Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
088081
Nº Convencional: JSTJ00029406
Relator: MARTINS DA COSTA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
ABUSO DE DIREITO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
Nº do Documento: SJ199603120880811
Data do Acordão: 03/12/1996
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N455 ANO1996 PAG441
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 652/94
Data: 05/22/1995
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: V SERRA RLJ ANO112 PAG290. A COSTA DIR OBG 6ED PAG992.
A REIS COM VOLI PAG328 VOLII PAG589.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CCIV867 ARTIGO 522 N3.
CCIV66 ARTIGO 304 ARTIGO 306 N1 ARTIGO 323 N1 N4 ARTIGO 327 N2 N3 ARTIGO 334 ARTIGO 342 ARTIGO 343 N2 ARTIGO 498 N1.
CPC61 ARTIGO 446.
CPC67 ARTIGO 228 ARTIGO 497 ARTIGO 515.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1992/04/09 IN BMJ N416 PAG558.
ACÓRDÃO STJ DE 1973/11/27 IN BMJ N231 PAG162.
Sumário : I - A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito, não é meio próprio para interromper o prazo da prescrição desse direito, previsto nos ns. 1 e 4 do artigo 323 do C.CIV.
II - Os efeitos da interrupção da prescrição, por acto judicial, limitam-se, em princípio, ao direito que se pretende fazer valer e às pessoas intervenientes nesse acto.
III - A invocação da prescrição não pode integrar, só por si, abuso de direito.
IV - O prazo de prescrição do direito a indemnização por responsabilidade civil extracontratual, conta-se a partir do conhecimento, pelo lesado, da verificação dos pressupostos dessa responsabilidade.
Decisão Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
I- "Legal And General Assurance Society" e A, intentaram a presente acção de processo comum, na forma sumária, contra "Fidelidade,
Grupo Segurador", para efectivação de responsabilidade civil por acidente de viação.
Em contestação, a ré invocou, além do mais, a excepção peremptória de prescrição do direito de indemnização.
Em resposta, os autores alegaram a interrupção da prescrição por motivo de notificação judicial avulsa da ré e de requerimento para intervenção principal desta em outra acção.
No despacho saneador, de fls. 105, julgou-se procedente essa excepção quanto ao autor A (por irrelevância da notificação judicial avulsa) e improcedente quanto à autora "Legal..." (por virtude daquela intervenção).
Em recursos de apelação interpostos pelo autor Adão e pela ré, o acórdão da Relação, de fls. 142 e seguintes, julgou procedente o primeiro e improcedente o segundo, excluindo pois a prescrição também quanto a esse autor.
Neste recurso de revista, a ré pretende a revogação daquele acórdão, com base nas seguintes conclusões:
- a notificação judicial avulsa não é meio idóneo para interromper a prescrição do direito de indemnização emergente de acidente de viação;
- também não teve a virtualidade dessa interrupção o facto de a "Legal...", em outra acção em que era ré e o
Adão autor, haver requerido a intervenção principal passiva da recorrente, que foi absolvida desse incidente;
- estão prescritos os direitos em causa;
- foi violado o disposto nos artigos 323 e 327 do Código Civil.
Os recorridos, por sua vez, sustentam dever negar-se provimento ao recurso.
II- Factos dados como provados:
Em 19/04/90, no processo n. 7679 do 4. Juízo Cível do Porto, intentado pelo Adão contra a "Legal..." para obter a condenação desta no pagamento da indemnização pelos danos por ele sofridos no acidente em causa, a "Legal..." requereu a intervenção principal da "Fidelidade", com o fundamento de o acidente ser imputável a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na chamada e de esta ter de "responder por todos os danos ocorridos... onde se incluem os peticionados pelo A." (documento de fls. 75).
Essa acção foi julgada improcedente, por se haver atribuído a culpa àquele condutor, por sentença de 25/11/92, notificada ao A em 10/12/92.
Em 06/11/92, o A requereu a notificação judicial avulsa da Fidelidade, exprimindo a intenção de exercer os seus direitos.
A presente acção foi intentada em 13/09/93.
Deve ter-se ainda como assente, em complemento da matéria de facto, que:
Na referida acção n. 7679, a Fidelidade foi citada e contestou, vindo a ser absolvida da instância, por não ter sido deduzido qualquer pedido contra ela nem ser caso de coligação ou associação com a ré (documento de fls. 101).
