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira que correu termo sob o número 447/11.7TTVFR, tendo o R. apresentado a petição que consta de fls. 16 a 20, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzida e em que, optando pela indemnização em substituição da reintegração, pede: “(…) – vencimento do mês de Janeiro de 2011 - € 1.100,00; - subsídio de alimentação relativo ao mês de Janeiro de 2011 (22 x € 2,30) - € 50,60; - vencimento correspondente a 15 dias de Fevereiro de 2011 - € 762,00; - subsídio de alimentação correspondente a 15 dias de Fevereiro de 2011 - € 34,50; - três meses de indemnização em substituição da reintegração (art. 391.º, n.º 3, do Código de Trabalho) - € 3.300,00; - férias vencidas em 1 de Janeiro de 2011 - € 1.100,00; - subsídio de férias relativo às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2011 - € 1.100,00; - proporcionais das férias de 2011 - € 137,51; - proporcionais de subsídio de natal de 2011 - € 137,51; Tudo perfazendo € 7.859,63 (…)”.

3 – Foi ainda pedida a quantia de 5.000,00 euros a título de danos não patrimoniais.

4 – Nessa acção não foram peticionadas as retribuições intercalares que se vencessem na pendência da acção, caso a acção de ilicitude de despedimento fosse julgado procedente.

5 - Em primeira instância, foi proferida sentença em 24 de Junho de 2013, que aqui se considera reproduzida para todos os efeitos legais, e que declarou a ilicitude do despedimento, dando como provado que o A. recebia à data do despedimento a quantia de 1.100,00 euros.

6 - Como consequência do despedimento ilícito, em 1ª Instância, o Tribunal condenou a FF, Lda., a título de compensação, no pagamento das retribuições vencidas desde 8 de Junho de 2011 até à data da prolação de sentença, no montante total de 30.250,00 euros, acrescida daquela que se vencesse até ao trânsito em julgado da sentença, deduzida do montante do subsídio de desemprego que o A. eventualmente tenha auferido e de todas as quantias que tivesse auferido e que não receberia se não fosse o seu despedimento, acrescidas de juros de mora desde as datas dos respectivos vencimentos até integral pagamento

7 - No que concerne à indemnização pela antiguidade, foi a R. condenada a pagar a quantia de 4.400,00 euros, referente aos 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade, num total de 4 anos.

8 - Quanto aos créditos laborais, foi a FF Lda. Condenada a pagar a quantia de € 4.559,63, referente a: € 1.100,00 a título de remuneração de Janeiro de 2011; € 50,60 a título de subsídio de alimentação devido em Janeiro de 2011; € 762,00 a título de remuneração de 15 dias de Fevereiro de 2011; € 34,50 a título de subsídio de alimentação devido em Fevereiro de 2011; € 1.100,00 referente às férias vencidas em Janeiro de 2011; € 1.100,00 refente ao subsídio de férias vencido em 1 de Janeiro de 2011; € 137,51 referente aos proporcionais das férias do ano da cessação do contrato; € 137,51 referente aos proporcionais do subsídio de férias do ano da cessação do contrato e € 137,51 referente aos proporcionais do subsídio de Natal do ano da cessação do contrato.

9 - No que concerne aos danos não patrimoniais, o pedido foi considerado improcedente.

10 - Inconformada, a FF, Lda. interpôs recurso para o Tribunal da Relação.

11 - A FF, Lda. alegou (entre outras alegações) que o Tribunal de 1ª Instância condenou ultra petita partium, sem que se mostrassem preenchidos os requisitos que o permitissem.

12 - A resposta às alegações de recurso foi redigida pela Ex.ma Sra. Dra. CC.

13 - No que concerne à alegada condenação ultra petita partium, na resposta às alegações é referido que o juiz deve condenar em quantidade superior quando estejam em causa preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

14 - No dia 1 de Dezembro de 2014, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que considerou que o direito à compensação resultante de um despedimento ilícito era renunciável e disponível, revogando a sentença na parte em que “(…) condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 30.250, a título de compensação, acrescida daquela que se vencer até ao trânsito em julgado da sentença (…)”.