Naquela notificação judicial avulsa, o requerente atribuiu o acidente a culpa do condutor do veículo segurado na requerida e solicitou a sua notificação
"para no prazo de 5 dias... pagar... a quantia de..., sob pena de, não o fazendo, intentar acção judicial com vista a ser indemnizado deste prejuízo", tendo-se efectuado a notificação em 11/11/92 (fls. 39 a 41).
Em 09/11/92, a "Legal...", como seguradora de um dos lesados e alegando a sub-rogação nos seus direitos, requereu idêntica notificação da requerida, "nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 323 do Cod. Civil - interrupção da prescrição", e tal notificação teve lugar em 10/11/92 (fls. 32 a 36).
O acidente em causa ocorreu em 16/11/89.
III- Quanto ao mérito do recurso:
A presente acção foi intentada mais de 3 anos depois de ocorrido o acidente de viação, estando em causa a interrupção da prescrição daquele prazo, previsto no artigo 498 n. 1 do Codigo Civil.
Essa interrupção baseia-se no disposto no artigo 323 ns. 1 e 4 do cit. Código, por motivo de notificação judicial avulsa da ré (requerida por ambos os autores) e de intervenção em anterior acção (requerida pela autora "Legal...").
Pelo cit. artigo 323 n. 1, "a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente".
São assim requisitos cumulativos desse meio de interrupção da prescrição: a prática de "acto", num processo de qualquer natureza; ser esse acto adequado a exprimir a intenção de exercício do direito, pelo seu titular; e a comunicação ao devedor do mesmo acto, por citação ou notificação judicial.
O meio normal de expressão directa da intenção do exercício do direito é a acção em que se pede a condenação do devedor no pagamento da prestação ou a formulação desse pedido por via reconvencional, e, como meios indirectos, têm sido indicados os do pedido de intervenção do devedor na causa, o chamamento de garantes, a reclamação de créditos em execução, falência ou insolvência, o exercício da compensação no processo, a dedução de acusação em processo criminal ou o pedido de intervenção nesse processo como assistente (cfr. Vaz Serra, na Rev. Leg. J., 112, pág. 290).
Sempre esses actos têm de ser praticados num processo, não bastando pois o exercício extrajudicial do direito, como a interpelação feita directamente ao devedor, ponto que não tem sido objecto de discussão e não teria sequer, na letra da lei, um mínimo de correspondência.
A questionada suficiência da notificação judicial avulsa foi rejeitada por diversos acórdãos das Relações
(J. R., 16, pág. 410 e C.J. XX, 1, pág. 271) mas acolhida pelo acórdão deste tribunal de 09/04/92 (no Bol. 416, pág. 558), por M. J. Almeida Costa, citando ainda Dias Marques, com base em "fortes razões práticas, embora a letra e a história do artigo 323... talvez pudessem inculcar a solução oposta" (Direito das Obrigações, 6 edição, pág. 992, em simples nota), e Rev. Trib. 94, pág. 28, porque o artigo 323 n. 4 "equipara à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido; nestas condições, ainda que o n. 1 excluísse a notificação avulsa, ela surtiria efeito ex vi do n. 4".
Entende-se, porém, que essa notificação não é meio adequado à interrupção da prescrição.
O cit. n. 4 do artigo 323, onde se estabelece que "é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido", apenas tem de especial, no confronto com o seu n. 1, a substituição da "citação ou notificação judicial" por "qualquer outro meio judicial", subsistindo os demais requisitos do n. 1, como a prática de "acto" num processo e a intenção, por ele revelada, de exercício do direito.
Esse n. 4 poderá suscitar alguma complexidade, na medida em que o "meio judicial" de se dar conhecimento de um acto é, em regra, a citação ou notificação (artigo 228 do Codigo de Processo Civil), e apenas terá sentido relevante no caso de a lei, em alguma hipótese especial, fazer equivalência entre interpelação ou comunicação e a notificação ou de se reportar a notificação feita fora do processo onde se praticou o acto relevante, como seria a notificação judicial avulsa da propositura de acção ou do requerimento formulado em processo pendente, indeferidos liminarmente e cujos despachos não foram notificados à parte contrária; tratar-se-à, em suma, do "acto equiparado" a citação ou notificação, a que se refere também o artigo 327 do Cod. Civil, mas sem se prescindir do requisito essencial da prática de acto judicial num processo.
Ora, a notificação judicial avulsa não dá lugar à organização de qualquer processo, em sentido próprio, pois "toda a actividade que se exerce é conducente à notificação", a qual consiste num "simples aviso" e "se se emprega a forma judicial é porque dá mais garantias de certeza" (A. Reis, no Comentário..., I, pág. 238, e II, pág. 589), pelo que esse meio, através do qual se comunica ao devedor a intenção de exercer o direito, não se traduz na prática de um acto judicial em algum processo mas naquela simples comunicação, com valor idêntico à que poderia ser feita por via extrajudicial.
Essa notificação judicial avulsa não é pois meio próprio para interrupção da prescrição prevista pelos ns. 1 e 4 do cit. artigo 323.
Concorrem no mesmo sentido o confronto com a lei anterior e os trabalhos preparatórios do Código Civil.
Pelo Cod. Civil de 1867, a prescrição interrompia-se, além do mais, por protesto judicial, mas esse efeito dependia de a acção ser proposta no prazo de um mês (artigo 552 n. 3) e tal protesto efectuava-se "por meio de notificação avulsa" (artigo 446 do Codigo de Processo Civil de 1961).
A notificação judicial avulsa em apreciação corresponderia a esse protesto judicial e a nova lei não contém qualquer preceito que lhe possa corresponder, pelo que é de presumir que o legislador não quis manter tal solução, para além de esta ser afastada pela letra do cit. artigo 323.
Por outro lado, naqueles trabalhos preparatórios, defendia-se que o acto extra judicial "pelo qual o credor exige ao devedor a prestação deve ser suficiente para a interrupção da prescrição, desde que feito por escrito", porque este acto, além de constituir o devedor em mora, "afigura-se suficientemente forte para traduzir um exercício do direito...", e, no respectivo articulado, propunha-se a interrupção da prescrição
"pela citação ou notificação judicial... do acto com que se inicia um processo... que traduza exercício do direito", "pela notificação judicial, ou circunstância equiparada, dos actos de exercício do direito praticados no decurso de um" desses processos, "pelo acto escrito pelo qual se dá conhecimento à outra parte do exercício do direito perante um tribunal ou uma autoridade, ainda que incompetentes" e "pelo acto escrito em que o credor constitui em mora o devedor"
(Vaz Serra, no Bol. ns. 106, pág. 213, e 107, pág. 295).
Confrontando-se esses trabalhos com a lei que veio a ser estabelecida, verifica-se que, além do mais, não se aceitou a relevância de acto praticado fora de algum processo, como seria o caso da notificação judicial avulsa, o que mostra não ter sido esta admitida pelo legislador como meio de interrupção da prescrição.
A solução mais razoável seria, porventura, a proposta por Vaz Serra, mas não foi a adoptada e as "fortes razões práticas" invocadas por Almeida Costa apenas poderiam ser consideradas no sentido daquela razoabilidade.
Na anterior acção proposta pelo A contra a "Legal...", esta requereu, em 19/04/90, a intervenção principal da ora ré Fidelidade, com o fundamento de o acidente ser imputável a culpa exclusiva do condutor do veículo nela segurado e de a mesma ter de "responder por todos os danos ocorridos..., onde se incluem os peticionados pelo A."; a chamada foi aí citada, em
25/05/90, e contestou; a mesma veio a ser absolvida da instância, por falta de fundamento legal para a requerida intervenção, e a respectiva decisão, de 17/09/90, foi notificada às partes em 24/09/90 (fls. 82 a 92 e 100).
Esse pedido de intervenção principal é o acto judicial praticado num processo; através dele, a requerente exprimiu, perante a requerida, a intenção de exercer os direitos de que viesse a ser titular por virtude do acidente em causa, dado ser seguradora de um dos veículos nele intervenientes; e deve incluir-se nesses direitos o que é pedido nesta acção pela "Legal..." (o reembolso do montante despendido pelo danos causados naquele veículo), uma vez que no pedido de intervenção se dá como reproduzido o alegado na contestação e neste articulado, entregue à chamada, se faz expressa referência ao aludido direito de regresso.