15 - No dia 19 de Janeiro de 2015 foi remetido ao Tribunal o requerimento de interposição de recurso.

16 - Em 2 de Março de 2015, a Ex.ma Juíza Desembargadora Relatora profere o seguinte despacho: “(…) O A. recorrente foi notificado do acórdão proferido por este Tribunal em 03/12/2014, por carta, considerando-se, assim, notificado no dia 09/12/2014. Por outro lado, o prazo de interposição do recurso de revista é de 20 dias (art. 80º, n.º 1, do C.P.T.).

Ora, assim sendo, o prazo para o A. interpor o presente recurso terminou no dia 12/01/2015. Compulsados os autos constato que o recurso em apreciação deu entrada neste Tribunal no dia 19/01/2015 e, assim, fora do prazo legal. Pelo exposto, por ser extemporâneo, não admito o recurso interposto pelo A.”. 

17 - Por carta registada (RJ...PT), recebida no dia 4 de Março de 2015, o Ex.mo Sr. Sr. BB, foi notificado do despacho de indeferimento supra referido.

18 - Por apenso ao processo supra referido, atenta a falta de pagamento do que havia a FF, Lda. sido condenada, correu termos execução (processo n.º447/11.7TTVFR.1).

20 – A Ordem dos Advogados celebrou com a R. DD contrato de seguro de responsabilidade civil pelo exercício da actividade de advogado, nos termos da apólice que consta dos autos a fls. 172 e cujo teor aqui se considera reproduzido.

21 – O R. GG celebrou com a Companhia de EE contrato de seguro de responsabilidade civil pelo exercício da sua actividade de advogado, nos termos da apólice que consta dos autos a fls. 214 e cujo teor aqui se considera reproduzido.

22 – O A. outorgou procuração ao advogado aqui R. BB para que peticionasse em Tribunal os créditos que resultavam da cessação ilícita do seu contrato de trabalho com a sociedade FF.

23 – Em caso de cessação ilícita do contrato de trabalho por parte do empregador, são devidas ao trabalhador pela empregadora as retribuições intercalares que se vencem desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão que declare aquela cessação ilícita, deduzido o montante do subsídio de desemprego que o trabalhador tenha auferido e de todas as quantias que não receberia se não fosse o despedimento.

24 – A R. CC interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

25 – O A. procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela interposição deste recurso.

26 – Não era provável que a sentença de primeira instância tivesse sido mantida, quanto a retribuições intercalares, se o recurso apresentado pela R. CC, dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, tivesse sido admitido.

27 – No âmbito da execução intentada contra a empregadora do A., foi penhorado um depósito bancário, tendo sido coercivamente cobrada a quantia de 8.959,63 euros.

28 – Esta quantia não foi entregue ao A., tendo sido transferida para conta bancária titulada pelo R. BB, que posteriormente a transferiu para a HH.

29 – O R. BB mantém uma avença com a HH há longos anos.

30 – No âmbito de uma disputa pelo exercício da gerência na sociedade FF, foi solicitado ao A. por II que procedesse à análise da contabilidade desta empresa.

31 – A gerência da referida sociedade foi suspensa no âmbito de uma providência cautelar intentada por iniciativa do referido II, que não era requerente da mesma.

32 – O A. foi contratado para exercer as funções de contabilista da FF, como trabalhador dependente, pela nova gerência desta sociedade, II e JJ.

33 - A HH tinha interesse que os novos gerentes se mantivessem no exercício de funções na FF.

34 - A decisão proferida no âmbito da providência cautelar foi revogada, voltando a exercer funções na FF a gerência suspensa.

35 - Quando em Dezembro de 2010 estes gerentes regressaram à administração da FF não pretendiam que o A. se mantivesse funções como contabilista.

36 - Por carta de 17/05/2011, a FF comunicou ao A. a cessação do seu contrato de trabalho em virtude de abandono de trabalho, tendo o despedimento do A. sido considerado ilícito.

37 - A pedido dos legais representantes da HH, o 1º R. aceitou propor a acção laboral contra a empregadora do A., sendo as custas do processo e os honorários do 1º R. suportados pela HH

38 - O A. exercia a actividade profissional de Técnico Oficial de Contas, como profissional liberal.

39 - Manteve-se a exercer estas funções quanto foi trabalhador da FF, fora do seu horário normal de trabalho para esta empresa, regressando a tempo inteiro a essa actividade depois da cessação do seu contrato de trabalho e declarando rendimentos anuais sempre superiores a 13.200,00 euros.

40 – Na sequência do seu despedimento, o A. não apresentou pedido de atribuição de subsídio de desemprego.

41 – O R. BB foi o único advogado do A. até à data audiência de discussão e julgamento, tendo nesse momento apresentado substabelecimento com reserva a favor da R. CC, datado de 12/11/2012, que interveio em todos os actos posteriores do processo declarativo, recurso e execução.

42 - A HH entregou ao A. a quantia de 10.890,00 euros por conta da quantia que seria devida ao A. em caso de procedência da acção laboral que este intentou e que este se obrigara a restituir à referida HH, quando fosse paga pela empregadora FF.
43 – O 1º R. soube que não havia peticionado retribuições intercalares quando elaborou a petição inicial e a 2ª R. desde a data em que teve intervenção nos autos, tendo ambos sabido com a apresentação das alegações de recurso da empregadora, notificadas em 07/11/2013 que se entendia que tais retribuições não eram devidas porque não haviam sido peticionadas.

1.2 não provados:
1 – Os RR. tivessem omitido a comunicação ao A. do resultado da interposição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça;
2 - Os outros danos sofridos pelo A. com a actuação dos RR.;
3 – O A. tivesse suportado quaisquer outras despesas ou custas no âmbito da acção laboral.
4 – Fosse vontade do A. prescindir dos créditos relativos a retribuições intercalares.
5 – A apresentação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visasse apenas prolongar a privação da entidade patronal da quantia de 50.000,00 euros, já penhorada no âmbito da execução, tendo existido negociações entre os mandatários da empregadora e do A..
6 – O A. tivesse conhecimento do insucesso do recurso a interpor para o Supremo Tribunal de Justiça.

2. O direito

2.1 Da existência de dano causado ao Autor resultante da actuação profissional (negligente) do Réu no exerício do mandato judicial conferido

Intentou o Autor a presente acção visando o ressarcimento de prejuízos sofridos por violação dos deveres de diligência no exercício do mandato forense que conferiu ao Réu BB[2] para propositura de acção do foro laboral[3] contra a sua entidade empregadora com fundamento na cessação ilícita do respectivo contrato de trabalho.

Na acção o Autor responsabiliza os Réus pelos prejuízos causados decorrentes dos seguintes comportamentos:

- não terem sido peticionadas as retribuições intercalares a que teria direito pela cessação ilícita do contrato trabalho (conduta imputável apenas ao Réu BB atenta a factualidade provada);

- interposição extemporânea (determinante da respectiva rejeição) do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido no processo laboral que lhe foi desfavorável (comportamento apenas atribuível à Ré CC tendo em conta os factos apurados).

No âmbito do presente recurso está em causa apenas a actuação profissional do Réu por não inclusão das retribuições intercalares no pedido formulado na acção laboral[4].

A sentença, não obstante ter considerado a actuação do Réu ilícita e culposa[5], afastou a obrigação de indemnizar por falta de um pressuposto da responsabilidade: o dano.

Considerou o tribunal de 1ª instância que tendo resultado provado que o Autor, após o despedimento, regressou a tempo inteiro à actividade de contabilista auferindo remunerações (declarando rendimentos anuais sempre superiores a € 13.200,00 – n.ºs 38 e 39 dos factos provados) estas teriam de ser objecto de dedução; nessa medida, tendo por base a retribuição anual que o Autor auferia ao serviço da entidade empregadora (1.100,00 euros x 12 meses) e dado ter ficado provado o montante dos rendimentos anuais declarados pelo Autor após o despedimento (superiores a 13.200,00 euros – n.º 39 dos factos provados) concluiu que “(…) tivesse ou não o R BB reclamado a condenação da empregadora no pagamento das retribuições intercalares, a situação do A. seria exactamente a mesma, pois que, efectuadas as deduções devidas, não estaria em causa qualquer quantia.”