Apesar disto, também este acto interruptivo não tem o efeito pretendido pelos recorridos.
Por um lado, e em regra, a interrupção da prescrição limita-se "ao direito que se faz valer" pelo acto judicial (limite objectivo) e "só produz efeitos em relação às pessoas entre as quais se dá" (limite subjectivo), apenas sendo de admitir as excepções fundadas na lei ou nos princípios gerais, como resulta do disposto nos artigos 323 e seguintes do Cod. Civil
(cfr. Vaz Serra, no cit. Bol. 106, pág. 261, e na Rev. Leg. J., 112, pág. 291).
Assim, o efeito interruptivo da intervenção em causa não aproveitaria ao autor A nem, consequentemente, ao direito por ele exercido nesta acção, uma vez que tal intervenção foi requerida apenas pela "Legal..." e esta não era representante legal ou voluntário daquele nem a sua qualidade nem a sua qualidade de seguradora de um dos veículos, na qual era demandada na anterior acção, lhe conferia tal qualidade, sendo pois irrelevante o facto de ela ter atribuído à chamada a obrigação de "responder por todos os danos ocorridos... onde se incluem os peticionados pelo A."; essa imputação só seria relevante, para o efeito em apreciação, no caso de a "Legal..." vir a ser condenada naquela acção e pretender depois exercer direito de regresso contra a chamada.
Por outro lado, tendo a chamada sido absolvida da instância, naquela anterior acção, é aqui aplicável o disposto no n. 2 do artigo 327 do Cod. Civil, segundo o qual "... o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo", pelo que esse novo prazo, iniciado na data da citação da interveniente (25/05/90), já tinha decorrido quando foi proposta a presente acção (13/09/93); e não haveria sequer lugar a aplicação do disposto no n. 3 do cit. artigo 327, mesmo que fosse de atribuir a absolvição da instância a "motivo processual não imputável ao titular do direito", pois, na data do trânsito em julgado da respectiva decisão (notificada em 24/09/90), só tinham decorrido alguns meses daquele novo prazo.
Alega o recorrido A, em contra-alegações, que estava impedido, durante a pendência da acção anterior, de exercer os seus direitos contra a ré, por esta poder deduzir a excepção de litispendência, e que a invocação da prescrição integra abuso de direito, por se tratar de direito a indemnização decorrente do seguro de responsabilidade civil automóvel, mas não lhe assiste razão.
Aquela anterior acção podia ter sido intentada também contra a Fidelidade, a intervenção desta foi requerida apenas pela "Legal...", não sendo pois o autor parte nesse incidente, e nele não foi deduzido qualquer pedido contra a chamada, pelo que se não verificaram, mesmo na pendência dessa intervenção, ou seja, antes da decisão de absolvição da instância, os requisitos da litispendência, impeditivos da propositura de outra acção (artigos 497 e seguintes do Cod. P. Civil).
Além disso, os efeitos de tal intervenção sobre o decurso do prazo de prescrição foram já acima apreciados.
A figura jurídica do abuso de direito pressupõe a existência de um direito que é exercido com manifesto excesso dos "limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito"
(artigo 334 do Cod. Civil), o que se pode revelar por diversas formas, a apreciar em cada caso concreto, como a conduta anterior do titular do direito, incompatível com o seu exercício, a falta de qualquer razão minimamente justificativa ou o propósito de causar dano a outrem.
A prescrição é uma causa justificativa de recusa de cumprimento da respectiva obrigação, por motivos de diversa natureza, como a certeza e segurança jurídicas ou sanção da negligência do titular do direito, e a sua invocação traduz sempre, de algum modo, um certo
"abuso" ou excesso, na medida em que o devedor se furta ao cumprimento da obrigação que, em princípio, deveria ser cumprida e que, aliás, se mantém como obrigação natural (artigo 304 do Cod. Civil).