O acórdão recorrido, em dissonância da sentença, considerou verificado o dano por as quantias auferidas pelo Autor enquanto TOC não entrarem na categoria dos montantes deduzíveis uma vez que o mesmo sempre manteve actividade de contabilista por conta própria.

Entendeu pois a decisão a quo que tais proventos (que inferiu sempre terem sido recebidos pelo Autor) não integravam as quantias que não receberia se não fosse o despedimento.

Insurge-se a Ré Seguradora pugnando pela improcedência da acção defendendo não se encontrar preenchido o conceito de perda de chance por o Autor não ter demonstrado a verificação do dano.

Segundo a Recorrente, ainda que o Réu BB tivesse peticionado na acção laboral as retribuições intercalares estas, necessariamente, seriam objecto de dedução relativamente às remunerações que o Autor auferiu em actividade como TOC, que passou a exercer a tempo inteiro após o despedimento. 

Na sequência do já realçado pelas instâncias, a situação sob apreciação mostra-se configurada no âmbito de um contrato de mandato, formalizado através de uma procuração, celebrado entre o Autor e o Réu BB.

Não oferece qualquer dúvida de que o referido contrato forense, definido nos artigos 62.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) então vigente[6] (Lei n.º 15/2005, de 26-01, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12/2010, de 25.06) e 1157.º do Código Civil (CC), tendo por objecto a prática de actos jurídicos por parte do mandatário, encontrava-se submetido ao regime especial do referido Estatuto e ao regime geral constante dos artigos 1157º a 1184º, do CC.

Nos termos do EOA aplicável, no cumprimento do mandato forense e para além de outras obrigações, o advogado encontra-se adstrito aos deveres prescritos nos artigos 92.º, 93.º, 95.º e 103.º, impondo-se-lhe, para além do mais, o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (…) estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade (…) actuar com diligência e lealdade na condução do processo».

O dever de defender diligentemente os interesses e objectivos visados pelo mandante não incluiu, porém, a obrigação de obter o ganho da causa, caracterizando-se a sua prestação como obrigação de meios e não de resultado.

O incumprimento dos deveres adstritos ao advogado pela celebração do contrato de mandato pode determinar a sua responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante.

Como sucede na responsabilidade aquiliana o dever de reparação no âmbito da responsabilidade contratual depende da verificação dos pressupostos: ocorrência de um facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Conforme já realçado, a presente acção mostra-se sustentada quanto ao Réu BB na violação dos seus deveres enquanto advogado, designadamente pela ocorrência de um erro técnico no exercício do mandato forense conferido pelo Autor consubstanciado na ausência de pedido quanto às retribuições intercalares que se vencessem na pendência da acção proposta no tribunal de trabalho fundamentada na ilicitude do despedimento do Autor.

Atento o disposto no artigo 390.º, n.º1, do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro), constitui direito que a lei laboral reconhece ao trabalhador ilicitamente despedido por iniciativa da entidade empregadora o recebimento das retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento[7].

O Réu BB ao não peticionar as retribuições intercalares cometeu pois um erro técnico porquanto descurou (culposamente[8]) um dever de patrocínio não zelando pela melhor defesa dos interesses do seu cliente[9] já que tal omissão seria processualmente[10] comprometedora do recebimento pelo Autor de um crédito a que tinha direito nos termos do citado artigo 390.º, n.º1, do Código de Trabalho.

Como concluído pelas instâncias estamos, sem dúvida, perante um facto ilícito e culposo passível de produzir dano ao Autor pelo não recebimento da referida quantia.

Todavia, a questão que dividiu o sentido das decisões proferidas pelas instâncias reporta-se à verificação do dano.

O Autor configurou a acção relativamente à conduta do Réu BB na problemática da perda de chance no âmbito da responsabilidade contratual do mandatário por cumprimento defeituoso da sua prestação, tendo para o efeito considerado que a perda de chance resultou num dano patrimonial objectivo e concreto que identificou com o dano final consubstanciado na perda do direito às retribuições intercalares.

As instâncias, embora aludindo à figura da perda de chance, acabaram por delinear a situação incidindo na verificação desse pressuposto da responsabilidade contratual enquanto dano real e não meramente projectável.

Cremos que a análise da questão sob apreciação no recurso impõe uma prévia e breve clarificação do posicionamento a assumir perante a ainda controversa figura da perda de chance que tem vindo a ser utilizada pela doutrina e jurisprudência com um sentido não unívoco.

De modo genérico a perda de chance pode encontrar definição enquanto perda da possibilidade de obter um resultado favorável ou de evitar um resultado desfavorável e tem sido acolhida e desenvolvida pela jurisprudência e doutrina como instrumento jurídico de ampliação do dano ressarcível no domínio da responsabilidade civil (contratual e extracontratual).

A sua génese casuística tem dificultado a construção da autonomia da figura com um conteúdo dogmático preciso[11]. Com efeito, a diversidade de acepções em que tem vindo a ser encarada e a variedade dos contextos em que vai sendo aplicada torna complexo o seu enquadramento dogmático no âmbito do instituto da responsabilidade civil nomeadamente quanto à sua inserção no plano do dano ou em sede do nexo de causalidade.

Com suporte doutrinário e jurisprudencial nomeadamente na actual jurisprudência deste Supremo Tribunal[12], consideramos, agora, como posicionamento melhor adequado o que situa a teoria da perda de chance no plano do dano encarado como uma nova e autónoma espécie (dano autónomo) consubstanciado numa frustração irremediável, por acto ou omissão de terceiro, de verificação de obtenção de uma vantagem que probabilisticamente era altamente razoável supor que fosse atingida ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer não fosse essa omissão.[13]

A verificação do dano por perda de chance pressupõe pois a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem (ou de evitar um prejuízo) segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, que terá de ser aferido casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados[14].

Importa sublinhar que o ressarcimento do dano por perda de chance não visa indemnizar a perda do resultado querido, antes e apenas a oportunidade perdida enquanto um direito em si mesmo violado com uma conduta ilícita.

Na determinação e quantificação do dano nas situações de perda de chance processual, como se mostra referido no supra citado Acórdão do STJ de 15-11-2018, impõe-se, num primeiro momento, averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.

E, num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada, proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.

Tendo presente a noção de seriedade/suficiência de probabilidade de ganho ou sucesso da pretensão (elevado índice) e os critérios a utilizar para a apurar, apreciemos a situação dos autos.

Mostra-se pacífico no processo que a não formulação do pedido de retribuições intercalares por parte do Réu BB na acção intentada com fundamento em despedimento ilícito constituiu incumprimento culposo dos deveres adstritos ao mandatário judicial no exercício do mandato, porquanto revelou falta de zelo pela melhor defesa dos interesses do Autor seu cliente, pois que essa omissão era processualmente comprometedora do recebimento de um crédito a que o Autor tinha direito nos termos do citado artigo 390.º, n.º1, do Código de Trabalho[15].

Não há dúvida de que se encontra delineada uma situação em que o comportamento omissivo do advogado fez desaparecer uma vantagem preexistente real e efectiva (e não meramente hipotética): a condenação da entidade empregadora no pagamento das retribuições intercalares; assim, tal omissão processual é passível de implicar a produção de um dano concreto.

Porém, para que se verifique a existência do dano por perda de chance por forma a responsabilizar contratualmente o Réu importa determinar se a não formulação do referido pedido contendeu com uma real e muito provável condenação da Ré nas retribuições intercalares que não foram formuladas, sendo que essa avaliação, atenta as particularidades do caso concreto (no direito às retribuições intercalares são deduzidos os montantes aludidos no artigo 390.º, n.º2, alínea a), do Código de Trabalho), não pode ser equacionada apenas em função da condenação da entidade empregadora nas retribuições intercalares, mas centralizada na probabilidade de obtenção da efectiva vantagem patrimonial (para o Autor) decorrente dessa condenação.