A sua invocação, porém, está legalmente reconhecida e, por isso, não pode equiparar-se ao abuso de direito, salvo em casos especiais em que se prove algum dos aludidos excessos, não sendo suficiente, para o efeito, o simples facto de a obrigação se basear em contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
Alega ainda o mesmo recorrido que, até à notificação da sentença proferida na anterior acção (em 10/12/92),
"esteve convencido de que a responsabilidade na ocorrência do acidente cabia ao segurado da Legal...", pelo que só a partir dessa data "poderia exercer o seu direito contra a recorrente e por isso só aí o prazo prescricional começaria a correr", nos termos do artigo 306 n. 1 do Cod. Civil.
Isto poderá reconduzir-se à questão do início do prazo de prescrição previsto no cit. artigo 498 n. 1, segundo o qual o direito "prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos...", o que tem sido objecto de alguma discussão mas não foi apreciado no decurso do processo, em cujas decisões se teve como implícita a coincidência entre aquela data e a do próprio acidente.
Tem-se defendido que a data relevante para início do prazo é aquela em que o lesado, "conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização..."
(A. Varela, Das Obrigações..., I, pág. 621, e acórdão deste tribunal de 27/11/73, no Bol. 231, pág. 162), e que não basta o conhecimento desses pressupostos, exigindo-se, ainda o conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe compete, nos próprios termos do cit. artigo 498 n. 1, ou seja, o conhecimento "de que é juridicamente fundado o direito à indemnização" (Vaz Serra, na Rev. Leg. J., 107, pág. 298).
Entende-se que a primeira solução é a mais rigorosa, por respeitar a elementos com um mínimo de objectividade, para além de a diferença entre ela e a segunda ser pouco mais do que aparente, uma vez que o conhecimento dos pressupostos da responsabilidade do lesante implica, em princípio, o do direito à indemnização ou, pelo menos, o dever de esclarecimento sobre a existência desse direito.
No caso presente a ré limitou-se a alegar, neste ponto, estarem "decorridos, há muito, na data da citação e da propositura desta acção, mais de três anos sobre o acidente..." (fls. 56), o que não seria, em principio, suficiente, pois cabe àquele que invoca a prescrição a alegação e prova dos respectivos factos constitutivos, incluindo os do início do prazo (artigos 342 e 343 n. 2 do Cod. Civil), pelo que a ré deveria ter alegado a data do conhecimento, pelos autores, dos aludidos pressupostos do direito à indemnização.
Verifica-se, porém, que o autor A, na resposta à contestação, alegou que "só no dia 26/04/90, com a notificação da contestação apresentada" na anterior acção "teve conhecimento de todo o circunstancialismo em que ocorreu o acidente" (fls. 70), e que a autora
"Legal...", com essa contestação e o pedido de intervenção principal da Fidelidade, na mesma acção, em 19/04/90, mostrou igualmente ter perfeito e expresso conhecimento desse circunstancionalismo (fls. 73 a 76).
Esses elementos devem ser aqui considerados, com base no princípio da aquisição processual (artigo 515 do Cod. P. Civil), e deles se conclui que os autores tiveram conhecimento dos pressupostos da responsabilidade civil da ré e, consequentemente, do direito à indemnização em causa, pelo menos nas aludidas datas, ou seja, mais de 3 anos antes da propositura da acção, pelo que houve o decurso do prazo da prescrição invocada pela ré.
Em conclusão:
A notificação judicial avulsa, pela qual se manifesta a intenção de exercício de certo direito, não é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito (artigo 323 ns. 1 e 4 do Código Civil).
Os efeitos da interrupção da prescrição, por acto judicial, limitam-se, em princípio, ao direito que se pretende fazer valer e às pessoas intervenientes nesse acto (artigos 323 e seguintes do cit. Código).
A invocação da prescrição não pode integrar, só por si, abuso de direito (artigo 334 do cit. Código).
O prazo de prescrição do direito a indemnização por responsabilidade civil extracontratual conta-se a partir do conhecimento, pelo lesado, da verificação dos pressupostos dessa responsabilidade (artigo 498 n. 1 do cit. Código).
Pelo exposto:
Concede-se a revista.
Revoga-se o acórdão recorrido e, na procedência da excepção de prescrição invocada pela ré, absolve-se esta dos pedidos.
Custas da acção e dos recursos pelos autores, na proporção do valor dos pedidos por eles formulados.
Lisboa, 12 de Março de 1996.
Martins da Costa,
Pais de Sousa,
Amâncio Ferreira.