Essa apreciação passa pois pela demonstração nos autos, ainda que de modo indiciário, da seriedade, consistência e plausibilidade da obtenção do benefício patrimonial almejado pelo Autor – montante efectivo das retribuições intercalares – pois que só assim é possível concluir que a perda do direito às retribuições intercalares constituiu um dano (por perda de chance) a ressarcir pelo Réu pelo incumprimento culposo da obrigação a que se encontrava adstrito.

Nesta perspectiva, conforme passaremos a justificar, de acordo com a factualidade apurada, há que concluir que não se encontra demonstrada a solidez da pretensão do Autor quanto à vantagem patrimonial pretendida por forma a demonstrar a existência de dano indemnizável.

Na sequência do que vem sendo referido quanto à caracterização do dano por perda de chance, o mesmo não se basta no critério de sucesso processual abstracto, impondo-se proceder a um juízo de probabilidade séria e consistente de que o direito frustrado (no caso, montante das retribuições intercalares) tivesse obtido acolhimento no processo.

Cabe por isso a este tribunal realizar uma apreciação/representação que, em termos de probabilidade, permita perspectivar o que teria sido decidido no processo (determinar qual teria sido a respectiva decisão) - critério do julgamento dentro do julgamento nos termos já referenciados.

A problemática reconduz-se em saber se as remunerações auferidas pelo Autor na actividade de TOC após o despedimento são ou não dedutíveis nas retribuições intercalares (artigo 390.º, n.º2, alínea a), do Código do Trabalho) já que sendo-o, atenta a factualidade provada, o montante auferido (rendimentos anuais declarados superiores a 13.200,00€ - n.º 39 dos factos provados) anularia a quantia que seria recebida pelo Autor a título de remunerações intercalares (o salário mensal à data do despedimento foi considerado em 1.100,00€).   

Contrariamente à sentença, a decisão recorrida concluiu que aquelas quantias (auferidas pelo Autor enquanto TOC) não podiam entrar na categoria dos montantes dedutíveis uma vez que o Autor sempre manteve actividade de contabilista por conta própria e, por isso, sempre recebeu tais proventos.

Tal raciocínio, porém, padece de dois equívocos, um jurídico, outro fáctico.
Juridicamente importa ter presente que o regime previsto no artigo 390.º, n.º2, alínea a), do Código do Trabalho, tem por finalidade evitar a duplicação de rendimentos no trabalhador.
Com efeito, impendendo sobre o empregador que ilicitamente despediu o trabalhador o dever de indemnizar este por todos os prejuízos causados, realizando ainda a sua prestação como se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido, tal reparação não pode colocar o trabalhador numa situação mais vantajosa do que aquela em que estaria caso o contrato de trabalho se tivesse mantido incólume.
Por conseguinte, apenas se terão de excluir das deduções as verbas auferidas pelo trabalhador que se não relacionem directamente com a exoneração da prestação laboral que competia ao mesmo.
Note-se que não está em causa remuneração relacionada com actividade iniciada antes ou depois do despedimento[16], pois a ratio do preceito está em deduzir os rendimentos recebidos pelo trabalhador no exercício de uma actividade que não fosse compatível com o normal desenvolvimento da primitiva relação laboral (relação causal entre o recebimento de certas quantias pelo trabalhador e a cessação do vínculo laboral).
Mostra-se por isso evidente que a remuneração anual apurada nos autos (declarada pelo Autor decorrente do exercício da actividade de TOC exercida a tempo inteiro após o despedimento – n.º 39 dos factos provados) não pode ser considerada como compatível com o cumprimento da relação laboral por parte daquele pois se tivesse continuado a cumprir o contrato de trabalho não poderia desempenhar a actividade de TOC a tempo inteiro. Descurou, assim, o tribunal a quo tal realidade fáctica.
Por conseguinte, verificando-se que o montante que o Autor passou a auferir após o despedimento pelo exercício de actividade, a tempo inteiro, como TOC teria de entrar na categoria das remunerações a deduzir ao montante das retribuições intercalares a que tinha direito, impõe-se concluir que a perda do direito às retribuições intercalares não constituiu um dano (por perda de chance) a ressarcir pelo Réu pelo incumprimento culposo da obrigação a que se encontrava adstrito.
Consequentemente, perante a não demonstração da probabilidade consistente de obtenção do benefício patrimonial aludido, tal como concluiu a sentença e ainda que através de fundamento não de todo coincidente, não pode o Réu BB ser responsabilizado nos termos peticionados, improcedendo, por isso, a acção.
A não responsabilização do Réu implica, necessariamente, a inexistência de fundamento para a responsabilização da Ré seguradora aqui Recorrente, mostrando-se pois prejudicado o conhecimento da questão que a mesma também colocou no recurso - Aplicabilidade ao caso da cláusula de exclusão/delimitação prevista no artigo 3.º, alínea a) das condições particulares do contrato de seguro.

Procedem, assim, as conclusões das alegações.

IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista procedente e, revogando o acórdão recorrido, absolve-se quer o Réu BB quer a Ré DD – …, SA do pedido.
Custas (do recurso e da acção) pelo Autor.



Lisboa, 10 de Setembro de 2019

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

________________________
[1] A conhecer caso não se mostre prejudicada pela decisão a proferir quanto à responsabilização contratual do Réu.
[2] A intervenção da Ré CC no processo laboral (após a fase dos articulados – cfr. n.º 41 dos factos provados) ocorreu por substabelecimento com reserva efectuado pelo Réu Vicente.
[3] Acção que veio a ser julgada procedente tendo o tribunal declarado ilícito o despedimento do Autor (cfr. n.ºs 1 a 9 e 22 dos factos provados).
[4] O Autor conformou-se com a sentença absolutória da Ré CC tendo delimitado a apelação que interpôs à actuação do Réu BB pela omissão das referidas remunerações no pedido.
[5] Tendo ainda feito referência à inexistência de nexo causal entre a conduta ilícita/culposa e o dano que qualificou na problemática da perda de chance (se as retribuições intercalares tivessem sido pedidas o Autor nada teria recebido a esse título em função das deduções que se impunham).
[6] À data da sua celebração.
[7] Nos termos do n.º2 do mesmo preceito, a essas retribuições deduzem-se as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento (alínea a)), bem como a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento (alínea b)) e o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1 (alínea c)).
[8] Ainda que a título de culpa presumida.
[9] Violação do dever ínsito no artigo 95.º, n.º1, alínea b), do EOA.
[10] Princípio do pedido.
[11] Conforme salienta Júlio Vieira Gomes, a doutrina da perda de chance, marcada por imprecisão, é utilizada para fazer face a problemas que se situa em planos distintos, mormente nos planos do dano e da causalidade – “SOBRE O DANO DA PERDA DE CHANCE, Direito e Justiça. volume XIV, tomo II, 205, p. 43.
[12] Não obstante as divergências quanto à caracterização ou não da perda de chance como dano autónomo, não vemos que exista obstáculo a que essa perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados – Acórdão do STJ de 30-05-2019, Processo n.º 22174/15.6T8PRT.P1.S1. No mesmo sentido Acórdãos de 09-07-2015, Processo n.º 5105/12.2TBSXL.L1.S1 e de 30.11.2017, Processo nº 12198/14.6T8LSB.L1.S1, acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.
[13] Acórdão do STJ de 30/9/2014, processo n.º 739/09.5TVLSB.L1-A.DS1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ.
[14] Cfr. Acórdão do STJ de 15-11-2018, Processo n.º 296/16.6T8GRD.C1.S2, acessível através das Bases Documentais do IGFEJ.
[15] Funcionando quanto a este aspecto o princípio do pedido pois que o direito a tais retribuições sendo um direito disponível não assumia aplicação o artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho (epigrafado de Condenação extra vel ultra petitum) que impõe ao julgador o dever de condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho
[16] Como acontecia no âmbito do DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro fixado no critério das actividades iniciadas após o despedimento – cfr. artigo 13.º, n.º2 (Montante das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.) sublinhado nosso.